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quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Regresso de Noel Rosa





Regresso de Noel Rosa
Elias Barbosa
Reformador (FEB) Janeiro 1963

            Ao comparecer um escritor de renome, seja prosador ou poeta, a uma sessão espírita, através das faculdades medianímicas de determinado sensitivo, a mensagem que fica, quase sempre, suscita considerações múltiplas no ânimo dos estudiosos de questões literárias, mormente os que se preocupam com fazer análises estilísticas e confrontos entre as produções deixadas pelo autor, e as páginas por ele trazidas de além-túmulo.

            E, com efeito, não há estudo mais agradável de efetuar-se, principalmente quando um só Espírito, na mesma reunião, se comunica através de dois médiuns diversos, grafando, naturalmente, determinadas mensagens, uma após outra, existindo em ambas perfeita identidade não só no título, mas igualmente no estilo, servindo-se o autor da mesma técnica no que tange à disposição dos versos, ao ritmo, ao metro, ao esquema rítmico, enfim, à alma que existe em ambos os poemas, o mesmo amor pela terra em que nasceu e desencarnou, amor de que o artista deu provas, sobejamente, em toda a vida, através de canções que compôs; considerando-se, ainda, a circunstância de a entidade espiritual apor análoga assinatura em ambos os comunicados.

            Digno de nota, nesse âmbito, foi o que se deu na noite de 24 de Novembro de 1962 sábado de calor intenso, em Uberaba, Minas:

            Presente à reunião pública da Comunhão Espírita Cristã, de que partilhavam os conhecidos médiuns Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, uma vez feita a prece de abertura aos estudos programados, enquanto a comentarista dos trechos kardequianos, lidos na noite, prosseguia em sua breve alocução, algo de admirável se deu, no concernente ao trabalho mediúnico, e do qual fomos testemunha, ao lado de grande número de visitantes do Rio, S. Paulo e Belo Horizonte, dentre outros os jornalistas Jorge Rizzini e Ismael Ramos das Neves.

            No lugar costumeiro, o médium Waldo Vieira, que é também médico respeitável, com a mão esquerda sobre os olhos, deixa que a destra corra, vertiginosamente, sobre o papel, ouvindo-se lhe o ruído característico do lápis ao fixar as palavras da entidade comunicante.

            Nesse interim, o médium Francisco Cândido Xavier permanece em silêncio.

            Tão logo o medianeiro de “Conduta Espírita” deposita o lápis sobre a mesa, o médium do “Parnaso de Além-Túmulo”, após ligeiro intervalo, começa a escrever, também de modo rápido.

            Minutos depois, encerradas as atividades, dá-se a palavra a Waldo Vieira para a leitura da mensagem recolhida.

            Com que júbilo, ao final da peça constituída por primorosas trovas, ouvimos o nome de Noel Rosa! Sim, não era ninguém mais que o famoso compositor brasileiro, o suave poeta de Vila Isabel, que nos presenteara com magníficas quadras, a que deu o nome de “Canções”.

            Dada a palavra, posteriormente, a Francisco Cândido Xavier, mais se nos aguçou a curiosidade, de vez que identificávamos absoluta semelhança de estilo, a fluidez e leveza, sustentando-nos o alto grau de emoção, acentuando-se nos o encantamento ao verificar que a segunda produção medianímica estava subordinada ao mesmo título e vinha subscrita pelo mesmo poeta: Noel Rosa.

            Não havia dúvida. Acabávamos de assistir a insofismável fenômeno mediúnico. Algo singular e comovente para nós que o presenciávamos, sentindo e raciocinando as verdades do Mundo Espiritual. Em poucos minutos, Noel Rosa patenteara-se, inconfundível, enternecendo--nos com as suas trovas ressumantes de simplicidade e, como tudo que é simples, rorejantes de beleza.

            Antes de transcrevermos, na íntegra, ambos os poemas, tracemos breve nota biográfica do distinto compositor patrício.

            O autor de mais de trezentas composições (inclusive valsas), segundo Brício de Abreu, em reportagem publicada em “O Cruzeiro”, de 26 de Maio de 1962, nasceu no Rio (Vila Isabel), a 11 de Dezembro de 1910.

