Prefácio de
‘O
Bom Pastor’
de
Ramiro Gama
assina
Guillon Ribeiro
-Escrito em maio de
1943, quando era o Presidente da FEB.-
'Aproveitando, por um lado, os fatos
ou episódios reais que lhe tocaram de modo mais ou menos vivo a alma
extremamente vibrátil e dotada de grande sensibilidade; fantasiando, por outro
lado, alguns, com a sua fecunda imaginação poética de delicado estro, compôs
Ramiro Gama, irmão e amigo a quem muito presamos e admiramos, sobretudo pela
excelência do coração boníssimo que possuí, este volume de contos, a que deu o
título expressivo e caricioso de O Bom Pastor.
Achará, porventura, a crítica
pontilhosa que nem todas as produções reunidas no volume que temos a satisfação
e a distinção honrosa de prefaciar se podem classificar como contos, que muitas
delas escapam mesmo, flagrantemente, a essa classificação, achando também
que não foram vazadas numa forma de pureza Impecável.
Não nos deteremos em examinar se,
pronunciando-se assim, assiste ou falece razão à crítica, porquanto, para nós,
a sua falta de fundamento nada acrescentaria ao valor intrínseco da obra, do
mesmo modo que o fundamento que se lhe reconhecesse em nada restringiria esse
valor.
É que o relevo, a superioridade, a
riqueza do presente trabalho de Ramiro Gama não pode, nem deve, em nossa
opinião, desautorizada, mas sincera e estribada na impressão grata e vivida que
recebemos da sua leitura, ser buscados nos primores da forma, ou nas cintilações
do estilo literário, nem, ainda, na circunstância de serem legítima e
rigorosamente classificáveis como contos as suaves composições que se enfeixam neste
livro.
O valor, a importância, o requinte
dessas composições promanam de outra fonte muito mais preciosa do que a
inteligência, aparelhada embora para primorosas estilizações da prosa ou do
verso, ou para concepções de alto quilate imaginativo. A fonte de onde elas derivam
com impressionante evidência é a do sentimento, do sentimento elevado, profundo
e nobre, do bem, do sentimento visceralmente cristão.
Dir-se-ia que, de intento, Ramiro
Gama fez se conservasse muda a sua inteligência, aliás clara, aguda, brilhante,
para que somente o seu coração falasse e, em vibrações fortes de acrisolado
amor fraterno, do amor que, como filho de Deus, consciente e certo de sua filiação
divina, vota a todos os seus irmãos, desse expansão ampla às aspirações
altíssimas que sua alma de cristão em Jesus Cristo acaricia e deseja ardentemente
ver partilhadas por esses irmãos todos, a fim de que, mesmo em meio do
turbilhão, que é a nossa vida corpórea, gozem da felicidade cuja conquista faz objeto
dos seus máximos esforços de discípulo do Evangelho em espírito e verdade.
Aí, nesse Evangelho, é que ele foi
buscar a inspiração que ressumbra de seus contos aqui reunidos, os quais todos
figuram aplicações ou exemplificações de passagens evangélicas, de ensinamentos
proferidos pelo Mestre divino, de lições emergentes das obras sem par com que ele
ilustrou a sua missão, no caridoso empenho de que os homens compreendessem e
compreendam o em que consiste amar a Deus acima de tudo e amar ao próximo como
a si próprios.
Quase, pois, se poderia qualificar
de obra evangélica, ou de explicação exemplificada dos Evangelhos esta O BOM
PASTOR, cujo título, ao demais, indica, de maneira explícita, sem possibilidade
de dúvida, o prodigioso manancial em que o autor se abeberou, para haurir a
seiva, a substância de seus contos, que, por isso, se apresentam revestidos
suntuosamente da linguagem do sentimento, do falar do coração, único órgão que
possui o homem, para entender o que lá está no livro da vida, onde tudo é
sabedoria, amor, perfeição.
Nem só, entretanto, a seiva, a
substância para seus contos tirou-as Ramiro Gama da torrente luminosa em que mergulhou seu
espírito cheio de bondade e em constante ânsia de aperfeiçoamento, de progresso
moral, senão que também dali extraiu a doçura, a suavidade, a
finura características de quanto o Evangelho contém, como forçosamente havia de
acontecer, visto que ele regista o sentir e o pensar d'Aquele que era, é e será
sempre a personificação da doçura, da mansuetude, da benevolência, da
magnanimidade.
Tudo isso, com efeito, se reflete em
O BOM PASTOR, imprimindo-lhe um cunho singular, que o leitor apreenderá e
comprovará pelo deleite espiritual que a leitura lhe proporcionará, pelo
repouso que lhe facultará à mente, forrando-a por momentos às preocupações subalternas
da vida material, pelo bem estar que lhe fará experimentar ao coração,
isentando-o temporariamente das atribulações de todos os instantes e levando-o
a reconhecer que fora do mundo da matéria e muito acima dele é que estão as legítimas
riquezas, os tesouros indestrutíveis, a única felicidade verdadeira, aquela que
nem todos os tesouros da terra jamais poderão construir.
O BOM PASTOR é, portanto, um livro bom, sadio, capaz de dar
ótimos frutos de fé, esperança e bondade, com que se alimentem e fortaleçam,
para a ascensão que todos têm de realizar, os que já não se comprazem em cuidar
apenas do corpo, em lhe atender às necessidades,
em lhe fornecer, além do necessário, o supérfluo, que lhe garanta a satisfação
dos gozos e prazeres efêmeros.
Justo é, por conseguinte, lhe auguremos
divulgação amplíssima e desejemos para o autor abundantes bênçãos do céu, como
recompensa ao seu esplêndido afã de fazer conhecido e amado o Pastor divino que
nos ama com todas as veras do seu coração amantíssimo e que de nós unicamente
reclama que, igualmente, nos amemos uns aos outros.
Além dos contos, que lhe constituem
a parte de, maior relevância, há em O BOM PASTOR uma segunda parte, feita de
comentários, elucidações e explanações doutrinárias, também dignas de muito apreço,
por oferecer leitura atraente, agradável e Instrutiva, pois que
os pontos ou temas aí dilucidados o foram, não por um diletante, que ainda
perlustre com passos incertos o campo da doutrina, mas por um espírito afeito a
meditações acuradas de todos os mais sérios problemas da alma, a pesquisar, em
suas profundezas maiores, o imenso tesouro de verdades e revelações que o Espiritismo
guarda nos recessos de sua estrutura majestosa e que preciosíssimas se atestam,
quando utilizadas como chave para a penetração do entendimento no âmago dos
ensinos com que Jesus, o Cristo divino, opulentou o espírito humano, para o
conhecimento do seu Deus e Criador.
Assim, essa segunda parte, no volume
que apresentamos aos amantes das leituras enriquecedoras do patrimônio moral
das criaturas e que lhe exornam de coisas santas o coração, completa admiravelmente
a obra de Ramiro Gama, mantendo-lhe o cunho de superioridade que acima
assinalamos.'
Rio,
maio de 1943.
Guillon
Ribeiro
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