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sábado, 16 de junho de 2012

A Oração do Fariseu



A Oração
do Fariseu

            "Vigiai e orai" A oração, consoante o critério evangélico, não visa alterar a Lei e, muito menos, desviar o curso natural dos desígnios de Deus que essa Lei resume e condensa em sua estrutura.

            O governo do Universo não se exerce através do arbítrio. O Reino Divino é regido por estatutos imutáveis regulando todos os fenômenos da Natureza, tanto no seu plano físico como em sua esfera moral. A eficácia da prece, portanto, está no ânimo que desperta, no refrigério que proporciona, na esperança que faz nascer e frutificar nas almas desalentadas, batidas pelos vendavais das provas e das expiações. A prece importa num processo de avivar as energias anímicas próprias, aumentando sua potência graças à comunhão estabelecida com o manancial inexaurível de vida e poder infinitos. A prece, age, pois, dentro dos princípios de solidariedade fraternal, ligando as almas entre si e religando-as, todas, conscientemente, a Deus. Orar, finalmente, é lançar mão de recursos legítimos que estão ao nosso alcance, dos quais nos é lícito socorrer.

            Definidas e firmadas as características da  oração em seu verdadeiro sentido, passemos a considerar a prece do fariseu, segundo o seguinte registro evangélico:

            "Subiram dois homens ao templo para orar: um, fariseu, outro, publicano. O fariseu, posto pé, ora, dentro de si, desta maneira: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, que são roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano, jejuo duas vezes por semana e dou o dizimo de tudo quanto ganho.
            O publicano, porém, estando a alguma distância, não ousava sequer levantar os olhos ao céu, mas batia contritamente no peito, dizendo:  Deus, tem misericórdia de mim, pecador! Digo-vos, concluiu Jesus, que este desceu justificado para sua casa e não aquele; porque todo que se exalta, será humilhado; e o que se humilha, será exaltado".

            Analisemos o pensamento do fariseu.  Antes, porém, de fazê-lo, digamos o que eram na sociedade judaica as duas personagens que figuram no em apreço. O fariseu encarnava o credo dominante, partilhado pela elite social, pelas autoridades civis e eclesiásticas. O publicano pertencia à classe dos agentes do fisco, cobrado imposto de César, indivíduos, em geral, inescrupulosos, escorchadores do povo e, por isso, antipatizados, tidos mesmo em conta de ladravazes. O publicano orou, pois, como pecador confesso, suplicando misericórdia. O fariseu, porém, dizia intimamente em sua oração: "Graças te dou ó meu Deus, porque não sou como os homens, que são roubadores, injustos e adúlteros". Comentemos esta frase de sua reza. Ele dava graças a Deus porque se supunha assinalado com uma graça especial. Imaginava-se alvo de certo privilégio que o distinguia dentre o comum dos homens, e, assim também, os confrades do presunçoso credo entretecido de cerimônias litúrgicas, dízimos e jejuns.

            Semelhante conceito particularista da Divindade aberra de todos os princípios de justiça, denotando ignorância acerca do caráter que distingue a Suprema Inteligência que dirige os destinos do Universo. O Deus anunciado por Jesus Cristo é o Pai Nosso - que não faz acepção de pessoas, sujeitando todos ao império da mesma Lei, concedendo os mesmos direitos mediante o cumprimento de idênticos deveres. É o Deus vivo, inconfundível, que palpita no coração do crente sincero que o adora em espírito e em verdade. Portanto, discordando do farisaísmo, oremos assim:

            Ó grande Deus, eu te rendo graças pela tua justiça perfeita, isenta de falhas e senões. Eu te venero como meu Pai celestial, conforme ensino do teu Verbo humanado. Por isso, reputo meus irmãos, não somente os homens, como também todos os seres de tua eterna criação. Sinto-me, Senhor, irmão dos bons e dos maus, dos justos e dos iníquos. Reconheço-me irmão dos ladrões, dos homicidas, dos salteadores, dos adúlteros de ambos os sexos, dos perjuros e das decaídas. Considerando que a delinquência é, em parte, fruto do meio, confesso-me, indiretamente, conivente nos delitos daqueles irmãos, de vez que faço parte integrante desta sociedade onde me acho, por não merecer outra, menos impura e mais espiritualizada. Declaro-me também irmão dos seres inferiores, dos animais, tal como o fez teu bendito servo Francisco de Assis, cuja vida terrena foi um exemplo vivo de humildade, e, ao mesmo tempo, um veemente protesto contra as pompas, contra o luxo, riquezas e vaidades deste mundo. Parodiando-o, eu digo com ele: Meu irmão lobo; minha irmãzinha formiga, meu irmãozinho verme que se roja no pó. Ainda com o "Poverelo", estendo minha irmandade aos mesmos elementos, assim me pronunciando: Meu irmão fogo, minha irmã água; minha irmã terra, minha irmã pedra de onde procede o próprio nome que me foi dado nesta existência. Elevando os olhos para as alturas siderais, proclamo arrebatado: Meu irmão Sol! meus irmãos planetas que povoais a imensidade; minha irmã Lua que enches de poesia a alma dos desterrados neste orbe expiatório; estrelas de todas as grandezas - minhas belas irmãs - que no vosso cintilar rendeis perene glória ao Supremo Arquiteto, como vos admiro! Sim, ó grande Deus, sinto-me ligado e integrado em todos os expoentes de tua obra deslumbrante. Do barro, formaste o meu corpo, instrumento de que me sirvo para realizar, aqui, uma etapa da minha evolução. Portanto, sob tal aspecto, "sou pó e em pó me tornarei". De ti próprio, Senhor, deixaste escapar, na explosão do teu amor, uma centelha viva, eterna e imortal, da tua mesma natureza, que é o meu Espírito, o meu "ser", sede de todas as faculdades que caracterizam a minha entidade real e verdadeira. Fizeste-me pequeno, mas dotaste-me de poderes para eu me tornar grande. Criaste-me insciente, possibilitando-me os meios de me tornar sábio. Constituíste-me fraco, pondo ao meu alcance os processos de vir a ser forte e varonil. Através de relativo livre-arbítrio, fizeste-me cair na servidão da carne, para que eu mesmo conquistasse a minha liberdade. Sujeitaste-me às iniquidades deste século para que eu aprendesse a conhecer e honrar a Justiça, a Razão e o Direito!
            Em suma, Senhor, tu me organizaste de maneira que, pelo meu trabalho e experiência, eu alcançasse todos os bens, a fim de que pudesse aquilatar, por mim mesmo, do valor desses bens, como da nobreza dos teus propósitos e da excelência do teu amor, a serviço das tuas criaturas!

            Bendito sejas, ó Pai celeste, Ó fonte inexaurível de Vida, na onipotência da tua ação, no infinito da tua inteligência, na imensidade imensurável da tua misericórdia e na fulguração majestosa da tua indefectível justiça!

por Vinícius
in (Reformador (FEB)  Jan 1948




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