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quarta-feira, 11 de julho de 2012

'Enquanto o braço corre'


João do Rio
‘Enquanto o
braço corre’


Trecho sobre espiritismo incluído no livro
As Religiões do Rio’, escrito em 1904
pelo cronista carioca Paulo Barreto,
o João do Rio


             “Nas rodas mais elegantes, entre sportsmen inteligentes, lavra o desespero das comunicações espíritas, como em Paris o automobilismo.

            Ainda há alguns meses senhores de tom, ao voltarem do Lírico, encasacados e de gardênia ao peito, comunicaram-se no Hotel dos Estrangeiros com as almas do outro mundo, por intermédio de uma cantora, médium ultra-assombroso.

            À tarde na Colombo, esses senhores combinavam a partie de plaisit (expressão que significava que combinavam "o que fazer à noite") e à noite nos corredores do Lírico, enquanto Caruso rouxinoleava corpulentamente para encanto das almas sentimentais, eles prelibavam as revelações sonambúlicas da médium musical.

            Esses fatos são raros, porém, e as experiências assombrosas multiplicam-se. Os médiuns curam criaturas a morrer. Leôncio de Albuquerque, que tratava caridosamente a Saúde em peso, anuncia, sem tocar no doente, o primeiro caso de peste bubônica, e cada vez mais aumenta o número de crentes.

            O meu amigo dizia-me: - Nunca se viu uma crença que com tal rapidez assombrasse crentes. Se o Figaro dava para Paris cem mil espíritas, o Rio deve ter igual soma de fiéis. O Brasil, pela junção de uma raça de sonhadores como os portugueses com a fantasia dos negros e o pavor indiano do invisível, está fatalmente à beira dos abismos de onde se entrevê o além. A Federação publicou uma estatística de jornais espíritas no mundo inteiro. Pois bem:existem no mundo 96 jornais e revistas, sendo que 56 em toda a Europa e 19 só no Brasil. ( ... )

            A Federação fica na Rua do Rosário, 97. É um grande prédio, cheio de luz e claridade. Cumprem-se aí os preceitos da ortodoxia espírita; não há remuneração de trabalho e nada se recebe pelas consultas. A diretoria gasta parte do dia a servir os irmãos, tratando da contabilidade, da biblioteca, do jornal, dos doentes. A instalação é magnífica. No primeiro pavimento ficam a biblioteca, a sala de entrega do receituário, a secretaria, o salão de espera dos consultantes e os consultórios. Seis médios psicográficos prestam-se duas horas por dia a receitar, e as salas conservam-se sempre cheias de uma multidão de doentes, mulheres, homens, crianças, figuras dolorosas com um laivo de esperança no olhar.

            A casa está sonora do rumor contínuo, mas tudo é simples, caridoso e sem espalhafato. Quando entramos não se lhe altera a vida nervosa. A Federação parece um banco de caridade, instalado à beira do outro mundo. Os homens agitam-se, andam, conversam, os doentes esperam que os espíritas venham receitar pelo braço dos médiuns, e os médiuns, sob a ação psicográfica, falam e conversam enquanto o braço corre.

            Atravessamos a sala dos clientes, entramos no consultório do Sr. Richard[1]. Há uma hora que esse honrado cavalheiro, espírita convencido, escreve e já receitou para 47 pessoas.

            - Há curas? - perguntamos nós, olhando as fileiras dos doentes.

            - Muitas. Nós, porém, não tomamos nota.

            - Mas o senhor não se lembra de ter curado ninguém?

            - A mim me dizem que pus boa uma pessoa da família do general Argollo. Mas não sei nem devo dizer. É o preceito de Deus.

            Deíxamo-lo receitando, já perfeitamente normalizados com aquele ambiente estranho, e interrogamos. Há milhares de curas. A sra. Georgina, esposa do sr. César Pacheco, depois de louca e cega, ficou boa em dez dias; d. Jesuína de Andrade, viúva, quase tísica, em trinta dias salva, e outros, outros muitos.

            Que valor têm essas declarações? Os doentes enfileirados parecem crer e o sr. Richard é a fé em pessoa. É o que basta talvez.


Extraído deÉpocanº 424 de 03 de Julho de 2006


[1] Pedro Richard – também conhecido como  ‘O discípulo de Max’.
Max – Pseudônimo de Bezerra de Menezes. Do Blog..



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