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quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Um precursor esquecido: Daniel Dunglas Home



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Um precursor esquecido: Daniel Dunglas Home
por Hermínio Miranda
Reformador (FEB) Abril 1972

            A observação apaixonada do imenso painel da História revela a nítida interferência dos poderes superiores nos impulsos criadores e renovadores da humanidade. Em outras palavras mais simples: A História é um jogo inteligente de forças espirituais, com motivação e destinação espirituais. Se fosse preciso demonstra a demonstrar a tese, bastaria tomar o exemplo do movimento espiritual desencadeado em 1848, em Hydesville, nos Estados Unidos.

            E mais ainda: vemos que as genuínas correntes históricas trazem em si mesmas um ímpeto irresistível, que mesmo as imperfeições, fraquezas e deserções humanas não conseguem deter. As meninas da família Fox, certamente incumbidas pelos seus mentores espirituais do trabalho inicial, não resistiram à pressão insuportável das forças adversárias  e acabaram passando a si próprias atestados de fraude, para, depois, desmentirem o desmentido. Isso levou Harry Price (in "Fifty Years of Psychical Research") a oferecer ao leitor duas alternativas: Margareth Fox foi médium fraudulento ou uma grande mentirosa. As alternativas de Price – como, aliás, muitos dos seus comentários – são impiedosos e extremados. É inegável que elas produziram fenômenos autênticos que, na época, despertaram paixões violentas naqueles que não suportam ver seus interesses e suas crenças sacudidos pela base. Posteriormente, comercializaram suas faculdades - caminho mais fácil e direto para a fraude consciente. É possível que, para se verem livres da pressão social, tenham resolvido “confessar” que fraudavam, do que mais tarde se arrependeram. Não é justo pregar rótulos cruéis em seres humanos dos quais não conhecemos direito as motivações, o ambiente em que viveram, as coisas que experimentaram, as coações que  sofreram, as aflições por que passaram.

            O que se pretende evidenciar aqui é que, a despeito da fragilidade humana, a marcha da espiritualização da humanidade segue em frente e, como nos é permitido saber às vezes, aqueles que perseguem e ridicularizam médiuns costumam voltar mais tarde, em outras vidas, como médiuns.

            Uma vez disparados os dispositivos da “revolução espiritual", em 1848, vemos que uma verdadeira constelação de médiuns, das mais variadas faculdades, começou a despertar pelo mundo afora. No espaço de algumas décadas, meados do século dezenove até ao princípio do século vinte, viveram centenas de bons médiuns, muitos dos quais foram experimentados a sério pelos grandes cientistas da época. Mencionamos apenas alguns, dos mal famosos: as três jovens Fox, Daniel Dunglas Home, Eusápia Palladino, Florence Cook, Eva C. (Carrière), Madame D’Esperance (Elizabeth Hope), WIIIi e Rudy Schneider (conterrâneos de Adolf Hitler), Fransck Kluski, Leonore Piper, Julian Ochorowicz, Henri Slade e outros.  

            Claro que na posição de pioneiros de um movimento criado para renovar o pensamento humano não foi fácil a tarefa desses precursores. Precisamos conceder a cada um larga margem de compreensão e tolerância pelas falhas humanas que porventura tenham demonstrado, mesmo porque no não tinham ainda um corpo doutrinário consolidado em que se apoiassem para compreender suas próprias faculdades e orientar o exercício de suas tarefas. Além do mais, como portadores de recursos insólitos, mal compreendidos e pouco estudados, viam-se, de repente, sob o foco de atenções e solicitações, como foco de um outro mundo que todos queriam ver, apalpar e examinar. Era difícil resistir às tentações, às ofertas de dinheiro e ao cortejo dos grandes e poderosos da época,  tanto quanto os ódios e à hostilidade de muitos.

            Ninguém enfrentou maior dificuldades nesse campo do que Daniel Dunglas Home,  cuja existência é uma legenda que ainda hoje parece a muitos enigmática. Há uma verdadeira torrente de livros e referências sobre esses homem curioso, que tinha livre acesso às brilhantes cortes europeias do século passado.
           
            Home nasceu numa vila chamada Currie, perto de Edinburgh, na Escócia, a 20 de março de 1833. Sabe-se que sua família também possuía faculdades psíquicas. Seu pai era ligado à nobre família dos Homes, de Dunglas. O médium dizia que seu pai era filho ilegítimo do décimo “earl” de Home. (1)

            Jean Burton, na excelente biografia de Home – “Herday of a Wizard”, publicada por Georp G. Harrap em 1948 – comenta a dificuldade que enfrentaram os contemporâneos do médium para entendê-lo e classificá-lo. Não era um artista do palco nem um religioso.  Gostava de ser recebido como igual e que jamais ninguém se lembrasse de ofertar-lhe dinheiro pelas suas sessões. Aceitava porém, jóias - de que muito gostou, até o fim da vida – roupas, casacos de pele, temporadas em elegantes estações de água e coisas desse teor: dinheiro, não. Como seria sua aparência?

            A Princesa de Metternich o descreve assim: “Estatura mediana, magro, corpo bem construído; vestido de boas roupas, com gravata branca, parecia um “gentleman” da mais elevada posição. Seu rosto era atraente na sua expressão de suave melancolia. Era pálido, de olhos azuis de porcelana, - olhos penetrantes, um tanto sonolentos – cabelos avermelhados, espessos, abundantes mas não longos demais, não gaforinha de pianista ou de vioIinista; em suma, er de aparência agradável, nada de extraordinário, a não ser, talvez, a palidez da pele que parecia natural, no seu contraste com o cabelo vermelho e a barba”.

            Por motivos que não ficaram bem claros, com um ano de idade o menino foi viver com uma tia casada, sem filhos, a Sra. Mary McNeal Cook, com quem passou uma infância normal, num lugar chamado Portobello. Quando Danel tinha nove de Idade, a família Cook mudou-se para os Estados Unidos, onde já se encontravam os pais de Home, desde 1840, com os seus seis filhos. Tia Mary foi morar em Greenville, no Estado de Connecticut. Como os pais viviam perto, Daniel visitava-os de vez em quando.

            Sua saúde era precária, tossia muito e tinha desmaios. Mais tarde, transmitiria sua tuberculose a primeira esposa Sacha, sobrevivendo-lhe, no entanto, por muitos anos. Já então começavam sua experiência psíquicas; uma das primeiras foi a visão e seu amigo Edwin, recentemente falecido. Informam também os biógrafos que o menino foi orador precoce, muito fluente e com entonações de pregador sacro, gostando de recitar versos sentimentais religiosos e pequenos discursos sobre o pecado, a prece e morte.

            A tranquila vida na casa dos Cook, no entanto, começou a ser perturbada pelos fenômenos físicos que assustavam toda a gente, a começar pelo jovem Home.  Eram batidas por toda parte e movimento de móveis e utensílios pela casa. Certa vez, uma cadeira persegui-o no seu próprio quarto. Daniel, apavorado, não sabia o que fazer, pois a peça ficara entre ele e a porta de saída. A um passo, a cadeira parou, ele saltou rápido por cima dela, apanhou o chapéu e saiu para a rua, para botar as ideias no lugar tentando compreender o fenômeno. Para encurtar a história: tia Mary, de rígida formação protestante, deve ter achado que o sobrinho tinha parte com o demônio e que era melhor ele deixar a casa, o que fez imediatamente. É curioso que não tenha procurado a casa dos pais e sim a de uns amigos. Foi assim que iniciou sua vida de peregrinação de casa em casa, alí mesmo por New England (1), prelúdio da futura peregrinação de palácio em palácio na Europa.

            Suas maneiras eram gentis, “era afetuoso nas expressões de gratidão – diz Jean Burton – rápido em tomar a cor local, eminentemente adaptável, sempre pronto para ajudar as crianças nos seus deveres, brincar com o gato ou admirar o desenho de uma nova manta. A natureza preparou-o, enfim, para ser o hóspede perfeito".

            No verão de 1851, o Dr. George Busch descobriu Home e quis fazer dele um pregador da New Church (2). Busch, homem de grande cultura, era professor de Línguas Orientais na Universidade de Nova York. Home achou boa a ideia e aceitou o oferecimento mas em 48 horas voltou ao professor para desfazer o trato, porque o Espírito de sua mãe o aconselhara nesse sentido. “Meu filho, dissera ela, você não deve aceitar essa bondosa  oferta, porque sua missão é mais, ampla que pregar do púlpito.”

