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quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Um precursor esquecido: Daniel Dunglas Home



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Um precursor esquecido: Daniel Dunglas Home
por Hermínio Miranda
Reformador (FEB) Abril 1972

            A observação apaixonada do imenso painel da História revela a nítida interferência dos poderes superiores nos impulsos criadores e renovadores da humanidade. Em outras palavras mais simples: A História é um jogo inteligente de forças espirituais, com motivação e destinação espirituais. Se fosse preciso demonstra a demonstrar a tese, bastaria tomar o exemplo do movimento espiritual desencadeado em 1848, em Hydesville, nos Estados Unidos.

            E mais ainda: vemos que as genuínas correntes históricas trazem em si mesmas um ímpeto irresistível, que mesmo as imperfeições, fraquezas e deserções humanas não conseguem deter. As meninas da família Fox, certamente incumbidas pelos seus mentores espirituais do trabalho inicial, não resistiram à pressão insuportável das forças adversárias  e acabaram passando a si próprias atestados de fraude, para, depois, desmentirem o desmentido. Isso levou Harry Price (in "Fifty Years of Psychical Research") a oferecer ao leitor duas alternativas: Margareth Fox foi médium fraudulento ou uma grande mentirosa. As alternativas de Price – como, aliás, muitos dos seus comentários – são impiedosos e extremados. É inegável que elas produziram fenômenos autênticos que, na época, despertaram paixões violentas naqueles que não suportam ver seus interesses e suas crenças sacudidos pela base. Posteriormente, comercializaram suas faculdades - caminho mais fácil e direto para a fraude consciente. É possível que, para se verem livres da pressão social, tenham resolvido “confessar” que fraudavam, do que mais tarde se arrependeram. Não é justo pregar rótulos cruéis em seres humanos dos quais não conhecemos direito as motivações, o ambiente em que viveram, as coisas que experimentaram, as coações que  sofreram, as aflições por que passaram.

            O que se pretende evidenciar aqui é que, a despeito da fragilidade humana, a marcha da espiritualização da humanidade segue em frente e, como nos é permitido saber às vezes, aqueles que perseguem e ridicularizam médiuns costumam voltar mais tarde, em outras vidas, como médiuns.

            Uma vez disparados os dispositivos da “revolução espiritual", em 1848, vemos que uma verdadeira constelação de médiuns, das mais variadas faculdades, começou a despertar pelo mundo afora. No espaço de algumas décadas, meados do século dezenove até ao princípio do século vinte, viveram centenas de bons médiuns, muitos dos quais foram experimentados a sério pelos grandes cientistas da época. Mencionamos apenas alguns, dos mal famosos: as três jovens Fox, Daniel Dunglas Home, Eusápia Palladino, Florence Cook, Eva C. (Carrière), Madame D’Esperance (Elizabeth Hope), WIIIi e Rudy Schneider (conterrâneos de Adolf Hitler), Fransck Kluski, Leonore Piper, Julian Ochorowicz, Henri Slade e outros.  

            Claro que na posição de pioneiros de um movimento criado para renovar o pensamento humano não foi fácil a tarefa desses precursores. Precisamos conceder a cada um larga margem de compreensão e tolerância pelas falhas humanas que porventura tenham demonstrado, mesmo porque no não tinham ainda um corpo doutrinário consolidado em que se apoiassem para compreender suas próprias faculdades e orientar o exercício de suas tarefas. Além do mais, como portadores de recursos insólitos, mal compreendidos e pouco estudados, viam-se, de repente, sob o foco de atenções e solicitações, como foco de um outro mundo que todos queriam ver, apalpar e examinar. Era difícil resistir às tentações, às ofertas de dinheiro e ao cortejo dos grandes e poderosos da época,  tanto quanto os ódios e à hostilidade de muitos.

            Ninguém enfrentou maior dificuldades nesse campo do que Daniel Dunglas Home,  cuja existência é uma legenda que ainda hoje parece a muitos enigmática. Há uma verdadeira torrente de livros e referências sobre esses homem curioso, que tinha livre acesso às brilhantes cortes europeias do século passado.
           
            Home nasceu numa vila chamada Currie, perto de Edinburgh, na Escócia, a 20 de março de 1833. Sabe-se que sua família também possuía faculdades psíquicas. Seu pai era ligado à nobre família dos Homes, de Dunglas. O médium dizia que seu pai era filho ilegítimo do décimo “earl” de Home. (1)

            Jean Burton, na excelente biografia de Home – “Herday of a Wizard”, publicada por Georp G. Harrap em 1948 – comenta a dificuldade que enfrentaram os contemporâneos do médium para entendê-lo e classificá-lo. Não era um artista do palco nem um religioso.  Gostava de ser recebido como igual e que jamais ninguém se lembrasse de ofertar-lhe dinheiro pelas suas sessões. Aceitava porém, jóias - de que muito gostou, até o fim da vida – roupas, casacos de pele, temporadas em elegantes estações de água e coisas desse teor: dinheiro, não. Como seria sua aparência?

