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sexta-feira, 13 de maio de 2011

'O Pecado Original'




           O Pecado Original





          Rodolfo Calligaris
          Reformador (FEB) Setembro 1960

            Segundo a Teologia Dogmática, o pecado foi introduzido neste mundo pela desobediência do primeiro homem, o qual, contra a vontade expressa de Deus, ousou comer do fruto proibido, incorrendo na perdição eterna, punição essa que se estendeu, por herança, aos descendentes. Assim, cada ser, ao sair do ventre materno, já vem inquinado pelo pecado original, sendo que, para apagá-lo, mister se faz receba o sacramento do batismo.

            Esse ato religioso - dizem - tem o poder de restituir ao homem a primitiva pureza, comunicando-lhe a graça de livrar-se das penas infernais.

            Analisemos isto.

          Inicialmente, é de perguntar-se onde se acha localizado o estigma do pecado original: no corpo ou na alma?

            No corpo, parece-nos, não deve ser. Desde que um ou vários antepassados houvessem sido batizados, ficando por conseguinte expurgados desse estigma, os descendentes não poderiam herdá-lo, já que teria deixado de existir. Além disso, se o pecado consiste na ‘ação ou hábito contrário às leis de Deus’, conforme definem bons léxicos, isto não lhe pode ser imputado, porque a matéria, desprovida que é de inteligência e vontade, não pode agir por si mesma.

            Na alma então? Mas, se Deus cria as almas no instante em que devem entrar na vida, como ensinam as Igrejas tidas por ortodoxas, e se ‘os homens não nascem do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus’(João 1:13), dar-se-ía que Ele as criasse já poluídas? E seria justo, nesse caso, que a remotíssima falta cometida por Adão devesse recair sobre quem ainda não existia?

            A quem pretenda justificar, pela Bíblia, que a falta cometida pelo suposto pai do gênero humano acarreta responsabilidade a toda a sua raça, aqui está, em solene oposição, a palavra clara e explícita de Ezequiel (18:2-4, 20):

            “Que motivos há para terdes entre vós convertido em provérbio esta parábola: Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos ficaram estragados? Por mim juro, diz o Senhor, que esta parábola não passará mais entre vós, como provérbio em Israel, pois todas as almas me pertencem; a do filho está comigo como a do pai; a alma que pecar, essa morrerá”. - “O filho não sofrerá pela iniquidade do pai, nem o pai carregará a iniquidade do filho; a justiça do justo verterá sobre ele, e a impiedade do ímpio será sobre ele mesmo.”

            Claríssimo, pois não?

          Interessante frisar que esse princípio se arrola entre os direitos humanos assegurados por todas as nações civilizadas, inclusive a nossa, cuja Constituição reza textualmente: “Nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente.”

            A história pátria oferece-nos ainda outro exemplo magnífico e que vem a calhar, para reduzir à devida expressão essa pretendida ortodoxia.

            Como se sabe, durante muito tempo a escravidão foi permitida em nosso país, sendo que, nesse regime, filho de escravo também era escravo.

         Reconhecendo a ignomínia dessa situação, brasileiros ilustres, sob a liderança do Visconde do Rio Branco, lutaram veementemente contra os interesses de escravocratas mesquinhos e, a 28 de Setembro de 1871, conseguiram dar liberdade aos nascituros de mulher escrava, conquista essa completada pouco depois por outra lei, que abolia totalmente o cativeiro.

            Dizem as crônicas da época que a sessão da aprovação final da lei Rio Branco converteu-se em festa, tais as manifestações de júbilo que provocou nos corações sensíveis e generosos.

            Pois bem, se, entre nós, criaturas imperfeitas, a liberdade e a justiça são tão caras, será que a Deus - a perfeição absoluta - não faria mossa a sujeição congênita da Humanidade ao pecado, por causa de alguém que, não se sabe há quantos milhões de anos, cedendo à tentação, resolveu saborear uma maça pendente do seu próprio pomar?

            Como estamos a ver, o dogma do pecado original não subsiste ao cadinho da lógica e seria tremendo absurdo, não fosse simplesmente uma infantilidade!

                                                                         *

            Não vamos reproduzir aqui os capítulos 2 e 3 do 1º livro da Bíblia, onde se encontra, em toda a sua simplicidade, a narração que serviu de fundamento ao dogma da queda do homem e à doutrina do pecado original, dele decorrente.

            Vale a pena, entretanto, examinar-lhes alguns tópicos.

