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domingo, 8 de maio de 2011

01 Maria



Humberto de Campos, em “Boa Nova”, obra mediúnica de Chico Xavier, nos brinda com esse inesquecível...


      Maria


            Junto da cruz, o vulto agoniado de Maria produzia dolorosa e indelével impressão. Com o pensamento ansioso e torturado, olhos fixos no madeiro das perfídias humanas, a ternura materna regredia ao passado em amarguradas recordações.
            Ali estava, na hora extrema, o filho bem-amado.
            Maria deixava-se ir na corrente infinda das lembranças...
            Eram as circunstâncias maravilhosas em que o nascimento de Jesus lhe fora anunciado,  a amizade de Isabel, as profecias do velho Simeão, reconhecendo que a assistência de Deus se tornara incontestável nos menores detalhes de sua vida.
            Naquele instante supremo, revia a manjedoura, na sua beleza agreste, sentindo que a Natureza parecia desejar redizer aos seus ouvidos o cântico de glória daquela noite inolvidável.
            Através do véu espesso das lágrimas, repassou, uma por uma, as cenas da infância do filho estremecido, observando o alarma interior das mais doces reminiscências. 
            Nas menores coisas, reconhecia a intervenção da Providência celestial; entretanto, naquela hora, seu pensamento vagava também pelo vasto mar das mais aflitivas interrogações.
            Que fizera Jesus por merecer tão amargas penas? Não o vira crescer de sentimentos imaculados, sob o calor de seu coração? Desde os mais tenros anos, quando o conduzia à fonte tradicional de Nazaré, observava o carinho fraterno que dispensava a todas as criaturas. Freqüentemente, ia buscá-lo nas ruas empedradas, onde sua palavra carinhosa consolava os transeuntes desamparados e tristes. Viandantes misérrimos vinham à sua casa modesta louvar o filhinho idolatrado, que sabia distribuir as bênçãos do Céu. Com que enlevo recebia os hóspedes inesperados que suas mãos minúsculas conduziam à carpintaria de José!... Lembrava-se bem de que, um dia, a divina criança guiara à casa dois malfeitores publicamente reconhecidos como ladrões do vale de Mizhep. E era de ver-se a amorosa solicitude com que seu vulto pequenino cuidava dos desconhecidos, como se fossem seus irmãos.
            Muitas vezes, comentara a excelência daquela virtude santificada, receando pelo futuro de seu adorável filhinho.
            Depois do caricioso ambiente doméstico, era a missão celestial, dilatando-se em colheita de frutos maravilhosos.
            Eram paralíticos que retomavam os movimentos da vida, cegos que se reintegravam nos sagrados dons da vista, criaturas famintas de luz e de amor que se saciavam na sua lição de infinita bondade.
            Que profundos desígnios haviam conduzido seu filho adorado à cruz do suplício?
            Uma voz amiga lhe falava ao espírito, dizendo das determinações insondáveis e justas de Deus, que precisam ser aceitas para a redenção divina das criaturas.
            Seu coração rebentava em tempestades de lágrimas irreprimíveis; contudo, no santuário da consciência, repetia a sua afirmativa de sincera humildade: - Faça-se na escrava a vontade do Senhor!
            De alma angustiada, notou que Jesus atingira o último limite dos padecimentos inenarráveis. Alguns dos populares mais exaltados multiplicavam as pancadas, enquanto as lanças riscavam o ar, em ameaças audaciosas e sinistras. Ironias mordazes eram proferidas a esmo, dilacerando-lhe a alma sensível e afetuosa.
            Em meio de algumas mulheres compadecidas, que lhe acompanhavam o angustioso transe, Maria reparou que alguém lhe pousara as mãos, de leve, sobre os ombros.
            Deparou-se-lhe a figura de João que, vencendo a pusilanimidade criminosa em que haviam mergulhado os demais companheiros, lhe estendia os braços amorosos e reconhecidos. Silenciosamente, o filho de Zebedeu abraçou-se àquele triturado coração maternal. Maria deixou-se enlaçar pelo discípulo querido e ambos, ao pé do madeiro, em gesto súplice, buscaram ansiosamente a luz daqueles olhos misericordiosos, no cúmulo dos tormentos. Foi aí que a fronte do divino supliciado se moveu vagarosamente, revelando perceber a ansiedade daquelas duas almas em extremo desalento.
            “-Meu Filho! Meu amado Filho!..”  - exclamou a mártir, em aflição diante da serenidade daquele olhar de melancolia intraduzível.
            O Cristo pareceu meditar no auge de suas dores, mas, como se quisesse demonstrar, no instante derradeiro, a grandeza de sua coragem e a sua perfeita comunhão com Deus, replicou com significativo movimento dos olhos vigilantes:
            “- Mãe, eis aí teu filho!..”
            E dirigindo-se, de modo especial, com um leve aceno, ao apóstolo, disse:
            “- Filho, eis aí tua mãe!”


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