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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Porque sou Feliz


Porque sou feliz
Reformador (FEB) Dezembro 1938

            Nascido no seio de humilde família de lavradores do Norte de Portugal, como eles, também fui educado na religião católica, sobre a qual nada posso adiantar, porque nada lhe pude extrair de proveitoso, nem de desaproveitável; apenas lhe conheci os princípios, que mais ou menos me impressionaram.

            Por conseguinte, nada mais direi a respeito, desejando de coração o bom entendimento a todos os que ainda a professam, certo de que o futuro melhor lhes dirá, do que ninguém, de suas faltas ou de suas virtudes. É Deus que em sua infinita Misericórdia assim o quer.

            De minha parte, o que acho de mais proveitoso é, sem roubar o precioso tempo que os leitores dedicam certamente aos atos santos da caridade cristã, como fazem todos os que trabalham na Seara de Jesus sob o teto e proteção da Casa de lsmael, fazer do modo mais resumido, mas bem compreensível, a minha profissão de fé no Espiritismo, o Consolador por Jesus prometido. Esta profissão vem, meus prezados irmãos, como a de quase todos, depois de haver eu percorrido os tortuosos caminhos e estradas desta vida de provações, em todos os sentidos, recebendo nos ombros o peso das vicissitudes humanas. Quando já tudo me parecia acabado, aporque ferida fora nas asas a ave do orgulho, a Misericórdia de Deus me permitiu encontrar o pouso magnífico da reflexão, para aí ver, não mais com olhos da carne, que me iludiam, mas com os do Espírito, o que são a Verdade inconfundível e eterna e a Vida Futura.

            Hoje, estudando, procurando compreender, cada vez se me depara maior a Sagrada Palavra do Redentor e cada vez também me vejo mais pequenino e mais humilde, diante da coluna que separa o homem deste mundo da perfeição de Deus.

            Mas, também me sinto com coragem para enfrentar, com mais serenidade do que antes, todas as provações por que haja de passar o meu espírito, no restante da presente peregrinação na Terra. Unindo-me de coração a todos os meus irmãos mais velhos em crença, consubstancio meus desejos numa prece ao Senhor, para que nos ampare e ilumine, iluminando a toda a humanidade, com a única luz que a pode guiar nesta vida: O Espiritismo Cristão, que a todos levará ao Porto da Salvação.

            Certo fico de haver cumprido assim o meu dever, dando, embora precariamente, mas com sinceridade, o meu testemunho de reconhecimento à Misericórdia do Senhor e aos sentimentos de caridade puramente cristã de todos os espíritas de quem me considero o mais pequenino irmão em Jesus Cristo.

Quintino Bocayuva

Manoel  A Sampaio e Mello

Reexame Científico da Sobrevivência


Reexame Científico da Sobrevivência
Hermínio C Miranda
Reformador (FEB) Setembro 1959
           
            Após os comentários aqui mesmo publicados sobre as obras do eminente professor J. B. Rhine, resolvemos escrever diretamente àquele cientista, atual Diretor do Laboratório de ParapsIcologia da Universidade de Duke, em Durham, North Carolina, Estados Unidos.

            Em nossa carta, manifestamos ao Dr. Rhine interesse em conhecer suas obras mais recentes sobre as importantes pesquisas que vêm realizando há tantos anos. Não somente procuramos dar ao ilustre pesquisador uma ideia de nossa posição perante o problema, como também manifestar o interesse com que vimos acompanhando seu trabalho.

            Em delicada carta de 26 de Fevereiro de 1959, o Dr. Rhine nos informou acerca de seu novo livro, aparecido após "The New World of tne Mind", sobre o qual escrevemos em "Reformador" de Fevereiro de 1959.  A nova obra chama-se “'Parapsychlogy, Frontier Science of the Mind” e foi produzida de parceria com o Dr. J. G. Pratt.

            Em anexo àquela carta, o Dr . Rhine nos enviou, também, vários folhetos que contêm preciosas informações.

            Em vista de nosso manifesto Interesse no problema particular da sobrevivência, remeteu-nos uma separata de seu artigo "Research on Spirit Survival Re-examined”, originariamente publicado no "The Journal of Parapsychology" (assinatura anual     US$ 6.00, publicação da Duke University), volume 20, nº 2, de Junho de 1956.

            Sobre este importante trabalho falaremos hoje. Oportunamente comentaremos o novo livro, já encomendado dos Estados Unidos.

*

            Como se vê pelo titulo, o artigo procura reexaminar o tema da sobrevivência do espírito. Com aquele método científico com o qual já nos tornamos familiarizados, o Dr. Rhine começa pelo enunciado do problema, que consiste em apurar se a personalidade de alguma forma efetiva ou em algum grau, subsiste à morte do corpo físico. Tal questão, que “ainda” (palavra do autor) desperta interesse na maioria das pessoas, é, por muitas, encarada como sendo "da maior importância possível".

            Se a Ciência pode responder à questão e como poderão ser conduzidas as investigações, isso é outro caso e muito controverso, como o autor o admite. Mas a  Ciência deve obter respostas claras, sem ambiguidade, mesmo que, às vezes, tenha que esperar a solução de alguns enigmas preliminares. Não se pode considerar como solução científica. o abandono das questões, sem resposta. Enquanto houver alguma coisa para ser examinada, o problema continua a existir e a investigação deve prosseguir".

            No entanto, informa o autor, os estudos realizados no passado, em torno do problema da sobrevivência, se basearam em trabalhos mediúnicos. Mais tarde, quando métodos para estudo controlado da mediunidade foram aperfeiçoados, o "entusiasmo popular e a investigação sobre as comunicações espíritas haviam desaparecido.

            Parece que o autor se refere aqui àquela febre inicial em torno do fenômeno – e, sobre isto, remeto o leitor à substancial obra de Zêus Wantuil, "As Mesas Girantes e o EspIritismo" -, em que era moda reunir um grupo mais ou menos irresponsável e propor perguntas divertidas e ridículas à mesa.

            É preciso, ainda, não esquecer que foi na aparente frivolidade daquele jogo de salão, que o gênio de Allan Kardec divisou os princípios luminosos da codificação.

            Segundo o Dr. Rhine, porém, a evidência que então se acumulou não serve mais, porque os padrões de aferição, usados na época, estão Inteiramente superados.

            De minha parte, suspeito que não é bem isso. Alguém que desejar, hoje, confirmar o princípio de Arquimedes não precisa meter-se numa banheira cheia, para concluir que um corpo mergulhado na água perde parte do peso correspondente ao volume de água deslocado. Teríamos, certamente, outros métodos mais simples e - admito - até mesmo mais precisos de aferição; em nada, porém, estaríamos alterando a substância do principio observado por aquele sábio. Milhares de exemplos outros poderiam ser referidos. Galileu não precisou de modernos métodos de observação e controle para concluir que a Terra não é o centro do sistema solar. Por melhores que sejam hoje os métodos e os instrumentos, qualquer cientista que perscrutar o infinito concluirá com Galileu.

            Os grandes vultos do Cristianismo jamais ouviram falar em Parapsicologia e suas vidas estão pontilhadas de fenômenos espíritas. O Dr. Rhine dirá fenômenos de ESP (percepção extra-sensorial), a Igreja dirá que são milagres, mas, no fundo, é tudo proveniente da atividade elo espírito humano preso à matéria densa ou em liberdade relativa no espaço.

            O Dr. Rhine poderia dizer que com a pesquisa a coisa é diferente. Não vejo como, nem porquê. O fenômeno espírita ou anímico é igualmente regulado por leis. tão precisas, matemáticas, sábias e imutáveis como as que regulam as manifestações da matéria, desde o submundo do microscosmo até o supermundo do macrocosmo. O trabalho da Ciência é descobrir as leis. Use, pois, os métodos que desejar, desde que descubra princípios válidos e suscetíveis de suportar os testes da experimentação,

            Não vai nisto - é mais que evidente - nenhuma critica à exposição do Dr. Rhine. Queremos, simplesmente, na medida de nosso bom senso, enxergar claro através da argumentação de quem ainda "não viu a luz". É preciso dar-lhe o crédito que merece pelo que já fez (e fará) e encarar, até mesmo com simpatia, o rigorismo de seus métodos. Quanto maior o rigor, melhor. É isso mesmo que desejamos, porque sabemos - com a graça de Deus - que a verdade só terá a lucrar.

            O mal é que o homem é incuravelmente descrente da evidência acumulada por outrem. É da própria natureza humana. Queremos ver por nós mesmos; pegar, apalpar, cheirar, sentir. Se alguém nos diz que a tinta é fresca, levamos instintivamente o dedo para verificar se é mesmo verdade . O que acontece, então, é que os cientistas de hoje acham que seus colegas de há um século eram muito bisonhos e poderiam ter cometido enganos de avaliação; que não tomaram todas as precauções que deveriam ter tomado; que não possuíam instrumentos seguros para medição e controle. Julgamos que só nós próprios podemos fazer "as coisas" direito e só podemos aceitar as conclusões que nós mesmos encontramos. No entanto, se cada vez que a Ciência quisesse avançar, tivesse que refazer todas as experiências do passado com novos e aperfeiçoados instrumentos, estaríamos num beco sem saída.

            Vamos, porém, fazer justiça ao Dr. Rhine. Ele continua dizendo que não foram os métodos aperfeiçoados que "trouxeram as pesquisas sobre a mediunidade ao atual estágio de comparativa inatividade". Trabalhos de SaltMarsh com a Sra. Elliot e de J. G. Pratt (o co-autor do Dr. Rhine em sua nova obra, referida no princípio deste artigo) com a Sra. Garret, desencorajam tal interpretação.

            Mesmo agora, há estudos sérios sobre o assunto {que confirmam o ponto de vista de que "o exercício de precauções no trato com o médium e no registro e análise do material comunicado não inibem necessariamente o fluxo de significativas mensagens pertinentes ao cooperador" (assistente).

