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quarta-feira, 23 de março de 2011

'A Inquisição' - parte 1





A Inquisição

Carlos Babo
Livraria Lello, Limitada - Editores
(Enciclopédia pela Imagem)

Capítulo I        A Origem

            Heresia - Heresia significava noutros tempos eleição, opinião boa ou má, escolha entre várias doutrinas. E assim dizia-se: a heresia estóica, a heresia cristã, etc. Absolutamente nada de odioso havia, pois, nesta denominação.
            E até S. Paulo, na 1ª Epístola aos Coríntios, XI; 18 - a propósito dos ágapes ou festins que os primeiros cristãos faziam de companhia nas igrejas, para manterem entre si a união e a concórdia, dizia: non oppotet et haereses esse: é conveniente que haja heresia entre vós, para que se descubram os que são firmes na fé. E queria dizer o santo, com isso, que “era coisa ordinária e quase inevitável a heresia ou contraste de opiniões entre eles, pois que assim era preciso, pela circunstância humana e a soberba que tinham os Coríntios.”
            Correram os tempos, passaram os séculos sobre os primeiros, os puros tempos cristãos da Igreja; e esta, julgando-se detentora e mestra da verdade, desandou a olhar com horror e ódio todos aqueles que tinham ou seguiam opinião contrária à sua, mormente as opiniões que contrastavam com os seus dogmas fundamentais. A essas opiniões contrárias à doutrina da Igreja deu-se então exclusivamente o nome de heresias. E aqueles que tinham ou perfilhavam essas opiniões, chama a Igreja: hereges.
            Hereges ou heréditos são, portanto, todos aqueles que crêem num sentimento ou numa idéia declaradamente contrária à pretendida autoridade da Igreja, ou a sustentam, com tenacidade. E como a principal fonte das heresias era a corrupção dos costumes do clero, vá de considerar herege mesmo aquele que, por qualquer maneira, negasse a autoridade eclesiástica!
            Quando os hereges ou heréticos se faziam chefes ou cabeça de heresia ou de seita herética, tomavam o nome de heresiarcas.

            Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo - Do ódio votado pela Igreja a todo ser que pensasse ou sentisse, que pense ou sinta, contra o que ela afirmava, contra o que ela afirma e afirmará sempre, na sua imobilidade eterna, nasceu no seu próprio seio a sanha persecutória, com todos os horrores da tortura e da matança.
            À palavra doce de Jesus, refletindo de sua alma infinitamente boa o perdão a todo o pecador... pois que... até com essa palavra, infinitamente doce, foi que ele convidou quem estivesse isento de pecado, a atirar a primeira pedra à mulher adúltera... À palavra doce de Jesus sucedeu a palavra fria, impiedosa, inexorável, do padre.
            E Jesus tinha tido o pressentimento, ainda antes do seu último olhar, transfigurado, sobre a cruz, na noite do suplício! Jesus tinha tido o pressentimento: ao mesmo tempo que perdoava à mulher adúltera, era inexorável com os maus padres - diz o autor da Viagem de Pitágoras. E quanto foram piores do que os padres do tempo de Jesus, os padres que vieram depois... para serem mercadores ou fanqueiros do corpo, da túnica, do coração, dos espinhos, dos cravos e da própria cruz, do mártir sublime, que ainda cobre de angústias o céu sobre o Calvário! Quanto foram piores os padres que vieram depois e que, renegando o reino da paz e do amor, espargido nas almas simples e puras pela palavra doce, pela palavra-encanto, de Jesus Cristo, fizeram de toda a terra onde imperavam, um inferno ilimitado de tormentos, um sudário monstro de infâmia e de dores!!
            E fizeram isso... Ó infinita misericórdia de Deus!... em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo!

            Os Sínodos - Todavia... Roma não se fez num dia! ... Tudo leva seu tempo... Até leva tempo a perder-se a vergonha!...
            Primeiro, antes do século XIII, começou por se proceder contra hereges, por meio dumas comissões estabelecidas nos diferentes distritos de cada diocese e constituindo uma espécie de tribunais dependentes dos bispos. Estas comissões denominavam-se sínodos. Limitavam-se a qualificar os hereges e, como pena maior, excomungavam-nos. Quanto ao mais, era o poder civil que decidia. Há exemplos de condenações ao último suplício pelos juízes seculares, embora “nenhuma lei da Igreja ou do direito romano impusesse maior pena do que o confisco de bens”. Eram, porém, os tribunais comuns que investigavam e apuravam; o acusado assistia ao processo e eram-lhe facultados todos os meios de defesa.
            “Pode-se assim afirmar - escreve Alexandre Herculano - que a Igreja era até certo ponto estranha à imposição de penas aflitivas e ao derramamento de sangue, com que mais de uma vez se manchou a intolerância religiosa antes do século XIII. Respeitava-se assim a tradição primitiva do cristianismo”.
            Alguns tinham até a excomunhão como falsa de caridade; se bem que outros entendessem que eram de grande utilidade os castigos materiais contra o progresso das heresias e, por isso, incitassem os magistrados ao cumprimento severo das leis imperiais contra os dissidentes.

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