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domingo, 5 de junho de 2011

03 / 03 Pacto Áureo


Unificação - Quadragésimo Ano
do ‘Pacto Áureo’
Juvanir Borges de Souza
Reformador (FEB) Outubro 1989

            Foi com a reforma estatutária de 1901, determinada pelos poderes diretivos da Federação Espírita Brasileira, que se procurou dar sentido prático e efetivo à unificação das Instituições Espíritas espalhadas por todo o território brasileiro.
            Definiu-se, desde então, o significado de Unificação como união solidária e fraterna, com sustentação da autonomia individual, patrimonial e administrativa das entidades filiadas.
            O sistema federativo adotado, tendo como órgão central a FEB, ultrapassava as limitações geográficas da antiga capital da República para abranger as vastas linhas do País Continental, surgindo as adesões das Casas Espíritas dos Estados à Federação.
            Antes de findar-se o século XIX não faltaram algumas tentativas no sentido de aproximar e unir as Instituições Espíritas.
            Nos anos de 1888 e 1889, diversas comunicações de Allan Kardec, recebidas pelo médium Frederico Júnior, exortavam os espíritas brasileiros a se unirem e harmonizarem-se na prática do estudo, da caridade e da unificação.
            Bezerra de Menezes, então na Presidência da Federação, impressionado pelas idéias expressas pelo Codificador e convencido da necessidade de pô-las em prática, difundiu largamente as comunicações nos meios espiritistas da então Capital Federal, sob a forma de impressos, buscando tornar conhecidas aquelas idéias vindas do Plano Espiritual, entre as quais se destacavam a união e a unificação dos espíritas.[1]  
            Indicava Bezerra de Menezes a Federação Espírita Brasileira como o órgão em torno do qual poderia concretizar-se a unificação. Para isso, em 21 de abril de 1889, instalou na Federação o ‘Centro da União Espírita do Brasil”, com a finalidade de unir e orientar as Instituições Espíritas que o desejassem.
            Antes, em 1881, um Centro de igual nome fora criado com os meus objetivos, na Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade.
            Nenhuma das tentativas obteve êxito. Ao que parece, os espíritas não estavam preparados para aceitar e pôr em execução as idéias unificacionistas.
            O “Centro” criado por Bezerra de Menezes foi reorganizado em 1894 pelo Professor Angeli Torteroli, com a denominação de “Centro Espírita de Propaganda do Brasil”. A ele se filiaram cerca de setenta e cinco Grupos Espíritas de diversos Estados. Bezerra deu-lhe seu apoio tornando-se um dos seus diretores. A revista ‘Reformador”. da FEB, abriu-lhe as colunas, para noticiário.
            Todavia, em 1897, insistindo alguns de seus Diretores em considerar o Espiritismo apenas como ciência, com menosprezo ao caráter filosófico e religioso da Doutrina, acabou o Centro por fracassar no objetivo de unir a família espírita brasileira, entrando em decadência. Dele se desligaram vários Diretores entre os quais Bezerra de Menezes e Augusto Elias da Silva, além de diversas instituições que lhe eram filiadas.
            Todas essas tentativas mostram a preocupação dos espíritas brasileiros com a Unificação, desde os primórdios do Movimento em nossa Pátria.