            “Noel Rosa, ao morrer” - é Brício de Abreu quem o diz -, “era um compositor de popularidade relativa. Era mais conhecido no meio musical e no rádio, pois, tão logo se lançou como profissional, passou a frequentar os corredores das rádios e gravadoras à procura de oportunidades. Muito trabalhador - ao contrário dos que apregoam apenas a sua boêmia -, Noel Rosa tomou parte em audições na “Rádio Phillips”, com Marília Batista e Luís Barbosa, no “Programa Casé”, e, depois, com Henrique Batista, irmão de Marília, no programa que alcançou regular notoriedade: “Sambas e Outras Coisas”.

            “Há 25 anos” - é ainda o grande musicólogo que o afirma -, “às 19:30 horas da terça-feira, 4 de Maio de 1937 - morria, no chalé da Rua Teodoro da Silva, 130, em Vila Isabel (Rio), o compositor Noel Rosa. Da casa fronteira vinha o ruído de um “assustado”: estavamcantando o samba de sucesso que dizia: “De babado sim/ Meu amor ideal! Sem babado não.” Era um samba de Noel."

            Cinco lustros depois da desencarnação do poeta, com que entusiasmo podemos afirmar, categoricamente, que apenas aparentemente “Vila Isabel perdia o seu cantor, e a música popular brasileira, um dos seus maiores compositores”, posto que Noel Rosa continua vivo, guardando sempre na alma a saudade de sua querida Vila Isabel, tão exaltada por ele em seus versos e sambas imortais.

            Ofertando ao leitor as trovas medianímicas, a que nos referimos, vamos, pois, ao primeiro poema, psicografado pelo médium Waldo Vieira:

CANÇÕES
Trova - no mundo apagado
Ou na luz dos sóis dispersos -
É o coração musicado
Na pauta de quatro versos.

Quisera cantar no asfalto
Os reinos desconhecidos,
Mas se a canção vem do Alto
A Terra não tem ouvidos.

Saudade - doce e cruel -
Tem sete letras de arminho,
Sete lâminas de mel
Que cortam devagarinho.

                 Vida - um eterno presente               
Vida e morte - vem e vai.
Vida humana – tão somente
A flor que fenece e cai...

Se alguém falasse: - "Noel,
Onde queres outra vida?"
Diria: "- Em Vila Isabel,
A minha vila querida!"

            Deixamos, evidentemente, de fazer qualquer comentário em torno do pensamento expresso pelo poeta, quer sob o ponto de vista formal, quer espiritual, para que o leitor possa, em toda a sua intensidade, sentir o impacto superior da mensagem musicada de Noel Rosa.

            Concluindo nossas modestas considerações sobre o fato que reputamos dos mais autênticos dentro do campo mediúnico - a volta de Noel Rosa através de dois médiuns, na mesma reunião pública, com mensagens altamente identificadoras -, transcrevamos o poema psicografado por Francisco Cândido Xavier, instantes depois que Waldo Vieira concluía o seu excelente trabalho psicográfico:

Canções

O clarão da Luz Divina,
Nas rimas cheias de graça,
É como sol que ilumina,
Entrando pela vidraça.

Sinto agora o céu fulgente,
Mas trago, no azul sem fim,
As mágoas da nossa gente
Chorando dentro de mim.

O samba não é pecado
Se nasce do coração:
Jesus nasceu festejado
No meio de uma canção...

Meu Rio, belo e risonho,
Canto ainda a serenata,
Em tuas praias de sonho,
Em tuas noites de prata.

Deus não faz adulação,
Mas fez com novo buril
O Brasil do coração
e o coração do Brasil. (*)

            (*) Um fato digno de observação: é que as trovas aqui referidas foram psicografadas, exatamente oito dias antes do encerramento do Congresso Nacional do Samba, cujas sessões se realizaram na terra natal do poeta, na antiga Câmara Municipal, tendo, na véspera do encerramento, a 1º de Dezembro de 1962, sido aprovada a "Carta do Samba", elaborada pelo professor Edson Carneiro.



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