            A despeito disso, o Dr. Rhine reafirma que houve um declínio no interesse científico em torno do problema da sobrevivência. Atribui esse declínio, parcialmente, às próprias experiências da Parapsicologia.  Isso porque, é ele quem o diz, a melhor evidência de comunicação espírita, através da mediunidade, sempre suscitou, da parte dos críticos, a contra-hipótese da telepatia, isto é, o médium teria recebido a informação por via telepática. A própria teoria espírita - diz o autor - reconhece o processo telepático de comunicação entre o agente desencarnado e o médium. Dessa forma, a Ciência podia concluir que a telepatia, entre o médium e alguma pessoa viva, explicaria o fenômeno de maneira mais simples que a hipótese espírita. O grande óbice - diz ainda o Dr. Rhine - é que havia enorme quantidade de informação que a telepatia não podia explicar, de vez que consistia em pormenores que "nenhuma pessoa viva conhecia". Tais casos a hipótese da clarividência. "poderia" explicar. Acontece que a cIarividência também não era tomada a sério. Aí, então, entrou o cientista em cena.

            As pesquisas na Universidade de Duke, e que tanto destacaram o nome do Dr. Rhine, começaram nos primeiros anos da década 1930-1939. Ao cabo de algum tempo, a evidência em favor da telepatia e da clarividência tinha crescido consideravelmente. Hoje em dia, tais fenômenos não são mais discutíveis. Os fatos investigados pelos métodos mais frios e controlados da ciência ortodoxa produziram evidência suficiente, não para convencer os irredutíveis inimigos do progresso e da verdade ou os indiferentes amigos do comodismo, mas pelo menos para tranquilizar aqueles que esperavam o pronunciamento da Ciência.

            Por outro lado, informa o Dr. Rhine, com o desenrolar das pesquisas ficou também demonstrado o fenômeno dado o fenômeno da psicocinésia. Por conseguinte, conclui ele, de maneira bem curiosa, os fenômenos produzidos em laboratório poderiam explicar a mediunidade. Não havia, pois, interesse no prosseguimento do estudo desta.

            De modo que, se um médium possuísse todas as capacidades psíquicas demonstradas pelas pesquisas, então poderia produzir à vontade os fenômenos tidos como espíritas. O argumento, mais que simples, é simplista.

            E continua o articulista dizendo que mais se agravou o desinteresse científico pela sobrevivência, depois que a visão mecanicista do homem se tornou um hábito no estudioso. De fato, parecem inseparáveis o pensamento e a atividade do cérebro, pois
que o desenvolvimento intelectual acompanha o desenvolvimento da estrutura cerebral, e tudo quanto afeta o cérebro acarreta distúrbios na função mental correspondente. Que parte desse conjunto de funções interligadas, incrustadas na massa física e tão dependentes dela, poderia então sobreviver? Como poderia funcionar sem o corpo físico que lhe serve de base? Daí, o escasso interesse científico pelo assunto da sobrevivência, segundo o Dr. Rhine. Criou-se, pois, um “clima" intelectual desfavorável a esse tipo de pesquisa. Até mesmo o cientista que se dedica ao assunto fica afetado em seu destino, como indivíduo.

            Esse é o ponto de vista do autor. Até aqui, sua informação parece estar mais em concordância com aquele clima desfavorável, que propriamente com certo otimismo quanto ao futuro da pesquisa.

            No entanto, é preciso reconhecer a legítima honestidade de propósito desse incansável pesquisador que é o Dr. Rhine. Seu artigo faz uma pequena pausa e começa a atacar o problema sob outro ângulo. Vejamos.

*

            Diz ele que, para o cientista, - uma vez que a questão não tenha sido solucionada satisfatoriamente de um jeito ou de outro, ela continua a ser a mesma questão.

            A seu ver, os esforços empregados na verificação da hipótese da sobrevivência, no passado, já possuíam uma tintura apriorística que deformava os resultados, pois que partiam do pressuposto de que a sobrevivência era um fato. A falta de evidência seria, então, uma conclusão sem sentido: somente resultados positivos poderiam contar. No momento, porém o quadro mudou muito. Não são mais os grupos religiosos que trazem a questão para o foco da pesquisa, como acontecia no século dezenove. Na opinião do autor, aquela onda de entusiasmo passou sem produzir resultados conclusivos. A questão agora, no entanto, se destaca espontaneamente da massa de informação colhida pela Parapsicologia. "Das pesquisas feitas - diz o Dr. Rhine - floresceu um conceito da natureza humana que parece aproximar o critério da espiritualidade, até onde este possa ser  atingido." Preste atenção, leitor, que esta é uma importante afirmativa e uma ponderável concessão ao pesquisador que, aos poucos, se vai deixando penetrar pela esmagadora força dos fatos. Ouçamo-lo mais adiante, nesse mesmo tom: "Foram demonstradas algumas capacidades que não estão manifestas em nenhum dos critérios físicos da estrutura somática e dos processos orgânicos." E mais: "Dessa forma, podemos dizer que mesmo que nunca tivesse havido qualquer afirmativa de categoria espiritual, em a natureza, estes resultados (obtidos através da Parapsicologia) tornariam necessário inventar um, ou, pelo menos, algo que pudesse, a esta altura, ser simplesmente chamado "extra-físico”. 

            Já não existe, pois, sombra de dúvida para o Dr. Rhine de que o homem possui um princípio espiritual, regido por um conjunto de leis próprias independentes das que governam as manifestações meramente orgânicas do corpo físico.

            O problema, para a Ciência, não é mais o de saber se existe esse princípio extrafísico, a que há muito chamamos Espírito; a questão - ainda para, a  Ciência - é saber que grau de independência ou autonomia possui esse princípio; se ele é separável do corpo físico; se sobrevive à dissolução deste. Para o Dr. Rhine, a conceituação da parte não-física da personalidade humana, é mera questão de tempo. E nisso estamos de acordo. Podemos até antecipar os resultados que a Ciência vai encontrar lá na frente. Não vai nisto nenhuma partícula de orgulho tolo ou de pretensão vulgar. A verdade não tem orgulho nem pretensão - ela espera tranquila, confiante, porque é eterna, impessoal e para ela marchamos fatalmente, a despeito de ocasionais obliterações do entendimento.

            O Dr. Rhine esclarece ainda em seu substancioso artigo, que a Parapsicologia não está interessada em confirmar nenhuma fé ou causa messiânica.  Está simplesmente investigando as fronteiras de um mundo mais amplo. As descobertas já feitas, até o presente, esboçam aquelas fronteiras "além dos limites do estreito fisicismo”.

            É evidente, na opinião do autor, que as recentes descobertas e a considerável quantidade de dados acumulados pela Parapsicologia atingiram um ponto em que se recomenda um "retorno ao estudo do assunto". Isto é profundamente animador.

            Dentro desse programa de estudo a ser desenvolvido, certamente haverá um capítulo a cuidar especificamente da questão da sobrevivência, pois que "um dos tipos relativamente comuns de experiência psíquica é aquele no qual é dada a impressão de que o agente é um amigo ou parente morto". E continua: "Em tais experiências, a aparência de uma Invasão da que se poderia chamar agente espiritual ou comunicante é, de fato, uma característica frequente e, algumas vezes, desafiadora. É digno de nota, ainda, o fato de que tais experiências não possuem nenhuma conexão aparente com qualquer credo ou filosofia. Qualquer que seja a influência dos fatores culturais, as referidas experiências representam a própria interpretação das experiências do indivíduo."         

            Também aqui está ele dizendo o que todos nós temos dito vezes sem conta: o fenômeno espírita não escolhe os seguidores da doutrina espírita; ele ocorre com os melhores católicos, os mais empedernidos materialistas, com budistas, ateus, protestantes, judeus, sábios, ignorantes, velhos, moços e crianças.

            Todo esse material de pesquisa, diz o Dr. Rhine, está à espera de um reexame. O parapsicólogo se vê na contingência de explicar a "impressão de que a influência espiritista produz o fenômeno". Curiosa maneira de dizer. Parece que o cientista ainda pretende, a todo custo, encontrar uma explicação que possa ser tida como científica., mas fora da órbita das explicações espíritas.

            Depois de muito revolver o material, com tantos reexames quanto queira, a Ciência encontrará, fatalmente as respostas que o Espiritismo vem dando há mais de século. O rio pode fazer tantas curvas quantas queira, mas caminha inapelavelmente
para o mar.

            Parece que o Dr. Rhine está em bom caminho, pois que a sua segurança inicial, do lado negativo, começa a aluir. Ouçam o que diz ele: "Mesmo nesta fase preliminar dos estudos, casos espontâneos, sugerindo a sobrevivência, têm apresentado várias
possibilidades que despertam interesse no pesquisador. Um bloco de tais experiências humanas selecionadas indica um fio de motivação pessoal, de objetivo individual tão peculiar a certo identificado indivíduo falecido, que a espécie de mensagem comunicada, não poderia, sob tais condições, ser logicamente (ou psicologicamente) atribuído a qualquer outra pessoa viva ou morta." (Os grifos são nossos.)

            A Ciência que enfrente o problema. Para nós, graças a Deus, o problema não existe. porque estamos convencidos da sobrevivência do espírito humano e da faculdade de - sob certas condições - comunicarem-se vivos e "mortos". Sabemos perfeitamente que vida e morte são palavras vazias de significado específico; são as duas fases da mesma realidade, que é a contínua duração do espírito através de ciclos alternados: uma fase, preso à matéria densa; outra fase, em liberdade relativa, evoluindo sempre, aprendendo sempre a doce lição que há milênios o Cristo e seus emissários vêm pregando incansavelmente.