            A Princesa de Metternich o descreve assim: “Estatura mediana, magro, corpo bem construído; vestido de boas roupas, com gravata branca, parecia um “gentleman” da mais elevada posição. Seu rosto era atraente na sua expressão de suave melancolia. Era pálido, de olhos azuis de porcelana, - olhos penetrantes, um tanto sonolentos – cabelos avermelhados, espessos, abundantes mas não longos demais, não gaforinha de pianista ou de vioIinista; em suma, er de aparência agradável, nada de extraordinário, a não ser, talvez, a palidez da pele que parecia natural, no seu contraste com o cabelo vermelho e a barba”.

            Por motivos que não ficaram bem claros, com um ano de idade o menino foi viver com uma tia casada, sem filhos, a Sra. Mary McNeal Cook, com quem passou uma infância normal, num lugar chamado Portobello. Quando Danel tinha nove de Idade, a família Cook mudou-se para os Estados Unidos, onde já se encontravam os pais de Home, desde 1840, com os seus seis filhos. Tia Mary foi morar em Greenville, no Estado de Connecticut. Como os pais viviam perto, Daniel visitava-os de vez em quando.

            Sua saúde era precária, tossia muito e tinha desmaios. Mais tarde, transmitiria sua tuberculose a primeira esposa Sacha, sobrevivendo-lhe, no entanto, por muitos anos. Já então começavam sua experiência psíquicas; uma das primeiras foi a visão e seu amigo Edwin, recentemente falecido. Informam também os biógrafos que o menino foi orador precoce, muito fluente e com entonações de pregador sacro, gostando de recitar versos sentimentais religiosos e pequenos discursos sobre o pecado, a prece e morte.

            A tranquila vida na casa dos Cook, no entanto, começou a ser perturbada pelos fenômenos físicos que assustavam toda a gente, a começar pelo jovem Home.  Eram batidas por toda parte e movimento de móveis e utensílios pela casa. Certa vez, uma cadeira persegui-o no seu próprio quarto. Daniel, apavorado, não sabia o que fazer, pois a peça ficara entre ele e a porta de saída. A um passo, a cadeira parou, ele saltou rápido por cima dela, apanhou o chapéu e saiu para a rua, para botar as ideias no lugar tentando compreender o fenômeno. Para encurtar a história: tia Mary, de rígida formação protestante, deve ter achado que o sobrinho tinha parte com o demônio e que era melhor ele deixar a casa, o que fez imediatamente. É curioso que não tenha procurado a casa dos pais e sim a de uns amigos. Foi assim que iniciou sua vida de peregrinação de casa em casa, alí mesmo por New England (1), prelúdio da futura peregrinação de palácio em palácio na Europa.

            Suas maneiras eram gentis, “era afetuoso nas expressões de gratidão – diz Jean Burton – rápido em tomar a cor local, eminentemente adaptável, sempre pronto para ajudar as crianças nos seus deveres, brincar com o gato ou admirar o desenho de uma nova manta. A natureza preparou-o, enfim, para ser o hóspede perfeito".

            No verão de 1851, o Dr. George Busch descobriu Home e quis fazer dele um pregador da New Church (2). Busch, homem de grande cultura, era professor de Línguas Orientais na Universidade de Nova York. Home achou boa a ideia e aceitou o oferecimento mas em 48 horas voltou ao professor para desfazer o trato, porque o Espírito de sua mãe o aconselhara nesse sentido. “Meu filho, dissera ela, você não deve aceitar essa bondosa  oferta, porque sua missão é mais, ampla que pregar do púlpito.”

            E assim foi feito.

            Já então o jovem Home começava a incomodar o clero das religiões estabelecidas, muito embora durante a sua vida buscasse viver em bons termos com ele. Foi sucessivamente metodista, congregacionalista e católico, terminando na Igreja Ortodoxa Grega. É que suas sessões mediúnicas passaram a despertar enorme interesse do público e da imprensa. Sacerdotes e ministros certamente, não se sentiam bem diante daquele rapazinho que fascinava suas ovelhas com fenômenos Insólitos. Home, com modéstia e sinceridade quase inocente, devolvia “as mais amargas vituperações”, dizendo mansamente: "Ao passo que as Igrejas estão perdendo seus prosélitos, seus fenômenos estavam “trazendo mais conversos às grades da imortalidade do que todas as seitas cristãs, tornando impossível as ideias materialistas e céticas, infelizmente tão preponderantes nas classe educadas.

            Esse engano de achar que a Igreja deveria receber o Espiritismo da braços abertos foi comum entre os médiuns da primeira hora e até mesmo entre alguns espíritas. O raciocínio lógico é perfeitamente lógico e razoável: se um dos principais pontos de sustentação  do Cristianismo é a sobrevivência da alma, era de esperar-se que a Igreja acolhesse com sofreguidão os métodos experimentais que demonstravam tal realidade. Mas, nem sempre os homens agem dentro da lógica, especialmente quando estão em jogo suas posições, seus interesses, suas crenças, seus temores e suas paixões.

            Foi nessa época que Home se tornou amigo de uma das figuras lendárias do Espiritismo nascente, o Juiz John Edmonds, da Corte Suprema de Nova York.

            Em 8 de agosto de 1852 em casa de Ward Cheney, de conhecida família de industriais da seda, Home levitou pela primeira vez.

            Repetiria esse fenômeno inúmeras vezes, ao longo da sua carreira, sob as condições mais estranhas e sob os olhos atônitos de testemunhas do mais alto gabarito.

