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segunda-feira, 28 de março de 2011

A Obra pessoal e administrativa de Allan Kardec







A obra pessoal e administrativa 
de Allan Kardec

A. Wantuil de Freitas
Reformador (FEB)  Outubro 1943
           
           Apesar de os homens chamarem Cristianismo a Doutrina pregada pessoalmente por Jesus Cristo, excluindo dessa denominação todas as demais religiões que existem no orbe terráqueo, por se distanciar o Cristianismo, evolutivamente, de todas elas, não podemos, com os conhecimentos que possuímos e com as revelações que vimos recebendo, considerar essa  classificação, senão como humana e imperfeita, diante da unidade e da perfeição do Criador.

            Examinando-se o código de qualquer reunião ou seita, desde os Vedas até os tempos atuais, desde as que dominam o Oriente até as que enchem de luz o Novo Mundo e desde o dente por dente até o amor para os inimigos, como prega o Espiritismo, verificaremos que o Cristianismo sempre existiu, que nasceu com o próprio planeta e o acompanhou na sua evolução, iluminando os habitantes da Terra, em todas as épocas, de acordo com a capacidade intelectual da Humanidade que nos precedeu, até conduzi-la ao período atual, em que essa unidade será compreendida e constituirá a felicidade dos homens do terceiro milênio, por desaparecerem do mundo as guerras e as perseguições religiosas, orientados que serão todos pelo raciocínio espontâneo ou pelo que ocasionem as lapidações da dor.

            Como a ciência e a cultura, a religião é sempre a religião. Ontem, como hoje, sempre evolvendo, à procura da perfeição e da sabedoria, no progresso contínuo e infinito.

            Aliás, nem só em face da unidade e da perfeição do Criador se legitima que o Cristianismo existe desde todos os tempos. Legitima-se ainda por duas outras circunstâncias do maior relevo. A primeira é que sendo o Cristo o governador do nosso planeta, quem presidiu à sua formação, o diretor da Humanidade a cuja habitação ele se destinou, com a incumbência de levá-la da fase inicial da sua evolução até a suprema perfeição, nada ocorre, nem ocorreu jamais na Terra, com referência a essa evolução humana, senão sob o influxo direto do pensamento e da vontade do mesmo Cristo, que reflete o pensamento e a vontade divinos. A segunda é que uma só e única é a revelação de onde decorre o conhecimento das verdades que entendem com o progresso moral dos homens, objeto das religiões, revelação que, porém, é feita parceladamente, de acordo com as necessidades daquele progresso, sendo isso o que faz-se suponha serem várias as revelações.

            Em conseqüência, uma só e única é a religião (meio ou processo de ligar-se ou religar-se a criatura ao criador), a evolver sempre, ontem como hoje, rumo à perfeição e à sabedoria, sob a ação inflexível da lei do progresso contínuo e indefinido.

            Ontem, bastavam os seus deuses de ouro; hoje, esses mesmos deuses, que os nossos antepassados idolatravam, já não satisfazem às exigências da cultura humana. Ontem, o Deus vingativo, colérico e partidista, que supunham proteger povos e nações; hoje, o Deus dos espiritistas, a derramar suas bênçãos sobre todas as criaturas, sem as distinguir por pátrias, raças, crenças ou posições sociais privilegiadas.

            Essa unidade religiosa, patenteou-a o Cristianismo, ao ensinar-nos que Jesus já existia antes da formação da Terra, verdade evangélica que o Espiritismo confirma e completa, afirmando que o mesmo Jesus presidira à formação do planeta em que habitamos e em cujo progresso devemos colaborar.

            Conhecidas que são todas as revelações, ou todas as parcelas da revelação única; reconhecido que ao Cristo foi entregue a direção da Terra, chegando muitos a considerá-lo fração do Criador; aceitas pelo mundo cristão, como verdade, as palavras que Ele, o Cristo de Deus, nos deixou em seus Evangelhos, anunciando repetida e insistentemente a evolução dos conhecimentos religiosos, não se pode deixar de reconhecer que o missionário que surgiu no ano de 1804, da nossa era, veio para receber, qual se deu com Moisés, os ensinos que o mesmo Cristo, dois mil anos, havia prometido, em complemento da obra que pessoalmente realizara e que, conforme declarou, não poderia terminar, senão com a vinda do Consolador, em época propícia à sua compreensão.