            E assim foi feito.

            Já então o jovem Home começava a incomodar o clero das religiões estabelecidas, muito embora durante a sua vida buscasse viver em bons termos com ele. Foi sucessivamente metodista, congregacionalista e católico, terminando na Igreja Ortodoxa Grega. É que suas sessões mediúnicas passaram a despertar enorme interesse do público e da imprensa. Sacerdotes e ministros certamente, não se sentiam bem diante daquele rapazinho que fascinava suas ovelhas com fenômenos Insólitos. Home, com modéstia e sinceridade quase inocente, devolvia “as mais amargas vituperações”, dizendo mansamente: "Ao passo que as Igrejas estão perdendo seus prosélitos, seus fenômenos estavam “trazendo mais conversos às grades da imortalidade do que todas as seitas cristãs, tornando impossível as ideias materialistas e céticas, infelizmente tão preponderantes nas classe educadas.

            Esse engano de achar que a Igreja deveria receber o Espiritismo da braços abertos foi comum entre os médiuns da primeira hora e até mesmo entre alguns espíritas. O raciocínio lógico é perfeitamente lógico e razoável: se um dos principais pontos de sustentação  do Cristianismo é a sobrevivência da alma, era de esperar-se que a Igreja acolhesse com sofreguidão os métodos experimentais que demonstravam tal realidade. Mas, nem sempre os homens agem dentro da lógica, especialmente quando estão em jogo suas posições, seus interesses, suas crenças, seus temores e suas paixões.

            Foi nessa época que Home se tornou amigo de uma das figuras lendárias do Espiritismo nascente, o Juiz John Edmonds, da Corte Suprema de Nova York.

            Em 8 de agosto de 1852 em casa de Ward Cheney, de conhecida família de industriais da seda, Home levitou pela primeira vez.

            Repetiria esse fenômeno inúmeras vezes, ao longo da sua carreira, sob as condições mais estranhas e sob os olhos atônitos de testemunhas do mais alto gabarito.

            Gostava de que as reuniões se realizassem com pouca gente – seu número ideal eram nove pessoas, inclusive ele, Home. Os Espíritos insistiam em que não houvessem cães no aposento das sessões, que ninguém fumasse e, por alguma razão obscura, não gostavam que Home sentasse em almofadas de seda.

            Os fenômenos eram muitos e variados e quase sempre em plena claridade. Os móveis levitavam, dançavam e batiam ritmadamente. Sinos e campainhas sobre os móveis eram sacudidos, mãos materializadas moviam objetos menores e flores, ou tocavam acordeão. Espíritos se materializavam de corpo inteiro, trazendo ”aportes”. De uma vez trouxeram uma plantinha que foi colocada num vaso de terra e “pegou”. Fenômeno curiosíssimo era o alongamento do corpo de Home, repetido sob condições de controle, no qual o médium crescia a vista de todos, seis ou outro polegadas, ultrapassando o tamanho da roupa. Mais para o fim de sua carreira extraordinária, desenvolveu a faculdade da incombustibilidade, apanhava brasas vivas com as mãos, sem queimar-se. De uma vez, mergulhou todo o seu rosto num braseiro, sem que sofresse absolutamente nada. Além disso, transmitia mensagens escritas e faladas – hoje chamada psicográficas e psicofônicas - de Espíritos relacionados com os presentes.

             É fácil de imaginar-se a tremenda sensação que esses fenômenos provocavam entre aqueles que tinham a ventura de desfrutar da amizade do jovem Home, pois ele insistia em realizar suas proezas apenas para os amigos, que o hospedavam á vezes por longas semanas e até meses. Um certo Dr. Gerald Hull, que lhe ofereceu um dia dinheiro pelo seu trabalho, acabou reconhecendo que tinha cometido erro imperdoável: havia proposto a Home pagar-lhe as despesas e mais cinco dólares por dia. O médium ficou ofendido  e Hull desculpou-se, hospedando Home em sua casa em base puramente social.

            Nesse tempo alguém lembrou que o médium tinha ainda muito pouca instrução e  que convinha prepara-lo melhor, pois pensavam  em destiná-lo à medicina. Com esse propósito, o Dr. Hull matriculou o jovem num instituto local – isso em Newburgh, sobre o Hudson, para que Home estudasse alemão, francês e fizesse um curso pré-médico. No outono, ele seguiu para Nova York a fim de matricular-se na Faculdade de Medicina, mas uma série de acontecimentos impediu que isto se concretizasse e assim se perdeu um médium-médico. Home voltou para Hartford, esteve em Springfield e depois seguiu para Boston, onde ficou conhecendo a família Jarves, amigos do famoso casal Browning. Os caminhos de Home e dos Browning haviam de cruzar-se várias vezes, de futuro, sob estranhas condições e extrema tensão.  

            Nessa altura, com a saúde precária, Home resolveu partir para a Inglaterra, cujo clima, certamente, não se recomendava para ele. Não era fácil, ainda mais, separar-se de seus bons amigos que o acolhiam e o respeitavam e partir para a grande aventura do Desconhecido, mas seus amigos espirituais lhe diziam que ele deveria ir “e seus conselhos não poderiam ser ignorados”. E assim, a 31 de março de 1855, parte ele “pálido, magro, tuberculoso, com a voz e a roupa muito bem cuidadas, 22 anos de idade – para  empreender a conquista da lnglaterra". São palavras de sua biógrafa.

            Levou uma carta de apresentação para um certo Mr. William Cox, dono de um hotel de mesmo nome, onde se hospedou. Cox recebeu o jovem médium como a um filho. E,  com certeza, não lhe cobrava a hospedagem.

            Dentro em pouco, Home estava causando sensação com as suas extraordinária faculdades mediúnicas, especialmente nas redes mais sofisticadas da sociedade britânica. Continuava a insistir em que não compreendia suas faculdades, pois era simplesmente instrumento de seus amigos espirituais, aos quais não podia comandar à sua vontade. EIes vinham quando queriam e faziam o que desejavam fazer.
           
            Foi nessa época que Home e os Brownings se enncontraram pela primeira vez. Robert e Elizabeth – depois da fuga sensacional que realizaram para casar-se – voltavam à Inglaterra pela primeira vez em visita, pois viviam em Florença desde o casamento.  Elizabeth, poetisa tão famosa quanto seu marido, não cabia em si diante das fantásticas demonstrações de Home. Em 13 de julho de 1855 escreve para sua irmã Henrietta: “... Ouanto a Home (1) – vamos vê-lo, e eu te direi. É a pessoa mais interessante para mim na Inglaterra, tanto de Somersetshire do número 50 da Wimpole Street... (2)

            Elizabeth, não se decepcionou com Daniel Dunglas Home; ao contrário viu confirmadas as suas expectativas, não só pela fama do médium e autenticidade dos fenômenos, com também pela certeza que ele lhe trazia da sobrevivência do Espírito, que, para ela, que há muito tempo vinha lendo e experimentando nesse campo – era pacífica. Quanto a Robert, não se pode dizer o mesmo.  Ao contrário, o poeta manifestou, com relação ao médium, uma hostilidade agressiva, da qual não fazia nenhum segredo. Mais tarde, escreveria um longo e elaborado poema no mais duro estilo satírico, inspirado em Home. Chamou-lhe “Mister Sludge, the Medium”. Sludge, que aí aparece como nome próprio, significa lama, massa barrenta ou untuosa. Em carta a um amigo, certa vez, Robert usou uma expressão tão rude que não poderia ser aqui reproduzida.

