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sexta-feira, 1 de junho de 2012

O Bom Pastor



Prefácio de
‘O Bom Pastor’
de Ramiro Gama
assina Guillon Ribeiro
           
-Escrito em maio de 1943, quando era o Presidente da FEB.-


            'Aproveitando, por um lado, os fatos ou episódios reais que lhe tocaram de modo mais ou menos vivo a alma extremamente vibrátil e dotada de grande sensibilidade; fantasiando, por outro lado, alguns, com a sua fecunda imaginação poética de delicado estro, compôs Ramiro Gama, irmão e amigo a quem muito presamos e admiramos, sobretudo pela excelência do coração boníssimo que possuí, este volume de contos, a que deu o título expressivo e caricioso de O Bom Pastor.

            Achará, porventura, a crítica pontilhosa que nem todas as produções reunidas no volume que temos a satisfação e a distinção honrosa de prefaciar se podem classificar como contos, que muitas delas escapam mesmo, flagrantemente, a essa classificação, achando também que não foram vazadas numa forma de pureza Impecável.

            Não nos deteremos em examinar se, pronunciando-se assim, assiste ou falece razão à crítica, porquanto, para nós, a sua falta de fundamento nada acrescentaria ao valor intrínseco da obra, do mesmo modo que o fundamento que se lhe reconhecesse em nada restringiria esse valor.

            É que o relevo, a superioridade, a riqueza do presente trabalho de Ramiro Gama não pode, nem deve, em nossa opinião, desautorizada, mas sincera e estribada na impressão grata e vivida que recebemos da sua leitura, ser buscados nos primores da forma, ou nas cintilações do estilo literário, nem, ainda, na circunstância de serem legítima e rigorosamente classificáveis como contos as suaves composições que se enfeixam neste livro.

            O valor, a importância, o requinte dessas composições promanam de outra fonte muito mais preciosa do que a inteligência, aparelhada embora para primorosas estilizações da prosa ou do verso, ou para concepções de alto quilate imaginativo. A fonte de onde elas derivam com impressionante evidência é a do sentimento, do sentimento elevado, profundo e nobre, do bem, do sentimento visceralmente cristão.

            Dir-se-ia que, de intento, Ramiro Gama fez se conservasse muda a sua inteligência, aliás clara, aguda, brilhante, para que somente o seu coração falasse e, em vibrações fortes de acrisolado amor fraterno, do amor que, como filho de Deus, consciente e certo de sua filiação divina, vota a todos os seus irmãos, desse expansão ampla às aspirações altíssimas que sua alma de cristão em Jesus Cristo acaricia e deseja ardentemente ver partilhadas por esses irmãos todos, a fim de que, mesmo em meio do turbilhão, que é a nossa vida corpórea, gozem da felicidade cuja conquista faz objeto dos seus máximos esforços de discípulo do Evangelho em espírito e verdade.

            Aí, nesse Evangelho, é que ele foi buscar a inspiração que ressumbra de seus contos aqui reunidos, os quais todos figuram aplicações ou exemplificações de passagens evangélicas, de ensinamentos proferidos pelo Mestre divino, de lições emergentes das obras sem par com que ele ilustrou a sua missão, no caridoso empenho de que os homens compreendessem e compreendam o em que consiste amar a Deus acima de tudo e amar ao próximo como a si próprios.

            Quase, pois, se poderia qualificar de obra evangélica, ou de explicação exemplificada dos Evangelhos esta O BOM PASTOR, cujo título, ao demais, indica, de maneira explícita, sem possibilidade de dúvida, o prodigioso manancial em que o autor se abeberou, para haurir a seiva, a substância de seus contos, que, por isso, se apresentam revestidos suntuosamente da linguagem do sentimento, do falar do coração, único órgão que possui o homem, para entender o que lá está no livro da vida, onde tudo é sabedoria, amor, perfeição.

            Nem só, entretanto, a seiva, a substância para seus contos tirou-as Ramiro Gama  da torrente luminosa em que mergulhou seu espírito cheio de bondade e em constante ânsia de aperfeiçoamento, de progresso moral, senão que também dali extraiu a doçura, a suavidade, a finura características de quanto o Evangelho contém, como forçosamente havia de acontecer, visto que ele regista o sentir e o pensar d'Aquele que era, é e será sempre a personificação da doçura, da mansuetude, da benevolência, da magnanimidade.

            Tudo isso, com efeito, se reflete em O BOM PASTOR, imprimindo-lhe um cunho singular, que o leitor apreenderá e comprovará pelo deleite espiritual que a leitura lhe proporcionará, pelo repouso que lhe facultará à mente, forrando-a por momentos às preocupações subalternas da vida material, pelo bem estar que lhe fará experimentar ao coração, isentando-o temporariamente das atribulações de todos os instantes e levando-o a reconhecer que fora do mundo da matéria e muito acima dele é que estão as legítimas riquezas, os tesouros indestrutíveis, a única felicidade verdadeira, aquela que nem todos os tesouros da terra jamais poderão construir.

            O BOM PASTOR  é, portanto, um livro bom, sadio, capaz de dar ótimos frutos de fé, esperança e bondade, com que se alimentem e fortaleçam, para a ascensão que todos têm de realizar, os que já não se comprazem em cuidar apenas do corpo, em lhe atender às necessidades, em lhe fornecer, além do necessário, o supérfluo, que lhe garanta a satisfação dos gozos e prazeres efêmeros.

            Justo é, por conseguinte, lhe auguremos divulgação amplíssima e desejemos para o autor abundantes bênçãos do céu, como recompensa ao seu esplêndido afã de fazer conhecido e amado o Pastor divino que nos ama com todas as veras do seu coração amantíssimo e que de nós unicamente reclama que, igualmente, nos amemos uns aos outros.

            Além dos contos, que lhe constituem a parte de, maior relevância, há em O BOM PASTOR uma segunda parte, feita de comentários, elucidações e explanações doutrinárias, também dignas de muito apreço, por oferecer leitura atraente, agradável e Instrutiva, pois que os pontos ou temas aí dilucidados o foram, não por um diletante, que ainda perlustre com passos incertos o campo da doutrina, mas por um espírito afeito a meditações acuradas de todos os mais sérios problemas da alma, a pesquisar, em suas profundezas maiores, o imenso tesouro de verdades e revelações que o Espiritismo guarda nos recessos de sua estrutura majestosa e que preciosíssimas se atestam, quando utilizadas como chave para a penetração do entendimento no âmago dos ensinos com que Jesus, o Cristo divino, opulentou o espírito humano, para o conhecimento do seu Deus e Criador.

            Assim, essa segunda parte, no volume que apresentamos aos amantes das leituras enriquecedoras do patrimônio moral das criaturas e que lhe exornam de coisas santas o coração, completa admiravelmente a obra de Ramiro Gama, mantendo-lhe o cunho de superioridade que acima assinalamos.'

Rio, maio de 1943.

Guillon Ribeiro





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