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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

A Ciência à procura do Espírito - Parte 1


A Ciência à procura do Espírito - Parte 1
Hermínio C Miranda
Reformador (FEB) Janeiro 1959

            Comparando-se o adiantamento da literatura espírita em todo o mundo, com o reconhecimento “oficial” da fenomenologia, somos levados a uma certa impaciência muito humana, diante da lentidão com que, às vezes, caminha a Ciência, atrás dos grandes rasgos de intuição espiritual.

            É bem verdade que poderemos citar uma dúzia de cientistas de alto quilate moral e intelectual, que concluíram, inapelavelmente, pela legitimidade indiscutível dos postulados espíritas. Tais exemplos, no entanto, representam mais o pensamento isolado de alguns homens de maior acuidade mental e coragem moral, que o pronunciamento da Ciência.

            Não obstante, é preciso ressalvar: aquilo que nos parece tão lento, condicionados que estamos à cadeia dimensional de espaço-tempo, não seja mais que uma faceta da suprema sabedoria de Deus, permitindo que as ideias se amadureçam, enquanto se avolumam as provas, até atingirem um ponto em que a ciência oficial não possa mais ridicularizar ou despachar, com meia dúzia de argumentos tolos, a evidência esmagadora daquelas ideias.

            É, pois, necessário que exista a dúvida, para que haja critica. Manifestando-se a critica, vêm à tona novos argumentos e novos fatos em favor das ideias espirítualistas que, dessa forma, se vão tornando cada vez mais inatacáveis, mais convincentes, mais irrecusáveis. Temos que reconhecer - não sem certa dose de humildade cristã, - que não basta nossa crença inabalável nos fatos demonstrados, para torná-los aceitáveis aos outros. É preciso, para vencer a resistência da ideia preconcebida ou da mera preguiça humana de pensar, não apenas a nossa convicção de mais de século, mas o pronunciamento oficial da Ciência, que, para muitos de nossos irmãos, será a palavra final sobre o assunto.

            Por outro lado, a expectativa em torno desse pronunciamento parece criar, na própria Ciência, uma espécie anti-científica de complexo de superioridade, que a leva a minuciosa pesquisa do mundo material, em detrimento das perquirições no domínio espiritual.

            Se é necessário citar pontos de apoio a essa afirmativa, tenho-os aqui à mão, nesse curioso livro do famoso Dr. J. B. Rhine (The Reach of tbe Mind). Diz ele, a certa altura: “It is shocking but true that we know the atom today better than we know the mind that knows the atom.” Exatamente: é chocante, mas verdadeiro, que hoje conhecemos melhor o átomo, que a mente que conhece o átomo. Há, assim, flagrante disparidade entre o conhecimento do mundo material e as noções a cerca do espírito. Não se admira, pois, a desorientação da Humanidade, nesta fase tão crítica da História. Para que houvesse equilíbrio, teria sido preciso que o conhecimento íntimo da matéria fosse balanceado com a maturidade que decorre do conhecimento do espírito. Fora disso é o caos, é a inversão de valores, é o perigo da submersão de toda a Humanidade numa onda de crimes e sofrimentos. Os riscos aí estão, pois que verdadeiras crianças grandes, imaturas, brincam inconscientemente com bombas atômicas arrasadoras.

            No entanto, é preciso que se diga: uma boa parte da falha cabe aos próprios cientistas que, vítimas de sua imaturidade espiritual, divorciam-se dos princípios evangélicos e se deixam levar pela fatal ilusão de que nada mais existe além
das fronteiras da matéria.

            O que é ainda mais surpreendente é que alguns pesquisadores do fenômeno espírita se confundem e se perdem lamentavelmente nas conclusões, depois de terem reunido tantos elementos de iniludível solidez em favor da tese que - a despeito de suas dúvidas - pressentem ser a verdadeira.

            Num dos números anteriores do “Reformador” comentamos, de passagem, o livro “You Live After Death”, no qual, após reunir tantos argumentos favoráveis, lógicos e aceitáveis em favor da doutrina da preexistência e da sobrevivência do Espírito, o autor falha lamentavelmente, negando foros de autenticidade à tese
reencarnacionista, consequência lógica, insubstituível, da imortalidade do Espírito e razão de ser de sua evolução.

            Da leitura do livrinho do Dr. Rhíne, também nos fica esse dissabor da conclusão falha ou medrosa, após coligir laboriosamente tantos elementos comprobatórios de certos aspectos da manifestação do espírito. O autor arma lindamente a equação, e, quando a gente pensa que ele vai concluir da forma indicada pelos dados do problema, sai ele com um resultado inesperado...