                                   *

            Tendo a Doutrina Espírita um sentido unitário, constituindo um corpo doutrinário indivisível e harmônico, embora, na sua abrangência, compreenda aspectos científicos que vão muito além do domínio da Ciência oficialmente reconhecida, aspectos filosóficos que transcendem os conhecimentos das diversas escolas filosóficas do Mundo e aspectos morais e religiosos deduzidos dos novos conhecimentos advindos com as revelações dos espíritos, nada mais natural que o Movimento decorrente da Doutrina procure manter coerência com a unidade doutrinária. 
            Do contrário, diversificando-se, sem a visão unitária em torno dos princípios fundamentais, fragmenta-se o Movimento, enfraquece-se, surgindo os cismas, as seitas, as querelas, os antagonismos injustificáveis, como ocorreu com o Cristianismo hoje subdividido em numerosas subdivisões.
            A Unificação é resultante do esforço permanente dos espíritos sinceros, baseado no conhecimento e aceitação da Doutrina Espírita e na União fraterna entre seus adeptos.
            Não se sustenta a Unificação sem união, tolerância e compreensão entre os seguidores da Doutrina.
            Não significa a Unificação, obrigatoriamente, uniformização de pensamentos e idéias, de métodos de trabalho e de detalhes de organização.
            O ideal comum, catalizador da união que conduz à unificação, exsurge da compreensão, aceitação e vivência dos princípios fundamentais expressos no corpo doutrinário, especialmente em ‘O Livro dos Espíritos”, dentre os quais: a existência de Deus, o Criador incriado; a existência da alma ou Espírito, como ser individual; o Universo, compreendendo mundos materiais e mundos espirituais; a pluralidade dos mundos habitados; os dois elementos essenciais - matéria e espírito; a comunicabilidade entre os habitantes dos dois planos de vida; a reencarnação ou princípio das vidas sucessivas nos mundos materiais; as leis morais, resumidas no amor, na justiça e na  caridade, com fulcro no Evangelho do Cristo, o Filho e Emissário de Deus; a evolução espiritual para a perfeição, seu destino final; progressividade da Revelação Espírita.
            Estabelecidas como se acham as bases da Doutrina Espírita, cabe aos adeptos guiarem-se por ela, competindo-lhes a responsabilidade interpretativa de tudo o que se assenta nessas bases, inclusive as revelações posteriores à Codificação, alicerce de toda a construção doutrinária.
            Como decorrência lógica do princípio da responsabilidade e da liberdade individual, seria utópico e antinatural exigir, na Unificação, o pensamento igual, uniforme, de todos os adeptos, a respeito de todos os pontos não essenciais da Doutrina, de todas as dissertações elucidativas, de todas as obras subsidiárias, dependentes da interpretação e do livre convencimento individual, eis que cada um se encontra em determinado estágio evolutivo intelectual e moral.
            À época da elaboração da Doutrina a unificação estava naturalmente personificada na figura ímpar do Codificador.
            Allan Kardec não foi somente o teórico, o intermediário entre as instruções dos Espíritos Superiores e a formulação humana da Doutrina. Ele  mesmo afirma que, “trabalhando na parte teórica da obra, não nos descuidávamos do lado prático”. (Constituição do Espiritismo - trabalho reformulado em 1869.)
            Adverte também que as dissidências que podem surgir se fundirão por si mesmas na unidade da Doutrina, estabelecida de forma clara e definida, e acrescenta:
            “Não será, pois, invariável o programa da Doutrina, senão com referência aos princípios que hoje tenham passado à condição de verdades comprovadas. Com relação aos outros, não os admitirá, como há feito sempre, senão a título de hipóteses, senão a título de hipóteses, até que sejam confirmados. Se lhe demonstrarem que está em erro acerca de um ponto, ela se modificará nesse ponto.” “Obras Póstumas” - Dos cismas.
            Finda a missão do Codificado, entrando os movimentos espíritas em nova fase, não somente na França mas em todos os países onde o Espiritismo lançara raízes, urgia que ele permanecesse íntegro.

                                   *

            No memorável encontro de âmbito nacional, com duração de três dias, realizado no Rio de Janeiro pela Federação Espírita Brasileira, em comemoração ao Centenário de nascimento de Allan Kardec, em 3 de outubro de 1904, fizeram-se representar os espíritas do Amazonas, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
            Ponto culminante dos estudos e resoluções desse encontro foi, sem dúvida, a aprovação de um importante documento que ficou conhecido como “Bases de Organização Espírita” e passou a orientar, desde então, a marcha do movimento Espírita no País.
            Preconizaram as “Bases” a criação de uma Instituição Espírita na Capital de cada Estado da Federação, incumbida de filiar os Centros e Associações estaduais, formando assim, com a FEB, uma rede de entidades espíritas fortalecidas na solidariedade e na fraternidade e ainda num programa básico semelhante, no qual se respeitavam a liberdade e a tendência de cada Instituição no que se referia a pontos doutrinários não essenciais.
            Esse documento orientador do Movimento subsiste até hoje, uma vez que foi consagrado nos Estatutos da FEB, no Capítulo que trata da Organização Federativa (Art. 102), e em 1949 confirmado no item 2º do  “Pacto Áureo”: - “A FEB criará um Conselho Federativo Nacional, permanente, com a finalidade de executar, desenvolver e ampliar os planos da atual Organização Federativa.”
            Durante quase meio século, a partir de 1904, cresceu muito o Movimento Espírita brasileiro, fundando-se neste período a maior parte das Federações Estaduais e centenas de Casas Espíritas. Destacamos nesse período, a par de inúmeros acontecimentos importantes, os Congressos de 1926 e 1933, convocados pela FEB, e o Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, realizado em São Paulo, de 31-10 a 5-11-1948, todos com boas contribuições em prol da Unificação.
            Essa foi uma época em que o Movimento se apresentou muito dividido, inclusive pela criação da Liga Espírita do Brasil, entidade de âmbito nacional com sede no Rio de Janeiro e que se propunha também a federar as Instituições Espíritas, a qual, por força do “Pacto Áureo”, transformar-se-ia numa Federação de âmbito estadual.