            O desacerto Home-Browning teria sequência em outras oportunidades, de modo especial em Florença, pouco tempo depois, durante uma visita do médium à colônia inglesa rica, aristocrática e intelectual, que por lá vivia por causa do bom clima e da vida barata. Quando Elizabeth soube que ele estava em Florença, escreveu com grande entusiasmo à sua infalível irmã Henriquetta, dizendo que uma amiga - Sra. Williiam Burnet Kinney, esposa do ministro americano (embaixador) na Sardínia, “que costumava ser tão violento com os Espíritos como Robert” acabou se convencendo de que era totalmente impossível atribuir à fraude os fenômenos produzidos por Home. "Os fenômenos produzidos por Home em Florença - prossegue Elizabeth - parecem ser de natureza espantosa. Uma princesa polonesa recebeu uma comunicação em suas próprla língua...” A sessão foi realizada na casa dos Trollope (Anthony Trollope, novelista inglês). Um vidro de água destilada, comprada em farmácia, deixou desprender, à vista de todos, um “vapor” e ficou perfumada. Disseram os Espíritos – é Elizabeth quem conta – que a água era chamada ódica e que a Sra. Kinney, que estava doente, deveria conservar o frasco em lugar escuro e tomar uma colher de chá por dia... “which she does...” conclui a carta, ou seja, “o que ela está fazendo”.

            Robert, indignado com o interesse de sua esposa pelo Espiritismo, que ele jugava uma grossa mistificação, transferia facilmente a sua revolta para Home, a quem não poupava, tanto em conversação social como em suas cartas e depois no poema famoso.

            Numa sessão realizada, entre outros, com Robert e Elizabeth, houve um incidente sério, que já tivemos oportunidade de ler, aqui mesmo em “Reformador”. Elizabeth, extremamente chocada, agarrou ambas as mãos do médium e pediu que perdoasse Robert.

            Home sentiu-se profundamente desapontado com as situações que ali viveu. Em carta a Henrietta (18-11-1856), Elizabeth conclui, vitoriosa: "Todo mundo adoraria deixar de crer em Home mas ninguém o pode. Eles detestam-no e acreditam nos fatos: Home, por sua vez, escreveu, desanimado: "Minhas experiências da vida e de suas falsidades já deixaram marca tão indelével na minha alma, por causa das minhas recentes experiências em Florença, que eu gostaria de afastar-me de tudo quanto pertença a este mundo." Chegou mesmo a pensar em entrar para um convento. E a sério. Um certo Monsenhor Talbot encarregou-se de instruí-lo e dentro de três semanas Home foi crismado. no domingo de Páscoa, por um sacerdote jesuíta. O Conde Branicka e a Condessa de Orsini foram os padrinhos. Pio IX concedeu-lhe audiência pessoal. Fez-lhe muitas perguntas “penetrantes, mas bondosamente formuladas”. Acabou despedindo o novo converso com sua bênção. Disseram nessa ocasião que ele havia prometido ao Papa abandonar o exercício de suas faculdades,  o que ele negou enfaticamente depois: “Eu não poderia fazer tal promessa, e nem ele a exigiu de mim...”

            Nada mais se falou da sua entrada para o convento e de Roma ele se dirigiu, com a família Branicka – que o tinha tomado aos seus cuidados -, a Paris, para estudar francês, segundo ele mesmo declarou. Mui gentilmente, o Papa recomendou-lhe seu próprio confessor, o erudito jesuíta Padre Xavier de Ravignan, pregador da capela das Tulherias.

            Esta temporada de Home em Paria foi um extravagante período na vida do médium. Padre Ravignan desempenharia junto dele um papel significativo. Mais uma vez, o caminho dos Brownings se cruzava com o de Home. O casal de poetas estava em Paris e Elizabeth imediatamente escreveu a Henrietta para anunciar, algo aflita, a presença do médium, preocupada em que ele e Robert pudessem encontrar-se e reacender antigos rancores, pois, segundo suas próprias expressões, Home era “ainda um osso na garganta do leão” mas Robert prometeu a ela comportar-se bem e limitar-se a ignorar o médium se, por acaso, cruzasse com ele na rua, o que já era muito. Por via das dúvidas, EIizabeth pede na carta que, na resposta de futuras cartas, Henrietta jamais mencionasse o nome de Home, certamente para que Robert não soubesse que elas ainda se ocupavam de tal indivíduo.

            O momento era particularmente difícil para Home. Abandonado subitamente pelos Branickas - qu se cansaram dele - ficou em Paris sem dinheiro e sem muitos amigos. Corria mesmo a notícia – segundo apurou Ellzabeth Browning – de que o médium estava muito mal de saúde ou até mesmo nas últimas, por causa da fraqueza de seus pulmões.  

            Padre Ravignon revelou-se um bom e paciente companheiro, certamente pelo interesse em conquistar aquela alma para a sua fé e sua igreja, mas, inegavelmente também porque era homem de excelente conteúdo humano e tolerante com seu curioso catecúmeno. Além de tudo, Home fora também abandonado pelos seus amigos espirituais, que, descontentes com algumas práticas, retiraram-se, anunciando que somente retornariam às suas tarefas junto ao médium depois de passado um ano inteiro. Toda a Paris especulava sobre o estranho fenômeno da suspensão da mediunidade e sobre quando e como poderia ela ser retomada, como se Home fosse um famoso cantor de ópera, temporariamente afastado das luzes da ribalta. A sociedade sofisticada do Segundo Império citava que se tratava simplesmente do que hoje se chamavam “golpe de publicidade”. Era um “vedetismo” de Home, nada mais. No entanto, os Espíritos cumpriram a palavra; deixaram-no um ano sem atividades mediúnicas. Completou-se o prazo a 10 de fevereiro de 1857. No dia 11, pela manhã, Home foi procurado pelo Marquês de Belmont, enviado pessoal do Imperador Napoleão III. Teriam os poderes do Monsieur Home retornado? Tinham. Precisamente ao soar meia-noite, no dia 10, um Espírito veio saudá-lo, levantar o seu moral e dizer que tudo estava bem. Logo em seguida, Padre Ravignan também apareceu ansioso para saber das novas. Não precisou nem falar; foi recebido com batidas espirituais por toda parte. O sacerdote explicou a Home que aquilo tinha que parar, senão ele não poderia conceder-lhe a absolvição. Home argumentou que os Espíritos estavam satisfeitos por encontrá-lo em tamanho estado de pureza, o que certamente facilitava os contatos. Mas o padre manteve-se firme, a despeito de Home ter acrescentado, como sempre o fazia, que as manifestações não estavam sob o controle da sua vontade. Ravignon, que não queria abandonar a alma do seu pupilo ao “demônio”, insistiu em que uma vez que Home não podia evitar as “alucinações” pelo menos poderia  desencorajá-las, pois quanto a ele, padre, somente via quando queria ver e somente ouvia quando queria ouvir. Depois desse conselho, preparou-se para partir e, ao levantar, para dar a mão a Home. Os “raps” recomeçaram por toda parte. Era o fim. Padre Ravignon se retirou e, a despeito dos seus entreveros com a igreja, o médium manteve agradável lembrança do bondoso jesuíta.

            Com a volta doa Espíritos, voltaram também os amigos e Home foi apanhado novamente pela roda-viva dos compromissos e dos convites para as reuniões elegantes. Já na sexta-feira, 13, “estreou” perante Napoleão III, de maneira dramática.  
            Quando se abriram para ele as portas do Salão Apolo, nas Tulherias, Home deu com uma multidão de nobres, tão grande que o ambiente sufocava. Chegou a recuar. A imperatriz Eugênia, tinha convidado toda sua “entourage”. Recuperado do impacto, Home explicou, com muitas desculpas e habilidade, que sessão mediúnica não era exibição teatral, que era melhor limitar o número de pessoal presentes a oito ou nove apenas e que mesmo assim ele não poderia garantir nada de positivo, dado que tudo dependia dos Espíritos. Deve ter sido uma senhora cena. A Imperatriz, muito ofendida, e sem dizer palavra, retirou-se e Home também preparou-se para sair, extremamente confuso, quando o Imperador, subitamente, ordenou que se desocupassem o salão. Formou-se um pequeno círculo de privilegiados e a sessão desenrolou-se maravilhosamente, com fenômenos abundantes e inequívocos. Napoleão, “com seus olhos de peixe” - diz Jean Burton -, observava pensativo. Ele passava por ser um razoável mágico -amador e certamente apreciava com olho crítico a “performance" do seu “colega”. A questão é que os "raps" - ou seja, as batidas – respondiam a perguntas que ele fazia mentalmente. Tão entusiasmado ficou que achou por bem interromper os trabalhos, declarando que a Imperatriz tinha de ver aquilo. Mandou chamá-la e em pouco entrou a grande dama, com toda a imponência do seu porte e de sua posição. Não é preciso acrescentar que Home conquistou toda a corte francesa – exceto um ou outro, como, por exemplo, o Conde Walewski, filho de Napoleão I e de Maria Walewska, a bela polonesa. O conde tudo fazia para desmoralizar Home e fazê-lo cair em desgraça na Corte, o que, aliás, não conseguiu. O médium passou a ter acesso praticamente livre ao palácio, chegando até mesmo a viver ali algum tempo, enquanto assim o desejou. Ganhou presentes riquíssimo e pouco depois foi aos Estados Unidos buscar sua irmã Christine, que, como protegida da Imperatriz, matriculou-se no próprio colégio em que Eugênia havia estudado vinte anos antes.

