Alvorada de luz
num mundo de trevas
por Indalício Mendes
in Reformador (FEB) Abril 1957
“Da liberdade de consciência, decorre o direito de livre exame em matéria de fé. O Espiritismo combate a fé cega, porque ela impõe ao homem que abdique da sua própria razão; considera sem raiz toda fé imposta, donde o inscrever entre suas máximas: Não é inabalável senão a fé que pode encarar de frente a razão em todas as épocas da Humanidade.” – A.K.
Os fatos históricos não são fenômenos esporádicos nem isolados na vida humana. Ao serem apreendidos por nossos sentidos representam “consequências atuais” de fatos do passado, uns e outros relacionados entre si e encadeados por um determinismo que lhes assegura a continuidade no tempo. Não ficam, pois, circunscritos à instantaneidade de sua eclosão nem limitados à contemporaneidade da nossa observação essas “consequências atuais”, porquanto, oriundas do passado, são suscetíveis de sofrer a influência do presente, sempre em busca do porvir, criando, por associação de outros fatos que se vão pouco a pouco aglutinando, novas manifestações com outras tantas consequências, inerente ao processus evolutivo em elaboração.
Repercussão dos Fatos Históricos
Prosseguindo nesse trabalho de desenvolvimento progressivo, os fatos históricos, subordinados à lei de causalidade, provocam efeitos, e, quando estes efeitos se concentram, atingindo a sublimação, por haverem completado seu ciclo evolutivo natural, transferem a outros fatos ainda incipientes a energia necessária à formação de tantos ciclos complementares quantos sejam imprescindíveis à sua repercussão objetiva, no mundo físico, e subjetivo, no mundo mental ou psíquico, dentro do tempo, em razão da lei de causa e efeito. Tornam-se, então, “consequências mediatas atuantes”, suscetíveis de alterar, em dadas situações, a fisionomia social e moral dos conglomerados humanos.
O “fato histórico” não raro traz em si o germe do “fato social”. Pode ser o resultado da fermentação de ideias a constituição do “fato histórico” e do “fato social”, como também este pode provocar aquele e vice-versa. Chegam ambos às vezes a se confundirem, como se pode observar por uma análise da História. Não é nosso escopo demonstrar aqui como se opera a interação social, histórica e biológica, porque bem outra é a finalidade deste artigo. Apenas realizamos esta ligeira introdução, para evidenciar que os fatores determinantes das alterações que se verificam na vida humana não são fenômenos isolados, pois têm necessariamente conexão com outros fatos, remotos ou não. O mecanismo da vida não muda, por estar sujeito a leis imutáveis. Tudo é criado, tudo se desenvolve, atinge diferentes graus de expansão e entra, em seguida, na fase final, no declínio que precede o período crítico da transformação, muitas vezes erroneamente interpretado por extinção, quando, na realidade, tal qual anteviu Lavoisier parcialmente, na Natureza nada se perde, nada se aniquila, porque tudo se transforma, por força da evolução. Nestas condições, as idéias do homem estão sempre em atividade, aprimorando-se, ampliando-se, lutando contra preconceitos misoneístas, insurgindo-se contra dogmas irracionais e repelindo o utilitarismo egocêntrico.
Evolução e experiência
O destino do homem é progredir. Ao contrário do que antigos preceitos religiosos afirmavam, o trabalho não é uma maldição, mas uma bênção para a Humanidade. É pelo trabalho que o homem constrói o seu progresso, procurando satisfazer à ânsia de felicidade que palpita em seu seio. Trabalhando, vai-se desenvolvendo por si mesmo, destruindo superstições, alargando as conquistas da Ciência, tornando mais fortes as luzes da Civilização. Na luta diária, conhece vitórias e derrotas, glorificações e humilhações. Vai assim enriquecendo seu patrimônio moral aprendendo que o mal é sempre negativo, nunca se justifica, e o bem é a força que o ampara nas vicissitudes e lhe dá a medida da satisfação nos momentos felizes. Seu destino é evoluir, mas trabalhando, porque na lide de todos os dias adquire a experiência indispensável ao esclarecimento de sua conduta futura, nesta ou em vindouras encarnações. Com todos os obstáculos imagináveis, o home tem progredido e continuará progredindo. Suas ideias se renovam, triunfam e continuam a avançar, indiferentes às dificuldades. “Jamais um historiador atribuiu a qualquer filosofia uma espécie de geração espontânea ou instantânea. Quando um historiador experimenta a necessidade de deter a evolução de uma filosofia, apressa-se por indicar que, uma vez constituída, sua forma definitiva não anula sua história e que, mesmo encadeadas em sistema, as ideias trazem ainda a marca do antes e do depois. (1)
Graças à História, podemos avaliar o poder da inteligência humana, a capacidade extraordinária de ação que o homem possui. O trabalho excita-lhe a inteligência e esta desbrava os caminhos, destruindo ídolos erigidos pela ignorância e prejuízos criados pelo parasitismo caviloso e calculista. Tudo se alcança pela ação inteligente. Nem a Filosofia nem a História nem a Ciência pode estar sujeita à geração espontânea ou à instantaneidade criadora. Quebrando as grilhetas do obscurantismo religioso de antanho, que ainda hoje se arrasta pelo mundo, o homem demoliu fábulas, arrasou lendas, enfrentando perigos cada vez maiores. Nem a Terra deixou de mover-se porque um sábio encanecido se vira forçado a silenciar a verdade, para escapar à morte imposta pela ignorância. As ideias humanas são o produto da experiência vivida pelo homem, estruturadas pelos conhecimentos adquiridos e pelas ilações que naturalmente podem originar-se de suas observações. Os fatos históricos – de igual modo os fatos sociais e biológicos -, embora a dificuldade de apreensão de todos os efeitos de sua expressão marcantemente versátil em alguns casos, mas geralmente profunda, são fatos absolutamente dinâmicos, porque refletem ação, acontecimentos vivos que retratam o dinamismo das relações dos homens entre si, e fazem ressaltar a importância intrínseca de sua luta pela sobrevivência ao contato com a Natureza, do esforço permanente que realiza por conservar hegemonia no reino animal e, sobretudo, pela maior luta, a luta máxima e nobre por sua ascensão espiritual, através das artes e da Ciência, através do sentimento, síntese da aspiração recôndita por um destino melhor. “Num sentido concreto, o termo história designa uma certa realidade; no sentido formal o conhecimento dessa realidade.” (2) A apreensão dessa realidade pelo espírito humano é que retém e define o “fato histórico”, porque só o conhecimento estabelece a seleção e permite a análise dos acontecimentos. Historiar, consequentemente, é fixar o conhecimento da realidade, é dar ao “fato histórico” objetividade no tempo e no espaço, sem que ele perca o lastro subjetivo que contiver, de maneira que as gerações subsequentes possam haurir o resultado das experiências do passado e utilizá-las eficazmente, cotejando-as ou combinando-as com outros conhecimentos, colhidos por si mesmas, a fim de formar também a sua herança para o porvir.
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