            Não se compreende, por exemplo, porque teria Deus proibido a Adão de comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, pois, sem esse conhecimento, como poderia ele regular seus costumes? como poderia distinguir os vícios e os crimes, para evitá-los das boas qualidades morais, para desenvolvê-las, e assim ter o mérito da felicidade para o qual fora criado?

            Menos se compreende a ira do Senhor, nesse episódio, visto que, achando-se Adão em estado de completa inocência, como poderia saber o que era ‘obediência’?

            Outra coisa: O plano da obra da Criação era que o homem gozasse as delícias da vida eterna no paraíso, do que, entretanto, veio a desmerecer, por ter dado ouvidos à serpente. Esta, ensina a Teologia, era o próprio Satanás. A narração bíblica, porém, diz simplesmente: “Ora, a serpente era o mais astuto de todos os animais que Deus tinha formado sobre a Terra.” Mas, ainda que ela fosse mesmo o diabo camuflado, porque permitiu Deus que este eterno e irreconciliável inimigo, por inveja, enganasse nossos primeiros pais, se, como devia saber, a queda seria mais do que certa?

            Poderiam aqueles seres, em sua total ingenuidade, resistir às artimanhas de uma entidade tão inteligente e sagaz?

            E se Ele, o Criador, onisciente e onipotente, não soube, não quis ou não pode evitar a subversão de Seus desígnios, não terá sido excessivamente rigoroso, senão mesmo injusto, na pena aplicada ao indefeso casal humano?

            Não é só. Advertira o Senhor a Adão e Eva: “No dia em que comerdes do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, certamente morrereis.”

            Eles comeram e foram condenados à morte. Acontece, entretanto, que a bicharada toda foi  atingida no castigo, ‘morrendo de fome’, embora sem culpa. Onde ficou, neste passo, a justiça de Deus, punindo indiscriminadamente todos os animais, por uma falta de que não partilharam?

            Ainda há mais. Não satisfeito em sua cólera, Deus condenou Eva a ter filhos com dor. Maldição horrível da qual não escaparia mulher alguma, enquanto o mundo existisse.

            Mas... não é que uns ‘diabos’ de cientistas descobriram um meio de anular essa ‘condenação divina’, propiciando às felizes Evas deste século partos sem qualquer sofrimento?

            Quanto a Adão, condenou-o Deus a ‘tirar da terra o próprio sustento, com muitas fadigas, todos os dias de sua vida’, o que faz supor que, o que faz supor que, não fora o seu ‘crime’, nem ele, nem nós mesmos, precisaríamos trabalhar.

            Pois se assim é, bendita seja a serpente! Sim, bendita seja, porque então, longe de ser a acérrima adversária do gênero humano, é sua maior benfeitora, pois o trabalho é a fonte donde promana a civilização e o bem estar;  é o melhor, senão o único meio pelo qual se desenvolvem as inteligências, lapidando cada qual a sua personalidade e graças a ele, o trabalho, é que surgiram as artes e as ciências - coroa de glória da Humanidade!

            Que seria do mundo sem essa ‘punição’? Estaríamos, ainda hoje, de tanga pelas florestas...

            Notemos também que, malgrado os termos da ‘sentença condenatória’, os homens de hoje, mercê do progresso, já provêem ao seu sustento ‘sem’ muitas fadigas, e, protegidos por leis sociais justas e humanitárias, de há muito deixaram de mourejar ‘todos os dias de sua vida’!

            E a serpente, não foi castigada?

            Foi, sim: ‘a arrastar-se pelo ventre e a comer terra todos os dias de suas vida’, o que é curioso e surpreendente. Curioso, porque sem pernas e sem pés, a serpente não poderia, anteriormente, locomover-se de outro modo; surpreendente, porque esse réptil, desobedecendo à determinação do Senhor, não come terra...

            Positivamente, esse ‘Deus’ do ‘conto do fruto proibido’, ou por ignorância, ou por outra razão qualquer, não acertou uma!

            No entanto - incrível - é daí, dessa historiazinha tola e inverossímil que se formularam as principais regras de fé com que a Humanidade vem sendo embalada, ao longo dos séculos.