            Jean Burton chama a atenção para a notável posição dessa moça, colocada num colégio católico grã-fino, sob o bafejo do trono, de um lado, e ligada, de outro, a um irmão que as doces freiras consideravam um tremendo “feiticeiro”. Ao cabo de alguns anos, Christine voltou para os Estados Unidos, onde se casou. Home tem parentes nos Estados Unidos até hoje.

            É uma pena que não seja possível, nas escassas dimensões de um artigo, reproduzir tantos pormenores interessantes dessa vida fascinante. Temos que nos limitar aos episódios mais importantes.

            Na terceira sessão realizada nas Tulherias, materializou-se a mão de um homem que, tomando do lápis, assinou “Napoléon”. O Imperador reconhecei a assinatura de seu famoso tio e a Imperatriz pediu permissão para beijar a mão, que se elevou para receber o beijo de Eugênia.

            Em 1858, Home foi à Holanda, onde realizou sessões para a rainha Sofia, em Haia. Ganhou um belo anel da soberana. Em Bruxelas, apanhou um severo resfriado e novamente suas faculdades falharam. De volta a Paris, o médico aconselhou uma permanência na Itália. Home partiu para Roma onde se tornou amigo de um jovem nobre cossaco, o Conde Kucheieff-Besbordka.

            Da amizade pelo Conde surgiu o amor por AIexandrina, sua cunhada, pouco mais que um menina pois contava apenas 17 anos. Sacha –como era conhecida na intimidade – era bela, viva, encantadora. Filha do General e Conde de Kroll e nada menos que afilhada do próprio Czar. Home, convidado para jantar, sentou-se à direita da dona da casa e, ao ser apresentado à encantadora Sacha, teve e estranha impressão de que ela seria sua esposa. A menina disse-lhe, rindo, que ela se casaria dentro de um ano, porque, segundo uma superstição folclórica russa, era infalível o casamento quando um homem se sentava entre duas irmãs que acabasse de conhecer. As impressões de ambos se realizaram.

            Depois de sessões verdadeiramente notáveis para o Czar e sua corte - a convite do Imperador, naturalmente, Home partiu para Escócia, onde foi apanhar documentos pessoais e a 1º de agosto de 1858 casou-se com Sacha. No peito de muitos convidados, luziam condecorações importantes.  O Czar foi representado por dois figurões do Império, o Conde Bobrinski  e o Conde Alexis Tolstoy, irmão do genial romancista (Leon). Elizabeth Browning, maliciosamente, brincava com a irmã por carta: “Imagine só o mobiliário  conjugal flutuando pelo quarto, à noite, Henrietta!”

            Sacha foi uma boa e dedicada esposa e deu a Home um filho. Home transmitiu a ela a tuberculose, da qual morreria, lúcida e conformada, em 3 de julho de 1862, após uma doce convivência de 4 anos, seguida de uma disputa judicial demorada por causa da herança da jovem esposa. Gricha nasceu a 8 de maio de 1859 e, com a morte da mãe e as andanças do pai, acabou gravitando peta o ramo russo da família. Os Homes dos Estados Unidos souberam mais tarde ele havia entrado para o exército russo.

            Mas nem tudo eram flores no caminho de Home. Havia detratores gratuitos e inimigos impiedosos, como Robert Browning, Charles Dickens, o grande novelista inglês, foi um deles. Não fazia segredo algum da sua opinião, tachando Home de impostor. Achava, porém, que a coisa não tinha jeito, porque mesmo que se provasse a falsidade de Home “em cada célula microscópica de sua pele e em cada glóbulo do seu sangue, ainda assim os seus discípulos acreditariam nele e o adorariam”.

            Foi o que escreveu em carta de 16 de setembro de 1860 à Senhora Linton. Diria e escreveria outros horrores do médium. Pobre Dickson! Depois de desencarnado, voltou em Espírito, para terminar, através de um médium humilde, o seu notável romance “O mistério de Edwin Drood”, que deixara pela metade.

            Pelo final de dezembro de 1863, achava-se Home novamente em Roma. A pressão do Vaticano começou a tornar-se insuportável. Home pretendia ficar na cidade eterna para estudar escultura. Um livro de William Howitt, sua "History of the Supernatural” havia, da certa forma, contribuído, involuntariamente, para açular a hostilidade de católicos e  Protestantes contra os médiuns em geral e contra Home, em particular, o médium mais eminente e celebrado do seu tempo. “As luzes espirituais – dizia Howitt -, o tremor das casas, a transposição de portas fechadas, ventanias poderosas, levitação, escrita automática, comunicações em língua estrangeira – tudo isso ocorre todos os dias, tanto em Londres como nos Atos dos Apóstolos.”

            Seguia-se um trecho em que, se não era feita a apologia de Home, pelo menos se buscava entender a sua missão e natureza do seu trabalho. Com a segurança de um espírito lúcido e dono de profunda intuição, achava Howitt que as manifestações físicas, 'despreparadas e ridicularizadas’, deveriam preceder acontecimentos mais importantes. Ao demonstrar suas faculdades perante o testemunho de Imperadores, Reis e rainhas, Home estava desempenhando sua tarefa de precursor, lançando alicerces.

            Admirável inteligência dos fatos a de Howitt, mas que ajudou a agravar em hostilidade aberta o que antes era simples desconfiança da Igreja com o médium. O Cardeal Manning com coisas incríveis, declarando que através de trabalhos espíritas o demônio se materializava, ora como mulher, ora como homem e desses encontros resultava criaturas híbrida de natureza diabólica, mas de forma humana! Segundo narrativa de W. H. Mallock, autor de “The New Republic” o cardeal usou linguagem de tal modo grosseira (“unvarnished”) que os detalhes não poderiam ser reproduzidos.

            Assim, a 2 de janeiro de 1864, Home recebeu intimação para comparecer à polícia. Dia 3, pela manhã, lá foi ele, sem companhia de um amigo, chamado Gauthier, cônsul da Grécia.

            Preservou-se o diálogo do médium com a polícia, um documento do próprio
punho de Home, que vale a pena reproduzir, conservando o seu estilo telegráfico:

            Janeiro 2, recebida carta solicitando minha presença na Polícia, no dia 3, entre as 10 e uma hora. Em 3 de janeiro fui e me levaram à sala do advogado Pasqualoni. Eu estava  acompanhado de meu amigo Senhor Gauthier, cônsul da Grécia em Roma. As perguntas foram as seguintes: Nome do meu pai e da minha mãe? Publicou algum livro? Sim. Sua profissão? Estudante de arte. Sua residência? Via dei Tritoni, 65. Quando você chegou? Há seis semanas. Quantas do você chegou? Há seis semanas. Quantas vezes você esteve em Roma? Duas. Quanto tempo ficou de cada vez? Dois meses na primeira e três nesses da última vez. Quanto tempo pretende ficar desta vez? Até Abril. Você tem residência permanente na França? Não. Quantos livros escreveu? Quantos exemplares rendeu? Como não sou o próprio editor, seria impossível dizer. Depois que você se tornou católico exerceu poderes mediúnicos? Nem antes nem depois eu exerci meus poderes mediúnicos, de vez que não é poder que dependa da minha vontade. Não poderia usá-lo. Como é que você faz isso? Acho que a resposta que acabo de dar é suficiente para esclarecer. Você considera seu poder um dom da natureza? Não; considero seu poder um dom da natureza? Não: Considero um dom de Deus! Que é um transe? Um estudo de fisiologia explicaria melhor do que eu. Você vê os espíritos quando dormindo ou acordado? De ambas as maneiras. Por que os Espíritos procuram você? Para me consolarem e para convencer aqueles que não acreditam na sobrevivência da alma! Que religião eles pregam? Isso depende. Que é
É que você faz para eles se manifestarem? Eu estava para responder que ali nada fazia quando na mesa em que ele escrevia soaram batidas claras e distintas. Ele então disse: Mas a mesa não se mexe. Exatamente enquanto ele dizia isso a mesa moveu-se. Qual a Idade do,seu fjlho? Quatro anos e meio. Onde está ele? Em Malvern.  Com quem? Dr. Gully. Dr. Gully é católico? Não. Quando você viu seu filho pela última vez? Em abril. Então, ele disse, sem nenhuma justificativa, que eu deveria deixar Roma dentro de três dias. Está de acordo? Não, decididamente não, ainda mais porque nada fiz para infringir as leis deste ou de qualquer outro país. Falarei com o cônsul Inglês e seguirei seu conselho.”

