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segunda-feira, 28 de março de 2011

'Liberdade e Intolerância' - Parte 02/02




             Amparado por entidades espirituais, que haviam considerado a época oportuna, apesar de todos os perigos, Allan Kardec pode ver o Espiritismo ganhar terreno. Estabeleceram-se discussões, controvérsias, debates, e tudo isso constituía o fermento da sua vitória definitiva. ‘O Livro dos Espíritos’ trazia em si todos os motivos para motivar o interesse geral, porque oferecia a demonstração de ser, simultaneamente, ciência e filosofia, com os ingredientes morais de uma doutrina visceralmente religiosa!
            Nos seus desmandos através dos séculos, a Igreja romana estimulou a reação dos que pugnavam pela liberdade de consciência, mas ajudou poderosamente o materialismo, porque se confundia com o comportamento que ela sustentava, contrário aos princípios constantes dos Evangelhos. A religião era, então, para muitos, indesejável, porque a Igreja, que a encarnava, sempre hostilizava os cientistas, perseguindo-os, humilhando-os, submetendo-os, não raro, a provações terríveis. A Inquisição fora criada para impor, pelo terror, a vontade daqueles que se consideraram herdeiros do meigo Nazareno...
            Mas a marcha do tempo favorecia os desígnios dos que eram combatidos pelo poder teológico. Quando alvoreceu o século XIX, o caminho já começava a ser melhor achanado, mas o materialismo crescera, fortalecido pela intolerância da Igreja, ou melhor, das Igrejas. ‘O campo da Filosofia não escapou a essa corrente renovadora. Aliando-se às ciências físicas, não toleravam as ciências da alma o ascendente dos dogmas absurdos da Igreja. As confissões cristãs, atormentadas e divididas, viviam nos seus templos um combate de morte. Longe de exemplificarem aquela fraternidade do Divino Mestre, entregavam-se a todos os excessos do espírito de seita. A Filosofia recolheu-se, então, no seu negativismo transcendente, aplicando às suas manifestações os mesmos princípios da ciência racional e materialista’, comenta Emmanuel, prosseguindo: ‘A Igreja romana era culpada de semelhantes desvios. Dominando a ferro e fogo, conchegada aos príncipes do mundo, não trata de fundar o império espiritual dos corações à sua sombra acolhedora. Longe da exemplificação do Nazareno, amontoara todos os tesouros inúteis, intensificando as necessidades das massas sofredoras. Extorquia, antes de dar, conservando a ignorância
 em vez de espalhar a luz do conhecimento’.
            ‘A tarefa de Allan Kardec era difícil e complexa. Competia-lhe reorganizar o edifício desmoronado da crença, reconduzindo a civilização às suas profundas bases religiosas’. – aduz Emmanuel. Abalada pelas conseqüências da guerra de 1870, a Igreja, já o papa sem os poderes temporais, roncava um poder que decrescera. Entretanto, em certos países, ainda dispunha de influência para prejudicar as ânsias de crescimento de idéias nascentes, principalmente no setor religioso. Prudente, mas destemeroso, Allan Kardec entrou em cena. ‘É nessa penosa situação que surge a Codificação do Espiritismo, ainda hoje pouco conhecida no mundo’, escreveu o sempre lembrado amigo Ismael Gomes Braga. O elevado critério que seguiu, a par da habilidade incomum que demonstrou, assegurou o triunfo dos primeiros passos da Doutrina Espírita. Se apresentava idéias novas, entretanto, elas traziam o endosso de significativas personalidades do agrado da Igreja romana, personalidades que, sem dúvida alguma, honravam o espírito cristão. O Espiritismo não viera como uma religião, porque toda a sua estrutura moral revelava-lhe a condição distinta: não era uma religião, mas a Religião, porque o Cristianismo  redivivo. Não se infira, pois, que Kardec tenha tergiversado. Em absoluto. O seu caráter ilibado jamais o levaria a isso. Apenas procedeu com prudência e habilidade, pois que, em abono da sua conduta irrepreensível aí estão as páginas de ‘O Livro dos Espíritos, de ‘O Livro dos Médiuns’ e, mais positivamente, ‘O Evangelho segundo o Espiritismo’. Depois, ‘O Céu e o Inferno’ e, por fim, ‘A Gênese’.