            Gostava de que as reuniões se realizassem com pouca gente – seu número ideal eram nove pessoas, inclusive ele, Home. Os Espíritos insistiam em que não houvessem cães no aposento das sessões, que ninguém fumasse e, por alguma razão obscura, não gostavam que Home sentasse em almofadas de seda.

            Os fenômenos eram muitos e variados e quase sempre em plena claridade. Os móveis levitavam, dançavam e batiam ritmadamente. Sinos e campainhas sobre os móveis eram sacudidos, mãos materializadas moviam objetos menores e flores, ou tocavam acordeão. Espíritos se materializavam de corpo inteiro, trazendo ”aportes”. De uma vez trouxeram uma plantinha que foi colocada num vaso de terra e “pegou”. Fenômeno curiosíssimo era o alongamento do corpo de Home, repetido sob condições de controle, no qual o médium crescia a vista de todos, seis ou outro polegadas, ultrapassando o tamanho da roupa. Mais para o fim de sua carreira extraordinária, desenvolveu a faculdade da incombustibilidade, apanhava brasas vivas com as mãos, sem queimar-se. De uma vez, mergulhou todo o seu rosto num braseiro, sem que sofresse absolutamente nada. Além disso, transmitia mensagens escritas e faladas – hoje chamada psicográficas e psicofônicas - de Espíritos relacionados com os presentes.

             É fácil de imaginar-se a tremenda sensação que esses fenômenos provocavam entre aqueles que tinham a ventura de desfrutar da amizade do jovem Home, pois ele insistia em realizar suas proezas apenas para os amigos, que o hospedavam á vezes por longas semanas e até meses. Um certo Dr. Gerald Hull, que lhe ofereceu um dia dinheiro pelo seu trabalho, acabou reconhecendo que tinha cometido erro imperdoável: havia proposto a Home pagar-lhe as despesas e mais cinco dólares por dia. O médium ficou ofendido  e Hull desculpou-se, hospedando Home em sua casa em base puramente social.

            Nesse tempo alguém lembrou que o médium tinha ainda muito pouca instrução e  que convinha prepara-lo melhor, pois pensavam  em destiná-lo à medicina. Com esse propósito, o Dr. Hull matriculou o jovem num instituto local – isso em Newburgh, sobre o Hudson, para que Home estudasse alemão, francês e fizesse um curso pré-médico. No outono, ele seguiu para Nova York a fim de matricular-se na Faculdade de Medicina, mas uma série de acontecimentos impediu que isto se concretizasse e assim se perdeu um médium-médico. Home voltou para Hartford, esteve em Springfield e depois seguiu para Boston, onde ficou conhecendo a família Jarves, amigos do famoso casal Browning. Os caminhos de Home e dos Browning haviam de cruzar-se várias vezes, de futuro, sob estranhas condições e extrema tensão.  

            Nessa altura, com a saúde precária, Home resolveu partir para a Inglaterra, cujo clima, certamente, não se recomendava para ele. Não era fácil, ainda mais, separar-se de seus bons amigos que o acolhiam e o respeitavam e partir para a grande aventura do Desconhecido, mas seus amigos espirituais lhe diziam que ele deveria ir “e seus conselhos não poderiam ser ignorados”. E assim, a 31 de março de 1855, parte ele “pálido, magro, tuberculoso, com a voz e a roupa muito bem cuidadas, 22 anos de idade – para  empreender a conquista da lnglaterra". São palavras de sua biógrafa.

            Levou uma carta de apresentação para um certo Mr. William Cox, dono de um hotel de mesmo nome, onde se hospedou. Cox recebeu o jovem médium como a um filho. E,  com certeza, não lhe cobrava a hospedagem.

            Dentro em pouco, Home estava causando sensação com as suas extraordinária faculdades mediúnicas, especialmente nas redes mais sofisticadas da sociedade britânica. Continuava a insistir em que não compreendia suas faculdades, pois era simplesmente instrumento de seus amigos espirituais, aos quais não podia comandar à sua vontade. EIes vinham quando queriam e faziam o que desejavam fazer.
           
            Foi nessa época que Home e os Brownings se enncontraram pela primeira vez. Robert e Elizabeth – depois da fuga sensacional que realizaram para casar-se – voltavam à Inglaterra pela primeira vez em visita, pois viviam em Florença desde o casamento.  Elizabeth, poetisa tão famosa quanto seu marido, não cabia em si diante das fantásticas demonstrações de Home. Em 13 de julho de 1855 escreve para sua irmã Henrietta: “... Ouanto a Home (1) – vamos vê-lo, e eu te direi. É a pessoa mais interessante para mim na Inglaterra, tanto de Somersetshire do número 50 da Wimpole Street... (2)

            Elizabeth, não se decepcionou com Daniel Dunglas Home; ao contrário viu confirmadas as suas expectativas, não só pela fama do médium e autenticidade dos fenômenos, com também pela certeza que ele lhe trazia da sobrevivência do Espírito, que, para ela, que há muito tempo vinha lendo e experimentando nesse campo – era pacífica. Quanto a Robert, não se pode dizer o mesmo.  Ao contrário, o poeta manifestou, com relação ao médium, uma hostilidade agressiva, da qual não fazia nenhum segredo. Mais tarde, escreveria um longo e elaborado poema no mais duro estilo satírico, inspirado em Home. Chamou-lhe “Mister Sludge, the Medium”. Sludge, que aí aparece como nome próprio, significa lama, massa barrenta ou untuosa. Em carta a um amigo, certa vez, Robert usou uma expressão tão rude que não poderia ser aqui reproduzida.