O Pecado Original          Parte II
Rodolfo Calligaris
Reformador (FEB) Outubro 1960

            A concepção do Espiritismo, a respeito do tema que vimos desenvolvendo, é que o homem, em vez de ‘ter caído’ do estado de perfeição para o de pecado, como ensina a Teologia (o que implica na negação da onisciência e da onipotência de Deus), tendo sido criado simples e ignorante, mas possuindo dentro de si, latentes, os gérmens de seus futuros desenvolvimentos, ‘vai-se elevando’, de degrau em degrau, aos cumes da perfeição, até que possa, algum dia, dizer como Jesus: “Eu e o Pai somos um”.

            Esta doutrina, além de exalçar os supinos atributos da Divindade, está rigorosamente de acordo com a Ciência, que já reconstituiu nossa ascendência ancestral e pode provar, sem contestação séria, jamais ter havido queda, mas sim evolução (lenta, porém segura e constante) do homem das cavernas e do homem nômade, para tipos cada vez mais belos, mais inteligentes e mais moralizados. 

            Satã, apontado como o causador da perdição do homem, não é senão o símbolo do ‘mal’, isto é, de todas as forças negativas que, despertando tendências inferiores, retardam a ascensão humana. Retardam apenas, porque, ao cabo de maior ou menor soma de provas e expiações na dor, segundo os esforços de cada um no sentido oposto, ou seja, no da harmonização da conduta com as forças que impelem para a frente e para o alto, todos hão de alcançar os páramos de luz da espiritualidade superior.

            O pecado, pois, não é essencial, nem absoluto, nem irreparável; é apenas o sinal característico da situação de atraso dos seres que habitam certos mundos expiatórios, como o nosso, cuja Humanidade, em grande parte, se constitui de espíritos que já realizaram algum progresso intelectual, mas, portadores de grandes falhas morais, aqui estão para expurgá-las, mediante penosas reencarnações, até que hajam merecido galgar um planeta mais ditoso.

            Pela lei do progresso que rege a Natureza, tudo prospera e se engrandece. Ao mesmo tempo que todos os seres vivos progridem intelectual e moralmente, progridem materialmente os mundos que lhe servem de morada, porquanto nada, na Criação, permanece estacionário.

            A própria destruição, que a alguns homens parece o termo final de todas as coisas, é apenas um meio de chegar-se, pela transformação, a um estado mais perfeito, visto que tudo morre para renascer e nada sofre o aniquilamento. Esta grande verdade científica não é válida apenas no campo material; também o é no plano espiritual, onde, igualmente, o que impera é um eterno evolucionar.

            Segundo a referida lei de progresso, nosso mundo, a Terra, já esteve, material e moralmente, num estado bastante inferior ao em que se hoje se acha, e, com o decorrer do tempo, alçar-se-á sob esse duplo aspecto a um grau mais elevado, até tornar-se verdadeiro paraíso; os terrícolas, da mesma sorte, sairão também do caos em que se debatem, aprenderão a conduzir-se consoante os ensinamentos do Cristo e, afinal, conhecerão a paz e a felicidade, que é o destino igual de todos os filhos de Deus.

            A evolução progressiva da alma é o resultado do jogo natural da vida. Todas as nossas sensações, emoções, esforços cotidianos, o exercício de nossas diversas faculdades, tudo se grava indestrutivelmente, constituindo novas experiências, novas expansões no campo de nossa sensibilidade, de nossa emotividade, de nossa consciência, enfim.

            Resulta daí uma sanção perfeita para todos os atos e acontecimentos de nossa vivência: desfrutamos os progressos realizados, gozamos pelas boas qualidades adquiridas, assim como sofremos pela ignorância persistente, pela sujeição aos vícios, às impurezas e pelas más inclinações que deixamos se instalem em nós.

            Existindo a mais ampla solidariedade entre as nossas vidas sucessivas, cada uma de nossas ações tem suas conseqüências fatais, sua reação inevitável, determinando-nos a sorte feliz ou desgraçada; tudo, entretanto, concorrer para o nosso bem, pois tocados pelos aguilhões do sofrimento, sempre que enveredamos para o mau caminho, vamos aprendendo a evitá-lo e a preferir o da perfectibilidade, ainda que árduo e difícil de ser palmilhado.

            Esta, à luz do Espiritismo, a história do mal.

                                                                                  *

            Conforme deixamos dito, é pelas vidas sucessivas que as almas evolvem e se aperfeiçoam. Elas, porém, não são criadas no mesmo instante; além disso, dotadas de livre arbítrio, isto é, de liberdade de ação, nem todos despendem os mesmos esforços no sentido do progresso, de modo que, num determinado ponto da duração do tempo, algumas se hão engrandecido admiravelmente, outras se mostram atrasadíssimas, ocupando outras, entre esses dois extremos, infinitos graus de diversificação.