            É uma pena que a exiguidade do espaço não nos permita uma análise mais profunda deste livro. Procuraremos, no entanto, traçar o esboço rápido de suas principais idéias,  limitados, certamente, pela humilde condição de nossos
conhecimentos.

            Como sabe o leitor, J. B. Rhine é professor de Psicologia e Diretor do Laboratório de Parapsicologia da Universidade de Duke, nos Estados Unidos. De longa data vem ele se dedicando ao estudo das faculdades do espírito; na verdade, desde 1930. O livro que ora examinamos é de 1948.

            Espírito inquisitivo como é, o Dr. Rhine saiu à procura de algum fundamento racional para o fenômeno da percepção extra-sensorial, a que chamou, abreviadamente, ESP. Sua preocupação estende-se ao problema da sobrevivência ela, a que alude, muito a medo, nas últimas páginas do livro. Anima-o, também, louvável desejo de aplicar os conhecimentos do problema espiritual em benefício do próprio homem com o objetivo de melhorar as condições de vida neste planeta, ameaçado, em sua própria sobrevivência pela incompreensão intrínseca do homem pelo homem. Parte ele do princípio sadio de que, se nos conhecêssemos melhor, melhor nos estimaríamos.

            Não obstante todas essas boas intenções, o Dr. Rhine admite certas ideias preconcebidas que, na certa, dificultam e obscurecem suas conclusões finais.

            Lembra, do início de seu livro, as crenças instiladas na criança e no adolescente, pelas religiões oficiais, para continuar dizendo que, ao atingir a fase de conhecimentos mais aprofundados, o estudante é levado irremediavelmente ao materialismo. É o primeiro impacto frio da Ciência. O estudante se informa sobre a origem e evolução da espécie humana, a íntima correlação entre cérebro e procedimento individual, o papel das glândulas e sua influência sobre a personalidade, através da química orgânica e começa a duvidar e a descrer. Por fim, o tiro de misericórdia: ele verifica que a criança somente amadurece quando se desenvolve o cérebro. E mais ainda: que determinadas funções mentais estão ligadas a não menos determinadas áreas do cérebro e que, se aquelas áreas forem destruídas, desaparecem as funções correspondentes. (É claro! Desaparecendo as pernas, desaparece a ação de caminhar; o corpo se apóia nas pernas, como o espírito se apóia no cérebro físico, para as manifestações conscientes. No entanto, a função de pensar não é orgânica, material - é espiritual. A prova é que o espírito pensa depois de desencarnado e o cadáver não pensa, longe de ser o órgão autônomo do pensamento, o cérebro é uma espécie de muleta do Espírito- que, à falta de instrumento mais aperfeiçoado, vai utilizando esse mesmo.) Ora, continua o Dr. Rhine, se o cérebro não é mais que um conjunto material de células materiais, produto do mesmo binômio energia-matéria que compõe o resto do Universo, o pensamento é um subproduto da matéria, uma função do cérebro. Em tal esquema, onde ficaria o espírito? Não há lugar para ele.

            Mais adiante, embora reconhecendo a urgente necessidade de se decidir, de uma vez, se o pensamento é ou não uma função do cérebro, o Dr. Rhine lança uma frase anti-científica, ao afirmar que· “sempre que a Ciência entra em cena, desaparece a crença tradicional na natureza espiritual do homem”. Com isso - é ainda o Dr. Rhine quem o diz - os próprios cientistas se recusam a manifestar de público, sua crença na alma, com rodeio de caírem no ridículo, perante seus colegas...

            O certo é que, passando por cima de todas as convenções, o Dr . Rhine resolveu estudar a sério, através de métodos científicos. os fenômenos de telepatia, clarividência e o a que ele chama PK ( “psychokinesis”).

            As experiências são por demais conhecidas. Recordo, apenas, que o Dr. Rhine imaginou um baralho especial de 25 cartas, composto de 5 conjuntos diferentes entre si. Cada conjunto de cinco contém um símbolo impresso: um círculo, um quadrado, uma estrela, uma linha ondulada e uma cruz. Primeiro, foi experimentada a faculdade extra sensorial de descobrir qual o símbolo de cada carta, previamente embaralhadas, sem tocá-las nem vê-las. Calculou-se, com assistência dos melhores matemáticos e estatísticos, as possibilidades e limites do acaso.  Além desses índices, estaria então caracterizada a capacidade de percepção extra-sensorial.

