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SESSÃO DE 17 DE JULHO DE 1940
Manifestação sonambúlica
Terceira do mesmo Espírito companheiro de Miguel e sub chefe das falanges que este último comandava
Médium: J. Celani
Espírito. – A selva escura do florentino eu a vi na digressão que me foi imposta ao afastar-me do vosso meio, na última reunião que fizestes. Espessa treva, embora eu ouvisse o estertorar das agonias. Nem uma só figura, sequer, eu vislumbrava, naquela negrura terrível.... Nem todos os monstros humanos, os Hugolinos triturados por dentes famintos, nada do que a cerebração forte do poeta descreveu se podia comparar ás angústias que observei nessa região tenebrosa do Infinito. Extensa, quanto mais eu nela penetrava, mais retumbantes se tornavam os ecos dos lamentos, mais escuro e tétrico o ambiente.
Segui, conduzido por uma força misteriosa, contra a qual a minha vontade era impotente. A certa altura, íngreme montanha se antepôs aos meus passos. Paro e uma voz suave e longínqua diz: “Galga, escal a penedia”. Avancei. À medida que lhe transpunha os precipícios, a treva se diluía pouco a pouco, até que, atingido o cume, a visão se me tornou de novo clara: vi um dilatado vale florido e legiões de Espíritos jubilosos, festejando... Que festejam eles? inquiri de mim mesmo, assombrando com o antagonismo dos dois cenários.
A mesma voz me respondeu: “Festejam a sua redenção. Os que lá vivem galgaram a montanha em que estás, deixando pelo caminho os estigmas do orgulho e do egoísmo, da luxúria e de todas as misérias que contaminam o gênero humano. A trajetória, que acabas de realizar em minutos, eles a fizeram durante séculos de dores e sofrimentos.”
Qual a conclusão, qual o ensinamento? Ai de mim! Galgar por séculos a montanha, só, sem cireneus, para sentir dentro d’alma a felicidade da paz, do amor, de todas as palpitações que nela abrigam aqueles que conquistaram, que realizaram em si mesmos a doutrina desse Cristo a quem resolvi servir, mas ao qual ainda não compreendo como vós o compreendeis!
Eu acreditava, e ainda não deixei de acreditar, que servir ao Cristo era forçar a consciência humana a aceitar a crença que Ele pregava e exemplificava; que admissíveis eram todos os meios para chegar a esse fim. E foram essa compreensão e esses meios que me trouxeram ao estado de inenarráveis sofrimentos e de embotamento intelectual em que me encontro.
Não podia e não posso compreender como se conseguirá transformar em cordeiros esses lobos que perambulam pelos caminhos da vida, sem o ferro em brasa, sem o cautério que façam se contenham nas suas inclinações para a maldade e para o crime.
Atirei-me, com toda a minha força, sobre tantos adversários, alguns com a envergadura de lutadores, e venci-os; mas, com muitos outros a minha ação se anulava. E a estes o mundo considerava reles criaturas. Eram, no entanto, heróis, pela firmeza das suas convicções e pela santidade dos seus propósitos. Diante disso, eu nada podia. por que, perguntava, se abato os fortes, se venço os lutadores, porque não posso com estes? Mistério!
Aqui aportei. Ouvi e compreendi algo desse mistério. O que me falta, dizem-me do outro lado, é um passo apenas para o esclarecimento e para o início de uma nova caminhada através do tempo, a fim de atingir o vale cheio de frescor e alegria. Consiste esse passo no compreender eu a obra do Cristo em espírito e verdade. Depois, tendo ao lado este cireneu, este bordão, encetarei a escalada da penedia, deixando pelo caminho a bagagem tétrica da maldade, para retomar a tarefa humilde do discípulo, servindo-me da inteligência para esclarecimento das almas simples e ávidas de verdade.
É um pouco muito, para o Espírito que nem ideias tem,porque lha tiraram.
Dize-me tu (dirigindo-se ao diretor dos trabalhos) o que devo fazer. Como sair dessa encruzilhada?
(o diretor responde que o que lhe cumpre, muito simplesmente, é pedir ao divino Mestre e Senhor, que permita a intervenção e a aproximação do seu Guia Espiritual, a fim de supri-lo de provisões para toda a viagem. E acrescenta: se, mal grado ao embotamento na carne e apesar da nossa miserabilidade, muito temos recebido, quanto mais não receberá tu, que atravessaste a selva escura e viste o quadro do evoluir da humanidade! Ora, pois, com a humildade daquele que lavou os pés a seus discípulos, e Ele escutará os teus rogos, dando-te o de que ainda necessitas para também te tornares seu discípulo.)