            Há um pormenor que Home omitiu no seu documento autógrafo. Quando as manifestações começaram na polícia, o excelente Dr. Pasqualoni, enormemente surpreendido, perguntou a razão dos ruídos. O Cônsul informou tranquilamente que eram Os Espíritos.

            - Espíritos! – exclamou Pasqualoni, olhando assustado em volta da mesa.

            E, em seguida: "Vamos continuar nosso interrogatório."

            Não adiantou a interferência - de má vontade - do cônsul inglês. Havia “ordens superiores” para despachar o médium para fora de Roma, e assim foi feito. Segundo a biógrafa, as autoridades do Vaticano eram de opinião que o demônio estava metido naquilo e seria totalmente impossível tolerar aquele bando de Espíritos nos domínios da soberania papal. Ademais, não era de admirar a expulsão, depois da audaciosa demonstração dos seus amigos espirituais nas barbas da Polícia! E assim Home foi expulso de Roma seguindo para Nápoles, depois de uma despedida comovente na estação, onde compareceram muitos dos seus amigos nobres, inclusive Sua Alteza real, o Conde de Trani.

            Outro problema bem mais sério teria Home com a lei. Foi o famosíssimo caso com a Sra. Lyon. Vamos resumi-lo.  

            Jane Lyon era viúva de 75 anos de idade, sem filhos. Encantou-se com o jovem Home e resolveu adotá-lo como filho, exigindo mesmo que o médium aceitasse até o seu nome.  Por algum tempo - muito breve – ele assinou Daniel Dunglas Home-Lyon. A velhinha, a despeito de sua aparência extremamente modesta, era bastante rica e, em sucessivos e repentinos impulsos entregou a Home cerca de sessenta mil libras esterlinas, uma fortuna considerável para a época. Além de rica, Jane Lyon parecia segura de suas faculdades mentais e estava agindo daquela maneira para chamar a atenção sobre si mesma, para atiçar o despeito dos parentes de seu marido e provar que era dona do seu próprio dinheiro, podendo fazer dele o que quisesse.

            Dizia que o Espírito do seu marido havia mandado entregar a importância a Home. O certo é que, dentro de pouco tempo, ela se arrependeu de tudo e, desejando recuperar o seu dinheiro, levou a questão à Justiça. O escândalo foi enorme e danoso para a reputação de Home. Muitos amigos deram-lhe apoio maciço; outros se omitiram. Seus detratores exultaram. Browning escreveu uma carta extremamente cruel a Isa Blagden, para narrar a infelicidade do aturdido médium, alegando mesmo que Home pretendia casar-se com a Sra. Lyon, o que parece fantástico. Por fim, Home foi condenado. O juiz achou que não ficara provado que Home se utilizara de “influências indevidas" mas que também não ficara provado o contrário e que o ônus da prova de sua inocência caberia a ele próprio. Por conseguinte, disse o Juiz, "decido contra ele; porque, como acho que o Espiritismo é uma burla, sinto-me no dever de considerar a queixosa como vítima de uma burla e não há evidência que me convença do contrário”.
           
            Home devolveu o dinheiro e o nome à Senhora Lyon, mas saiu endividado e arrasado do episódio doloroso. Muitos foram os amigos que lhe manifestaram sua simpatia, entre eles católicos eminentes a até sacerdotes, como Monsenhor Talbot, que fora seu instrutor na tentativa de levá-lo para o seio da Igreja.

            Ainda estava pendente a questão judicial com a família de Sacha, mas essa ele ganhou e entrou na posse de consideráveis recursos. Em 18 de outubro de 1871, Home casou-se novamente com uma jovem russa, Julie, filha de Michel de Giumelino, Conselheiro de Estado do Imperador da Rússia, prima do eminente Alexandre Aksakoff, também conselheiro de Estado, brilhante pesquisador de fenômenos psíquicos, autor de livros respeitáveis como “Animismo e Espiritismo”.

            Julie também foi esposa compreensiva, suave e dedicada. Sobreviveu a Home e escreveu uma excelente biografia do marido. Deu-lhe uma filha que morreu em alguns dias. “A extrema beleza da criança é inacreditável", escreveu Home, ao ver a recém-nascida. Julie tratou Gricha com "angélica paciência", pois o menino, altamente nervoso, constituía um problema.

            Por alguns anos, Home e Julie viajaram pela Europa visitando amigos, enquanto ele consentia, aqui e ali, em realizar uma sessão. Suas forças, no entanto, o abandonavam enquanto a doença ia minando seu organismo delicado. Aos 38 anos de idade, praticamente retirou-se da vida ativa. Escreveu suas memórias “Incidents of my Life”  (“Incidentes na Minha Vida”), em dois volumes, e “Lights and shadows of Spiritalism”, (Luzes e Sombras do Espiritismo).

            Em tempos passados, despertara o interesse do jovem físico e químico William Crookes, do qual se tornou grande e íntimo amigo, pois era de apenas um ano a diferença de idade entre eles. Crookes declarou-se corajosamente convencido da legitimidade dos fenômenos produzidos por Home, enfrentando a tremenda e irracional hostilidade de seus colegas cientistas. Manteve-se até o fim da vida nessa convicção e proclamou-a publicamente, no apogeu de sua carreira, sob a responsabilidade de seu nome famoso e agraciado com o título de “Sir”.

            Quanto a Home, viveu seus últimos dois anos na França. Gostava de joias e as usava com prazer, mesmo porque cada delas recordava um amigo famoso: Napoleão III, Sofia, da Holanda, o Czar russo, Guilherme I, da Alemanha e condes e príncipes e duques...

            Na primavera de 1855, Julie levou o marido de Auteiul, onde estavam por algum tempo, até Paris, para consultar os médicos da capital. O diagnóstico foi sombrio. Ambos os pulmões estavam muito afetados. A viagem de volta a Auteiul foi feita em etapas suaves.

           Home morreu de 21 de junho, aos 53 anos de idade, assistido por um sacerdote da Igreja Ortodoxa grega e foi enterrado no cemitério russo de Saint Germain-em-Laye, junto dos restos físicos de sua linda filhinha. Julie Home regressou à Rússia quatro anos depois, e levou consigo Gricha, filho da primeira esposa com seu marido.  

            Daniel Douglas Home, que a Enciclopédia Britânica considera “um enigma não solucionado”, jamais foi apanhado fraudando. Desempenhou sua missão com dignidade e autenticidade num ambiente fútil e que facilmente poderia fascinar e corromper um jovem de modestas origens sociais. Creio poder afirmar que seus amigos espirituais ficaram satisfeitos com os seus trabalhos. Sua mediunidade tinha de ser mesmo de forma espetacular, de efeitos físicos. Para que pudesse sacudir a incredulidade de uns, a má vontade de muitos, a hostilidade de tantos. Viram-na todos aqueles que tiveram olhos para ver.

            Sem dúvida, Home estava certo: Home ajudou a lançar os alicerces do edifício que só agora começamos a vislumbrar em todo o seu esplendor e em toda a sua grandeza de seu futuro. Espírito profundamente afetuoso e sereno, merece as vibrações mais puras do nosso afeto.