            Sabemos também que ao cabo de tanta luta e sofrimento, de tanta queda e recuperação, de tanta mágoa inútil, o espírito descobre a coisa mais simples deste mundo: que só o bem constrói, que só o amor purifica, que só a caridade eleva. Em suma, descobre o que o poeta expressou tão bem: como é bom ser bom!

*

            Vejamos, porém, como conclui o Dr. Rhine seu brilhante estudo sobre a retomada do problema da sobrevivência.

            Sentimos que sua resistência à concepção espírita vai cedendo aos poucos. Às vezes ainda tem certas desconfianças - que segundo suspeitamos é mais "para uso externo" - quando diz, por exemplo, que se há entidades espirituais ou personalidades de natureza incorpórea - e isso ele praticamente já admitiu - o "approach" mais direto seria aquele que solicitasse a contribuição dessa entidades para que "provassem a hipótese de sua exístência". Isso, porém, exigiria um preparo muito bem planejado, confessa o autor.

            Quanto a mim, acho que os Espíritos não têm feito outra coisa senão prestarem-se docilmente às exigências dos cientistas, dando-lhes toda a cooperação que lhes tem sido razoavelmente solicitada ou determinada por poderes mais altos. Não foi isso que fez Katie King com Sir William Crookes? Não é isso o que têm feito milhões de Espíritos através da secular história da experimentação espírita? Sem dúvida que é, mas a ciência tem sido estranhamente obstinada quanto a este fenômeno, que, mais que qualquer outro, nos interessa como seres humanos.

            É da mais transcendental importância a cada um de nós, conhecer o mecanismo de sua própria personalidade, que saber como explode uma bomba atômica. Não obstante, por estranha contradição, colocamos muito maior quantidade de esforço e energia na concepção e produção de um engenho destruidor como a bomba, que no estudo daquilo que, mais de perto nos diz respeito, isto é, nosso espírito e sua sobrevivência.           

            Por outro lado, a situação ainda mais se agrava quando pensamos que, uma vez explodida a primeira bomba, ninguém mais duvidou de sua existência, de sua capacidade de destruição e de seus terríveis efeitos, que perduram e se estendem às gerações subsequentes. Ninguém precisou estar em Hiroshima ou Nagasaki para acreditar no seu poder fatal. Seria admissível que alguém nos viesse dizer agora que é impossível existir tamanho poder de destruição num simples grupamento de átomos que se desintegram? Quando se trata de fenômenos espíritas, o homem quer repetir de novo as experiências. Cada um quer ver por si mesmo; o testemunho dos outros nunca serve, ou então, como querem alguns, está eivado de fraudes. Se um cientista como o Dr. Rhine, pela sua intrínseca honestidade, não pretende escapar comodamente pela porta da fraude, como vem então argumentar que no passado a Ciência não estava, como hoje, preparada para exercer controle rigoroso sobre a experimentação?

            Que venham os controles, dizemos nós. E que venham logo, porque a Humanidade está atingindo a zona do desespero, vivendo dias de insuportáveis tensões, véspera de espantosos acontecimentos. Os transviamentos sociais, políticos, filosóficos, morais, não têm outra origem senão no alastramento do materialismo. A Ciência, a nova deusa do século, tem larga parcela de culpa nesse estado de coisas. Que venha, pois, com seus novos controles e os aplique com rigor. mas que venha e conclua e proclame corajosamente as verdades que encontrar. Não por nós, espíritas, que estamos tranquilos. Não por nós, que, graças a Deus, já encontramos a nossa verdade. no Consolador prometido pelo Mestre Supremo. Mas que venha a Ciência provar aquilo que já sabemos, para que milhões de irmãos nossos possam também, gozar o privilégio da verdade, que não é patrimônio exclusivo de ninguém.

*

            Nas últimas linhas de seu trabalho, o Dr. Rhine informa que, a despeito de certas dificuldades, há realmente maior razão para otimismo no momento, do que há algumas décadas. Depois de estabelecer que existe algo mais (palavras dele) na personalidade humana que o mero substrato físico, cabe à Parapsicologia ir adiante e investigar os horizontes que se descortinam além. Investigar sem dar importância às indiferenças e dificuldades que a nossa herança cultural acumulou no passado, pelos caminhos do progresso.

            De alguma forma, Dr. Rhine informa, os acontecimentos do mundo atual são até favoráveis. "Os dogmatismos da fé autoritária, a respeito do destino do espírito humano, estão a se chocarem violentamente com os dogmatismos do pensamento mecanicista proveniente das ciências físicas. Ambos os dogmatismos estão ligados às instituições sociais e políticas da vida moderna e se tornaram instrumentos do poder e da luta pelo poder."

            Leia esse trecho de novo, leitor, que é de grande significação filosófica para qualquer ser humano. É por Isso, justamente, que acuado pelos dois irredutíveis dogmatismos - científico e religioso - o homem sensato luta desesperadamente à procura de uma saída. Segundo o Dr.Rhine, a saída está em retomar a pesquisa da natureza humana qualquer que seja o resultado que possa advir dessa investigação.

            Diz até, ainda, que tal resultado não poderia desapontar ninguém, apesar de que poderá surpreender a todos. Afinal de contas - conclui -, a "Ciência sempre ampliou os horizontes humanos, em todas as fronteiras do conhecimento"

*

            Estamos à espera, Dr. Rhine. Disse e repito: não por nós. A responsabilidade da Ciência é tremenda quanto ao futuro daqueles que ainda não tiveram resposta às suas inquietações ou nem sequer sentiram essas inquietações. Milhões e milhões, por
este mundo a fora, vivem emparedados na obscuridade da descrença, do dogmatisrno, da indiferença ou da intolerância, à espera de uma palavra libertadora. O cientista talvez consiga abrir a fenda por onde a luz possa penetrar em muitos desses espíritos.

            Longe de ser mera manifestação de proselitismo, nosso desejo imenso, impaciente, cristão, é o de que a consoladora verdade espírita frutifique no coração de todas as criaturas. O homem que caminha na luz tem que sentir a sofreguidão incontida de ajudar o irmão que ainda tropeça na obscuridade.

            Já que a ortodoxia religiosa tem falhado tão lamentavelmente em seus objetivos, depositemos nossas esperanças nos novos propósitos da Ciência, tal como esboçou o Dr. Rhine. Mesmo que ainda estejam as pesquisas sob a égide do racionalismo frio. Os missionários da obra divina encontrarão meios de iluminar os resultados até o dia em que Ciência e Religião, trabalhando irmanadas, ajudem o homem na sua longa caminhada na direção da Luz.




Um estudo sobre aparições - Parte 2


Um estudo sobre aparições parte 2
Hermínio C. Miranda
Reformador (FEB) Agôsto 1959


            Regressemos a Mr. Tyrrell e sua obra "Apparitions" e tentemos dar maior síntese a este trabalho, que está ficando muito alongado.

            Deixem-me dizer, ainda, que o caso 35, que relatamos e comentamos no número passado desta revista, está no livro de Mr. Tyrrell sob o título curioso e esdrúxulo de ''Uma alucinação subjetiva, não telepática". Que não é telepática, sabemos nós, Mas. por que subjetiva? E por que alucinação?

            Com o objetivo de fazer caber todos os casos relatados dentro de suas inaceitáveis teorias, Mr. Tyrrell se empenha fundamente nas mais complexas hipóteses.

            Em sua concepção, a visão é produzida por um conjunto de circunstâncias. Não passa de uma fantástica "piece at stage-machinery", quer dizer, uma peça de mecânica teatral, Ela é criada (literalmente, na expressão do autor) para expressar uma ideia. Essa ideia é uma espécie de motivo, de tema, ponto de partida para a criação do enredo. não faltando mesmo o produtor e o cenarista. Na sua opinião, o agente do drama e seu perceptivo - utilizando recursos comuns: lembranças, noções retiradas do Inconsciente, etc. - constroem o drama, montam o cenário e, então, a ideia se dramatiza, como se não passasse tudo de uma cena barata de vaudeville, Infelizmente. o autor não pode explicar como é que se passa o fenômeno. Admite, porém, que é difícil imaginar o agente do drama e seu perceptivo reunidos, a combinarem os pormenores da ação (pág. l02).

            Nas páginas seguintes, Mr.Tyrrell expõe miudamente suas ideias, citando Freud, Myers, Leibnitz, McDougall, Mace, Lord Balfour e outros e outros. Parece que, não se sentindo muito certo de seus próprios recursos, o autor busca apoiar-se alhures.

            Suas dificuldades aumentam sensivelmente quando ele procura explicar, a seu modo, as visões coletivas, isto é, presenciadas por mais de uma pessoa. Conclui, por não haver outra alternativa, dentro de sua linha de raciocínio, que "some kind of telepathic process" deve ocorrer. Mas como? se ele próprio acabou de recusar, muito legitimamente, a hipótese de Gurney que explicava a transmissão por um ridículo processo de infecção?

            A seu ver, então, cada um dos expectadores seria induzido a criar a sua imagem, expressando, assim, a ideia coletiva coincidente. Meu Deus, quanta boa vontade é preciso ter para aceitar todo esse mecanismo. O autor ainda vai mais longe, porém, e diz: se pudéssemos produzir tais fenômenos coletivos experimentalmente, aprenderíamos muita coisa sobre telepatia...

            Mas, não se impressione o leitor com as atuais dificuldades do autor, porque elas se agravarão nos capítulos seguintes.

*

            No capítulo quarto ("Clarividência") do seu livro, Mr. Tyrrell encontra novos e sérios embaraços. Diz inicialmente que, do ponto de vista teórico, os casos mais difíceis de explicar são os chamados recíprocos.

