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sábado, 4 de junho de 2011

'Cristianismo Hoje'


Cristianismo
Hoje

Albert Schweitzer
(Mensagem recebida na reunião 
de 29 de janeiro de 1976, no Grupo Ismael.)
Reformador (FEB)
               
            Após as cenas dolorosas do Gólgota, saciada no homem a sede de opressão e o instinto de vandalismo, com o martírio do Justo, Jerusalém retoma a estrada das rotinas mundanas.

            As três cruzes erguidas numa das colinas do Monte Moriá permanecem gravadas nos arquivos do ambiente, testemunhando a falibilidade da justiça de César, desde essa época cega às motivações edificantes que movimentam o Espírito, dando-lhe forças para alcançar o objetivo que a si mesmo traçou.

            Da busca de Jesus Nazareno à cruz através da qual se elevou da Terra, tendo-a vencido, tudo se fez segundo um critério falho dos príncipes da Terra.

            Em muitos todavia, permanecia a incógnita perturbadora: Era Ele a Verdade? 

            Enquanto a beleza dos crepúsculos da Palestina se espelha num sucedâneo de tonalidades vivas e fugazes, como se Deus - misericordioso - tingisse de azul cerúleo o rio de sangue que corre do interior do ser humano, céleres escoavam, logo após a Crucificação, os três dias que o Senhor julgara necessário para a reconstrução do templo do seu corpo.

            Foi através da simbologia do mundo que Ele se apresentou aos homens, cujo terreno íntimo vinha arar.     Revelou-se, no decurso de trinta e três anos de nossa medida do tempo, construtor pelas obras de feitura pronta e resultados a prazo longo, segundo as próprias leis naturais. Nem aos discípulos se afirmou Messias: abençoou a Pedro, que o reconhecera como Filho do Deus Altíssimo. Mas, Sábio entre os sábios, não escondeu a própria condição à Samaritana, e ocultou estas coisas aos doutos e aos prudentes. Firmou as bases da doutrina que, muito tempo depois, seria chamada Cristianismo sobre alicerces aparentemente frágeis: pescadores rudes, meretrizes, coxos e estropiados, cegos e doentes. A uns convidou à pescaria das almas; a outros colheu nas encruzilhadas da vida, conduzindo-os ao Reino dos Céus. A um deles fez lodo e mandou-o a lavar-se na piscina de Siloé. Afirmou ser mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um impenitente alcançar o Reino dos Céus: escolheu, para isso, a figura do rico escravizado às coisas da crosta terrena. Após o episódio de Lásaro, aprestou-se para tomar o cálice que lhe estava reservado. Foi, após, conduzido a Pôncio Pilatos, a Herodes e de volta a Pôncio Pilatos, deixando nosso mundo pela cruz infamante, entre os marginais de nossa sociedade.

            Passaram-se os três dias. Liberando imensuráveis fluxos de energia, foi a Maria de Magdalena que se apresentou, pronunciando-lhe o nome em inflexão inconfundível. A ex-mulher das fugacidades terrenas, chamada para a Vida Maior pelo Messias de Nazaré, desperta da tristeza que a abatia, porque não encontrasse o seu Senhor, e, fisionomia iluminada por recordações em forma de anjo, responde a Ele, movimentando todas as reservas de força, ante o impacto da visão: "Rabboni...” E até hoje assim é.

            Pairam nas palavras de Maria Magdalena todos os anseios que ainda hoje atordoam a humanidade. Não pudera atinar com a profundeza filosófica do “não me toques, porque ainda não subi a meu Pai...”

            Consideremo-nos como ela, transformada, hoje, em mensageira de luz das altiplanuras. Ao lado do fenômeno da liberação de energia, que, por certo, lhe extinguiria a vida do corpo físico, a cena junto ao sepulcro, no interior do qual Maria observara os dois anjos, é a própria partida do esposo. Os homens àquele tempo já tinham ouvido tudo o de que necessitariam pelos milênios a fora. Seria preciso que o Pastor se afastasse do cenário imediato para que as ovelhas dessem testemunho dele. Mas Jesus não nos abandonou.
            Ainda hoje ecoam no interior de alguns os sinais da mesma expectativa: Era Ele a Verdade?


            Nós, que já o conhecemos, pratiquemos seus ensinos junto aos doentes, pois foi para eles que Jesus-Cristo veio. A todos os momentos novas encruzilhadas se desdobram, e novos estropiados transitam por elas, aguardando-nos o socorro. Nosso ministério é de iluminação íntima pela iluminação possível do mundo. Não nos furtemos a servir, ainda que as expressões grosseiras da comunidade humana nos exijam concessões que, por conhecermos as coisas de Deus, saberemos entender como convenientes ou não. Desçamos, cheios de vida, aos antros da morte, mesmo que a luz da mensagem que o Cristo envia por nós não passe de relâmpago orientador nas furnas do sofrimento.


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