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quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Ao Encontro de Deus


Ao Encontro de Deus
Luciano dos Anjos
Reformador (FEB) Novembro 1962

            Há no homem, até mesmo o cético, uma ânsia natural de pesquisar Deus, de discutir Deus, de descobrir Deus. É a própria intuição d'Ele que alimenta esse anelo. O índice daqueles que passam pelo mundo sem encontrá-Lo pode ser expressivo (se é que e) mas não estiola o ânimo. dos que se lançam, muito justa e necessariamente, à procura da Grande Todo, através das mais ousadas fórmulas conceptuais. A pervicácia (obstinação, teimosia) da grande dúvida (dúvida mais conceptual do que existencial) não desfalece o espírito dos que creem firmemente e não se cansam de pesquisar, discutir e conceber a Eterna Substância. E nisso deve consistir um dos primordiais - senão o único - objetivo filosófico da criatura: encontrar Deus e ir lhe ao encontro. Data vênia, não concordamos com Platão quando afirma que “é muito impertinente querer adivinhar o que é Deus". Reconhecemos, em contrapartida, que querer nem sempre é poder. A maioria ateia descuidou-se desse mister por motivos que, em última análise, havemos de reconhecer perdoáveis. Depois do deus-sol da deus-raio, do deus-fogo, abrigaram o homem ao jugo dum politeísmo esdrúxulo, após o qual, embora acalentando-o com a unicidade moisaica desse Criador, nada melhor lhe apresentaram além de um Deus antropomorfo, pessoal e todo-poderoso. Daí ao ateísmo convenhamos que é um pulo, quando não leva direito e instintivamente ao materialismo absoluto. De nossa parte estamos tranquilos de que Deus é tanto mais Deus quanto maior for a evolução do Espírito. Não é fácil concebê-Lo (embora não seja impassível) fora dessa ideia em que a maioria das religiões e das escolas filosóficas O apresentam. Mas é preciso compreender que, afinal, é exatamente fora dessa ideia que Ele se encontra e daí a dificuldade mesma de entendê-Lo. “Eu creio no Deus que fez os homens, e não no Deus que os homens fizeram", dizia o escritor francês João Batista Afonso Karr, num dos seus famosos panfletos satíricos ("Vespas") editados mensalmente em Paris, no século passado.

            Teologicamente, três são as posições fundamentais para explicar Deus: a Ateísmo, a Panteísmo e o Teísmo. A primeira, nega-O e, com isso, todo o sentido da vida, e todos os seus valores morais, tornando o mundo incompreensivelmente absurdo. A segunda posição aclarou parte do magno problema apresentando Deus como sendo a própria Natureza, isto é, imanente e identificado com o mundo. É Kardec mesmo quem combate com muita propriedade a hipótese em "O Livro das Espíritas", pág. 54, 21ª edição da FEB: "Esta doutrina faz de Deus um ser material; que, embora dotado de suprema inteligência, seria em ponto grande o que somos em ponto pequeno. Ora, transformando-se a matéria incessantemente, Deus, se fosse assim, nenhuma estabilidade teria; faltar-lhe-ia um dos atributos essenciais da Divindade: a imutabilidade”, Finalmente, o Teísmo concebe Deus como ser pessoal e transcendente, distinto do mundo por Ele criado e providencialmente assistida (Deus Criador e Providencial). Quanto ao moderno Teísmo Evolucionista, este não passa duma forma mal disfarçada do próprio Panteísmo contra a qual se levanta também a objeção kardequiana.

            Passando rapidamente em revista algumas escolas filosóficas, vamos verificar o esforço dos muitos que tentaram resolver a Grande Equação. Assim é que, para Aristóteles, “Deus é o motor não movido, o Ato puro”; para Platão, “Deus é Ideia suprema ou Ideia do Bem"; para Leibnitz, “Deus é a mônada incriada"; para Spinoza, “Deus é a substância única"; para Hartmann, “Deus é a eternidade imutável"; para Voltaire, "Deus é o Criador não providencial"; para Chardin, “Deus é o Centro Máximo da convergência, Fundamento de todo ser e Polo Superior da Evolução", Outros, partindo da certeza de que Deus existe, buscaram apenas demonstrá-Lo através de citas às quais emprestaram sempre caráter axiomático: para Descartes “a existência de Deus é mais certa de que o mais certo de todos os teoremas de geometria"; para Pascal, “a impossibilidade de provar que Deus não existe, revela a Sua existência"; para Mazzini “Deus existe porque existimos e nem devemos prová-lo, 'já que intentá-lo seria blasfêmia, e negá-Lo, uma loucura".