            O desacerto Home-Browning teria sequência em outras oportunidades, de modo especial em Florença, pouco tempo depois, durante uma visita do médium à colônia inglesa rica, aristocrática e intelectual, que por lá vivia por causa do bom clima e da vida barata. Quando Elizabeth soube que ele estava em Florença, escreveu com grande entusiasmo à sua infalível irmã Henriquetta, dizendo que uma amiga - Sra. Williiam Burnet Kinney, esposa do ministro americano (embaixador) na Sardínia, “que costumava ser tão violento com os Espíritos como Robert” acabou se convencendo de que era totalmente impossível atribuir à fraude os fenômenos produzidos por Home. "Os fenômenos produzidos por Home em Florença - prossegue Elizabeth - parecem ser de natureza espantosa. Uma princesa polonesa recebeu uma comunicação em suas próprla língua...” A sessão foi realizada na casa dos Trollope (Anthony Trollope, novelista inglês). Um vidro de água destilada, comprada em farmácia, deixou desprender, à vista de todos, um “vapor” e ficou perfumada. Disseram os Espíritos – é Elizabeth quem conta – que a água era chamada ódica e que a Sra. Kinney, que estava doente, deveria conservar o frasco em lugar escuro e tomar uma colher de chá por dia... “which she does...” conclui a carta, ou seja, “o que ela está fazendo”.

            Robert, indignado com o interesse de sua esposa pelo Espiritismo, que ele jugava uma grossa mistificação, transferia facilmente a sua revolta para Home, a quem não poupava, tanto em conversação social como em suas cartas e depois no poema famoso.

            Numa sessão realizada, entre outros, com Robert e Elizabeth, houve um incidente sério, que já tivemos oportunidade de ler, aqui mesmo em “Reformador”. Elizabeth, extremamente chocada, agarrou ambas as mãos do médium e pediu que perdoasse Robert.

            Home sentiu-se profundamente desapontado com as situações que ali viveu. Em carta a Henrietta (18-11-1856), Elizabeth conclui, vitoriosa: "Todo mundo adoraria deixar de crer em Home mas ninguém o pode. Eles detestam-no e acreditam nos fatos: Home, por sua vez, escreveu, desanimado: "Minhas experiências da vida e de suas falsidades já deixaram marca tão indelével na minha alma, por causa das minhas recentes experiências em Florença, que eu gostaria de afastar-me de tudo quanto pertença a este mundo." Chegou mesmo a pensar em entrar para um convento. E a sério. Um certo Monsenhor Talbot encarregou-se de instruí-lo e dentro de três semanas Home foi crismado. no domingo de Páscoa, por um sacerdote jesuíta. O Conde Branicka e a Condessa de Orsini foram os padrinhos. Pio IX concedeu-lhe audiência pessoal. Fez-lhe muitas perguntas “penetrantes, mas bondosamente formuladas”. Acabou despedindo o novo converso com sua bênção. Disseram nessa ocasião que ele havia prometido ao Papa abandonar o exercício de suas faculdades,  o que ele negou enfaticamente depois: “Eu não poderia fazer tal promessa, e nem ele a exigiu de mim...”

            Nada mais se falou da sua entrada para o convento e de Roma ele se dirigiu, com a família Branicka – que o tinha tomado aos seus cuidados -, a Paris, para estudar francês, segundo ele mesmo declarou. Mui gentilmente, o Papa recomendou-lhe seu próprio confessor, o erudito jesuíta Padre Xavier de Ravignan, pregador da capela das Tulherias.

            Esta temporada de Home em Paria foi um extravagante período na vida do médium. Padre Ravignan desempenharia junto dele um papel significativo. Mais uma vez, o caminho dos Brownings se cruzava com o de Home. O casal de poetas estava em Paris e Elizabeth imediatamente escreveu a Henrietta para anunciar, algo aflita, a presença do médium, preocupada em que ele e Robert pudessem encontrar-se e reacender antigos rancores, pois, segundo suas próprias expressões, Home era “ainda um osso na garganta do leão” mas Robert prometeu a ela comportar-se bem e limitar-se a ignorar o médium se, por acaso, cruzasse com ele na rua, o que já era muito. Por via das dúvidas, EIizabeth pede na carta que, na resposta de futuras cartas, Henrietta jamais mencionasse o nome de Home, certamente para que Robert não soubesse que elas ainda se ocupavam de tal indivíduo.

            O momento era particularmente difícil para Home. Abandonado subitamente pelos Branickas - qu se cansaram dele - ficou em Paris sem dinheiro e sem muitos amigos. Corria mesmo a notícia – segundo apurou Ellzabeth Browning – de que o médium estava muito mal de saúde ou até mesmo nas últimas, por causa da fraqueza de seus pulmões.  