E. – Dizem-me os daqui que estou mais próximo de vós do que deles para a compreensão dos ensinos do Cristo, em espírito e verdade. O frade declara que a presunção precisa ser abatida, para que eu receba o batismo das mãos daqueles a quem feri com a minha maldade e a minha ignorância.
(o diretor lhe pondera que a sua presença ali não significa a existência de qualquer valor real dos que lhe recebiam fraternalmente a visita, mas, apenas, que estes se estão esforçando por compreender e sentir a lei do amor, que é a da assistência reciproca. Observa-lhe que lá, no outro plano, se acham os luminares da Verdade, verdadeiros apóstolos da doutrina, ao passo que no plano terreno estão as lesmas em prova, procurando dar testemunho de um esforço sincero por merecerem o amparo desses mesmos luminares, sem cogitarem do mal que outros lhes tenham feito. Assim o que lhe podiam oferecer era a dádiva de uma prece, para que ele, o visitante, recebesse a iluminação que ainda não pudera alcançar; para que a Mãe santíssima o beneficiasse com um lampejo da sua luz, a fim de que se lhe tornasse possível encetar a jornada de sua redenção. E pergunta: queres?)
E. - Qual o náufrago que recusa a tábua de salvação? Aceito. (É feita uma prece á Virgem).
Obrigado. Sinto-me menos opresso e mais encorajado, para dar o passo decisivo, que é a modificação das minhas ideias, adaptando-as ao novo estado que se me apresenta, depois que a minha liberdade sofreu a ação que a cerceou.
Eles me prometem para a próxima vez, se me derdes a honra de admitir-vos à vossa reunião, um grande bem para a minha alma. Aconselham-me que procure unificar meus sentimentos com os vossos no momento da oração, para que receba todos os benefícios desta.
Farei esforços nesse sentido. Até breve.
*
Comunicação final, sonambúlica
Dificuldades que se oponham à conquista daquele visitante, cuja rendição, no entanto, estava para breve. – Compreensão melhor que já tinha dos labores do Grupo. – O Espiritismo é muito mais proveitoso em trabalhos assim silenciosos, de que no clangor escandaloso que por aí vai. – Os pruridos de exibição. – Utilidade da divulgação dos trabalhos da Oficina de Ismael.
Médium: J. Celani
Paz, meus companheiros.
Incrível a incompreensão deste ser! Conquistá-lo será apenas um passo mais nos trabalhos futuros. A sua tenacidade, a firmeza de suas convicções e a força que possui para o comando dos que o seguem tem sido um empecilho à nossa ação. E vós bem sabeis porque. Não é preciso, pois, que eu vo-lo repita.
Os da sua categoria se atiram sobre todos quantos queiram servir na seara do Cristo e são sempre bem sucedidos, apesar dos nossos esforços em contrário, quando encontram escancaradas as portas.
Ele hoje compreende melhor os vossos labores e no seu cérebro, embora obcecado, começa a bruxulear um tênue raio de luz, dando-lhe a ver o que é o Evangelho de Jesus Cristo, em espírito e verdade; esse Evangelho que, não sentido pelo seu coração, foi a causa do estado de sofrimento que acaba de manifestar aos vossos olhos.
Meus companheiros, tive a grata satisfação de ver confirmado neste plano o ponto de vista que aí sempre defendi. O Espiritismo é muito mais produtivo nestes trabalhos silenciosos, sem retumbâncias, do que no clangor escandaloso que por aí vai.
Nós, aqui, atacamos de frente o obstáculo maior, a ação das consciências que aí procuram apropriar-se do que lhes falta para a felicidade. Lá fora, excetuados um ou outro gesto espontâneo e sincero, há muito prurido de exibição, suscetível de acarretar dificuldades sérias á nossa tarefa.
Os trabalhos que aqui se realizam podem ser levados ao conhecimento geral, uma vez julgados úteis a esse fim, a fazer que surjam lutadores capazes de adotar a nossa forma de proceder na seara de N. S. Jesus Cristo.
Terei oportunidade de abundar noutras considerações em torno de problemas que demandam a atenção de todos nós, responsáveis ou não pela direção da propaganda. Hoje, fiquemos por aqui.
Dize ao M. que tenha cuidado e, se não vigiar, pode tornar-se causa de escândalo para a doutrina e de prejuízo para o seu espírito.
Encerrai a vossa reunião, elevando o pensamento a Mãe das mães, suplicando o seu patrocínio para vós e para nós. Paz. – Richard.
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