            Definições e conclusões enquadram-se, duma forma ou doutra, dentro do esquema das três posições fundamentais antes mencionadas, as quais buscam desesperadamente o sentido mais puro para explicar a causa primária da Criação, O Teísmo, sem dúvida, foi que mais se aproximou da Verdade, porém, ainda assim, apenas nas suas linhas gerais. Adotou a melhor posição teológica na quadro genérico das concepções. Todavia, não soube avançar na explicação detalhada. E, quando o fez, fê-lo mal, como a Igreja Católica ou Protestante, por exemplo. Contudo, talvez possamos ir mais longe, por um caminho novo, ao término do qual, à razão de ninguém repugnaria. Paradoxalmente, Deus seria, então, sem sair da sistema teísta, o Ser absolutamente Impessoal, na transcendência e na imanência ao mesmo tempo, Em outras palavras: transcendente ao mundo, porém numa condição de ser que não se personaliza; e igualmente imanente sem se fundir com o mundo. Um Deus apenas pessoal - na imanência ou na transcendência - seria sempre um Deus limitado e assim não revestiria atributos infinitos. Ninguém se aproximou tanto da concepção de Deus, capaz de suportar as provas do raciocínio moderno, do que a monismo vedantino. Swami Vivekananda assim expõe a tese "(A Filosofia Vedanta", editora Vedanta Ltda.): “Uma generalização que termina num Deus pessoal não pode ser universal, não pode ser verdadeira. Temos de ir adiante, ao Impessoal. O Deus Impessoal que propomos não é um Deus relativo; por isso não se pode dizer que Ele é bom ou mau, mas que é algo além do bem e do mal, porque não é bom nem mau.” Importa esclarecer bastante um aspecto da questão: Deus impessoal na transcendência e pessoal na imanência já se propôs e representa de fato um grande passo na direção da Verdade; entretanto, o Deus que ora se propõe é Impessoal na imanência e na transcendência.

            Pascal, desesperado sempre entre a fé e a dúvida, inferia também que, com argumentos humanos não podemos provar a existência ou inexistência de Deus. São Francisco de Assis, na sua "Oração ao Sol", ensina implicitamente que quando o homem pensa em Deus, com as medidas de sua animalidade, conspurca-O sempre, porque Lhe empresta atributos que O humanizam. Monteiro Lobato, no prefácio do livro de Pedro Granja, intitulado "Afinal, Quem Somos?" (pág. 21, 1ª edição), confessa a repulsa em associar à ideia de Deus qualquer predicado humano, até mesmo a Bondade e a Misericórdia. Foi o Deus pessoal e antropomorfizado que fez com que Nietzsche, na sua irreverência, O figurasse "pagando-se com uma libra de sua própria carne". O enciclopedista e materialista Denis Diderot chegou a exclamar em face do deicídio do Gólgota: "Deus matou Deus para apaziguar a cólera de Deus.”

            É bem verdade que Luís Büchner, o mais terrível materialista dialético, assegura na sua obra "O Homem segundo a Ciência", pág. 252, edição de 1912, que "o Deus ipessotü é um antropomorfismo, uma abstração de nós mesmos, uma criação imaginária jeito. à imagem do pensamento; o Deus impessoal, ao contrário, é uma quimera da lógica". Ora, o primeiro período é autêntico, mas o segundo equivale a uma ilação vazia e sem substância. É muito fácil e cômodo atribuir todas as verdades abstratas a quimeras da lógica. No mais, Büchner traiu-se pelo próprio raciocínio materialista. Supôs o Deus Impessoal praticamente sem diferenciação do Pessoal. Do contrário não O apresentaria como resultante de nenhuma lógica, já que esta, à luz da moderna filosofia, não passa da ciência dos pensamentos. Ora, o pensamento, na sua abstração, é o conjunto das operações intelectuais, a atividade psíquica pela qual o Espírito concebe as ideias, julga e raciocina. E eis, portanto, o conceito do Impessoal, de Büchner, reduzido a proporções meramente humanas, "ipso facto", pessoais. O Espírito é quem pensa, mas o pensamento não é o Espírito.