            Padre Ravignon revelou-se um bom e paciente companheiro, certamente pelo interesse em conquistar aquela alma para a sua fé e sua igreja, mas, inegavelmente também porque era homem de excelente conteúdo humano e tolerante com seu curioso catecúmeno. Além de tudo, Home fora também abandonado pelos seus amigos espirituais, que, descontentes com algumas práticas, retiraram-se, anunciando que somente retornariam às suas tarefas junto ao médium depois de passado um ano inteiro. Toda a Paris especulava sobre o estranho fenômeno da suspensão da mediunidade e sobre quando e como poderia ela ser retomada, como se Home fosse um famoso cantor de ópera, temporariamente afastado das luzes da ribalta. A sociedade sofisticada do Segundo Império citava que se tratava simplesmente do que hoje se chamavam “golpe de publicidade”. Era um “vedetismo” de Home, nada mais. No entanto, os Espíritos cumpriram a palavra; deixaram-no um ano sem atividades mediúnicas. Completou-se o prazo a 10 de fevereiro de 1857. No dia 11, pela manhã, Home foi procurado pelo Marquês de Belmont, enviado pessoal do Imperador Napoleão III. Teriam os poderes do Monsieur Home retornado? Tinham. Precisamente ao soar meia-noite, no dia 10, um Espírito veio saudá-lo, levantar o seu moral e dizer que tudo estava bem. Logo em seguida, Padre Ravignan também apareceu ansioso para saber das novas. Não precisou nem falar; foi recebido com batidas espirituais por toda parte. O sacerdote explicou a Home que aquilo tinha que parar, senão ele não poderia conceder-lhe a absolvição. Home argumentou que os Espíritos estavam satisfeitos por encontrá-lo em tamanho estado de pureza, o que certamente facilitava os contatos. Mas o padre manteve-se firme, a despeito de Home ter acrescentado, como sempre o fazia, que as manifestações não estavam sob o controle da sua vontade. Ravignon, que não queria abandonar a alma do seu pupilo ao “demônio”, insistiu em que uma vez que Home não podia evitar as “alucinações” pelo menos poderia  desencorajá-las, pois quanto a ele, padre, somente via quando queria ver e somente ouvia quando queria ouvir. Depois desse conselho, preparou-se para partir e, ao levantar, para dar a mão a Home. Os “raps” recomeçaram por toda parte. Era o fim. Padre Ravignon se retirou e, a despeito dos seus entreveros com a igreja, o médium manteve agradável lembrança do bondoso jesuíta.

            Com a volta doa Espíritos, voltaram também os amigos e Home foi apanhado novamente pela roda-viva dos compromissos e dos convites para as reuniões elegantes. Já na sexta-feira, 13, “estreou” perante Napoleão III, de maneira dramática.  
            Quando se abriram para ele as portas do Salão Apolo, nas Tulherias, Home deu com uma multidão de nobres, tão grande que o ambiente sufocava. Chegou a recuar. A imperatriz Eugênia, tinha convidado toda sua “entourage”. Recuperado do impacto, Home explicou, com muitas desculpas e habilidade, que sessão mediúnica não era exibição teatral, que era melhor limitar o número de pessoal presentes a oito ou nove apenas e que mesmo assim ele não poderia garantir nada de positivo, dado que tudo dependia dos Espíritos. Deve ter sido uma senhora cena. A Imperatriz, muito ofendida, e sem dizer palavra, retirou-se e Home também preparou-se para sair, extremamente confuso, quando o Imperador, subitamente, ordenou que se desocupassem o salão. Formou-se um pequeno círculo de privilegiados e a sessão desenrolou-se maravilhosamente, com fenômenos abundantes e inequívocos. Napoleão, “com seus olhos de peixe” - diz Jean Burton -, observava pensativo. Ele passava por ser um razoável mágico -amador e certamente apreciava com olho crítico a “performance" do seu “colega”. A questão é que os "raps" - ou seja, as batidas – respondiam a perguntas que ele fazia mentalmente. Tão entusiasmado ficou que achou por bem interromper os trabalhos, declarando que a Imperatriz tinha de ver aquilo. Mandou chamá-la e em pouco entrou a grande dama, com toda a imponência do seu porte e de sua posição. Não é preciso acrescentar que Home conquistou toda a corte francesa – exceto um ou outro, como, por exemplo, o Conde Walewski, filho de Napoleão I e de Maria Walewska, a bela polonesa. O conde tudo fazia para desmoralizar Home e fazê-lo cair em desgraça na Corte, o que, aliás, não conseguiu. O médium passou a ter acesso praticamente livre ao palácio, chegando até mesmo a viver ali algum tempo, enquanto assim o desejou. Ganhou presentes riquíssimo e pouco depois foi aos Estados Unidos buscar sua irmã Christine, que, como protegida da Imperatriz, matriculou-se no próprio colégio em que Eugênia havia estudado vinte anos antes.

            Jean Burton chama a atenção para a notável posição dessa moça, colocada num colégio católico grã-fino, sob o bafejo do trono, de um lado, e ligada, de outro, a um irmão que as doces freiras consideravam um tremendo “feiticeiro”. Ao cabo de alguns anos, Christine voltou para os Estados Unidos, onde se casou. Home tem parentes nos Estados Unidos até hoje.

