Liberdade de Crença
Geraldo
Rocha
Reformador (FEB) Setembro 1955
Em obediência a instruções recebidas
do Sumo Pontífice, os prelados sul-americanos se acham reunidos no Rio de
Janeiro, a fim de, aproveitando-se do prestígio resultante do Congresso
Eucarístico, conseguirem que os países deste continente involuam de mais de um
século, regressando ao regime inquisitorial. O Papa considera como inimigos da
Igreja Católica os espíritas, os protestantes e os comunistas, cuja extinção
deseja para o completo triunfo da organização internacional de que é Chefe
absoluto.
Os protestantes e os espíritas
exercem, no Brasil, missão mais benfazeja e desinteressada de que os padres
católicos. Milhares de colégios protestantes funcionam em todos os Estados,
cobrando taxas às vezes inferiores de 50% sobre o vigorante nos
estabelecimentos de ensino dirigidos pelos padres. Todos os colégios e fundações
católicas são, em geral, subvencionados pelos cofres públicos, em compensação
dos auxílios que distribuem. Em todo o interior do nosso país se encontram
missões protestantes, as quais fornecem
gratuitamente remédios e socorros de toda a espécie às populações flageladas,
sem outra recompensa além da consciência do cumprimento de um dever de
fraternidade humana, peculiar às almas bem formadas. Centenas de médicos,
advogados e professores têm conseguido educação graças ao auxílio
desinteressado dos pastores protestantes, que selecionam em nossos sertões
inteligências de elite que surgem entre as selvas adustas e abandonadas. As
seitas espíritas também são agremiações benfazejas, que exercem o seu mister
entre os que, carecedores de elementos de fortuna, procuram um lenitivo na
outra vida, para melhor suportar as injustiças reinantes entre os homens. Entre
estes crentes surgem abnegados, que inspiram respeito a todos os que os
observam. Fred Figner foi um destes
apóstolos, dignos da admiração de seus semelhantes. Um de meus colegas de
imprensa narrou-me, emocionado, uma cena que se passou em sua residência. Sua
velha genitora, sofrendo de um ataque cardíaco, estava apavorada com a ideia de
um próximo falecimento. Pediu, então, a veneranda senhora ao seu filho, que
solicitasse a Fred Figner que a fosse visitar. O jornalista não conhecia Figner
e ignorava, também, o assunto sobre o qual versaria a conferência tão desejada
por sua genitora. Dirigiu-se, então, ao estabelecimento
comercial de Figner e lhe expôs o desejo manifestado por sua mãe. Figner não
hesitou um instante, vestindo o paletó e pondo-se a caminho em companhia do
jornalista, no rumo da casa onde residia o meu colega. Lá, Figner entrou para o
quarto da enferma, o filho deixando os dois sem testemunhas. Uma hora e meia
depois, Figner, despedindo-se, foi conduzido à sua casa comercial e o
jornalista, volvendo à residência, encontrou a enferma encarando a morte com a
máxima serenidade e indiferença, transformação que o meu colega só podia
atribuir à obra de Figner, pelas ideias que conseguira
inculcar no espírito da moribunda.
A obra benfazeja dos protestantes e
dos espíritas é absolutamente gratuita e abnegada e, se retrogradarmos
impedindo a ação benéfica desses filantrópicos cidadãos, quem os substituirá no
papel que desempenham? Os benefícios distribuídos pela Igreja Católica são
todos oriundos dos cofres públicos, provindo das subvenções largas que
distribuem os poderes federais, estaduais e municipais. O tesouro de São Pedro,
que se eleva, ao que dizem, a treze biliões de dólares depositado nos bancos
protestantes, não se mobiliza para proteger os infelizes em todos os pontos
cruciais da Terra. As subscrições feitas pelo clero e as subvenções conseguidas
devem bastar para atender às necessidades da pompa local, devendo ficar ainda
um saldo para atender à subsistência da pompa do Vaticano. Não podemos retrogradar,
como o desejam os prelados. Queremos a liberdade de crenças, sem a qual a
Democracia não poderá viver.
Editorial de "O Mundo Ilustrado", de 10/08/1955
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