            Desta forma, a alma mais desenvolvida que reencarna, ao encetar nova existência apresentará propensões para o bem, que praticará espontaneamente, e essa maneira de ser, correspondente ao grau de adiantamento adquirido em uma série mais ou menos longa de existências, é conquista sua, é mérito seu, e não um favor de Deus.

            Já outra alma, ainda bastante atrasada, que se tenha afeiçoado ao mal em existências precedentes, reencarnando, apresentará forte perversão moral, às vezes, desde tenra idade, e isso também não pode ser obra do Criador, mas tão somente dela própria, visto que essas ruins inclinações são efeito de manifestações anteriores.

            Corressem nossas más tendências por conta do pecado original e as misérias do gênero humano deveriam estar igualmente repartidas. Não é isso, entretanto, o que ocorre. Uns se mostram mais depravados do que outros, e tal dissemelhança é tanto mais chocante e inexplicável (aos partidários da vida única) quando se verifica no seio da mesma família, entre pessoas do mesmo sangue, que receberam a mesma educação, na mesma época, no mesmíssimo ambiente.

            Admita-se que cada qual, ao renascer, traz o seu contingente pessoal de virtudes ou de vícios, e essa diversidade tornar-se-á natural e perfeitamente compreensível. Negue-se isto, porém, e teremos que atribuir ao Criador as inclinações com que nascemos, e como as inclinações de uns são acentuadamente boas e de outros acentuadamente más, não vemos como isto possa concilia-se com a Justiça Divina.

            A teoria da vida única, negando a preexistência da alma e consequentemente a responsabilidade própria de cada indivíduo no que tange às taras e vícios inatos, faz de Deus um monstro, pois só um monstro cogitaria de criar almas defeituosas, insuflar-lhes vida, propiciar-lhes ensejo de satisfazerem seus instintos bestiais, para depois, trancando-lhes qualquer possibilidade de resgate, entregá-las às hostes impiedosas de Satã, a fim de derem torturadas para todo o sempre!

            Outrossim, como poderia Deus, sem desmentir os atributos que Lhe são inerentes, tomar contas iguais de todas as almas no fim da vida, para decidir de seus destinos - a felicidade e o sofrimento eterno -, se umas são favorecidas pelas boas tendências nativas, enquanto outras tem que lutar, desde o nascimento, contra as deformidades morais com que foram marcadas? se a existência de umas se prolonga por mais de meio século, prenhe de agruras, sofrendo o assédio de mil e uma tentações, e a de outras não vai além de alguns minutos, em total inconsciência, não podendo, por isso, fazer nem o bem nem o mal?

            Relativamente às crianças mortas sem a ablução batismal, ensina certa Igreja que vão para um lugar onde não gozam, nem sofrem, mas ficam privadas da contemplação de Deus.

            Ora, a maioria da população do Globo não professa o  Cristianismo e, pois, não adota esse sacramento. Mesmo entre os cristãos, muitos há que não se apressam a batizar os filhos, vindo eles a morrer, ou por moléstia ou por acidente imprevisível, sem serem batizados. Dar-se-á que Deus, em Sua bondade infinita, seja capaz de punir tais almas com essa espécie de aniquilamento pela falta do batismo se isso não dependeu da vontade delas?

            Pelo exposto, em que pese à ancianidade da crença no pecado original, forçoso é convir que essa invencionice não se coaduna, de forma alguma, com a Teodicéia.

            Assim, não é verdade que sejamos enteados de um tirano caprichoso e cruel fadados à perdição eterna por uma culpa que não cometemos; somos, isto sim, conforme nos prefigurou o Cristo, filhos pródigos de um Deus-Amor, que nos viu partir um dia, para terras longínquas, e, em Sua longanimidade, aguarda o nosso retorno, burilados pelas experiências da VIDA, a fim de receber-nos de braços abertos e reintegrar-nos na posse do Reino Celestial para o qual fomos gerados. 

                                                                                *

            Examinada friamente em suas conseqüências a doutrina do pecado original leva-nos a bem estranhos raciocínios e conclusões.

            Vejamos:

            Os pais do gênero humano comem do fruto proibido, e Deus, em vez de punir tão somente a ambos, por essa desobediência, como o faria qualquer juiz cônscio do que seja justiça, sentencia, cruel e despoticamente, seja alcançada no castigo toda a sua posteridade.