            É uma pena que não seja possível, nas escassas dimensões de um artigo, reproduzir tantos pormenores interessantes dessa vida fascinante. Temos que nos limitar aos episódios mais importantes.

            Na terceira sessão realizada nas Tulherias, materializou-se a mão de um homem que, tomando do lápis, assinou “Napoléon”. O Imperador reconhecei a assinatura de seu famoso tio e a Imperatriz pediu permissão para beijar a mão, que se elevou para receber o beijo de Eugênia.

            Em 1858, Home foi à Holanda, onde realizou sessões para a rainha Sofia, em Haia. Ganhou um belo anel da soberana. Em Bruxelas, apanhou um severo resfriado e novamente suas faculdades falharam. De volta a Paris, o médico aconselhou uma permanência na Itália. Home partiu para Roma onde se tornou amigo de um jovem nobre cossaco, o Conde Kucheieff-Besbordka.

            Da amizade pelo Conde surgiu o amor por AIexandrina, sua cunhada, pouco mais que um menina pois contava apenas 17 anos. Sacha –como era conhecida na intimidade – era bela, viva, encantadora. Filha do General e Conde de Kroll e nada menos que afilhada do próprio Czar. Home, convidado para jantar, sentou-se à direita da dona da casa e, ao ser apresentado à encantadora Sacha, teve e estranha impressão de que ela seria sua esposa. A menina disse-lhe, rindo, que ela se casaria dentro de um ano, porque, segundo uma superstição folclórica russa, era infalível o casamento quando um homem se sentava entre duas irmãs que acabasse de conhecer. As impressões de ambos se realizaram.

            Depois de sessões verdadeiramente notáveis para o Czar e sua corte - a convite do Imperador, naturalmente, Home partiu para Escócia, onde foi apanhar documentos pessoais e a 1º de agosto de 1858 casou-se com Sacha. No peito de muitos convidados, luziam condecorações importantes.  O Czar foi representado por dois figurões do Império, o Conde Bobrinski  e o Conde Alexis Tolstoy, irmão do genial romancista (Leon). Elizabeth Browning, maliciosamente, brincava com a irmã por carta: “Imagine só o mobiliário  conjugal flutuando pelo quarto, à noite, Henrietta!”

            Sacha foi uma boa e dedicada esposa e deu a Home um filho. Home transmitiu a ela a tuberculose, da qual morreria, lúcida e conformada, em 3 de julho de 1862, após uma doce convivência de 4 anos, seguida de uma disputa judicial demorada por causa da herança da jovem esposa. Gricha nasceu a 8 de maio de 1859 e, com a morte da mãe e as andanças do pai, acabou gravitando peta o ramo russo da família. Os Homes dos Estados Unidos souberam mais tarde ele havia entrado para o exército russo.

            Mas nem tudo eram flores no caminho de Home. Havia detratores gratuitos e inimigos impiedosos, como Robert Browning, Charles Dickens, o grande novelista inglês, foi um deles. Não fazia segredo algum da sua opinião, tachando Home de impostor. Achava, porém, que a coisa não tinha jeito, porque mesmo que se provasse a falsidade de Home “em cada célula microscópica de sua pele e em cada glóbulo do seu sangue, ainda assim os seus discípulos acreditariam nele e o adorariam”.

            Foi o que escreveu em carta de 16 de setembro de 1860 à Senhora Linton. Diria e escreveria outros horrores do médium. Pobre Dickson! Depois de desencarnado, voltou em Espírito, para terminar, através de um médium humilde, o seu notável romance “O mistério de Edwin Drood”, que deixara pela metade.

            Pelo final de dezembro de 1863, achava-se Home novamente em Roma. A pressão do Vaticano começou a tornar-se insuportável. Home pretendia ficar na cidade eterna para estudar escultura. Um livro de William Howitt, sua "History of the Supernatural” havia, da certa forma, contribuído, involuntariamente, para açular a hostilidade de católicos e  Protestantes contra os médiuns em geral e contra Home, em particular, o médium mais eminente e celebrado do seu tempo. “As luzes espirituais – dizia Howitt -, o tremor das casas, a transposição de portas fechadas, ventanias poderosas, levitação, escrita automática, comunicações em língua estrangeira – tudo isso ocorre todos os dias, tanto em Londres como nos Atos dos Apóstolos.”

            Seguia-se um trecho em que, se não era feita a apologia de Home, pelo menos se buscava entender a sua missão e natureza do seu trabalho. Com a segurança de um espírito lúcido e dono de profunda intuição, achava Howitt que as manifestações físicas, 'despreparadas e ridicularizadas’, deveriam preceder acontecimentos mais importantes. Ao demonstrar suas faculdades perante o testemunho de Imperadores, Reis e rainhas, Home estava desempenhando sua tarefa de precursor, lançando alicerces.

            Admirável inteligência dos fatos a de Howitt, mas que ajudou a agravar em hostilidade aberta o que antes era simples desconfiança da Igreja com o médium. O Cardeal Manning com coisas incríveis, declarando que através de trabalhos espíritas o demônio se materializava, ora como mulher, ora como homem e desses encontros resultava criaturas híbrida de natureza diabólica, mas de forma humana! Segundo narrativa de W. H. Mallock, autor de “The New Republic” o cardeal usou linguagem de tal modo grosseira (“unvarnished”) que os detalhes não poderiam ser reproduzidos.