            O Impessoal com que buscamos identificar Deus não é lógico, embora não seja inconcebível; é, antes, indefinível. Poderíamos no máximo dizer que é superconcebível, isto é, concebível nos estados mais altos da espiritualização. No atual estado nosso, qualquer tentativa de defini-Lo esbarraria na mutilação da realidade. São muito oportunos aqui aqueles versos do poeta contemporâneo J. G. de Araújo Jorge sobre a poesia (que é, ao lado da música, uma das mais altanadas expressões do Espírito), quando decanta: "Não há, não houve, não haverá poesia. Vencido o silêncio, a palavra é mutilação" ("A Outra Face", pág. 51, edição de 1949). Do imortal Augusto dos Anjos é famoso o soneto "A Ideia" ("Eu e Outras Poesias", pág. 17, 3ª edição da Castilho) , cujo mote resume o esforço da criatura em exprimir a ideia; vê-la nascer-lhe no cérebro, mas, quando deve ser exteriorizada, “de repente, e quase morta, esbarra no molambo da língua paralítica!". E Gilka Machado, a mais notável poetisa brasileira, diz no, introito do seu ''Cristais Partidos" (pág. 7, edição de 1915):  “Arte é ânsia de conter o infinito numa expressão". Tanto quanto a poesia, a ideia e as artes em geral, assim será sempre a noção de Deus. Qualquer forma objetiva de traduzi-Lo há de mutilá-Lo automaticamente. Só no ádito (câmara secreta nos templos antigos) silencioso e absconso (silencioso) de cada um Ele é capaz de manter-se puro e completo. Guerra Junqueiro também teve a mesma intuição da verdade, quando disse: "Deus! o terrível problema! Quando a Ciência chega aqui, ou emudece ou blasfema" ("Últimos Versos", pág. J,2, edições Selectas, 1921). O incomparável Léon Denis, em "O Grande Enigma", pág. 90, 4ª edição, comenta: "Aqueles que reclamam absolutamente uma definição poder-se-ia dizer que Deus é o Espírito puro, o Pensamento puro. Mas a ideia pura, em sua essência, não pode ser formulada sem, por isso mesmo, ser diminuída alterada. Toda fórmula é uma prisão. Encerrado no cárcere da palavra, o pensamento perde sua irradiação, Seu brilho, quando não perde seu sentido verdadeiro." E, na "Revelação da Revelação", de J. B. Roustaing, lemos: "Deus é na imensidade, o infinito. Espírito de tal modo puro, de tal modo sutil que bem poucos Espíritos podem vê-Lo, de tal modo extenso que irradia por todos os lugares sem jamais se dividir, conservando assim a sua individualidade. Linguagem humana, qual poder é o teu para exprimir pela palavra - Deus - o ideal, o imenso, o infinito, o eterno!" (páginas 216/217, 4ª edição).

            Continuemos porém a desenvolver nossas ideias. Em nosso atual estágio, Deus se nos torna incognoscível, tal como afirmam os positivistas, entre eles Berthelot. Contudo, apenas na Sua essência, na Sua posição do que "É", do "Eu Sou" (“E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós" - EX. 3 :14). Torna-se cognoscível, entretanto, na Sua obra. Que é incognoscível no Seu aspecto "Absoluto" não podemos duvidar, pois os fatos aí estão para comprová-lo e até aliciar os materialistas. Mas tal ocorre apenas em razão da relatividade do nosso mundo. Somos seres tridimensionais e Deus se apresenta completamente fora dessa nossa dimensão; além da quarta de que nos fala Einstein para explicar a composição do espaço universal ("continuum espaço-tempo”); além da quinta (?); além de todas as dimensões. Um ser superficial, por exemplo, como haveria de compreender a existência nossa, seres tridimensionais que somos? De forma alguma. E por mais que tentasse não nos alcançaria, exceto se lhe fora possível conseguir um estado especial (extático, crisíaco, (aquele que se encontra em estado de momentânea crise produzida pela ação magnética)  etc.) através do qual a substância que o anima (esta, sim, fora da sua e de todas as demais dimensões, tanto quanto a nossa) se deslocasse para fora do plano em que vive até atingir o volume em que vivemos. Não nos exijam a demonstração prática e científica da hipótese, porque não o conseguiríamos. Seria o caso de alguém que nos pedisse para traçar no papel, à luz da geometria de Descartes, um sistema de quatro eixos cartesianos, a fim de localizar ou simplesmente apreender, de forma objetiva e concreta, o hiperespaço. Está claro que nenhum de nós lograria fazê-lo, senão virtual e algebricamente. No instante em que isto fosse possível, então já teríamos abandonado a terceira dimensão para passar à quarta. Concomitantemente, quando chegássemos à quarta, é óbvio que já aqui não nos encontraríamos para satisfazer o curioso. E nem queremos argumentar ainda com a subjetividade de Kant, a fim de levantar uma hipótese a mais, esta, dentro da sua conhecida crítica da razão pura (teoria do conhecimento), visando a confirmar a tese de que o homem, afinal, não conseguiria sequer apreender a realidade dos fenômenos (a coisa-em-si-mesma); muitíssimo menos ainda a realidade de Deus.