(1) O nome de família era mesmo Home, mas o pai de Daniel assinava Hume. O médium ainda muito jovem passou a assinar-se Home, que conservou a vida inteira.
(2) A família de Elizabeth - os Barrets - tinha sua mansão nesse endereço.



quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Terapia do Futuro



Terapia do futuro
Hermínio Miranda
Reformador (FEB) Fevereiro 1980

            Em 1972 (junho, julho e agosto) "Reformador" publicou uma série de três artigos de minha autoria sob o título "Regressão de memória". No primeiro deles, entre outras especulações das muitas tas que o tema suscita sempre, conversamos, o leitor e eu, sobre os recursos terapêuticas da regressão para disfunção psíquica de variada natureza. Lembrei alguns casos de meu conhecimento em que inibições, fobias e desajustes emocionais foram solucionados ou atenuados por essa técnica que, aliás, não entra em choque com os métodos habituais da psicanálise freudiana; pelo contrário, acomoda-se a estes, com a única diferença fundamental de que introduz o conceito da reencarnação. Quanto ao mais, é a mesma metodologia da busca dos traumas na história pregressa do paciente e a consequente racionalização dos problemas, visando à eventual dissolução dos núcleos em que se acham incrustados.

            Vamos exemplificar o que isto significa com uma curiosa e inteligente observação do escritor Érico Veríssimo. Suponhamos, dizia ele, que você esteja em repouso no piso superior numa casa de dois pavimentos. De repente, você ouve um ruído lá embaixo. Talvez até você saiba que é o gato que derrubou alguma coisa no chão. Aí, porém, você não consegue repousar mais. Teria mesmo sido o gato? Quem sabe alguém entrou na casa com intenções criminosas? Estaria alguma coisa vazando? Será que a porta não ficou inadvertidamente aberta? Se a sua imaginação for mais ativa, você pode até imaginar um fantasma ou um fenômeno de "poltergeist". Em suma: é melhor levantar-se, descer a escada e certificar-se de que foi mesmo o gato que derrubou uma jarra. Só então você estará sossegado e poderá retomar seu repouso tranquilamente. Era o gato...

            Guardadas as devidas proporções, esse é o mecanismo de certas anomalias psíquicas. Pelas complicações emocionais que nos causam, pelas indefinidas inquietações que nos impõem e pelos temores que nos induzem, muitos deles exagerados ou francamente infundados não é difícil entender que problemas graves se agitam irresolvidos nas profundezas do inconsciente. Freud adotou o método da livre associação de ideias e lembranças, o estudo das mensagens oníricas, os lapsos de memória, de língua (falada ou escrita), enfim, uma série de recursos e artifícios para burlar a vigilância do consciente e penetrar nos arcanos do inconsciente em busca do núcleo perturbador, a que chamou de trauma. Com todo respeito pelo seu pioneirismo de genial desbravador da mente, força é reconhecer hoje que sua metodologia estava comprometida por sérias dificuldades operacionais – a lentidão e o caráter aleatório da coleta do material, bem como um bloqueio que, na maioria dos casos, frustrava suas expectativas de atingir o cerne da questão, ou seja, o seu dogma científico - se assim podemos dizer - de considerar o âmbito de uma única existência do ser humano.

            Dentro da rigidez desse esquema, o trauma poderia levar anos para revelar-se, ou nunca, pois o processo consiste em pescar uma ou outra agulha preciosa num imenso palheiro de recordações, de fantasias e de associações. Situação essa agravada, ainda, pelo fato de que o paciente é o primeiro a desejar, consciente ou inconscientemente, bloquear as lembranças traumáticas, exatamente porque teme enfrentá-las e sem enfrentá-las não conseguirá resolvê-las.

            Por isso, alguns críticos mais severos foram impiedosos com relação aos postulados básicos da doutrina freudiana, como Almir de Andrade ou Emil Ludwig, para citar dois mais antigos.

            Se o trauma estivesse localizado no contexto de uma existência anterior, lá continuaria porque o grande desbravador não estava preparado para admitir essa hipótese de trabalho. Carl Jung, seu discípulo dissidente, ainda que mais predisposto a tais aberturas deu inúmeras voltas em torno do edifício mas não quis bater à porta para ver o que havia lá dentro. Preferiu tangenciar pela teoria dos arquétipos, a do inconsciente coletivo outras geniais mas incompletas, formulações. Foi uma na pena, porque os dogmatismos de um e as relutâncias e hesitações de outro atrasaram o relógio da psicanálise em, pelo menos, meio século.

            Rogo ao leitor qualificado profissionalmente neste belíssimo campo de especulação científica que me perdoe as divagações, que não passam de reflexões de um leigo curioso e profundamente interessado na temática dos desarranjos mentais em geral, pelos seus aspectos humanos, pelas dores que acarretam, pelas aflições e perplexidades que causam direta ou indiretamente, a uma incalculável multidão de seres e que nós, espíritas, convictos da realidade inquestionável da reencarnação, não podemos deixar de pensar nos sofrimentos que poderiam ser poupados ou minorados se a terapêutica dos distúrbios mentais já houvesse incorporado ao seu arsenal clínico os conceitos das vidas sucessivas e da doutrina da ação e reação.

            Mas voltemos às observações iniciais deste artigo.

*

            Lembro-me de que na época em que saíram os estudos da série sobre regressão de memória não faltou quem questionasse a técnica como recurso terapêutico. Havia os que achavam que a simples identificação e racionalização de um episódio mais ou menos remoto não seria suficiente para desencadear um processo de cura pelo reequilíbrio mental ou emocional.

            Não obstante já em "Reformador' de outubro de 1970, em artigo intitulado "Psiquiatria e Reencarnação" (1), dávamos notícia de notáveis experiências do Dr. Denys Kelsey que, com a ajuda de Joan Grant, sua esposa, pesquisava nas vidas anteriores de seus pacientes essas verdadeiras garimpagens dos delicados e complexos mecanismos psíquicos que era preciso identificar e destravar para que o fluxo da vida pudesse seguir o seu curso normal.

            - Na verdade - escrevíamos então - quando a psiquiatria descobrir os conceitos fundamentais do Espiritismo e aplica-los com inteligência, os resultados serão realmente espetaculares. Que o diga o Dr. Kelsey.

            Pois, ao que tudo indica, estamos nos aproximando mais seguramente desse momento importante em que a aceitação de alguns enfoques básicos da Doutrina Espírita começa a produzir frutos promissores na terapêutica de dissonâncias emocionais. É justo destacar na fase preparatória das novas técnicas, o excelente trabalho de pesquisa e divulgação da Dra. Gina Cerminara, brilhante psicóloga americana, especialmente em seus livros “Many Mansions”, de 1950 (2) e “The World Whithin” de 1951.

            É claro que tais conceitos, pela força de seus impactos sobre alguns dos mais queridos dogmas científicos, precisam de algum tempo para maturação na mente daqueles que se dedicam à nobre tarela de minorar o sofrimento alheio. lsto é compreensível, porque as revisões são muito extensas e as reformulações muito profundas em teorias arraigadas e preconceitos não menos estratificados, mas é inegável que algumas conquistas importantes foram realizadas no sentido positivo.

            É, pois, uma alegria muito grande encontrar nas chamadas de um livro como o da Dra. Edith Fiore (3) expressões como esta: “A terapia da reencarnação é a chave. Seus problemas atuais podem, estar trancados na vida anterior!” Ou ainda: “Uma psicóloga pesquisa vidas passadas:”

            A Dra Fiore concluiu seu doutorado em Psicologia na Universidade de Miami e é membro da American Psychological Association of Clinical Hypnosis e da Academy of  Clinical Hypnosis”, de São Francisco.

            - Meus pacientes e sujeitos, diz ela, mergulharam em existências anteriores, a fim de encontrar as origens de seus talentos, habilidades, interesses, forças e fraquezas, bem como sintomas e problemas específicos. A tapeçaria das nossas vidas é tecida com fios muito antigos e o desenho é complexo.

            Ao escrever o seu livro, a Dra. Edith Fiore ainda não se confessa totalmente convicta da realidade da reencarnação - o que é, no mínimo, muito estranho em vista dos resultados que vem obtendo com as suas experiências. Prefere a incômoda posição de quem não crê e nem descrê.