            Assim, por força dessa decisão iníqua, os atuais habitantes da Terra, embora jamais tivessem conhecido Adão e Eva, não podendo, sequer, dizer se eram brancos ou pretos, vermelhos ou amarelos, são co-réus de um crime não praticado, o mesmo sucedendo a todos aqueles que ainda hão de nascer daqui a milhares de séculos ou miríades de milênios... 

            Não é de pasmar?

            Ainda segundo essa doutrina, para que fosse aplacada a cólera divina contra a descendência do primeiro casal, fazia-se mister houvesse uma espécie de desagravo, mas, sendo a Humanidade incapaz de obter, por si mesma, a reconciliação com o Senhor, foi necessário que Seu filho dileto, Jesus, viesse encarnar-se em um corpo humano a fim de oferecer-se como vítima expiatória, e assim resgatá-la da mancha original! 
 

            Isto comporta várias objeções:
            Primeira: Se Jesus Cristo é a 2ª pessoa da SS. Trindade, como se ensina por aí, durante os 33 anos em que ele esteve na Terra, como homem, Deus se reduziu a apenas dois terços?

            Segunda: Se foi com a efusão do sangue desse Justo que se restabeleceu a amizade entre o Criador e Sua criaturas, qual a utilidade do batismo?

            Terceira: Se a imolação do Cristo era condição indispensável à redenção da Humanidade, porque deixou Deus que discorresse tão grande número de séculos, para só então propiciá-la? Seu rancor perdurou tanto tempo assim?

            Quarta: Se a salvação da Humanidade decorre, necessariamente, da morte sacrificial do Cristo, qual a situação dos que deixaram este mundo antes que ele se tornasse ‘o Cordeiro do Deus’?

            Quinta: Se se admite, hoje, como coisa certa, a existência de outros planetas habitados, dar-se-á que o drama do Gólgata deve repetir-se tantas vezes quantos sejam eles? Se sim, porquê? Só se aos nossos ‘primeiros pais’ houver sido atribuída a inglória missão de se reencarnarem por esse infinito a fora, reincidindo, sempre, no mesmo erro!

            Essa tal doutrina do pecado original é, de fato, bastante ‘original’. Reparem: Adão e Eva pecam e... a Humanidade é condenada! Vem depois o Cristo, sofre o martírio da cruz e... a Humanidade é salva! A que se reduz, nesse jogo, o papel da Humanidade mesma, se tudo se realiza por substituição?

            Pelo catecismo das Igrejas que defendem o dogma do pecado original, basta que cada um se submeta ao sacramento do batismo, ou confesse sua fé na salvação pelo sangue do Cristo, e depois disso não cometa nenhuma falta grave e pronto! já terá sua cadeira cativa no céu...

            É oportuno repisar, entretanto, que não é essa a doutrina do Messias. Ensina Ele (Mateus 7:21): “Nem todos os que dizem: Senhor! Senhor! entrarão no reino dos céus; mas sim os que fazem a vontade de meu Pai, que está nos céus”.

            Mais adiante, como que reforçando a lição, ao definir os que hão de ser colocados à sua direita (Mat. 25:34-36), também não diz: “Vinde a mim, vós os que fostes batizados, e vós os que crestes no poder salvítico de meu sangue, etc.”, mas isto: “Vinde, benditos de meu Pai, possuí o reino que vos está preparado desde o princípio do mundo, porque tive fome, e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era hóspede , e me recolhestes; estava nu, e me cobristes; estava enfermo, e me visitastes; estava no cárcere e vieste ver-me.”

            E, respondendo àqueles que se escusavam por nunca o terem visto, pessoalmente, necessitado de tais provas de amor e de misericórdia, afirma-lhes: “Na verdade vos digo que quantas vezes deixastes de assistir a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer.” Fica, pois, clara e irretorquivelmente demonstrado que a condição única para se conquistar a felicidade no mundo espiritual não é outra senão a caridade consubstanciada na prática das boas obras.

            Não é suficiente apenas evitar o mal, é necessário realizar o bem, porquanto, para não fazer o mal, basta, as mais das vezes, a inércia e a despreocupação, ao passo que para fazer o bem é preciso a ação dinamizadora da vontade  e do esforço próprios.

            Finalizamos aqui este nosso modesto estudo. Se ele tiver contribuído para despertar uma ou outra consciência, louvado seja Deus!
           
                                               

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