            Paciência, leitor, que precisamos contar este também que é de grande importância. É um caso clássico e que no livro tomou o número 36: Mr. Willmot, um cidadão americano, regressava de navio à sua pátria, em companhia de um amigo, Mr. Tait. Ocupavam a mesma cabine, com dois leitos - um em cima, outro em baixo. Mr. Wilmot conseguiu dormir e então sonhou. Já. de manhã, que sua esposa – que estava nos Estados Unidos - viera visitá-lo.  Ela entrou no camarote, hesitou ao ver que havia outro senhor no leito de cima, mas caminhou na direção do marido, curvou-se para beijá-lo levemente, fez-lhe uma rápida carícia e saiu silenciosamente, Em seguida, ele acordou e deu com o amigo, no leito de cima, apoiado num cotovelo e olhando-o de maneira estranha. "Você, heim? - disse-Ihe o outro - recebendo visitas femininas aqui no camarote." Mr. Wilmot, atônito, insistiu por explicações e o amigo narrou toda a história. A descrição correspondia exatamente ao sonho que acabara de ter, O mais interessante, porém, é que, ao chegar em casa, a esposa de Mr. Wilmot foi logo perguntando: "Você recebeu uma visita minha, terça-feira da semana passada? "Ele fingiu ignorar e respondeu: "Como? se eu estava em alto mar', a mais de mil milhas daqui?" Ela contou, então, o que lhe passara. Sentindo-se preocupada com o marido, pois tinha tido notícia de que o navio em que ele viajava sofrera consequências de mau tempo, transportara-se para lá, de algum modo. Lembra-se de ter cruzado o mar agitado e chegado ao navio - baixo e negro - onde entrou, descendo à cabine onde estava o marido dormindo. Ao entrar, notou que havia um homem a olhar fixamente para ela, do leito de cima. Hesitou por alguns instantes, mas depois foi até ao marido, curvou-se para beijá-lo e fazer-lhe uma carícia, retirando-se em seguida.

            O leitor pode agora imaginar as dificuldades de Mr. Tyrrell. Ele começa por admitir que o caso parece favorecer fortemente a teoria de Myers, segundo a qual uma Inteligência consciente observadora estaria presente no lugar em que ação foi vista. A Sra. Wilmot se recorda de cada detalhe; o amigo do marido a olhá-la do leito de cima, o estilo peculiar dos leitos, que ela descreveu ao marido, o mar agitado, o navio, tudo o mais. Por conseguinte, seria de se admitir, logicamente, que ele esteve lá. Mas não.  Mr. Tyrrell conclui que ela "viu" a cabine através de uma ligação telepática com o marido. O fato de Mr. Tait, companheiro de quarto, ter participado da experiência, teria ocorrido, segundo Gurney, porque ele se "infeccionou" pela ideia!  "As explicações de Mr. TyrreIl prosseguem, tão laboriosas quão fantásticas e inúteis. Depois de muito escrever, citar e conjecturar, o autor conclui que toda a história foi um drama construído pelo inconsciente do Sr. Wilmot e o de sua esposa. Bem, e como é que Mr. Tait, expectador desinteressado, assistiu a tudo? É fácil, diz Tyrell: ele era urna peça importante no drama, que não estaria completo sem ele; por conseguinte, foi arrastado para a ação da peça! Simples, não? Mas como se deu esse fenômeno? O autor não o explica, infelizmente. Fica o leitor com todo o direito de achar que ele não tem uma explicação plausível do mecanismo dessa participação involuntária de Mr. Tait, ainda que admitindo ser verídica ou aceitável a primeira parte da explicação, quando afirmou que a visão era uma conspiração entre o senhor e a senhora WlImot.

*

            No subcapítulo seguinte, o autor examina alguns fenômenos anímicos, a que ele chama "Travelling clairvoyance" - clarividência móvel. Ele próprio é o primeiro a autenticar os fatos que cita, que estão acima de qualquer suspeita. Trata-se de fenômeno de desdobramento consciente do perispírito, que já tivemos oportunidade de comentar ligeiramente, em "Reformador" de Maio deste ano.

            No caso, uma jovem - que nunca recebeu dinheiro pelas demonstrações que fez - desdobrava-se, conservando a consciência, e depois descrevia as cenas a que assistira. Tais descrições eram testadas posteriormente, com as pessoas visitadas pela jovem, em Espírito. Claro que Mr. TyrreIl não conta o fato com essas palavras, mas é o que de fato ocorre. Como e, então, que ele explica o caso? Simples. Ele não admite a presença da moça no local que ela sempre descreve após a experimentação, Acha que ela construiu toda a cena, retirando o material de sua própria personalidade e das personalidades daqueles que possuem a informação de que ela precisa para "montar” sua dramatização. Extraordinário poder dessa moça! Descobrir que informação iria precisar, e descobrir onde encontrar as pessoas que possuíam tais informes e, ainda mais, penetrar a memória dessas pessoas e de lá retirar o material de suas "construções”... É de estarrecer!

            Não posso compreender porque todo esse esforço titânico era substituir, por uma elaborada, fantástica e inaceitável hipótese, uma explicação tão simples, racional, lógica e perfeita. Por que não se admite, pelo menos como hipótese, a  afirmativa de que a moça esteve de fato no local que descreveu? Não em seu corpo físico, material, mas em seu corpo perispiritual, consciente?

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            Às vezes, o autor tem momentos de humildade passageira. Admite, à página 128, que "estamos ainda no escuro, com relação à estrutura da personalidade humana, que é provavelmente muito mais extensa e complexa que qualquer ideia que dela se possa ter no presente; talvez o processo telepático descubra, na personalidade, um fator que os processos subjetivos e hipnóticos não tenham ainda atingido".

            Com essas ideias preconcebidas, suspeito que a Ciência continuará ainda por muito tempo naquele escuro a que se refere o autor, não conseguindo nem mesmo tocar a superfície do profundo significado contido na personalidade humana.

            Mais para o fim do livro, o autor se perde ainda mais nas suas conclusões. Vejamos algumas.

            Comentando um caso em que a aparição não é de pessoa viva conhecida, ele informa, candidamente, que, se a aparição "representa' uma pessoa morta, isso não quer dizer que o morto é o agente. A pessoa viva pode produzir o fenômeno. Como já vimos. o autor acha que o "agente", isto é, aquele que deseja produzir uma aparição e um drama, tem poderes supranormais, sendo capaz de criar o que bem aprouver, até mesmo reprodução exata de outro ser humano! No entanto, após afirmar isso, o autor informa que, por outro lado, a aparição é produzida por algum agente e que na maioria dos casos é difícil encontrar um candidato plausível, a não ser a própria pessoa que a aparição representa. Em outras palavras se a aparição parece com meu amigo. J., falecido. há muito tempo, quem estaria interessado em se mostrar como J., a não ser ele mesmo?

            E dai, pergunto eu, onde ficamos, Mr. Tyrrell?

            Mas vamos seguir mais um pouco o pensamento do autor. Os casos em que a evidência indica que o fantasma aparecido não estava mais entre os chamados vivos, Gurney os interpretou como sendo de telepatia diferida, ou retardada. Vejamos o que é isso. A pessoa, ao morrer, segundo aquele teorista, enviou uma mensagem telepática a alguém, que só a recebeu alguns minutos depois ou algumas horas depois. Não vamos discutir essa possibilidade, porque teríamos que escrever um livro. Vejamos, porém, onde quer chegar Mr. Tyrrell. Em contraposição à teoria de Gurney, Myers acha que o ente "material" está de fato presente, onde se deu a aparição. O autor não sabe como decidir a pendência porque páginas atrás já  rejeitara a hipótese de Gurney, baseando-se, não somente na lógica, como em casos concretos que relatou e aos quais a teoria de Gurney não se adaptava. O dilema, então, pode ser assim expresso, se me permitem: ou a hipótese da telepatia diferida, de Gurney, ou a hipótese material de Myers e seu corolário lógico, indispensável, conclusivo, que é a sobrevivência do espírito, Não sabendo o que fazer de seu dilema, o autor cria uma terceira ponta na alternativa, tal como um apêndice incongruente. Diz ele que a argumentação apresentada no presente livro rejeita a interpretação de Myers e altera profundamente a de Gurney. Vemos, pois que o autor força a adaptação de suas teorias à medida que as dificuldades vão surgindo em seu caminho, porque antes rejeitara não somente a teoria de Myers como a de Gurney.

            Ao tentar mais adiante explicar os casos de aparições ocorridas muito depois da morte, (Gurney havia fixado um limite arbitrário de 12 horas), Mr. Tyrrell esbarra novamente com um volumoso bloco atravessado em seu caminho: os casos de percepção coletiva de aparições. Ainda se poderia admitir, num "tour de force", que a imagem telepática enviada pelo agente, no momento da morte, ficasse retardada, de certa forma, não explicada, e certamente não explicável. Por fim, ao cabo de algumas, horas, dias, ou anos, a imagem atingiria o perceptivo, num momento psicológico favorável, quando ele estivesse em condições de receber a imagem. Então, o fenômeno ocorreria e estaria tudo em paz.

            Mas como é que todo esse conjunto de circunstâncias poderia ser explicado racionalmente, quando duas, três ou mais pessoas assistem ao mesmo fenômeno de aparição e suas descrições coincidem?

            O retardamento da imagem telepática, nesse caso, teria que viajar no tempo e no espaço, tomando em consideração, com precisão matemática, a disposição de cada um dos espectadores, para, então, eclodir, simultaneamente, em todos, no exato momento psicológico de cada um. E daí?

            Mr. Tyrrell não se impressiona muito com as dificuldades criadas pela evidência e salva-se com esta: (pág. l361: "Alguns casos, certamente contêm alguma evidência em favor do ponto de vista de que a pessoa morta representada pela aparição é realmente o agente. Então, qual a conclusão do leitor ? Mr. Tyrrell aceita ou não aceita a sobrevivência? De minha parte não admiro que o leitor não possa decidir a pendência, porque o próprio Mr. Tyrrell está envolto pelas trevas da dúvida.              

