A
Lei, em termos humanos, é força atuante, representada por um complexo de normas
do procedimento, segundo um mínimo ético - que seria a Moral - visando à
disciplinação da própria pessoa (espírito), segundo moldes lógicos e
necessários ao bem-estar coletivo.
Em ângulo mais aberto, a lei previne
e reprime; é profilaxia e terapêutica; age antes, durante
e depois do fato que, em alguns casos, nela se enquadra plenamente. Com
bastante convicção e tranquilidade, podemos mesmo afirmar que ela é elemento
indispensável à ordem da sociedade, "stricto
sensu", e do Universo, "lato
sensu". Sem a Lei, rolaríamos definitivamente no abismo da desordem
completa.
Como comportar-se o espírita diante
de realidade mais que verificada, amplamente comprovada?
Em quem acreditar? .. Nas vozes de uma pretensa liberdade ou em verdadeiras
promessas de "trabalho, suor e lágrimas", necessários ao burilamento
íntimo? Será
bom lembrarmos, para que se arrefeçam dúvidas, que liberdade absoluta é utopia, assim
como igualdade total. Há hierarquia no Universo do Pai... Sempre houve e
haverá. Galgamos
posições as mais diversas na longa caminhada que nós mesmos escolhemos com nossas
falhas, nossos erros e nossa teimosia. Pretender o contrário é invocar recurso surrado
e desgastado, carecedor de correções prementes. Liberdade absoluta pressupõe
desordem e arbitrariedade, sinônimos de anarquia. E a boa interpretação da Lei
vem auxiliar-nos no entender de semelhantes verdades. Isto porque estamos
condicionados a uma série de DEVERES impostergáveis para com o próximo e para
com nós mesmos. Nós, espíritas, principalmente, precisamos imbuir-nos de um
sentimento cada vez mais nobre e altruísta,
esquecendo DIREITOS e cultuando DEVERES. O dia em que o homem pensar em termos
de DEVER NATURAL o Direito despontará não mais como coerção, ainda necessária,
mas como único educador, como termômetro seguro, apontando tensões e
necessidades, estatuindo estágio mais feliz no campo das humanidades.
O papel da Doutrina Espírita no
terreno legal é, assim como em todos os demais, dos mais
vastos e significativos, uma vez que, sendo o Cristianismo redivivo, fornece os subsídios
indispensáveis a uma fiel compreensão dos problemas do mundo. De outro modo,
aliás, não poderia ser, uma vez que o Espiritismo é também Ciência e Ciência
marcha de
acordo com infinito número de Leis. Todos os dias novas perspectivas são
descortinadas por nossos olhos deslumbrados; a cada dia damos mais um passo em
direção ao conhecer. Abreviemos semelhante processo pela prática do bem
incondicional. Do mesmo modo, o
Universo não é senão um conjunto de leis sublimes e atuantes, a gerar harmonia
em todos
os sentidos. Encarando a Lei Universal, afigura-se nos tão majestosa a obra do
Pai de Misericórdia
que, sem o menor embargo, podemos sentir ORDEM naquilo que, exteriormente, toma
aparência de DESORDEM; é tudo uma fase preparatória ao advento do equilíbrio.
Tudo, é necessário convir, segue um processo inadiável e irreversível de
aprimoramento, de caminhar constante em direção à perfeição.