(1) Incorporado ao livro "Reencarnação e Imortalidade", edição FEB, 1976.
(2) Veu o artigo "A Cereja e a Lesma", em "Reformador" de julho de 1975, págs, 147 e seguintes.
(3) "You Have Been Here Before" ("Você esteve aqui antes"), Ballantine Books, fevereiro de 1979.

            Contudo, prossegue, a cada dia que observo mais e mais pacientes e exploro vidas passadas, vejo-me crescentemente convencida de que estas não são fantasias.

            Simples cautela científica, respeito humano, concessão à opinião dominante?

            É preciso dar tempo ao tempo. A ilustre psicóloga declara na introdução de seu livro que há dois anos ela estava "totalmente desinteressada da ideia da reencarnação”. Uma tarde, porém, “testemunhei algo que afetou radicalmente minha vida profissional e minhas crenças pessoais". Tratava ela, pela hipnose, de um paciente que sofria de terríveis inibições de natureza sexual.  

            Quando ela pediu ao homem, já hipnotizado, que fosse às origens dos seus problemas, ele disse:

            - Duas ou três existências atrás fui padre católico.

            Contou ele, a seguir, suas experiências como sacerdote italiano) no século XVII. A doutora, porém, sabedora de que o homem era reencarnacionista achou que a narrativa, "colorida por larga medida de emotividade, era fantasista”. A questão é que o homem curou-se dos seus distúrbios e a psicóloga anotou que acabara de descobrir um novo "'instrumento” terapêutico, ainda que não convencida de seus fundamentos.

            Casos semelhantes foram ocorrendo e, pouco a pouco, acomodando-se dentro de um contexto coerente, a partir do qual, mesmo considerando a ideia como simples hipótese de trabalho, a Doutora Fiore passou a distinguir algumas constantes que
assumiam a força de verdadeiras leis. É certamente por isso que a despeito de tão pouco tempo de experimentação já está ela em condições de declarar, como o faz no pórtico de seu livro, que:

            - Em meu trabalho com a teoria da Reencarnação estou observando que não há um só aspecto do caráter ou do comportamento humano que possa ser mais bem compreendido através do exame de acontecimentos de vidas anteriores.

            Sem dúvida alguma, a autora está bem consciente da importância do seu “achado” e das riquíssimas possibilidades que abre para a terapia dos distúrbios emocionais, bem como do amplo território que tem diante de si a explorar. “Escrever este livro - diz ela – foi apenas o começo para mim.

            Estamos de acordo, pois sabemos das surpresas e dos ensinamentos que aguardam a Dra. Edith Fiore ao longo do caminho. Creio, igualmente, legítimo supor que ela está muito mais convicta do que deseja admitir pois, do contrário, não teria arriscado sua reputação profissional escrevendo um livro tão sério e revolucionário em termos de ortodoxia científica), com apenas dois anos de observação. O leitor mais bem informado quanto aos fundamentos da Doutrina Espírita identifica suas surpresas e percebe que para certos aspectos que suas experiências vão revelando, ela não possui ainda uma teoria consolidada. Como também nota que certos desdobramentos são para ela inesperados e insólitos, tal - por exemplo - a atividade do ser (desencarnado) entre uma existência e outra.

            Quanto aos seus métodos de trabalho, vemos que emprega uma técnica impecável, segura, competente, cautelosa. Ela não força ninguém às regressões que são promovidas sempre com pleno conhecimento e consentimento do paciente. Uma vez ficou decidido seguir por essa via, ela explica como a coisa funciona, procurando remover temores infundados mesmo porque há sobre a hipnose noções completamente errôneas e mesmo insensatas. Ela assegura, por exemplo, ao paciente ainda em estado de vigília, que ele estará sempre no controle da situação, seja conscientemente, seja através do subconsciente.

            Lembra ela, ademais, que ao aprofundar-se na zona crepuscular das vidas anteriores, o paciente irá reviver problema traumatizantes e complexos, tais como severas depressões, sentimentos de culpa, desconforto físico e outras dificuldades dessa natureza. É indispensável que tais situações sejam tratadas com pericia, cabendo ao terapeuta conduzir a regressão com paciência e tato, proporcionando o conforto da sua presença), do seu apoio e da sua compreensão nos momentos críticos. Não deve, ainda, forçar o paciente a ir além do que permitam as suas forças. No momento oportuno ele dará o passo definitivo. Deve ter sensibilidade para identificar esse momento e ajudar o paciente a vencer suas últimas inibições e bloqueios sem, contudo, molestá-lo.

            Importantes contribuições a esse trabalho são a prece, para se alcançar a necessária cobertura espiritual e o passe, recurso de ajuste magnético para fortalecer, despertar, ou  aprofundar o transe anímico. Sobre isso, porém, nada diz a autora.

            Creio conveniente a esta altura ilustrar os métodos da Dra. Edith Fiore com a súmula de um dos vários casos que ela apresenta no seu livro.

*

            Chamava-se Elizabeth a moça. Uma jovem senhora, casada, mãe de três filhos. Sua aparência falava de seus conflitos: gordíssima, displicente, metida em apertada calça, tipo “jeans”,  uns dois números menores do que ela deveria usar, uma blusa de malha escura, tênis nos pés, cabelos cortados rente , pretos com salpicos grisalhos: Não era preciso dizer que se tratava duma criatura infeliz e frustrada. Sua preocupação maior, no momento, era o controle do peso. Tomara-se um joguete de temores indefinidos, de inexplicável sentimento de culpa. Há algum tempo sofrera terrível crise de depressão, que a deixara prostrada durante três anos. Passava horas sentada, imóvel, ou então lia deitada. Qualquer esforço era demais ela. Saltava de uma doença para outra. Quando se livrou da úlcera manifestou-se uma tireoídite e assim por diante. Era o desespero dos psiquiatras que não tinham mais o que dizer a ela. Prescreviam lhe tranquilizantes e antidepressivos, que ela tomava alternadamente segundo seu estado.

            Ela própria admitia que seus problemas somente poderiam resultar de situações vividas em existências anteriores, porque nada havia nesta que os justificasse. O marido era excelente e tolerava com paciência as suas mazelas; os filhos normais e sadios.

            Ela abominava qualquer forma de violência, passava mal à vista de sangue derramado. Sua maior ansiedade, porém, era o terror de chegar em casa e encontrar os filhos feridos ou molestados de qualquer forma. Nas poucas vezes em que admitia sair de casa com o marido, chegava ao absurdo de pedir a ele que entrasse primeiro, ao regressar, a fim de verificar se estava tudo bem.

            Como se vê, uma ruína humana. Ouvira falar do trabalho da Dra. Fiore e resolveu fazer mais uma tentativa, talvez a última, pois além daquilo, nada mais lhe restaria. Reagiu, porém, quando a psicóloga começou a prepará-la para a hipnose. Havia nas profundezas do seu ser mais um medo; o de descobrir a origem de seus medos. "Talvez eu esteja certa em me sentir culpada... - comentou - algo que não possa ser mudado." Queria desistir do tratamento antes mesmo de começa-lo. Era melhor deixar as coisas como estavam. A psicóloga agiu com tato e prudência, sem forçar. Argumentou, citou exemplos e a convenceu a recomeçar a indução hipnótica. Deu-lhe algumas sugestões e a despediu com uma gravação que continha instruções para relaxamento em casa durante a semana.

            Elizabeth não foi uma cliente fácil como tantos outros cujos problemas se resolviam com uma sessão ou duas. Semana após semana ela vinha ao consultório, sempre confusa, hesitante, cheia de temores. Via-se, nos sonhos, constantemente apavorada, a subir relutantemente as escadas de uma casa antiga, mas nunca reunia coragem suficiente para abrir a porta do sótão. Atrás daquela porta havia coisas terríveis que ela não sabia definir, mas que a deixavam em pânico. Acordava aflita e ainda mais angustiada.

            Nesse interim, continuava a resistir à indução hipnótica.

            A psicóloga dispôs-se a prepará-la para vencer essa inibição, dando-lhe a sugestão de que estivesse “pronta para encarar os acontecimentos causadores dos seus problemas”. Na sessão seguinte, quando começou a mergulhar no transe, acordou sobressaltada, recuando mais uma vez. Não tinha coragem. Passou duas semanas horríveis, mais deprimida do que nunca.