            Desde que exista, porém, uma exceção à qual não se aplique a hipótese arquitetada para a generalidade do fenômeno, a suposição perde toda a sua substância . É uma contingência inelutável do raciocínio científico, não da alta Ciência - que eu, pobre de mim, não estaria em oondições nem de mencionar, mas daquela Ciência modesta, contida nas leis fundamentais que nós todos aprendemos no ginásio. Uma lei só pode ser estabelecida quando, sob idênticas condições experimentais produz idênticos resultados. Se misturarmos oxigênio e hidrogênio, nas proporções exigidas e mergulharmos na mistura uma esponja de platina, há uma reação química e se produz água (H2O). Qualquer pessoa poderá fazer a experiência e ela se repetirá ad infinitum, quando observadas as mesmas condições básicas.

            Agora, se alguns casos de aparição produzem evidência da ação de pessoas chamadas mortas -- e isso o autor admite, como acabamos de ver - então já não se pode generalizar a idéia de que a sobrevivência não ocorre porque o fenômeno pode ser produzido por pessoas vivas. Afinal, -que lei é essa que se adapta a diferentes situações? Basta uma exceção para invalidar o raciocínio. E existe uma força impressionante de evidência a esse respeito, desde tempos imemoriais. O próprio Cristo foi agente de aparições Jogo após a morte na cruz. Já naquela época, havia os Tomés, que não podiam aceitar a evidência. Hoje, eles são milhões.

            Mal subido às tamancas ainda modestas da incipiente ciência humana, o homem se deixa levar pela mística do laboratório que só aceitaria à existência e a sobrevivência do Espírito se conseguisse aprisioná-lo numa proveta e submetê-lo a testes. Ainda bem que o Espírito humano, elaborado por uma inteligência infinitamente superior, ignora essas ridicularias e vai vivendo e sobrevivendo, enquanto espera pela evolução do próprio homem.

*

            A página 137, Mr. Tyrell afirma,  após inúmeros rodeios, que, embora haja sempre algum jeito de escapar à explicação da sobrevivência, ele pessoalmente admite - à medida que os relatos se vão avolumando - "que uma parte considerável dos casos, à parte de qualquer consideração apriorística, indicam uma ação sobrevivente".

            O caso 49 é um desses. Uma criança de 2 anos e meio perdeu um irmãozinho de apenas 8 meses. Diariamente o menino dizia à mãe que o baby falecido chamava por ele. Largava seus brinquedos e corria na direção onde via a imagem do irmão desaparecido, dizendo à mãe que o baby o estava chamando; que ela não ficasse triste quando ele se fosse, etc. Um dia, veio aflito chamar a mãe para ver o baby sentado na sua cadeira alta. Nunca estivera tão excitado. Dizia à mãe: "Venha, depressa, o baby está sentado na cadeira alta." Quando não mais pode ver o irmão, ao retomar, disse à mãe que ela não vinha vindo rapidamente como precisava. "Agora, ele se foi...", concluiu. Esse menino, que gozava de perfeita saúde, adoeceu e morreu nove semanas após a morte do irmão mais novo.

            Comentário muito seco de Mr. Tyrrell: "Estas parecem ser alucinações (grifo meu) notáveis para urna criança de dois anos e meio."

            No entanto, pelo simples fato de terem ocorrido com uma criança de tão pouca idade - é o próprio autor quem o admite -, se apresentam acima de qualquer suspeição de fraude.

            Em outro caso relatado (nº 51) Mr. Tyrrell não encontra outra saída e diz: "Devo confessar que não consigo ver nenhum outro agente plausível (dos fenômenos narrados), a não ser a personalidade ou o ser da Sra. S., cujos aspectos e hábitos o fantasma reproduzia." (pág. 142)

            Aliás, seja feita esta justiça ao autor; ele não põe em dúvida, nem por sombra, a autenticidade dos fenômenos, o que seria o cúmulo: seu engano está em querer forçá-los dentro de suas hipóteses e teorias.

            A aparição nº 51 durou 7 anos, foi testemunhada por 20 pessoas diferentes, as descrições coincidem; os animais sentiam também o fenômeno. Enfim, um caso perfeito, inadmissível como trapaça.

            Continuando sua tremenda ginástica mental para criar explicações complicadas, o autor cada vez mais se perde pelos caminhos que escolheu. Levanta primeiro a hipótese de que as aparições coletivas, depois da morte do agente, seriam um produto das ideias que sobre ele ficaram na memória dos que lhe sobreviveram! Tão acostumados estavam os sobreviventes a ver a pessoa andando pela casa, que continuam ainda a ver seu fantasma. Os estranhos, em tal caso, o veriam também por causa do caráter telepático daquelas ideias, deixadas na memória dos sobreviventes.

            No subcapítulo seguinte (pág. 149) o autor analisa, pela sua conexão com o assunto de que vem tratando, novos casos em que ocorrem experiências com pessoas vivas, fora do corpo físico, e que se conservam conscientes durante o processo. O caso 57 é um desses e dos mais interessantes.

            O narrador, Dr. Wiltse, da cidade de Siddy, no Estado americano de Kansas, passou por uma crise orgânica intensa e experimentou, conscientemente, o fenômeno do desdobramento do perispírito (embora Mr. Tyrrell não use a expressão). Fala o médico sobre a sensação de estar saindo de dentro de seu próprio corpo. Sentia e ouvia pequenos estalos de numerosos laços que se partiam e acrescenta: "comecei a me retirar lentamente dos pés para a cabeça, tal como urna corda de borracha que se encolhe." Notou, então, que estava preso ao corpo, a considerável distância, por um fio parecido com teia de aranha. "O fio estava preso ao corpo na altura do ombro."

            Em outra experiência (caso 59), um homem desligado do corpo sob o efeito de intenso frio, no alto de uma montanha, assiste conscientemente ao roubo de uma de suas garrafas de vinho e de uma perna de galinha, praticado pelo guia da expedição. Quando conseguem reanimá-lo e ele retoma ao corpo físico, conta o que havia presenciado e o guia se apavora, julgando que ele tivesse poderes diabólicos.

            Outros casos são narrados, mas o autor se abstém de comentá-los, dizendo apenas, no inicio, que tais experiências naturalmente não provam a sobrevivência, mas são muito surpreendentes do ponto de vista do epifenômeno da consciência.

*

            No último capítulo (páginas 156 e seguintes), o autor apresenta suas conclusões finais sob o título ''Especulação e reflexão". Entre outras coisas, tenta explicar o que entende ele sobre o que nomeou por "cenarista" (Stagecarpenter) e o a que chamou "produtor" (producer). Diz que não se trata de pessoas: são meros "elementos constitutivos da personalidade humana, fatores da complexa organização da personalidade" (?!).

            A hipótese telepática é ainda a favorita do autor. Diz ele, finalmente, que há indícios de que a mentalidade científica começa a aceitar a existência dessa faculdade humana, mas a ideia de que esse conceito novo pode provocar uma revelação em nossa concepção da natureza das coisas, ainda está longe de ser aceita pelo mundo filosófico e científico.

            O autor acha naturais as reações de indiferença ou de hostilidade - aos fatos que ele traz ao conhecimento público. “A verdadeira razão - diz ele - é que os fatos, que trouxemos à luz, se chocam violentamente com o ponto de vista amplamente aceito acerca da natureza das coisas. A telepatia exige uma revolução nas ideias correntes sobre a personalidade humana, e a premonição exige uma revolução nas ideias correntes sobre o tempo." (pág. 159) Mais adiante acrescenta que, a seu ver, trata-se de uma reação em defesa de um credo.

            Recomenda, a seguir, a experiência hipnótica como elemento subsidiário de pesquisa psíquica, em lugar das laboriosas técnicas estatísticas utilizadas pelos atuais parapsicólogos.  Os processas quantitativos que esses pesquisadores estão utilizando, apesar de úteis na solução de certos problemas, são inadequados à pesquisa psíquica, que deve ser qualitativa e não quantitativa. Esta é, sem dúvida, uma afirmação muito lúcida do autor. Concordamos plenamente com ele neste ponto, embora partindo de premissas diferentes. Certamente que, ainda segundo o autor, as novas ideias, qualitativamente avaliadas, acarretarão grandes alterações nos quadros da lógica e do senso comum. "Sem elas, no entanto, não faremos progresso algum, mas ficaremos apenas a remexer, sem cessar, o mesmo material antigo." (pág. 163)

            O subcapítulo final é dedicado ao problema da sobrevivência. Envereda o autor pela sua habitual teorização. A seu ver, a resposta acerca da sobrevivência depende de certo "background" de pensamento admitido, dentro quando a pergunta é formulada. A pessoa que pergunta tem sempre em mente um específico "background" de pensamento, dentro do qual espera, seja colocada a resposta. Na opinião do autor, é por causa da falta de "background" adequado que as grandes experiências religiosas e místicas têm ficado, a maior parte das vezes, como possessões individuais, incapazes de serem transmitidas a outrem.

            Cita, a seguir, um, trabalho de E. R. Dodds, que pelo título diz tudo: "Porque não acredito na sobrevivência." Não acredito, diz Mr. Dodds, porque a sobrevivência implica preexistência e os psicólogos não encontraram traço disso". No dia em que a encontrarem, diremos nós, Mr. Dodds descobrirá novas fórmulas para escapar ao dilema e expressar suas negações estéreis, até que a evidência seja tão esmagadora, que não haverá mais para onde escapar.

            Outro aspecto que Mr. Dodds apresenta em favor de sua negação é o de que, dentro da teoria da preexistência, uma criança recém-nascida deveria possuir mente (espírito) amadurecida, ao passo que parece ser simplesmente um espírito infantil num corpo infantil. O argumento final de Mr. Dodds é o mesmo de todos os materialistas e feito da mesma diafaneidade insustentável. Diz ele, vitorioso: "se a mente decai com o corpo, na velhice, como se pode esperar que ela sobreviva a ele?"