Para o verdadeiro espírita, Deus é a perfeição única, a Lei das leis, Lei essa que se projeta
concentricamente por todo o espaço, gerindo, criando sempre e transformando. A
Lei Divina é eterna e imutável porque dela depende o equilíbrio de todo o
Cosmo, da própria
vida em todos os graus de evolução. E para que exista ou venha a existir
felicidade em nosso mundo será necessário que as leis humanas, estruturadas,
codificadas de acordo
com as pálidas e anêmicas luzes de que nos fazemos portadores (quando não somos
a própria treva), sejam fiéis interpretações, projeções autênticas da Lei
Natural ou Divina. Semelhante
entendimento, no entanto, encontra-se basicamente orientado por uma das facetas
da Lei Divina e geral: a Lei do Progresso ou da Evolução. Nenhuma criatura foi gerada
para permanecer estacionária, seja onde for. Dinâmica, movimento... são
situações do próprio Universo! ... Nada para, nada cai em marasmo... tudo
caminha, tudo prossegue e progride. Passando pelos reinos inferiores, pelas
etapas intermediárias - aquele(s) elo(s) perdido(s) que procuramos -, somos,
finalmente, racionalizados, investidos do livre arbítrio que, mal utilizado,
nos leva à falência, à encarnação primeira, de acordo com a gravidade da falta
cometida. Entender ao contrário seria renegar a própria Lei Divina que
exaltamos diariamente, seria contra senso. Não pudemos seguir em linha reta, como
o Cristo de Deus, mas, nem por isso a Lei do Progresso foi derrogada...
Continuamos a seguir em ziguezagues, é bem verdade, mas sempre. O estágio em
que nos encontramos não nos permite captar a Lei Divina senão extremamente
deformada, desvirtuada. Por isso, por não compreendê-la sequer
satisfatoriamente, surgem as legislações falhas, que fogem à realidade e à
solução dos reais problemas do mundo.
É
a lei humana atuando segundo a lei do progresso que, a seu turno, funciona
embasada na lei Divina.
Concordamos, é bem verdade, em que
aquela longe está da projeção divina e que, ao
mesmo tempo, tal imperfeição - como já ficou patente - é produto de nosso
estágio evolutivo.
Mas, do mesmo modo, há que convir na impossibilidade de convivência sem o domínio
da autoridade constituída por lei e em favor da observância da própria Lei, o
que não
implica acatamento cego, sem raciocínio e sem garantias afastadoras do próprio
abuso legal.
É neste sentido que a Constituição
da República Federativa do Brasil, de 24 de janeiro de 1967, de acordo com a
redação que lhe conferiu a Emenda Constitucional nº 1, de
17 de outubro de 1969, apresenta, em seu artigo 153, caput, bem como nos trinta
e seis parágrafos
que se seguem, tudo no Capítulo IV do Título II, os Direitos e Garantias
Individuais, asseguradores de uma segurança a todos os que se encontrem no
país. Assim se apresenta a Lei Magna:
"Art. 153 - A Constituição
assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança
(Direitos da Personalidade) e à propriedade (Direito Real), nos termos
seguintes:"
...E seguem-se os trinta e seis
parágrafos. Os parêntesis são nossos.
Como o espírita deve encarar
semelhante dispositivo da Lei humana
Maior, somente comparável
- dentro da jurisdição doméstica - à "grundnorm"
"pacta surit servanda" do
Direito Internacional?.. Continuamos a afirmar ser tudo uma questão de
evolução, uma
vez que horizontes mais amplos e mais esclarecidos são efeito de passos
igualmente mais
corajosos, de defeitos vencidos, que um dia nos conferirão a certeza e a tranquilidade do
espírito seguro de si.
Com efeito, ainda que precisemos
estender nossa visão em um esforço para mais além,
no intuito de assimilarmos a "mens legis" (o cerne da lei), somente
descobrimos para
nós DIREITOS e, para os semelhantes, DEVERES. Achamos sempre, em explosões de egocentrismo
descabido, que a Lei nos assegura garantias, direitos contra todos, olvidando
que A e B - nossos companheiros de jornada evolutiva - merecem tanto respeito,
carinho e tolerância quanto nós mesmos. Mas, mesmo assim, nossa cegueira é tão
extrema, tão assustadora que temos o poder (que lástima! ... ) de subestimar os
valores de terceiros, não reconhecendo direitos e garantias a ninguém. Do ponto
de vista do personalismo que ainda nos vergasta, dizemos sempre Direito à vida, Direito à honra, Direito
à paz, Direito à liberdade, nunca
recordando o Dever de assistência, o Dever de honrar, o Dever de dar paz, enfim, o Dever
de acatar os direitos do semelhante!... Falamos sempre em Direito Natural,
esquecendo o Dever Natural.