            Assim, a 2 de janeiro de 1864, Home recebeu intimação para comparecer à polícia. Dia 3, pela manhã, lá foi ele, sem companhia de um amigo, chamado Gauthier, cônsul da Grécia.

            Preservou-se o diálogo do médium com a polícia, um documento do próprio
punho de Home, que vale a pena reproduzir, conservando o seu estilo telegráfico:

            Janeiro 2, recebida carta solicitando minha presença na Polícia, no dia 3, entre as 10 e uma hora. Em 3 de janeiro fui e me levaram à sala do advogado Pasqualoni. Eu estava  acompanhado de meu amigo Senhor Gauthier, cônsul da Grécia em Roma. As perguntas foram as seguintes: Nome do meu pai e da minha mãe? Publicou algum livro? Sim. Sua profissão? Estudante de arte. Sua residência? Via dei Tritoni, 65. Quando você chegou? Há seis semanas. Quantas do você chegou? Há seis semanas. Quantas vezes você esteve em Roma? Duas. Quanto tempo ficou de cada vez? Dois meses na primeira e três nesses da última vez. Quanto tempo pretende ficar desta vez? Até Abril. Você tem residência permanente na França? Não. Quantos livros escreveu? Quantos exemplares rendeu? Como não sou o próprio editor, seria impossível dizer. Depois que você se tornou católico exerceu poderes mediúnicos? Nem antes nem depois eu exerci meus poderes mediúnicos, de vez que não é poder que dependa da minha vontade. Não poderia usá-lo. Como é que você faz isso? Acho que a resposta que acabo de dar é suficiente para esclarecer. Você considera seu poder um dom da natureza? Não; considero seu poder um dom da natureza? Não: Considero um dom de Deus! Que é um transe? Um estudo de fisiologia explicaria melhor do que eu. Você vê os espíritos quando dormindo ou acordado? De ambas as maneiras. Por que os Espíritos procuram você? Para me consolarem e para convencer aqueles que não acreditam na sobrevivência da alma! Que religião eles pregam? Isso depende. Que é
É que você faz para eles se manifestarem? Eu estava para responder que ali nada fazia quando na mesa em que ele escrevia soaram batidas claras e distintas. Ele então disse: Mas a mesa não se mexe. Exatamente enquanto ele dizia isso a mesa moveu-se. Qual a Idade do,seu fjlho? Quatro anos e meio. Onde está ele? Em Malvern.  Com quem? Dr. Gully. Dr. Gully é católico? Não. Quando você viu seu filho pela última vez? Em abril. Então, ele disse, sem nenhuma justificativa, que eu deveria deixar Roma dentro de três dias. Está de acordo? Não, decididamente não, ainda mais porque nada fiz para infringir as leis deste ou de qualquer outro país. Falarei com o cônsul Inglês e seguirei seu conselho.”

            Há um pormenor que Home omitiu no seu documento autógrafo. Quando as manifestações começaram na polícia, o excelente Dr. Pasqualoni, enormemente surpreendido, perguntou a razão dos ruídos. O Cônsul informou tranquilamente que eram Os Espíritos.

            - Espíritos! – exclamou Pasqualoni, olhando assustado em volta da mesa.

            E, em seguida: "Vamos continuar nosso interrogatório."

            Não adiantou a interferência - de má vontade - do cônsul inglês. Havia “ordens superiores” para despachar o médium para fora de Roma, e assim foi feito. Segundo a biógrafa, as autoridades do Vaticano eram de opinião que o demônio estava metido naquilo e seria totalmente impossível tolerar aquele bando de Espíritos nos domínios da soberania papal. Ademais, não era de admirar a expulsão, depois da audaciosa demonstração dos seus amigos espirituais nas barbas da Polícia! E assim Home foi expulso de Roma seguindo para Nápoles, depois de uma despedida comovente na estação, onde compareceram muitos dos seus amigos nobres, inclusive Sua Alteza real, o Conde de Trani.

            Outro problema bem mais sério teria Home com a lei. Foi o famosíssimo caso com a Sra. Lyon. Vamos resumi-lo.  

            Jane Lyon era viúva de 75 anos de idade, sem filhos. Encantou-se com o jovem Home e resolveu adotá-lo como filho, exigindo mesmo que o médium aceitasse até o seu nome.  Por algum tempo - muito breve – ele assinou Daniel Dunglas Home-Lyon. A velhinha, a despeito de sua aparência extremamente modesta, era bastante rica e, em sucessivos e repentinos impulsos entregou a Home cerca de sessenta mil libras esterlinas, uma fortuna considerável para a época. Além de rica, Jane Lyon parecia segura de suas faculdades mentais e estava agindo daquela maneira para chamar a atenção sobre si mesma, para atiçar o despeito dos parentes de seu marido e provar que era dona do seu próprio dinheiro, podendo fazer dele o que quisesse.