            Quanto a Mr. Tyrrell, apresenta também suas conclusões cercadas de tantos subterfúgios e alçapões que quase não conseguimos aprisioná-las em nossa compreensão. Diz ele que se a pesquisa psíquica tem fornecido ou não elementos para uma resposta positiva ou negativa, com respeito à sobrevivência, é uma questão pessoal, que cada um deve resolver a seu modo. Muitos têm mesmo questionado se seria passível obter-se uma prova positiva sobre isso. Na sua opinião, a pergunta direta tem sido sistematicamente afastada e, em lugar duma resposta direta, nos tem sido "revelado algo de uma perspectiva geral, dentro da qual a pergunta deveria ser formulada". Mas, conclui ele - e isto é importante leitor -, acho que podemos dizer que, se a resposta tivesse sido urna simples negativa, os aspectos da personalidade, que nos estão sendo revelados agora, não teriam sido encontrados.  A pesquisa psíquica não apresenta uma folha em branco, certamente. Ao contrário, ela descobriu algo de tão grande que as pessoas fogem dela numa reação de medo. Acham que não podem enfrentar os fatos e não estão dispostas a fazer o drástico recondicionamento que o assunto exige, em suas caras convicções". (pág. 168)

            Lamenta o autor que a pesquisa psíquica não tenha conseguido influenciar o mundo científico e mais culto, levando-o a compreender a importância do assunto ou, pelo menos, a senti-lo sob sua verdadeira luz. Acha que o culto popular do Espiritualismo é o maior inimigo dos pesquisadores, entre os quais se inclui. Finalmente acrescenta que o mundo atingiu um ponto em que o valor do indivíduo não pode mais apoiar-se apenas nas forças da Religião e da Moral; mas precisa da convicção intelectual, baseada na direta exploração do ser humano.

            Aí está, a meu ver, o engano fundamental do autor e dos que seguem esta mesma. ordem de ideias. A dificuldade em encontrar respostas corretas reside precisamente na teimosa atitude de querer dissociar a concepção filosófica da alma de sua concepção religiosa. Daí sua má vontade com as doutrinas espiritualistas, porque estas não entendem o espírito sem o sopro divino. Está nas primeiras páginas da Bíblia. Mr. Tyrrell ainda está preso à ilusão de que se pode estudar o Espírito humano friamente, como uma coisa, quando, em realidade, o Espírito é multo mais que isso.

*

            Vemos assim, como sempre, que as conclusões de tais livros são melancólicas. Um homem culto e inteligente, como se depreende ser o autor do livro em discussão, vem a público debater problemas de natureza espiritual, mas foge medrosamente à ideia do Espírito como entidade autônoma, consciente, fagulha inicialmente desprendida do Criador. Realiza os maiores prodígios de ginástica mental para afirmar que a aparição é um drama telepático arquitetado pelo inconsciente dos interessados, que o fenômeno em si é mera alucinação sensorial; que a sobrevivência, simples hipótese, das mais remotas, é constituída de retalhos da personalidade "extinta" e que ficaram a boiar na memória dos sobreviventes. Finalmente, informa que o mundo precisa de convicções intelectuais mais ou menos materialistas, porque religião e moral não bastam para sustentação da estrutura filosófica do indivíduo.

            É nisso que dá a ciência esterilizada pelo racionalismo materialista, dissociado do pensamento religioso. E por incrível que pareça, é esse o tipo de pesquisa que as chamadas religiões oficiais têm incentivado indiretamente, ao combaterem, com todas as forças cegas da intolerância, aqueles que, iluminados por uma verdade superior, continuam a insistir em que o Espírito humano preexistente, sobrevivente e eterno não pode ser estudado à luz bruxuleante da tosca ciência humana; é indispensável que sobre ela também incida o facho poderoso do pensamento religioso.


            O próprio Dr. Rhine, num momento de lucidez, já declarou que, até onde alcança a pesquisa moderna, a conceituação da alma psicológica não colide com a da alma religiosa. Por tudo isso, achamos legitimo concluir que Mr. Tyrrell escreveu um livro na esperança de provar que dois mais dois é Igual a zero. 

Um estudo sobre aparições -parte 1


Um estudo sobre apariçõesparte 1
Hermínio C. Miranda
Reformador (FEB) Julho 1959

            Mais um livro sobre fenômenos espíritas nos é dado apreciar. Trata-se, desta vez, de obra dedicada exclusivamente às aparições, e foi  escrita por G. N. M. Tyrrell, ex-presidente da Society for PsychicaI Research, da Inglaterra. O livro chama-se “Apparitions'' e nasceu de uma conferência pronunciada pelo autor, em 1942, sob os auspícios do ''Frederic W. H. Myers Memorial". A edição que temos em mão é a que foi revista para o público e veio à luz em 1953.

            Os patrocinadores da publicação - a própria Society for Psychical Research (SPR) - classificam a obra como clássica em sua especialização. Mr Tyrrell é engenheiro eletricista, dedicando-se há muito tempo a esse tipo de pesquisa. Escolheu,  nos vastíssimos anais da Sociedade, os casos mais bem documentados e atestados de aparições, "assombrações" e fenômenos similares, a fim de estudá-los.

            Diz ele: "Fiquei fortemente surpreendido por duas razões: a primeira, de que a evidência era muito mais forte do que eu havia previamente admitido; a segunda, de que essa evidência faz incidir um verdadeiro facho de luz sobre o mecanismo da personalidade humana. "

            Vejamos, pois, o que tem Mr. Tyrrel a dizer sobre o assunto. Em face das credenciais que exibe é de esperar-se importante contribuição no estudo de tais fenômenos. Sobre isso falaremos mais adiante, se a paciência do leitor for suficiente para nos acompanhar.

            Logo de inicio tenho minhas dúvidas de leitor despretensioso, ao notar que o prefaciador da obra, que situa o livro de Mr. Tyrrell em muito boa conta, nos informa que a teoria física para explicação dos fatos registrados nas aparições é "unpromissing", isto é, não tem futuro. Por conseguinte, precisamos - diz ele - procurar uma teoria psicológica. Até aí, muito bem. São pontos de vista. Mas qual a teoria psicológica que resolveram escolher para atacar o problema? Nada mais que a da alucinação, salvo seja. Esse é o ponto de partida de toda a obra, como se pode ver, já no prefácio, que aliás se estende por muitas páginas. O prefaciador é Mr. H. H. Price, Professor de Lógica da Universidade de Oxford. Diz Mr. Price que, “para situar o argumento cruamente, sabemos de outras fontes de evidência, que é possível ver ou ouvir alguma coisa que não está realmente ali". De minha parte, com todo o respeito pela eminente personalidade do autor, eu diria simplesmente que não vejo futuro na sua premissa, porque ele está admitindo, a priori, que a aparição é fenômeno subjetivo, o que vem de encontro aos próprios fatos que Mr. Tyrrell catalogou, como se verá. Mas, vamos devagar.

            Para complicar coisas que, por sua natureza, nada têm de complicado, O Dr. Price tece várias considerações transcendentais, para depois dizer, numa frase curta, como quem liquida o assunto: “We may describe them as telepathic allucinations''. Ou por outra: "podemos descrevê-las (as aparições) como alucinações telepáticas". Para dizer isso, creio, não seria preciso escrever um livro, mas continuemos, pois o livro não e só o prefácio. Logo abaixo, o próprio Dr. Price levanta o caso das aparições post-mortem e se pergunta: "será que a explicação alucinatória serve também para estes casos?" Ele acha que sim, no que parece concordar com Mr. Tyrrell. E se propõe a explicar toda a história. O prefácio vai muito além disto, mas temos que encarar o livro todo e não somente o prefácio.

                                                                       *

            No primeiro capítulo, Mr. Tyrell trata do Recenseamento das alucinações, tal como vem sendo feito minuciosamente pela S.P.R., desde 1882. Em algumas pesquisas levadas a efeito entre o público, verificou-se que 1 pessoa em 10 passa por alguma sorte de experiência desse tipo a que o autor chama "alucinação sensorial". Examina, então, o aspecto estatístico do fenômeno, a fim de verificar, matematicamente, a possibilidade de coincidência. Recai aqui na mesma trilha batida pelos parapsicólogos da atualidade. É o velho desejo de medir tudo, reduzir tudo à escala ínfima da compreensão humana. Mr. Tyrrel, no entanto, tem momentos de lucidez ao afirmar que "a fraqueza da estatística, quando aplicada aos casos espontâneos. está em que ela não se acha em condições de lidar satisfatoriamente com acontecimentos quantitativamente complexos". (pág. 22)
           
            Os resultados estatísticos - a não ser em casos mais simples de cômputo
numérico de cartas de baralho, como nas experiências do Dr. Rhine, por exemplo - apresentam-se, como acentua Mr. Tyrrell, fortemente Influenciados em favor da teoria do acaso.

            Passa, então, o autor a comentar as principais conclusões que ressaltam do estudo de dados acumulados pela S.P.R.. Entre outras coisas, esclarece que as aparições têm maior incidência em torno do momento da morte. Outro aspecto importante, referido pelo autor, é o de que o fenômeno nada tem que ver com a morbidez; ocorre em plena lucidez, com pessoas inteiramente sadias.

            Como não poderia deixar de ser o problema da sobrevivência tinha que vir à tona nestas discussões iniciais. De fato, um relatório organizado sobre as pesquisas feitas informa, a certa altura - deixando ao leitor a liberdade de tirar suas próprias conclusões: "A distribuição das aparições reconhecidas antes, durante e após a morte da pessoa vista fornece argumentos em favor da continuidade da vida psíquica e da possibilidade de comunicação com os mortos. A quantidade de evidência, no entanto, não parece constituir nada parecido com uma conclusão positiva em favor da atuação post mortem.”