                                   *

            O velho sonho da Unificação da família espírita brasileira, acalentado desde a penúltima década do século passado, concretizou-se formalmente a 5 de outubro de 1949.
            As circunstâncias em que tal fato ocorreu, sem as longas preparações e discussões que normalmente precedem os acontecimentos relevantes do Movimento Espírita nacional, demonstram que os espíritas, em sua grande maioria, estavam preparados para o evento e que a Espiritualidade Superior, respeitando o livre-arbítrio dos homens e encontrando neles sinceridade de propósitos e boa vontade de sufocar personalismos e vaidades, influiu poderosamente para que surgissem finalmente o entendimento e a concórdia entre os seguidores do Espiritismo.
            Nos primeiros dias de outubro de 1949, realizava-se no Rio de Janeiro o II Congresso Espírita Pan-americano, com a presença de dirigentes espíritas de diversos Estados, os quais resolveram aproveitar o ensejo para procurar a FEB, em tentativa de entendimento e aproximação, visando à Unificação do Movimento.
            Foi então marcado um encontro na Sede da Federação no dia 5 de outubro, ao qual compareceram a Diretoria da FEB e os Representantes de diversas Instituições estaduais.
            O encontro ficou conhecido como a Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro, da qual se lavrou a célebre Ata com os pontos essenciais em que se assentava o acordo da Unificação, dentre os quais se destacam:
            I.-        reafirmação do sistema federativo na organização do Movimento, em âmbito nacional, estadual e regional (municipal).
            II.-       a criação do Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira, em novas bases, congregando todas as Federações e Uniões Espíritas estaduais;
            III.-      reafirmação da independência e autonomia das sociedades componentes do sistema, comprometendo-se eles com o programa básico contido nas obras “O Livro dos Espíritos” e “O Livro dos Médiuns”.
            O acordo, que punha fim a uma longa dissidência no meio espírita brasileiro, foi assinado pelo Presidente da FEB e pelos Representantes da Liga Espírita do Brasil, Comissão Executiva do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, Federação Espírita do RS, Federação Espírita Catarinense, Federação Espírita do Paraná, União Social Espírita (USE), de São Paulo, e União Espírita Mineira, todos nomes dos mais representativos do Movimento Espírita da época.
            “Pacto Áureo” foi a expressão feliz criada por Lins de Vasconcelos, um de seus subscritores, para caracterizar o entendimento e a concórdia entre os espíritas, que podem divergir em pontos secundários, mas que, aceitando e compreendendo a Doutrina Espírita, não tem razão para fazer de simples divergência de entendimento pessoal pomo de discórdia, de intransigência e de intolerância.
            O grande acordo não ficou adstrito às instituições que o subscreveram inicialmente. Logo após sua  formalização constituiu-se um grupo de  confrades, com grande responsabilidade no seio do Movimento, tendo por objetivo levar aos espiritistas do Nordeste e do Norte do País a notícia do grande acontecimento, concitando-os a se unirem aos irmãos do Centro e Sul. Esse grupo de companheiros ficou conhecido como “Caravana de Fraternidade” e realizou notável obra de congraçamento e de esclarecimento junto às entidades visitadas, desde a Bahia até o Amazonas, incentivando ainda a criação de Sociedades Espíritas nos Estados que não as possuíam.
            O Conselho Federativo Nacional, regulamentado e instalado   em    de  janeiro  de  1950,    vem funcionando ininterruptamente desde então, congregando, pelo sistema representativo, os espíritas de todo o Brasil. Presta inestimáveis serviços à Grande Causa, dirimindo dúvidas,  fortalecendo os laços fraternos, orientando o Movimento, recomendando normas e diretrizes, aproximando Instituições e pessoas e contornando as incompreensões inevitáveis no áspero mundo dos homens.