            Muita coisa Interessante foi revelada pelos testes então realizados. Embora a média fosse de sete cartas certas em 25, foram encontradas pessoas que acertavam 9 em 25, 15 em 25 e até mesmo todas as 25 cartas, o que estava astronomicamente acima do simples acaso. Os pesquisadores não puderam deixar de admitir então, que o ser humano possuí, em menor ou maior grau, a faculdade de percepção extra-sensorial.

            Isso era apenas o princípio. Outras conclusões viriam, ao cabo de outras experiências. Verificou-se também que o funcionamento da mente independe do espaço, porque é possível “transmitir” pensamento a distância. Uma pessoa fixa a imagem de determinada carta do baralho e outra, na mesma sala, em outra sala,
em outro edifício ou até mesmo mais longe, procura “receber” a imagem. Também aí se encontraram provas suficientemente seguras e aceitáveis em favor da percepção extra-sensorial.

            Posteriormente, foi examinada a influência do espírito sobre a matéria. Note-se que o Dr. Rhine não fala ainda de espírito, prefere dizer mente (mind). O pesquisador empregou, nesta, fase, dados de jogo.

            Em seguida, testou a capacidade premonitória, a que ele chama profética. Verificou também que certas pessoas podem prever a ordem em que se vão colocar as cartas do seu baralho especial. mecanicamente embaralhado.

            Enfim, o Dr. Rhine, a despeito de todo o seu ceticismo, não pode deixar de reconhecer que a mente (espírito) pode operar além do tempo e do espaço e pode influenciar a matéria. Sob este último aspecto, sua afirmativa é categórica: “A mente, como sistema não-físico, agindo de forma não-física sobre objetos físicos, produz efeitos físicos.” O Dr. Rhine descobriu ainda, muito surpreso, que essa influência física do espírito, sobre a matéria, estava intimamente ligada aos demais fenômenos de percepção extra-sensorial.

            Convencido, pois, da realidade do fenômeno, o Dr. Rhine se abalança então a filosofar sobre as tremendas consequências daquilo que verificou experimentalmente.

            É justamente ai que lhe faltou o verdadeiro “insight”; que o levaria a compreender e se fazer compreendido. Reconhece, taxativamente, que não há outra alternativa senão a de aceitar a realidade, doa a quem doer. Diz mais: que toda contra-explicação razoável foi invocada, analisada e considerada inaplicável à questão. Depois de dizer isso, ele próprio sente que, talvez, tenha ido muito longe para um cientista e acrescenta: “These are strong and confident words” São palavras fortes e confiantes. E continua: “nos treze anos, durante os quais tenho escrito sobre capacidades psíquicas, nunca cheguei a usá-las”. Atrás dessas palavras está uma série indestrutível de pesquisas; o terreno é firme.

            No entanto, a gente lê isso com certa reserva. Também no passado, cientistas de renome coligiram provas, em grande massa; também no passado , proclamaram, alto e bom som, o resultado de suas pesquisas e observações. Inúmeros  outros, que igualmente obtiveram resultados excelentes, deixaram de se manifestar, paralisados por um tolo respeito humano. O Dr. Rhine não será o último a provar a realidade do espírito. Contudo, para certo tipo de mentalidade, não adianta exibir fatos, conclusões e resultados positivos: sempre que desejam falar do assunto, retomam o problema na estaca zero, como se nada neste mundo se tivesse feito sobre ele. Mesmo o Dr. Rhine, cercado de perplexidades e dúvidas, reconhece que nenhum outro fenômeno na história da Ciência tem merecido tão pouco reconhecimento a despeito de tamanha massa de dados. “É urna surpresa para todos, descobrir quanta evidência existe em favor da percepção extra-sensorial.” (Pág. 132.)

            Nas páginas que se seguem, o Dr. Rhine se encarrega de responder minuciosamente aos críticos que comentaram seus resultados. Cita, inclusive, o caso de um cientista que resolveu refazer as experiências, por sua própria conta, e chegou a conclusões surpreendentes.
           
            No final de seu livro, o Prof. Rhine, sempre cheio de cuidados, alinha suas razões fundamentais. Primeiro, previne o leitor: esteja preparado para ler os incríveis parágrafos que se seguem. Fala, então, sobre as vantagens da aplicação da
faculdade extra-sensorial, na descoberta de planos secretos - o que, a seu ver, eliminaria a possibilidade de guerras - ou na descoberta de crimes, ate.