            Essa é a maneira, sempre dúbia, de concluir que temos encontrado em trabalhos desta espécie. Falta-lhes a coragem da afirmativa; mostram os fatos mas, no final, como que receosos de serem mal interpretados pela chamada ciência. Oficial, fazem ressalvas cautelosas.

            O próprio Mr. Tyrrell (pág. 27) diz que "um ponto sempre esquecido na crítica do fenômeno psíquico é o de que, se uma crítica séria está sendo tentada, não basta dizer, de maneira generalizada, que a evidência é insuficiente para permitir a conclusão supranormal". E mais adiante: "É necessário, também, mostrar que alguma explicação se adaptará razoavelmente a cada caso."

            Isso é o que veremos se ele consegue, quando aplicarmos, às suas próprias teorias, as condições que ele imaginou como teste para as teorias alheias.

            Quanto à autenticidade dos fenômenos, diz o autor que seria, extremamente ridículo que centenas de pessoas honestas, de reconhecido caráter e integridade e que sempre agiram com absoluta lisura, de repente resolvessem imaginar uma história fantástica para enganar o próximo. Aí está uma coisa que a razão não poderia aceitar. Há um número considerável de casos que se colocam nitidamente acima de qualquer suspeita de fraude, motivo pelo qual sua aceitação é praticamente imposta ao mais refratário racionalista.

            Ao concluir o exame das várias objeções que poderiam ser interpostas, diz o autor (pág. 33): "A principal conclusão que emerge do nosso exame de casos espontâneos é a de que o acaso não pode razoavelmente explicá-los e a de que ninguém, no decorrer de meio século, jamais demonstrou, de maneira séria e pormenorizada, que o acaso é uma explicação razoável."

            É interessante observar, para que fique bem claro no espírito do leitor, que Mr. Tyrrell considera as aparições como fenômeno de considerável importância e que - se satisfatoriamente compreendido é explicado - possibilitaria profundas sondagens no recesso da personalidade humana.

            Já à página 42, começa ele a estudar as diversas teorias explicativas das aparições. Inicialmente  toma a de Myers que, em 1888, decidiu que os fantasmas de vivos ou de mortos são fenômenos telepáticos. (Sempre a confusão entre Animismo e Espiritismo).  De acordo com essa teoria sob pressão de alguma crise, o agente - vivo ou morto - envia uma mensagem telepática ao recipiente que, incorporando a mensagem de forma sensorial, produz o fenômeno da aparição. Mr. Tyrrell acha que a teoria deixa muita coisa por explicar, mas admite que contenha alguma substância. Um dos grandes óbices da hipótese - é ainda ele quem o diz - é o fato de que há considerável número de aparições coletivas. Para  que os fatos se passassem conforme Myers imaginou, seria preciso que a mensagem telepática, enviada pelo agente em crise, alcançasse simultaneamente a todos os presentes e produzisse exatamente a mesma reação psicológica que resultaria na aparição. Convenhamos que é preciso muita boa vontade para admitir tudo isso. Mas, continuemos.

            Outro autor (Gurney), citado por Mr. Tyrrell, ainda complica mais a coisa. Parece uma criança apanhada em mentira e que, para justificar uma, tem que contar mais três ou quatro. Gurney apresenta três alternativas para explicar o fenômeno da aparição coletiva: 1) A presença física do fantasma no local onde é visto; 2)  O agente “A” influencia telepaticamente os receptivos “B”e "C", independentemente, e cada um deles cria sua própria imagem sensorial: 3) O agente  “A" influencia telepaticamente, em primeiro lugar, o perceptivo primário “B", no qual está. Interessado, e este, ao criar sua imagem, transmite a aparição a "C", que repete o processo e a retransmite a "D" e assim por diante. Gurney resume esta última hipótese, dizendo que o processo é uma espécie de "infecção".

            A primeira possibilidade é rejeitada por Myers e pelo próprio Gurney. A segunda é considerada como improvável, principalmente porque, nas aparições post-mortem, seria necessário admitir que a mensagem telepática ficasse retida por algum tempo o que tornaria dificilmente explicável a aparição coletiva, de vez que se teria que fazer coincidir o período de retenção de maneira tal que o momento da aparição coincidisse para várias pessoas.

            Resta-lhes, então, a terceira, por mais fantástica que seja. Pois é a preferida e sobre ela Mr. Tyrrell muito terá que falar através de seu livro.

            As páginas seguintes são dedicadas a minuciosa análise das teorias, especialmente nos casos de percepção coletiva. Não importa que os fatos sejam o mais formal desmentido à absurda teoria.

            É incrível que, dispondo de uma hipótese tão simples e que se ajusta perfeitamente a todos os fatos os chamados homens de ciência se empenhem tão fundamente em procurar explicações das mais complexas, que, somente à força de verdadeiras "marteladas" no bom-senso do leitor, conseguem ser examinadas. Já que se admite, como hipótese de trabalho, a absurda teoria da "infecção" de Gurney, porque não se admitir, na mesma base pelo menos, a da presença física do fantasma, isto é, do Espírito, no local em que ocorre a manifestação.

            Acho dum ridículo espantoso essas discussões acadêmicas. No futuro, muito se surpreenderá o estudioso que se der ao trabalho de examinar a tremenda massa de tolices que se acumulou em torno deste assunto, a tinta que se gastou e o tempo que se consumiu nestas discussões estéreis. A vaidade da ciência oficial se recusa sistematicamente a admitir, até mesmo como simples hipótese, verdades milenares que espíritos livres de preconceitos sempre aceitaram como legitimas. Tal como hoje, ao examinarmos o passado, achamos ridículas e fantásticas as objeções levantadas à ideia de Pasteur, de que os germes causavam a infecção. Naquela ocasião, também, a hipótese mais simples e racional foi afastada em favor de complexas teoria da geração espontânea e outras que tais. O novo conceito, no entanto, impunha uma revisão tão brusca nas doutrinas vigentes, que a vaidade científica não o deixava prevalecer.

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            No segundo capítulo, Mr. Tyrrell examina as características das aparições, apresentando os casos retirados dos arquivos da S.P.R. . Estuda, em primeiro lugar, a apresentação espacial das aparições que surgem em diferentes tipos de ambientes, cercados de acidentes próprios, fora da perspectiva habitual do perceptivo.

            Em seguida, é estudado o aspecto não físico das aparições. O autor, embora reconhecendo que há aspectos físicos - nas aparições - como no caso de "poltergeist", informa que esse aspecto está fora dos objetivos do seu trabalho. É uma pena e uma falha, porque, se há evidência de caráter físico, este deve ser considerado no conjunto sem o quê, a tese do autor ficará seriamente prejudicada. Mas, vejamos o que tem ele a dizer.

            Em capítulo especial, relaciona as diversas características das aparições, tal como a faculdade de aparecerem e desaparecerem dentro de cômodos fechados, de passarem através de paredes, portas, objetos físicos em geral e também a de serem atravessadas por pessoas, que nelas não encontram resistência, bem como o fato de, algumas vezes, serem vistas ou ouvidas por alguns dos presentes, mas não por outros, etc. Novos casos são apresentados em apoio desses diferentes aspectos.

            A seguir, Mr. Tyrrell estuda o que chama ''imitação da percepção normal", Em sua opinião, as aparições procuram imitar a realidade. À primeira vista, nem parecem fantasmas; mas seres humanos de verdade, chegando mesmo a projetarem sombra, ao atravessarem diante de um foco luminoso, ou a refletirem sua própria imagem em espelhos, etc. Mais casos são relacionados e comentados.

            Outros aspectos apresentados a seguir, dizem respeito à faculdade que têm as aparições de se mostrarem vestidas, cercadas de objetos, animais, etc., Daí a reação de certas pessoas que, segundo Mr. Tyrrell protestam, dizendo que, além de acreditarem em fantasmas, terão também que acreditar em roupas fantasmagóricas.

            Ao discutir o fenômeno da aparição coletiva, Mr. Tyrrell volta a examinar as teorias de Myers e Gurney. O primeiro admitiu, nesses casos, que o agente da aparição - isto é, o fantasma - estava presente "materialmente", mas não fisicamente, no local da aparição. Aí vemos novamente a substituição de um conceito simples por outro mais complexo e de mais difícil explicação. Um grande problema para esses teoristas é apontado por Mr. Tyller: as pessoas que vêm a aparição, observam-na dentro de todas as leis da perspectiva, logicamente colocada no espaço físico, como uma pessoa real.

            Assim, um expectador situado na frente da aparição veria seu rosto, à frente do corpo, etc., enquanto que outro, colocado atrás, veria a parte de trás da cabeça, as costas; um terceiro, ao lado, a veria de perfil - e assim por diante. Corno aplicar, pois a teoria da "infecção" de Gurney? Se a imagem é retransmitida de um para outro, ela deveria ser idêntica. Acho que podemos  estabelecer aqui uma relação curiosa. Um transmissor de televisão envia exatamente a mesma imagem, na mesma perspectiva, no mesmo ângulo, a todos os aparelhos sintonizados com aquela estação. Seria dum ridículo insustentável querermos convencer alguém de que cada aparelho de televisão deveria logicamente receber uma imagem diferente, de acordo com o ponto de vista do telespectador e sua posição no espaço físico. Aqui, como no fenômeno da aparição, o fato é objetivo e não subjetivo a despeito de todas as teorias que se construírem.

            Para sair do impasse Gurney só tinha uma fórmula e usou-a sem a menor cerimônia: duvidou de que os fatos se passassem da forma descrita, isto é, que cada um visse a imagem de seu próprio ponto de vista. Se isso fosse verdade - e é -, então a teoria subjetiva das aparições é uma grande tolice - e é, também. O fenômeno é objetivo, repitamos, Mas, não vamos deixar disparar o carro.