            Por tudo isso, a melhor explicação de Deus há de ser, sem dúvida, aquela dada pelos Espíritos a Allan Kardec. É a mais simples, porém a que melhor abrange toda essa difícil conceituação que estamos tentando desenvolver. "Que é Deus? - Deus é a Inteligência suprema, causa primária de todas as coisas" ("O 'Livro dos Espíritos", pág. 49, 21ª edição da FEB). E só.

            Houvessem ido mais além e nos confundiriam a razão. Mas a Revelação Espírita foi ditada não apenas sob a direção de quem sabia o que fazia, mas depois de muito bem planejada, no Alto, para servir ao presente de então e ao futuro de agora. Daí a resposta dos Espíritos não chegar a ser uma definição propriamente, senão uma redundância diante da qual se poderia indagar: mas o que é Inteligência suprema e a causa primária de todas as coisas? Ao que nos responderiam: Deus. Um círculo vicioso. Todavia, por ser a mais simples é a que melhor se aplica à realidade sem se estender em divagações filosóficas que afinal desviariam o sentido da missão do Codificador. Por isso mesmo, mais adiante os Espíritos afirmam: "Deus existe; disso não podeis duvidar e é o essencial. Crede-me, não vades além. Não vos percais num labirinto donde não lograríeis sair ( ... ) Estudai as vossas próprias imperfeições, a fim de vos libertardes delas, o que será muito mais útil do que pretenderdes penetrar no que é impenetrável ("O Livro dos Espíritos", pág. 53, 21.ª edição da FEB).

            Nessas condições, seria impossível achar Deus? Claro que não. Diz-nos Emmanuel, em "Fonte Viva", pág. 342, 1ª edição: "Não perguntes se Deus é um foco gerador de mundos ou se é uma força irradiando vidas. Não possuímos ainda a inteligência suscetível de refletir-Lhe a grandeza, mas trazemos o coração capaz de sentir Lhe o amor. Procuremos, assim, Nosso Pai, acima de tudo, e Deus, Nosso Pai, nos escutará," Contudo, reconheçamos lealmente que, para tal, impõem-se normas e merecimento. Sem desprezar de todo o tomismo, nesse particular muito significativo, aqui entra em profusão a Doutrina Espírita com todo o seu enunciado espiritualista e seus princípios fenomênicos já hoje comprovados da emancipação da Alma em determinados momentos de êxtase, de sonambulismo, etc. Para melhor compreensão do que se vai expor, recordemos antes de mais nada a lição de Cícero: "DEUS" tal como O concebemos, apenas pode conceber-se como um Espírito puro, independente e livre de todo o elemento material, um Espírito que percebe todas as coisas, que a tudo imprime movimento, encerrando em Si mesmo o princípio do movimento eterno," E lembremo-nos ainda de que o próprio Cristo disse: "Deus é Espírito, e importa que os que O odoram, O adorem em espírito e verdade." (Jo. 4:24) . Assim, pois, também é como Espírito que podemos aproximar-nos d'Ele. E senti-Lo. E até vê-Lo, porque não? Detalhemos, porém: o Espírito, como centelha divina, como sopro do Criador. Não nos referimos aqui à manifestação perispirítica que se movimenta no plano de Além-Túmulo, nem tão pouco ao corpo mental - modelo do corpo espiritual - de que nos fala André Luiz em "Evolução em Dois Mundos", pág. 25, 1ª edição. Não nos referimos sequer à própria individualidade, ao próprio "eu" da criatura. A individualidade, afinal, ainda é conquista do Espírito. Falamos deste apenas, deste que também "é" fora do bom-senso, da lógica e do conceptível, tal qual Deus que assim o fez pela projeção do Seu pensamento. Quando dizemos Espírito, queremos dizer o que "é" apenas, a causa primária da individualidade, a geratriz do "eu", a substância mesma de Deus na sua primeira origem, a criação do Criador nascida na sua mais pura e sublime manifestação. Falamos da parcela de substância do Grande Todo, o primeiro estado da projeção do Pensamento de Deus após a fase que vai do Reino Animal para o Reino Humano. Falamos, enfim, do conteúdo fundamental do ser indefinível, tanto quanto o próprio Deus.