            Surgindo os primeiros fenômenos preditos, na época predeterminada, em todo o planeta e ao mesmo tempo, fenômenos esses incompreensíveis para os homens, era necessário que do Alto descesse um Espírito capaz de assimilar, entender e codificar os ensinos que eles continham. Daí o aparecimento de Allan Kardec, cujo missionário se revelou desde os quinze anos de idade, época em que já prestava seu concurso de auxiliar de confiança do maior pedagogo da Europa no século XIX, e, mais tarde, com o desprezar todas as facilidades, que se lhe ofereciam, de vencer na vida material, se seguisse a magistratura, exercida por seu pai e por seu avô, afim de assumir a penosa missão de cuidar da educação e da instrução de seus semelhantes, como em verdadeira preparação para o cumprimento da que recebera, quando ainda no plano espiritual, qual a de codificar o Espiritismo, de modo a restaurar o Cristianismo em toda a pureza com que o pregou o Cristo, explicado à luz da razão, da ciência e dos fatos.

            Para demonstrarmos, à saciedade, o missionarismo de Kardec, comparável ao apostolado daqueles que acompanharam a Jesus e lhe gravaram as palavras, que atravessariam os séculos, ampliadas com as Epístolas e a narrativa dos atos, não precisamos recorrer à obra, que ele espiritualmente recebeu e que, por grandiosa e sublime, é conhecida de todos os que militamos nas fileiras espiritistas.

            Procuraremos fazê-lo por meio da sua obra individual, dos documentos pessoais que os discípulos reuniram no livro “Obras Póstumas”, demonstrando que ele gozava do dom da presciência, comum a todos os missionários que baixaram à Terra, documentos em que nos deixou as recomendações necessárias a que nós, seus discípulos, não viéssemos a falir na missão que devemos desempenhar, dentro dos múltiplos setores das organizações espiritistas, missão que se inicia com a reforma do nosso próprio espírito, para dilatar-se em vôos luminosos à conquista da felicidade próprias, da Família, da Pátria e da Humanidade.

            Antes, porém, de examinarmos a preciosa obra pessoal, administrativa, de Allan Kardec, assinalaremos que o seu aparecimento se verificou exatamente na época em que Napoleão, dominando o mundo católico pelas armas, conseguiu submeter o clero a uma concordata que lhe outorgava, a ele Napoleão, poderes absolutos em troca de favores que ocasionaram as perseguições religiosas, com as suas lamentáveis conseqüências.

            Médico*, poliglota, contabilista e professor de renome, com inúmeras obras publicadas, amigo pessoal de inúmeros homens de alta posição social e cultural, o missionário abandonou todas as vantagens materiais que lhe sorriam, para codificar as leis do Espiritismo e a este consagrar-se inteiramente, sem se preocupar com os inimigos que logo surgiram, até mesmo entre os que deveriam amá-lo, como se lê na sua anotação de 1º de Janeiro de 1867: “Tenho sido alvo do ódio de implacáveis inimigos, da injúria, da calúnia, da inveja e do ciúme. Aqueles que se diziam a meu favor, e que se mostravam amáveis na minha presença, me apunhalavam pelas costas.”

            No entanto, sem se preocupar com esses virulentos, que são de todas as épocas, morcegos infectados pelos bacilos do orgulho, da presunção, do ciúme e da ambição, não usou senão da tolerância, pedra de toque com que se aquilata ainda, nos dias atuais, o valor de uma instituição ou de um espiritista. Sem dar ouvidos aos morcegos, reconstituiu a Sociedade Espírita, em 1869, com o capital de 40000 francos, para exploração da livraria, da revista e das suas obras, negando-se, pela sua presciência, a aceitar o oferecimento de um confrade que se propunha a publicar-lhe os livros a preços fabulosamente reduzidos, como se lê à página 350 de “Obras Póstumas”, onde explicou sua atitude nestes termos: “Entre os que formam o núcleo espírita, há muitos que vêem tudo cor de rosa, e, facilmente benévolos, se deixam levar pelas aparências e caem nos laços de uns tantos que dizem dar o sangue, a fortuna e a inteligência para que triunfe a ideia. Em tais indivíduos - é Kardec ainda que fala - há sempre um pensamento oculto, porque, anunciar a venda de alguma coisa, a preço impossível, é ocultar a especulação. Acautelai-vos - recomenda o missionário - isto é o cúmulo da hipocrisia.”

            Apesar de fundador da Sociedade Espírita, num gesto de humildade e de solidariedade, renunciou à presidência dela e declarou que só desejava o lugar de simples membro, sem nenhuma supremacia, título ou privilégio no seio da Comissão Diretora, e só consentiu em aceitar o cargo de presidente, diante de uma votação unânime, que o sensibilizou e venceu.