            Finalmente, conseguiu o relaxamento necessário para identificar uma existência no século XIX. Europeia de nascimento, vivera na Índia uma experiência altamente traumática, ao assistir impotente a um incêndio destruir um orfanato, matando todas as trinta crianças que ali estavam sob sua responsabilidade.

            O episódio explicava o temor que ela sempre teve de perder o marido, pois quando o incêndio lavrou, o marido estava fora. Não era ainda ali que estava o núcleo dos seus problemas. Em outras experiências, ela relembrou existências em que vivera duas vezes como marujo e uma em que fora a negligenciada esposa de um capitão de navio.

            Ainda não era tudo, porém, pois, evidentemente, ela continuava a andar em círculos em torno das lembranças mais terríveis, sem coragem de aproximar-se delas. A dramática narrativa somente emergiu na 14ª sessão, quando, afinal, rompeu-se o dique, ainda assim, após hesitações e recuos que a psicóloga soube contornar com extrema habilidade e alguma firmeza.

            A história fora a seguinte: Chamava-se Sara e vivia com a cunhada e três filhos desta. A lembrança é daquele dia em particular que a marcou mais fundo, como sempre acontece nesses casos.

            A cunhada era uma criatura difícil, amargurada, infeliz e negativa. O marido (irmão de Sara) nada ligava para ela, trabalhava longe e pouco aparecia em casa. Naquela noite haveria uma festa numa propriedade vizinha e Sara, naturalmente, queria ir. Tentou convencer a cunhada a ir também e levar os filhos, mas a outra foi irredutível. A moça ajudou a arrumar as crianças e resolveu ir de qualquer maneira. Cantou, dançou, divertiu-se
bastante. Ao regressar, já altas horas da noite, a casa estava silenciosa e às escuras. Uma sensação de mal-estar começou a dominá-la. Subiu a escada e, depois de muita hesitação, já em pânico, abriu a porta do quarto lá em cima (a famosa porta dos seus pesadelos). A lâmina de madeira bateu em algo duro no chão que rolou para um lado. Era a cabeça da cunhada. Havia sangue e desordem por toda parte e tanto ela como as crianças estavam esquartejadas e decapitadas. Tudo quebrado e desarrumado, um horror! Só havia uma pessoa capaz de fazer aquilo - o irmão de Sara. Aliás, ela ouviu, ao chegar, passos de alguém escapando pelos fundos, rumo à floresta. O irmão era um homem desequilibrado, dado à bebida. e impiedoso com os animais. Rancoroso, mal-humorado e agressivo.  

            Se antes ela estivera com aquela sensação de que não deveria ter ido à festa, agora o peso da culpa lhe caíra todo sobre os ombros. Era como se ela houvesse cometido aquele crime hediondo. Se houvesse ficado, talvez alguém se ferisse mas, certamente, não teria ocorrido o massacre.

            Nada mais havia a fazer. Encheu-se de fria e determinada coragem e partiu a pé para a cidadezinha, a fim de comunicar o tétrico acontecimento ao xerife.

            - Você não está com medo? - pergunta-lhe a psicóloga.

            - Sinto-me mal. Não estou com medo. Não há nada neste mundo que alguém possa me fazer...  que me ferisse ainda mais do que isso.

            Depois disso, perdeu o juízo (“creio que fiquei um tanto maluca”) e foi internada num sanatório onde passou o resto de sua dolorosa existência.

            As agonias, as frustrações e os remorsos daquela vida transbordaram para a atual, sob forma de inibições e angústias indefiníveis. No fundo, sentia não ter direito a nenhuma alegria, nem à saúde, nem aos prazeres naturais da vida em comum numa família normal e equilibrada. A psicóloga definiu assim a sua posição:

            - Em outras palavras, você acha que não merece divertir-se porque antes, quando você se divertiu, veja o que aconteceu.

            - Nunca deveria ter ido - foi a resposta.

            A seguir, a psicóloga pediu as identificações.  O irmão atormentado era agora pai de Elizabeth, a jovem senhora gorda. O mesmo temperamento agressivo, sombrio, rancoroso. O mesmo hábito de beber, os mesmos impulsos de violência. A cunhada voltou como sua mãe. Quanto a ela assumira a responsabilidade pelas crianças, que eram os seus filhos atuais.

            Elizabeth tinha agora o drama todo à disposição do seu consciente para exame, crítica. e racionalização. For mais trágica que fosse, a narrativa fazia sentido e se encaixava com assombrosa precisão no contexto da vida atual.

            Daí em diante, as coisas começaram a mudar para ela. O primeiro temor a vencer foi o de deixar os filhos sozinhos em casa. Numa daquelas primeiras semanas, após a tremenda catarse - que durou mais de uma hora -, ela foi ao teatro com o marido, na vizinha cidade de San Francisco. Ao voltar, só percebeu que havia entrado direto em casa depois que já estava lá. Pela primeira vez não pedira ao marido para ver se estava tudo bem.

            Em seguida, começou a perder peso - quase três quilos numa única semana! Na visita seguinte ao consultório da psicóloga, apareceu com um vestido mais feminino, feito por ela mesma, de um tecido estampado. Deixara, de lado o feio “uniforme” das “jeans”, a blusa de malha e o tênis. Começou a sorrir e a redescobrir a vida. Estava curada.

*

            Aliás, a Dra. Edith Fiore também está fazendo notáveis descobertas.

            - A descrição do intervalo entre duas existências, segundo o fascinante relato de meus pacientes, escreve ela, mais para o final do livro - terá que aguardar uma publicação futura. É um Livro por si só!

            Diz ela que uma das características importantes dessas narrativas sobre a morte é que a consciência persiste sem interrupção.” Há aquela sensação de flutuação e, após,  alguns momentos sozinhos, já na condição de espíritos desencarnados, seus pacientes falam da presença de companheiros espirituais. Alguns apresentam emocionadas reações de alegria ao se lembrarem desses reencontros.

            Vejamos o fragmento de um desses diálogos.

            - Você ainda está no corpo' - pergunta a psicóloga.

            - Não.

            - Está sozinha aí, na sua forma espiritual?

            - Não. Meus guias já chegaram. (Há evidente alegria no rosto da paciente.)

            - O que eles dizem a você? O que transmitem a você?

            - Vieram para levar-me para casa.

            - Quantos são?

            - Cinco.

            - Parecem familiares a você?

            - Sim, naturalmente.

            - Por quê?

            - Porque são meus guias. Sempre estão aqui quando venho para casa.

            - São sempre os mesmos?

            - Sim.

            - Há alguém mais aí?  Outros espíritos a quem você reconheça a não ser os guias?

            - Sim. Meus parentes.

            - Eles se comunicam com você?

            - Sim. Eles me ajudam a compreender que não sentem mais nenhuma dor.

            Quantas vezes os espíritas têm ouvido diálogos semelhantes entre os espíritos incorporados e seres encarnados...

            Em outro caso, que a Dra. Fiore considerava “uma das mais extraordinárias experiências, um paciente descreve a morte da avó, que ficara um pouco mais do que ele na carne. Em outras oportunidades, a psicóloga testemunhou conflitos entre as crenças religiosas de seus pacientes e a realidade do mundo espiritual.

            O importante de tudo isso é a consistente convicção da sobrevivência que ela confessa ter encontrado em tantos depoimentos espontâneos concordantes.

            - É maravilhoso saber - disse um deles - que quando a gente morre, é apenas um novo começo.

            No capítulo final, a Dra. Edith Fiore expõe breves observações pessoais, dizendo que embora a questão da reencarnação não esteja definitivamente resolvida para ela (!) já não se sente bem com o seu antigo agnosticismo. Cita o livro do Dr. Ian Stevenson (“Vinte Casos Sugestivos de Reencarnação”), e os da Dra. Gina Cerminara (“The World Whithin”, “Many Mansions”, “Many Lifes, Many Loves”), declarando que as conclusões dessa eminente psicóloga são coerentes com as suas observações clínicas.

            As pesquisas prosseguem e novos livros estão prometidos.

            Alegremo-nos, aqueles de nós que começam a entender a vida, A terapia do futuro está chegando aos consultórios.