                                   *

            Mais que um documento histórico, o ‘Pacto Áureo” traduz e simboliza as aspirações de várias gerações de espíritas brasileiros. Por isso, mesmo antes de sua assinatura, ele já se havia firmado nas mentes e corações dos espíritas cristãos. Ele representa o selo da vitória individual e coletiva, no Movimento, contra o personalismo, a vaidade, o divisionismo.
            O Pacto coroou o esforço, o bom senso, a lucidez, o espírito fraterno de quantos, desde Allan Kardec, passando por Bezerra de Menezes e inúmeros trabalhadores espíritas de várias gerações, têm pugnado pela união fraternal entre irmãos muito próximos, ligados pelo mesmo ideal. São os que entenderam a Doutrina Libertadora e Consoladora e procuraram verdadeiramente vivenciá-la.
            Assim, unidos pelo ideal comum, será sempre possível assimilar e viver a Doutrina, mesmo dentro da imperfeição humana, desde que haja tolerância e compreensão em cada profitente, no esforço constante de aperfeiçoar-se.
            Seria enorme contra-senso exigir-se que todos os espíritas constituíssem uma massa uniforme de adeptos, entre os quais não existisse a menor discrepância de idéias. É evidente que a assimilação. É evidente que a assimilação da Doutrina depende do estágio evolutivo individual. Cada um a pratica na medida de seu entendimento e de suas forças. Por isso não basta o aperfeiçoamento intelectual, o cultivo da inteligência. Não basta conhecer a Doutrina. Para praticá-la é necessário aprender, a amar, tolerar, compreender, servir, rejeitando a presunção e as formas de coação espiritual, incompatíveis com a índole da Doutrina.
            A historia do Espiritismo está eivada de lutas, para que ele possa ser implantado entre os homens. Tal como o Cristianismo primitivo, traz o Espiritismo uma mensagem contra o egoísmo e o orgulho humanos. Isso contraria interesses infelizes que se estabilizaram no Mundo e que precisam ser removidos. Daí ser natural a pertinaz oposição à Idéia Nova, desde seu surgimerto.
            O divisionismo cultivado pelos homens e insuflado pelas inteligências trevosas, apareceu no seio do Movimento desde a época da Codificação e é uma constante em toda a trajetória do Espiritismo. Não seria diferente no Brasil. A Unificação conseguida pelos espiritistas brasileiros foi a vitória do bom senso, com o acatamento de diretrizes superiores.
            Se ainda não foi possível o entendimento geral, se aqui e ali ainda subsistem os inconformados, se em alguns Estados ainda permanece a divisão de forças que se devem somar na cooperação, nem por isso devemos desanimar. A tarefa é lenta, demorada, desde que depende da compreensão dos homens. Demanda trabalho, solidariedade, tolerância, paciência.
            A unidade do Movimento há que corresponder à unidade da Doutrina, sem embargo de suas abrangências.
            A necessidade de uma coordenação central não significa imposição pela força, mas que se faça respeitar pela compreensão dos deveres. Que os mais preparados intelectual e moralmente sejam os mais responsáveis na condução do Movimento, em âmbitos regional, estadual e nacional.
            “Todo reino dividido contra si mesmo será destruído, e toda cidade ou casa que se dividir contra si mesma não subsistirá.” (Mat., 12:25.)

            Diz-nos o Codificador (“Obras Póstumas”, 22ª Ed. FEB, pág. 351):

            Os que nenhuma autoridade admitem não compreendem os verdadeiros interesses da Doutrina. Se alguns pensam poder dispensar toda direção, a maioria, os que não se crêem infalíveis e não depositam confiança absoluta em suas próprias luzes, se sentem necessitados de um ponto de apoio, de um guia, ainda que apenas para ajudá-los a caminhar com segurança.”
           





[1]  Essas mensagens, publicadas inicialmente em 1893, foram reunidas pela FEB em um opúsculo intitulado: “Ditados de Allan Kardec”, cuja 3ª edição circulou em 1934. Incluídas no livrete “A Prece”, foram recentemente publicadas em ‘Reformador’, fascículos de dezembro/88 e janeiro/89. (N.R.) 


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