            O roteiro das obras espíritas foi perfeito. Se o primeiro livro foi a cunha que abriu caminho para a implantação do Cristianismo na terra, os demais, que completam a série, estabeleceram o todo que constitui a Codificação. Kardec afirmou, com acerto, a progressividade do Espiritismo, quando disse; ‘O Espiritismo, avançando com o progresso, jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrarem que está em erro acerca de um ponto, ele se modoficará nesse ponto; se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará (‘Gênese’, pág 39).
            A verdade nova apareceu em maio de 1866, quando Jean-Baptiste Roustaing lançou a obra mediúnica ‘Os Quatro Evangelhos’, devidos à mediunidade de uma senhora respeitável, de nome Emilia Colignon. Mas essa verdade surpreendeu Allan Kardec, que ainda não tivera tido o ensejo de conhecer de visu os fenômenos de materialização. Desencarnada antes das famosas e comprovadas experiências do ilustre físico William Crookes, que, durante três anos, sozinho ou com a coadjuvação e o controle de pesquisadores e observadores insuspeitos, por sua participação em trabalhos científicos, teve  a seu lado o Espírito Katie King.  A obra de Crookes, divulgada pela FEB com o título ‘Fatos Espíritas’, descreve tão extraordinárias experiências. Todavia, ‘se o Espiritismo, conforme afirmou Kardec, não quer que o aceitem cegamente; reclama a discussão e a luz’, também ‘ a fé necessita de base e esta base consiste na inteligência perfeita daquilo em que se haja de crer’ – sentenciou igualmente o Codificador. E, para crer, não basta ver; é, sobretudo, preciso compreender.   
            Assim, como desejaríamos que procedessem conosco, respeitamos a liberdade de consciência, a liberdade de pensar daqueles que nos adversam. A tolerância deve ser sempre, sejam quais forem as circunstâncias, um sentimento básico dos verdadeiros espíritas. Sem ela, o espírito se desfigura, porque se nega a si mesmo. Compreendemos a divergência de idéias, mas não conseguimos compreender possa um espírita ser intolerante, principalmente quando contesta por malícia ou desconhecimento de causa. É verdade que a luz não chega ao mesmo tempo a todas as mentes. Temos que dar tempo ao tempo, sem, no entanto,, renunciar ao direito que nos cabe de defender nossos pontos de vista, principalmente porque a obra em questão em nada conflita com a Doutrina Espírita. ‘E é de notar-se que, como aliás forçosamente havia de acontecer, contra semelhante revelação nenhuma voz autorizada se fez ouvir até hoje, porquanto o que sobre ela expendeu o Mestre Allan Kardec, além de não constituir mais do que mera opinião humana, conforme Leopoldo Cirne advertiu, não chegou a exprimir uma condenação, ou impugnação, senão simples escusa de um procedimento categórico, ditada pela prudência que se lhe impunha, em face de tudo quanto não se achasse consignado nas respostas e esclarecimentos que os Espíritos lhe deram, para estruturação da Doutrina Espírita. Inspirou-lhe, sem dúvida, a atitude reservada que assumiu em presença da obra roustainiana, que, todavia, segundo ele próprio declarou, não está em contradição, por nenhum de seus tópicos , com a doutrina exarada em ‘O Livro dos Espíritos’ e em ‘O Livro dos Médiuns’, atitude, aliás, demonstrativa do perfeito critério com que agia em todas as coisas, a necessidade, que se lhe manifestava imperiosa, de afastar quanto possível as causas de quaisquer controvérsias capazes de empecer a marcha triunfal da doutrina que lhe tocara codificar’ (Guillon Ribeiro – Prefácio de ‘a Personalidade de Jesus’, de Leopoldo Cirne  - FEB).


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