Alegria
de Viver
Ismael
Gomes Braga
Reformador (FEB) Dezembro 1955
Pairando muito acima da matéria
perecível, o Espírito goza a plenitude da vida; sente-se uno com tudo que vive
no Universo, e percebe que tudo vive, sob as mais variadas formas de viver, de
vibrar, de sintonizar-se com a Fonte Suprema da Vida, de cumprir seus destinos
traçados pela mais sábia das Mãos.
O infusório, o inseto, o animal, o
homem, o anjo, o arcanjo, o átomo, a molécula, o mar, o planeta, a estrela, a
galáxia, tudo se move dentro das leis da Vida, cumprindo seu Destino, traçado
de toda a eternidade e por toda a eternidade pela Sabedoria Absoluta, com a
segurança da Onisciência, com a Providência do Amor Universal; e dentro deste Amor
tudo canta um hino de gratidão, de louvor, de embevecimento diante da obra do
Supremo Arquiteto do Universo. Desde a planta humilde rastejante na lama até o
Arcanjo Divino pairando acima das celestes esferas, tudo se sente uno, unificado
pela mesma Vida, partículas do Grande Todo, amando-se reciprocamente pela mesma
atração que engendrou
a unidade de tudo que vive e palpita, nas formas infinitamente variáveis de
viver e de vibrar no oceano imenso, infinito, do Amor.
E o Espírito anseia por evolução,
por promoções a novas formas de vida, sempre mais bela, mais sintônica com o
Foco Universal de onde ela emana para animar tudo que existe. Grãozinho de pó
na atmosfera dum grão de areia chamado Terra, o homem se sente sublime parte de
um todo divino, e sonha com seu noivado de luz que lhe há de conceder ventura
sempre maior, família sempre mais vasta, amor mais intenso, vibrações mais
sublimes no concerto universal.
A primeira porta aberta em sua
frente, o primeiro degrau evolutivo a galgar - real ou ilusório, não importa -
é uma transformação que outrora o intimidava, mas hoje o encanta, hoje que ele
já encontrou o segredo da grandiosa realidade da vida eterna, sempre crescente
e cada dia mais bela. Essa transformação, a Morte, lhe descortina novos horizontes,
lhe restitui os pais, os filhos, a esposa amada, a noiva pranteada, os amigos
da infância, os companheiros da juventude, a saúde, a abundância, a mocidade, o
vigor, tudo num mundo sem dores, sem separações, sem o tormento da saudade, sem
temores nem dúvidas, sem ciúmes nem invejas, sem a febre do anseio nem as
nuvens negras do desespero.
Tudo que a Morte lhe roubara, ela
mesma lhe restitui aumentado, melhorado, embelezado, e lhe revela que não se
apropriara de seus tesouros, apenas os levara à oficina do aperfeiçoamento, da
lapidação, do burilamento, para aumento da sua e da alheia felicidade.
Como é bela a morte que nos promove
a uma vida maior! A alegria de viver tem a sua culminância na alegria de
morrer, de transpor o limiar das trevas para a luz. A morte é a libertação do condenado
à masmorra da carne e sua reintrodução nas alegrias da liberdade; é sua
reintegração na família amorosa e maior do que se lembrava. Falta uma palavra
no título do livro monumental de Flammarion. Deveria chamar-se: A
Morte e seu
mistério revelado.
Faltou esta palavra "revelado" e faltou muito, porque depois de
revelado o mistério da morte, ela se torna a mais bela transformação, a mais
sublime metamorfose da Vida. Poderia chamar-se também e com mais propriedade "A Vida e seu Mistério", pois que
realmente os fatos alinhados nos três volumes nos demonstram a existência somente
da vida e o desaparecimento da morte, com a acepção que ela já teve na consciência
dos homens da Terra.
Temos que definir de novo o termo
"morte". Talvez assim:
"Promoção do ser a uma forma mais bela
da vida"; ou "Libertação
do Espírito que se achava em missão inferior num escafandro pesado, chamado
corpo, no fundo escuro do mar atmosférico de um planeta, preso à crosta
planetária pela lei da 'gravidade em atuação sobre o escafandro. Sinônimos:
desencarnação, repatriação, regresso. Antônimos: nascimento, encarnação,
descida."
Somos um fraco lexicógrafo, e já o sabíamos
na preparação de dois dicionários. Outros hão de encontrar melhor definição
para o vocábulo "morte".
Há uns trinta anos lemos o original
do livro de Flammarion; depois folheamos com desânimo suas traduções para o
inglês e para o português; mas só agora sentimos em suas páginas a grande alegria
de viver, o ardente entusiasmo pela morte.
Bem sabemos que na travessia do
Estige o velho Caronte será exigente e teremos muita impureza a queimar antes
de entrarmos numa vida maior, mas tudo isso é nada em comparação com o porvir na
vida plena.
Lendo o livro de Flammarion, que
será novíssimo para a imensa maioria dos espíritas brasileiros desta nova
geração, não nos detenhamos nos fatos passados, nem nas belas conclusões que encerra
o terceiro tomo, procuremos nossas próprias conclusões, apliquemos o livro à
nossa própria alegria de viver.
Ismael Gomes Braga
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