            Dizia que o Espírito do seu marido havia mandado entregar a importância a Home. O certo é que, dentro de pouco tempo, ela se arrependeu de tudo e, desejando recuperar o seu dinheiro, levou a questão à Justiça. O escândalo foi enorme e danoso para a reputação de Home. Muitos amigos deram-lhe apoio maciço; outros se omitiram. Seus detratores exultaram. Browning escreveu uma carta extremamente cruel a Isa Blagden, para narrar a infelicidade do aturdido médium, alegando mesmo que Home pretendia casar-se com a Sra. Lyon, o que parece fantástico. Por fim, Home foi condenado. O juiz achou que não ficara provado que Home se utilizara de “influências indevidas" mas que também não ficara provado o contrário e que o ônus da prova de sua inocência caberia a ele próprio. Por conseguinte, disse o Juiz, "decido contra ele; porque, como acho que o Espiritismo é uma burla, sinto-me no dever de considerar a queixosa como vítima de uma burla e não há evidência que me convença do contrário”.
           
            Home devolveu o dinheiro e o nome à Senhora Lyon, mas saiu endividado e arrasado do episódio doloroso. Muitos foram os amigos que lhe manifestaram sua simpatia, entre eles católicos eminentes a até sacerdotes, como Monsenhor Talbot, que fora seu instrutor na tentativa de levá-lo para o seio da Igreja.

            Ainda estava pendente a questão judicial com a família de Sacha, mas essa ele ganhou e entrou na posse de consideráveis recursos. Em 18 de outubro de 1871, Home casou-se novamente com uma jovem russa, Julie, filha de Michel de Giumelino, Conselheiro de Estado do Imperador da Rússia, prima do eminente Alexandre Aksakoff, também conselheiro de Estado, brilhante pesquisador de fenômenos psíquicos, autor de livros respeitáveis como “Animismo e Espiritismo”.

            Julie também foi esposa compreensiva, suave e dedicada. Sobreviveu a Home e escreveu uma excelente biografia do marido. Deu-lhe uma filha que morreu em alguns dias. “A extrema beleza da criança é inacreditável", escreveu Home, ao ver a recém-nascida. Julie tratou Gricha com "angélica paciência", pois o menino, altamente nervoso, constituía um problema.

            Por alguns anos, Home e Julie viajaram pela Europa visitando amigos, enquanto ele consentia, aqui e ali, em realizar uma sessão. Suas forças, no entanto, o abandonavam enquanto a doença ia minando seu organismo delicado. Aos 38 anos de idade, praticamente retirou-se da vida ativa. Escreveu suas memórias “Incidents of my Life”  (“Incidentes na Minha Vida”), em dois volumes, e “Lights and shadows of Spiritalism”, (Luzes e Sombras do Espiritismo).

            Em tempos passados, despertara o interesse do jovem físico e químico William Crookes, do qual se tornou grande e íntimo amigo, pois era de apenas um ano a diferença de idade entre eles. Crookes declarou-se corajosamente convencido da legitimidade dos fenômenos produzidos por Home, enfrentando a tremenda e irracional hostilidade de seus colegas cientistas. Manteve-se até o fim da vida nessa convicção e proclamou-a publicamente, no apogeu de sua carreira, sob a responsabilidade de seu nome famoso e agraciado com o título de “Sir”.

            Quanto a Home, viveu seus últimos dois anos na França. Gostava de joias e as usava com prazer, mesmo porque cada delas recordava um amigo famoso: Napoleão III, Sofia, da Holanda, o Czar russo, Guilherme I, da Alemanha e condes e príncipes e duques...

            Na primavera de 1855, Julie levou o marido de Auteiul, onde estavam por algum tempo, até Paris, para consultar os médicos da capital. O diagnóstico foi sombrio. Ambos os pulmões estavam muito afetados. A viagem de volta a Auteiul foi feita em etapas suaves.

           Home morreu de 21 de junho, aos 53 anos de idade, assistido por um sacerdote da Igreja Ortodoxa grega e foi enterrado no cemitério russo de Saint Germain-em-Laye, junto dos restos físicos de sua linda filhinha. Julie Home regressou à Rússia quatro anos depois, e levou consigo Gricha, filho da primeira esposa com seu marido.  

            Daniel Douglas Home, que a Enciclopédia Britânica considera “um enigma não solucionado”, jamais foi apanhado fraudando. Desempenhou sua missão com dignidade e autenticidade num ambiente fútil e que facilmente poderia fascinar e corromper um jovem de modestas origens sociais. Creio poder afirmar que seus amigos espirituais ficaram satisfeitos com os seus trabalhos. Sua mediunidade tinha de ser mesmo de forma espetacular, de efeitos físicos. Para que pudesse sacudir a incredulidade de uns, a má vontade de muitos, a hostilidade de tantos. Viram-na todos aqueles que tiveram olhos para ver.

            Sem dúvida, Home estava certo: Home ajudou a lançar os alicerces do edifício que só agora começamos a vislumbrar em todo o seu esplendor e em toda a sua grandeza de seu futuro. Espírito profundamente afetuoso e sereno, merece as vibrações mais puras do nosso afeto.

(1) O nome de família era mesmo Home, mas o pai de Daniel assinava Hume. O médium ainda muito jovem passou a assinar-se Home, que conservou a vida inteira.
(2) A família de Elizabeth - os Barrets - tinha sua mansão nesse endereço.



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