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terça-feira, 30 de agosto de 2011

A Missão de Allan Kardec


Notas do Dr. Canuto Abreu

            Vejamos umas notas das admiráveis páginas que, sobre Allan Kardec, escreveu o Dr. Canuto Abreu, na revista Metapsíquica, de que foi fundador e diretor, nos seus números de agosto e outubro de 1936.

            Vigorava em França, desde 1802, a Concordata imposta por Bonaparte a Pio VII. Mas, necessitando para seus planos da corrente católica, o corso tornou o Romanismo religião do Estado.

            “O Cardeal Caprera que encaminhou as últimas demarches da Concordata escreveu a Pio VII: Não irritemos este homem; ele só é nosso apoio neste país, onde toda a gente está contra nós”.

            Transformado em instrumento político, pode o clero satisfazer a sua sede de vingança.
           
            “Não contente de impor ao povo um novo clericalismo, impôs, ainda, em 1804, uma nova nobreza, a mais ambiciosa que já teve a França. Para que tudo se consumasse sem grandes clamores e sem críticas, era necessário tirar a liberdade de consciência e de instrução.”

            E ela foi retirada. A instrução foi reformada em favor do clero; volta o latim e o grego, suprimem-se os demais idiomas e ainda a Filosofia, a História, as Ciências Morais e Políticas.

            Começou a reinar a intolerância, porque “é da essência da religião católica ser intolerante”, na expressão do Cardeal Consalvi.

            “Em dez anos a França se tornou o país mais politicamente católico da Europa. As masmorras viviam cheias de pessoas que se haviam mostrado independentes de consciência. Fora da França contavam-se por centenas os exilados.”

            O Imperador arrancou de Pio VII nova concordata sob a alegação de que ia acabar com o Protestantismo até nas nações protestantes e precisava para isso maior extensão de poderes. E de fato:
            “O clero baixo, ao serviço da espionagem do Estado, exagerou a perseguição até o insuportável. O ano de 1814 foi terrível. O imperador, que havia ganho 50 batalhas, perdeu em Lípsia a última do seu Império...

            “O Catolicismo, sob a primeira restauração, recuperou a desejada independência, voltando a ser o que era antes de 89, com a agravante do ódio e da sede insopitável de vingança.

            “O Papa restabeleceu a sociedade dos Jesuítas. Operou-se a sublevação ultramontana que tomou o nome de terror branco. Hordas de fanáticos, insuflada pelo clero católico, passaram a ferro e a fogo o protestantismo e o filosofismo franceses. Em 15 de agosto, na cidade de Nimes, as mulheres católicas fizeram em homenagem a Nossa Senhora, uma passeada pelas ruas, arrastando mulheres protestantes despidas, pintadas, marcadas a ferro, e que foram depois entregues à violência de verdadeiros energúmenos.”

            A instrução passou para a mão dos jesuítas, e Escola Politécnica foi fechada; ao pé de cruzes armadas nas praças, queimavam-se aas obras de Rousseau, dos enciclopedistas e principalmente as de Voltaire.

            O professor tinha que ser sacerdote ou “redondamente clerical”; o aluno devia pertencer a família católica praticante.

            As famílias liberais e abandonadas mandavam educar os filhos fora do país. Foi nessa época que Allan Kardec foi enviado a Pestalozzi, em Iverdon, na Suíça.

            O autor, a quem tomo estes dados, estende-se sobre Pestalozzi, “um sábio no verdadeiro sentido da palavra”, “o maior pedagogo da Europa.”

            E além de sábio um altruísta, porque procurava ensinar aos que mais necessitavam de ensino: “Preferiu ir para o interior, a fim de ficar mais perto do povo... Sua reputação europeia principiou com os trabalhos sobre a educação da plebe.”

            Rivail foi um dos mais queridos discípulos de Pestalozzi. Quando, em 1825, o sábio octogenário fechou o seu Instituto, Hippolyte estabeleceu à Rua Sèvre nº 35, um colégio no gênero dos do mestre. Data dessa época, a sua obra. Casou-se em 1832 com a professora Amélia Boudet, tendo assim uma preciosa auxiliar na sua existência.

            Em 1835 pensa viver com as suas rendas e confia o seu capital a sócios que o deixaram paupérrimo; voltou, então, ao labor insano, au jour le jour. Trabalhava dia e noite; de dia, como contabilista, de noite fazia traduções e dava aulas.

            A sua divisa era o legado de Pestalozzi: trabalho, solidariedade e perseverança.

            “O longo tirocínio no magistério, iniciado aos quinze anos, dera-lhe ainda a faculdade de expor com clareza e escrever com elegância e precisão.

            “Completava-lhe o caráter invulgar um sólido conhecimento de filosofia e teologia, estudadas em plena liberdade de espírito, tolerância e amor à verdade, seguindo a propaganda de Rousseau, sistematizada por Pestalozzi e conforme os trabalhos formidáveis dos enciclopedistas do século 18.”