            Mr. Tyrrell acrescenta, mais além, que os vários observadores das aparições coletivas as situam no mesmo ponto do espaço. Em outras palavras, se três pessoas vêem um fantasma sentado numa cadeira de braços, ao canto da sala não há o que contestar; é porque, de fato, o fantasma está ali sentado, quer queiram ou não os teóricos. Se o fantasma se move, os três observadores o verão mover-se e as descrições que fazem concordam, ponto por ponto. Dessas dificuldades não sai Mr. Gurney, o autor da teoria da ''infecção''.

            Ainda no capítulo sobre as características das aparições, Mr. Tyrrell apresenta a descrição do que seria uma aparição perfeita, reunindo para isso todos os elementos que deveriam contribuir para que esse fenômeno ocorresse. São 19 as condições de uma aparição perfeita, segundo o autor. É uma lástima que não as possamos listar minuciosamente para o leitor. Referem-se à sua aparência física, ao modo de andar, aos efeitos de luz e sombra que incidem sobre a figura, ao ruído de suas roupas ao caminhar, ao ruído de sua respiração, se chegarmos bem perto dela, à reflexão da imagem em um espelho, às sombras que projetaria ele. etc. Claro que existem nos arquivos da S.P.R.  casos comprovados de cada aspecto desses. Em outras  palavras, houve aparições que projetaram sombras, que produziram ruídos ao caminhar, que se refletiram em espelhos, etc.. Agora, o que muito surpreende na exposição de Mr. Tyrrell e que nos põe de sobreaviso sobre suas próprias concepções é o que contem o item 11 de suas características da aparição perfeita. Diz ele: "Além de suas roupas, a figura poderá ter outros acessórios, tal como uma bengala ou outro qualquer objeto. E poderia ser acompanhada por um cão ou mesmo por um ser humano. Estes teriam a aparência normal e procederiam de maneira normal. Com respeito à companhia humana, acho que não faria nenhuma diferença o fato de ter ou não essa figura complementar.  Picwick ou Sherlock Holmes fariam o mesmo que Charles Dickens ou Sir Arthur Conan Doyle e teriam a mesma aparência de vida e naturalidade."

            Em apoio dessa suposição, o autor não tem nenhum fato recolhido pela S. P. R.. Caso contrário, tê-lo-ia citado, como os demais. Menciona, porém, Myers e Gurney.

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            O capítulo terceiro é dedicado à teoria das aparições e o autor envereda por complicadíssimos raciocínios de psicologia para construir os fundamentos das teorias que pretende arquitetar.

            Não creio que o leitor leigo, como eu, tenha algum interesse no esmiuçamento dessas ideias preliminares. No entanto, já à pág. 88, o autor começa a tirar algumas de suas conclusões. Uma delas é a de que as "aparições telepáticas" têm uma origem psicológica e não física; apenas imitam a realidade mas não participam dela. É interessante observar que o autor teve uma intuição do problema, mas não soube ou não quis admitir o fato. Diz ele: "Parece que as alucinações sensoriais são produzidas por um mecanismo semi psicológico - algo que estaria a meio caminho entre a mente e a máquina, isto é, algo com características semi conscientes."

            Nós diríamos que esse mecanismo existe de fato e se chama perispírito. Está localizado  exatamente nas fronteiras entre a matéria grosseira e o espírito imaterial. Quanto ao subconsciente, ou seja, às condições semi conscientes a que ele se refere, acredito que um dia, encontrará a Ciência, no substrato das vidas anteriores o imenso porão da nossa personalidade.

            Não obstante suas ideias sobre alucinações sensoriais e sua admissão do caráter subjetivo (em contraposição ao caráter objetivo) das aparições, Mr. Tyrell relata, às páginas 98 e seguintes, o caso que levou o número 35. Este é um caso deveras importante porque, a meu ver, contem outras implicações que não foram mencionadas pelo autor.

            Trata-se do seguinte: um cidadão, chamado Mr. A., perdeu a vista esquerda numa operação de glaucoma, ao mesmo tempo que a direita ficou seriamente afetada. O centro de seu campo visual era todo obscurecido, como que envolvido em permanente névoa. Quanto ao mais, Mr. A. era uma pessoa perfeitamente normal. Ora, esse cavalheiro, que mal distinguia as coisas, os seres e objetos, tinha visões de extraordinária nitidez, que duravam dias até. Da primeira vez, viu apenas um muro ao longo de uma estrada num trecho que ele tinha certeza de não haver muro algum. E não via como usualmente seus olhos defeituosos mostravam as coisas. Não. Via tudo com nitidez absoluta: as pedras, a argamassa, o reflexo dos raios solares nas pedras. Ocorreu-lhe, então, que, mesmo fechando os olhos, talvez ele continuasse a "ver" o muro. E, de fato, fechou-os e ainda via tudo como dantes. Lá estava o muro, com os mesmos detalhes, brilhando ao sol. Outras imagens surgiriam mais tarde, como a de uma senhora que caminhava à sua frente, tão junto de si que ele mal podia evitar pisar-lhe a cauda do vestido. A saia era vermelha e continha grupos de linhas brancas (um traço largo com duas linhas finas de cada lado). As vestes da moça se agitavam naturalmente, com os movimentos do corpo. Era tudo real, perfeito, sem sombra de dúvida.

            Os comentários de Mr. Tyrrell são deveras surpreendentes. Diz ele que o caso revela a existência, na personalidade humana, de uma completa, maquinaria  para produzir imagens visuais idênticas às da percepção normal, inclusive o ambiente, isto é, o local onde ocorrem as visões e que nem sempre coincide com o plano físico onde se acha o vidente. Acha então, o autor, que por isso, os órgãos não são necessários em tais experiências. Por conseguinte - é ainda ele quem o diz -nada há de supranormal no fenômeno.

            Para início da conversa, acho que seria necessário esclarecer o que se esconde atrás dessa palavra supranormal. A meu ver, a própria classificação de normal e supranormal é arbitrária. Qual o critério adotado pelos que atiram tal ou qual fenômeno para lá ou para cá da linha demarcatória? Não há outro senão o estatístico. Se há uma tendência muito grande, isto é, se o fenômeno ocorrer com relativa frequência (também arbitrariamente estimada ou prefixada), então é normal. Se ocorrer mais raramente, então é tido como supranormal. Tenho a pretensão de achar que esse critério de classificação não resiste à análise séria do raciocínio mo desapaixonado. Há quarenta anos, a passagem de um avião, cortando os espaços, era acontecimento raríssimo e até mesmo considerado impossível por muitos, porque o mais pesado que o ar não poderia logicamente manter-se suspenso no espaço. Como se resolve o problema? O vôo do avião era então um fenômeno supranormal? Sim, se o avaliarmos pelos padrões de Mr. Tyrrell e outros. Não, se o submetermos às imposições do raciocínio. Assim considerados os fatos, fica muito abalado o conceito de supra normalidade, tese que os espíritas jamais reivindicaram. O fenômeno espírita é absolutamente normal na faixa vibratória em que ocorre, embora de incidência estatística relativamente baixa, naquela em que estamos, os encarnados.

            A complicada teorização de Mr. Tyrrell não explica o fenômeno da percepção de Mr. A., um homem que mal podia enxergar com seus olhos físicos. Quer queiram, quer não, a   visão de Mr. A. era um fenômeno objetivo, isto é, o muro lá estava "de verdade", ainda que num plano diferente das realidades físicas a que estamos acostumados, como também lá estava a moça que caminhava à sua frente. Abramos aqui um parênteses, As visões que ele experimentava eram função especifica de seus órgãos perispirituais; os correspondentes órgãos físicos não participavam do fenômeno. A prova está em que, fechando estes, ele continuava a ver tudo com a mesma nitidez e perfeição. A grande significação desta experiência está exatamente na comprovação do fato irrecusável de que o corpo físico é mero ponto de apoio da ação espiritual; simples instrumento grosseiro de que se vale o Espírito para exercer sua atividade física. Enquanto estiver atado à matéria, o Espírito estará mais ou menos limitado a essa contingência, chegando mesmo a perder parte de suas faculdades se desaparecem ou se mutilam os órgãos físicos correspondentes. Dessa forma, a não ser excepcionalmente , como acabamos de verificar, se extirpamos os olhos físicos, a criatura humana deixa de ver, da mesma forma que, se nos deceparem as pernas, deixaremos de andar. A deficiência permanecerá enquanto o Espírito estiver ligado ao corpo físico. Quando se desprender, após a crise da morte, suas faculdades lhe serão devolvidas Intactas, como o tem comprovado as inúmeras comunicações recebidas. Se os nossos pesquisadores modernos quisessem admitir isto, pelo menos como hipótese, dariam um grande passo à frente, porque um dos fundamentos básicos do materialismo científico e pseudo científico está precisamente nessa errônea concepção de que a atividade mental é uma espécie de subproduto da função física. O próprio Dr. Rhine, sobre o qual temos falado em artigos anteriores. vai pelo mesmo caminho ao afirmar que a dificuldade, no enquadramento científico do que chamamos Espírito, está em que o desenvolvimento das faculdades intelectuais acompanha o desenvolvimento do corpo físico e que a privação de um órgão físico acarreta a perda da atividade correspondente. Por conseguinte, dizem os cientistas, a atividade mental é decorrência direta, do mecanismo físico e nada tem de transcendental, como querem os espiritualistas do mundo inteiro.

            Para essas conclusões materialistas concorrem, como estamos vendo, até mesmo os autores que, caolhamente, admitem o fato - porque é inegável -, mas buscam inutilmente explicá-lo com teorias inadaptáveis àqueles mesmos fatos que observaram.