            Por fim, lamenta que suas descobertas, em vez de resolverem os problemas existentes, suscitaram novos problemas.

            A evidência não física do homem apóia-se em provas esmagadoras, segundo o autor. A hipótese da existência da alma ficou estabelecida, mas - e aí vem com suas prolongadas ressalvas - não o caráter super natural da alma, sua origem divina, sua transmigração, sua imortalidade, nada..  Embora suas conclusões tenham implicações religiosas, não está a religião envolvida nelas. Admite, porém com certa candura elogiável, que até o momento (“so far”) não existe conflito entre a alma psicológica e o sentido teológico do termo (Ainda bem. Quanto a nós, sabemos que nem até o momento, nem no futuro, irá ele, ou outro qualquer pesquisador, encontrar conflitos dessa natureza, mas isso é outra história.) Acrescenta que os dois conceitos diferem quando atingimos o domínio do que ainda não foi investigado cientificamente. Temos aqui uma contradição nada científica, com licença do Dr. Rhine: se o assunto ainda não foi investigado, como é que ele pode concluir que os mencionados conceitos diferem? Sem dúvida que muitas surpresas ainda aguardam o Dr. Rhine, na fecunda estrada que descobriu, especialmente quando verificar que, mesmo naqueles domínios virgens da investigação científica, ele há de descobrir que a alma psicológica e a religiosa são a mesma coisa: expressões divinas da mesma centelha divina.

            Segundo o professor, a parapsicologia já invadiu o domínio da religião, quer queiram quer não; o problema da imortalidade é comum a ambas. Informa também o autor que no decorrer dos últimos 75 anos (até à data do livro) alguns dos cientistas mais eruditos e outros de menor expressão se declararam convencidos da sobrevivência, tal como revelado através do fenômeno mediúnico.

           O Dr. Rhine, no entanto, ainda não está preparado para aceitar a sobrevivência, que diz ser um problema muito difícil. Em suas próprias palavras, o problema deve ser formulado da seguinte forma: “Alguma parte da pessoa humana, de algum modo verificável, sobrevive à morte do corpo, por algum espaço de tempo?” Embora - a seu ver - a resposta positiva não possa ser dada pela Ciência, a negativa é “extremely difficult to obtain if indeed it is possible”, ou seja, é extremamente difícil de obter se é que é possível obtê-la.

            Dentro da lógica, ainda segundo o Dr. Rhine, a hipótese da sobrevivência poderia ser estabelecida à base da evidência acumulada a respeito da percepção extra-sensorial, porque esta evidência já provou que a mente humana está acima e além do tempo e do espaço, logo, é imortal. Mas o Dr. Rhine não quer - escudado
em razões científicas - arriscar-se a assumir a responsabilidade do enunciado, com base na lógica. Quanto a esse aspecto, não o podemos censurar. Ele é um cientista, não um crente. Sua mente - diríamos seu espírito -, movida pelos conceitos matemáticos, estatísticos, lógicos, filosóficos e até morais - mas não religiosos - deseja encontrar fatos demonstráveis, provocados e controláveis de acordo com o procedimento standard de laboratórios. Reservamo-nos o direito de temer pelo bom andamento de tais experiências, pois que, já no passado, buscava--se a alma na glândula pineal e, sempre que o bisturi lá chegava, a alma se tinha evolado para o Além. O pesquisador que desejar procurar o espírito humano, tem que abandonar ideias preconcebidas e desistir da ingenuidade de querer aprisioná-lo numa proveta ou examiná-lo sob as lentes do microscópio.

            Certamente não faltam ao Dr. J .B. Rhine os petrechos técnicos, morais e materiais que muito o ajudarão nas suas pesquisas. Os resultados que já conseguiu são dos mais expressivos e muito fizeram pelo melhor entendimento do problema espiritual, para aqueles que não se acham ancorados nas águas tranquilas do espiritualismo.

            Esperemos pelos resultados que ele puder encontrar. O fenômeno espírita, que Allan Kardec iluminou com a moral evangélica, pode esperar pacientemente, porque, como os próprios cientistas começam a reconhecer, a “mente” se sobrepõe com facilidade à nossa humana ideia do tempo e do espaço.

            Que venham as pesquisas. A intuição dos grandes filósofos do Espiritismo já nos ensinou que Ciência e Religião são irmãs gêmeas, filhas do mesmo poder criador e diretor que é Deus. Sabemos, também, que a despeito de todas as distorções e desvios do presente, suas rotas se encontrarão lá na frente para nunca mais se afastarem.


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