            Mas, dizíamos, em determinadas condições abandonamos nossa natureza (de encarnados ou desencarnados) e alcançamos o hiperespaço. E vamos mais longe, ao encontro de Deus. Abstraindo-nos de toda materialidade que nos cerca, permitindo que nosso Espírito (substância mesma de Deus) entre na dimensão de Deus, com Ele iremos certamente comungar. Três métodos são eficientes para a conquista dessa glória: o êxtase, a prece ou a prática profundamente desinteressada do bem e do amor. É por isso que os místicos se dizem normalmente em contato com Deus. É por isso que a oração é capaz de fazer "milagres". É por isso que o amor constrói, sozinho, mais do que qualquer outro sistema de trabalho. Nesses três estados é deus imanente que sai de nós ao encontro de Deus transcendental. É a partícula do Todo que vai comungar com o Uno. É a criatura face a face com o Criador. É a imanência encontrando a transcendência. É o pessoal que entende o Impessoal. É, ainda, o relativo que, descobre o Absoluto.

            O raciocínio exposto implica na confirmação do que já dissemos no Início deste artigo: Deus está igualmente em nós, está também na Sua Criação, é por conseguinte imanente também. Não deve essa ideia repugnar a razão de ninguém. O aspecto imanente de Deus pode ser - sem descambarmos para o panteísmo - muito bem compreendido, através da linguagem altamente filosófica do extraordinário Léon Denis, quando comenta em sua obra "O Grande Enigma", pág. 19, 4ª edição: “Deus, tal qual o concebemos, não é, pois, o Deus do panteísmo oriental, que se confunde com o Universo, nem o Deus antropomorfo, monarca do céu, exterior ao mundo, de que nos falam as religiões do Ocidente. Deus é manifestado pelo Universo - de que é a representação sensível - mas não se confunde com este. De igual maneira que em nós a unidade consciente, a Alma, o eu, persiste no meio das transformações do Universo e da incessante renovação de suas partes, subsiste o Ser que é a Alma, a consciência, o eu que o anima e lhe comunica o movimento e a vida." Deparamos assim, no campo do relativo, com uma manifestação dualística da Criação, mas no campo do absoluto a sua origem é essencialmente monística.

            Foi, sem dúvida, referindo-se à imanência de Deus que Jesus disse: “Vós sois todos deuses" (Jo. 10:34), reafirmando o que antes já se dissera no Velho Testamento: “Vós sois deuses e todos vós filhos do Altíssimo" (Salmos, 82: 6) .

            O mesmo ensinamento Jesus nos transmitiu quando afirmou em outras passagens evangélicas: “Eu e meu Pai somos um" (Jo. 10:30);  reafirmando o que antes já se dissera no Velho Testamento: “Vós sois deuses e todos vós filhos do Altíssimo” (Salmos, 82:6). “Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai e vós em mim, e eu em vós" (Jo. 15:20); "Pai Santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como nós" (João 17:11); “Para que todos sejam um como tu, ó Pai, em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste" (Jo. 17:21); “Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos em um" (João 17:23).

            Bem, fiquemos enfim por aqui, para que não venhamos a cometer o imperdoável deslize (já será tarde?) de acabar, por amor d'Ele e por descuido, tentando igualmente uma definição qualquer de Deus. Continuemos a buscá-Lo sempre, principalmente dando cumprimento à Sua imensa Lei de Amor, apanágio indispensável e inalienável para a espiritualização individual e consequente ligação do relativo com o Absoluto. Alimentemos indefinidamente a aspiração (possível e certa) de um dia encontrá-Lo e poder com Ele, na promessa e na previsão do Cristo, comungar intimamente. Essa aspiração, essa ânsia é bem natural e, já o dissemos, é a própria intuição da existência de Deus dentro e fora de nós. Respeitemos todas as definições como produto honesto desse anelo. Mas não deixemos de aprender jamais que Deus é o Impessoal indefinível e superconcebível. E quando alguém mais abalançar-se ainda à empreitada louca, respeitemo-lo; mas não percamos o ensejo para ensinar-lhe ou recordar-lhe as palavras sábias, sempre sábias, do imortal Léon Denis: “Há coisas que, de tão profundas, só se sentem, não se descrevem" ("O Grande Enigma", pág. 92 - 4ª edição).


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