            Rivail começou a professar a ciência do Magnetismo em 1828.

            “Naquele tempo a Metapsíquica atravessava o chamado período do sonambulismo, (1815-1841), que sucedera ao período do calhiotrismo (1780-1785) por sua vez sucessor do período do mesmerismo (1780-1785).”

            Sentimos não poder transcrever as magníficas páginas que se seguem, com referência a esses períodos, pelo receio de passar por escamoteador de todo o belo trabalho do prezado amigo.

            O que aqui deixamos tem por fim espalhar, ainda que poucos, ensinos e períodos até agora limitados a uma revista, magnífica, mas esgotada, e existente apenas em mãos de alguns raros que a conservaram, percebendo-lhes o grande valor.

            Daqueles períodos mencionaremos, apenas, alguns tópicos sobre o Cagliostro, não só por elucidativos, como porque o que consta de escritores que se julgam entendidos, é que Cagliostro, não só por elucidativos, como porque o que consta de escritores que se julgam entendidos, é que Cagliostro era um refinado charlatão, que terminou nas garras da polícia.

            Ouçamos o Dr. Canuto Abreu:

                        “Cagliostro possuía sobre Mesmer vantagens excepcionais. Curava sem passes, sem caixas magnéticas, sem varas mágicas, sem outro processo que a simples imposição da mão. Não aceitava um vintém pelas curas, antes dava à mancheia esmolas a todos os necessitados que o procuravam. Por onde passava permanecia imperecível na memória de todos a lembrança de seus benefícios e de sua estranha prodigalidade. Parecia imensamente rico, imensamente sábio, imensamente bom. Tratava o pobre com afeição cristã, ouvindo-o atenciosamente, e o rico com altivez, negando-lhe às vezes até a palavra, quando algum mais atrevido lhe pretendia fazer valer os seus títulos nobiliárquicos ou suas posses. Conseguiu, assim, prestígio sem par no seio do povo e da corte. O rei chegou a decretar réu de lesa majestade quem se atrevesse a articular qualquer crítica menos respeitosa ao seu amigo Marquês de Cagliostro.

                        “O agente metapsíquico produzia, por seu intermédio, verdadeiras maravilhas, que não podem ser postas em dúvida diante do atestado d inúmeras pessoas conceituadas, salvo rasgando a história da Revolução Francesa. Ficaram céleres as suas ceias em que tomaram parte os mais prestigiosos vultos da Europa, e durante as quais realizava empolgantes sessões espíritas. Não só as almas dos mortos com as dos vivos obedeciam à evocação poderosa de Cagliostro, e vinham manifestar-se, ora através dum globo cheio d’água, ora, por intermédio de suas colombinas, que seriam mais tarde chamadas médiuns. Vozes diretas, aparições, até materializações tangíveis foram descritas por vários assistentes. Os mais severos críticos, os historiadores mais reservados e infensos ao Espiritismo, o próprio processo inquisitorial que Roma cuidadosa e pacientemente preparou contra Cagliostro para poder matá-lo, tudo atesta o seu grande poder metapsíquico e lhe assegura lugar de realce naquele período dentro do qual se processou a maior revolução da história moderna. Ele e seus companheiros foram acusados de ter preparado com sortilégios essa revolução, a queda da Bastilha, a perseguição ao clero, etc. Mas o certo, que ressalta da própria sentença do Papa, é que Cagliostro foi apenas clarividente como Gazzotte e a senhora de Lille, que no mesmo período profetizaram os diversos acontecimentos que se iam dar.

                        “Também é certo que, nas sociedades secretas, havia sempre iluminados, a dizerem coisas que estavam para se dar. Robespierre, Danton e outros chegaram  a ser aí batizados, com grande antecedência, como futuros salvadores da pátria.

                        “As cartas de Cagiostro ao rei, depois do escândalo do colar em que foi envolvido sem culpa, provam-lhe os poderes proféticos supranormais.

                        “A Revolução que ele previra e prefixava nos seus principais aspectos, o encontrou encarcerado no Castelo de Sant’Ângelo, em Roma, pelo crime de ser médium.

Quando o povo, triunfando do clero e da nobreza, marchou para libertar o seu médium, os santos inquisidores de Roma disseram-lhe:

                        ― José Balsamo acaba de morrer.

                        “Foi a última vítima da Inquisição”

                                                           *****

            E aqui paramos na transcrição dos excertos do distinto escritor patrício. A revista “Metapsíquica” também parou. A história de Kardec, não terminada, ficou em seu penúltimo número, e os leitores perderam o que, de melhor, até hoje, se poderia ter escrito sobre o Codificador do Espiritismo.

            Resta-nos esperar a continuação do estudo, em livro, como nos promete o erudito beletrista. E nessa espera reside toda nossa esperança.

                        inA Missão de Allan Kardec” de Carlos Imbassahy (Pai) ( 2ª Ed FEP– 1988)




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