É bem verdade que Direito sem Dever,
assim como Dever sem Direito são posições exacerbadas,
polos extremos que não produzem satisfatoriamente. Mas, é bem verdade também
que, se somente pensarmos em termos de Eu, Eu e Eu, estaremos colaborando para
o definitivo assentamento do império do egoísmo!.. Precisamos, paulatinamente - porque
nada se realiza às pressas -, substituir a primeira pessoa do singular pela
terceira para
que, futuramente, alcancemos a primeira do plural: Nós. Precisamos pensar antes
em DEVERES,
depois em DIREITOS, até que alcancemos a posição ideal da perfeição com o
Mestre e Senhor Jesus.
O espirita perante a Lei deve ser o
homem que tem como DEVER o acatamento dos DIREITOS
de terceiros, daí aparecendo sua garantia; deve ser aquele que, em resumindo, ama
ao próximo como a si mesmo e a Deus sobre todas as coisas.
Se a legislação humana é falha em
alguns pontos, é bastante lógica em outros... Consideremos as imperfeições que
temos conosco, procurando extirpá-las pela vivência do preceito do auxílio
mútuo e da caridade com o Mestre. Não entendamos com isso que devamos ser
fanáticos, anulando o raciocínio que é dádiva de Deus, "batendo no
peito" diariamente, repetindo o erro de outras religiões,
igrejificando-nos, encastelando-nos em supostas torres de marfim. Procedamos
justamente ao contrário: entendamos a Lei como elemento necessário ao
equilíbrio nosso, como conjunto de normas imprescindíveis ao bom andamento da
situação geral. E se achamos que a Lei deve aperfeiçoar-se ainda mais - e
certamente isso ocorre diariamente -, acatemo-la mais ainda, porque assim
estaremos pacificando um dos pontos fracos de nós mesmos: a intolerância... a
impaciência.
Não digamos que a Lei é ineficaz,
que de nada serve... Nunca!... Se já somos tão insubordinados,
com a Lei, que dizer sem ela?!..
Para terminarmos entendendo
plenamente a situação, imaginemos certos matizes de vocabulário, necessários a
uma plena compreensão. Atualmente, distinguimos na Lei dupla função:
a preventiva e a repressiva, com predominância desta. Futuramente, predominará a
finalidade preventiva, porque a maioria deixará de agir insubordinadamente, pelo
simples prazer de conturbar. E em épocas ainda mais remotas, em futuro muito
distante, achamos, a Lei será tão-somente neutralizante; ninguém duvidará mais
da verdade, da necessidade da fraternidade, porque, Espíritos redimidos, já
estaremos na Terra vivendo a felicidade de Mais Alto. Mas, nem mesmo então
permaneceremos na contemplação beatífica, porque Trabalho também é Lei Universal,
projeção da Lei Divina ou Natural. Alhures em algum lugar do espaço, a Lei
ainda estará na fase repressiva... e nós, que já compreenderemos a, Ordem
Universal, envidaremos esforços máximos no sentido de amainar a desordem e
infelicidade em que ainda gravitarão irmãos nossos, isso porque a LEI também é Cooperação,
Fraternidade, Sacrifício e Compreensão!. .. Agiremos com eles tal como os
mentores da Espiritualidade Maior, hoje, agem conosco.
Seremos então um só com o Pai!.. E isso porque a LEI é AMOR!...
Pacifiquemo-nos.
O
Espírita perante a Lei
Gilberto Campista Guarino
Reformador (FEB) Fevereiro 1973
Nenhum comentário:
Postar um comentário