            Repetindo e relembrando aos seus companheiros a recomendação contida nos ensinamentos dos Espíritos, recomendação que ainda hoje e em todas as épocas distinguirá o Espiritismo das religiões militantes, ele escreveu que o programa do Espiritismo não é invariável, porque não há quem possa conhecer, inteira, a Verdade Absoluta, tanto assim que - continua - aquilo que hoje nos parece falso, amanhã poderá ser reconhecido como verdade.

            Previdente, iluminado, podemos afirmar que desejava precatar as organizações espiritistas da influência que deturpara as religiões anteriores, quando recomendava que a direção dessas organizações não deveria depender da vontade de um homem mas de uma comissão, como se verifica na casa em que vos falamos neste momento. Comissão essa a quem caberia estudar os princípios novos, suscetíveis de entrar no corpo da Doutrina. Aconselhava, mesmo, que a Constituição orgânica do Espiritismo fosse revista de 25 em 25 anos, a fim de modificar-se sob o influxo das idéias progressivas da experiência e marchar a par das idéias evolutivas.

            Como missionário, por efeito da sua clarividência, previu que os homens tenderiam a transformá-lo em novo Moisés e, dessa forma, sepultariam a sua Doutrina evolutiva ao lado das outras que a precederam, as quais, pelas suas interpretações puramente humanas, não concordaram com a evolução religiosa e deificaram os seus fundadores.

            Foi Kardec, como o foram os apóstolos do Cristianismo, incompreendido por muitos dos seus companheiros. Flammarion, seu maior e mais íntimo amigo, chegou a declarar, no discurso que pronunciou à beira do seu túmulo, que ele suscitava rivalidades, por fazer escola de caráter pessoal, ocasionando a separação dos espíritas e espiritualistas.

            Não podiam compreendê-lo, como ainda hoje se dá, por misturarem a sua obra espiritual com a sua opinião pessoal. Confundiam o que ele afirmava, por lho haver dito o Espírito de Verdade, com as suas concepções pessoais, quando bem mais fácil é distinguir-se uma coisa da outra, porquanto, nestas últimas, nada afirmava; apenas apresentava hipóteses e lealmente as declarava suas, pessoalmente suas, destinando-as a ser examinadas pelos que lhe sucedessem e a só serem aceitas depois que a observação dos fatos as confirmasse, explicando sempre que não devemos rejeitar apressadamente, a priori, tudo o que não podemos compreender, porque longe estamos de conhecer as novas maravilhas que só gradualmente se nos irão deparando. Essas recomendações seus discípulos procuraram seguir, confirmando-as, ao apresentarem o resumo de “Profissão de fé espírita racional” - com que iniciaram o livro “Obras Póstumas”.

            Conhecedor profundo do homem, certamente por haver, em encarnações anteriores, percorrido as várias classes sociais, o Mestre fala, à página 258 daquele mesmo livro, do perigo dos que sorrateiramente, com abraços, se introduzem nos centros espíritas a espalhar o veneno da calúnia, a lançar o pomo da discórdia. “Hábeis, - diz ele - pregam a união e semeiam a divisão, atirando à arena questões irritantes e ofensivas. É preciso desconfiar - continua - dos entusiasmos muito ferventes, que não resistem à prova da legítima pedra de toque - o desinteresse moral e material, mesmo porque - acrescenta - o núcleo, que sempre seguiu o bom caminho, prossegue em marcha lenta, mas segura.”

            Afirmava repetidamente, para exemplo dos que lhe sucedessem, não ter  a pretensão de ser o único capaz de estudos sérios e que se sentiria feliz todas as vezes que se apresentassem oportunidade para corrigir-se de qualquer engano que cometesse.

            Kardec foi a personificação do bom-senso. Recebeu no Espaço a incumbência dificílima de codificar uma doutrina, destinada a modificar inteiramente a concepção humana sobre religião e cumpriu fielmente todo o programa que do Alto lhe fora traçado.

            Glória, pois, a esse iluminado Espírito. Apresentamo-lhes as nossas homenagens pelo muito que lhe devemos da nossa felicidade; sigamos lhe o exemplo de desprendimento das coisas materiais, amando-nos e tolerando-nos e teremos prestado ao primeiro missionário da Terceira Revelação a verdadeira consagração a que certamente aspira - a de testemunhar o progresso das criaturas pelo Trabalho, com Tolerância e Solidariedade.

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