A Epístola aos Hebreus expressa a
fundamentada e profunda preocupação de Paulo pelos irmãos de raça.
Esclarecem os estudiosos que, até ao final
do século IV, negou-lhe autoria paulina a Igreja do Ocidente, diferentemente
daquela Instituição do Oriente que, se lhe aceitou a autoria, evocou
estranhezas no tocante à sua forma literária. Para que se entenda o mecanismo
epistolar, na mente de Paulo, não se pode prescindir da consideração de que todas elas são fruto da inspiração do
Cristo, através da intermediação de Estevão. Neste sentido, assim como a
aferição de valores espirituais por medidas humanas se faz inteiramente falha,
torna-se impossível a só avaliação das indefiníveis possibilidades de
realização de um Espírito que, pelo assentimento integral, se coloca nas mãos do
Cristo, fazendo-se sustentáculo absoluto do Cristianismo, por aquelas épocas,
incipiente. Se se estranha a beleza da conformação literária da Carta aos
Hebreus, por que não se estranhar, igualmente, a impressionante acuidade que
jorra da 1ª aos Coríntios? Ou a base filosófica sobre humana da Epístola aos
Gálatas? E, ainda, a transcendência da conceituação da aos Filipenses?
O escrito aos hebreus apresenta finalidade
muito específica: sensibilizar os prisioneiros da letra, despertar da modorra
dos séculos os adeptos formais da Antiga Aliança. Por isso é tão formal,
referindo-se tão constantemente às fórmulas judaizantes, até desembocar na
Aliança com Cristo.
O termo aliança
corresponde a berith, do hebraico,
que significava, a grosso modo, o testamento,
tradução que os estudiosos vinculam, talvez, a Tertuliano, e referente à
palavra grega dithêkê, utilizada
pelos Setenta. (1)
(1)
Dizem as tradições que o Rei Ptolomeu II requisitara ao Grande Sacerdote de
Israel o envio de uma comissão de sábios com a tarefa de efetuar a versão do
livro sagrado. 72 anciãos, encerrados em celas, trabalhando durante 72 dias,
teriam terminado 72 traduções coincidentes.
Desse episódio, classificado de apócrifo pela maioria esmagadora de peritos,
derivou a estória dos 70, número que corresponde a uma cifra arredondada.
A primeira Aliança é a primeira promessa de
fidelidade absoluta que os hebreus fazem a Jeová. O significado do 9º capítulo
da Epístola aos Hebreus foge à percepção da grande maioria. A Bíblia de
Jerusalém apresenta-nos a seguinte ementa: "Cristo penetra no Santuário Celestial", ao passo que a
tradução de João Ferreira de Almeida, estranhamente, aponta: "Os ritos, ofertas e sacrifícios moisaicos
eram imperfeitos e ineficazes." Vejamos, para boa compreensão do episódio, o que significava para os judeus a aliança, a
arca, o altar, o véu, etc...
Desde o Êxodo,
tudo fora previsto. "Disse também
Deus a Moisés: Sobe ao Senhor, tu e Arão, e Nadabe, e Abiú, e setenta dos
anciãos de Israel; e adorai de longe. (...) Moisés escreveu todas as palavras do Senhor e, tendo-se levantado pela
manhã de madrugada, erigiu um altar ao pé do monte, e doze colunas, segundo as
doze tribos de Israel. ( ... ) E
tomou o livro da aliança, e o leu ao povo; e eles disseram: Tudo o que falou o
Senhor faremos, e obedeceremos. Então tomou Moisés aquele sangue (o sangue
das oferendas) e o aspergiu sobre o povo, e disse: Eis aqui o sangue da aliança
que o Senhor fez convosco a respeito de todas estas palavras." (Êxodo,
XXIV: 1 a 11.) O parêntesis é nosso.
Selara o povo um compromisso com o Senhor,
de acordo com as rígidas fórmulas do Antigo Testamento. Pouco depois,
novamente, sobe Moisés ao monte para receber os mandamentos. Estando envolto pela nuvem do Senhor, eis que lhe pede
Deus oferta: ouro, prata, bronze, estofo azul, púrpura e carmesim, linho fino,
pêlos de cabra, peles de carneiro tingidas de vermelho, peles de animais
marinhos, madeira de acácia, azeite para a luz, especiarias para o óleo de
unção e para o incenso aromático, pedras de ônix, pedras de engaste. Prometeu
ainda Deus que daria a Moisés o modelo do Santuário, e que, tal qual Ele o
dissesse, assim Moisés o faria. A seguir, menciona o Espírito uma arca de
madeira de acácia, de dois côvados e meio de comprimento, e um côvado e meio,
respectivamente de largura e altura (o
côvado, medida altamente variável, corresponde, aproximadamente, à distância
que separa o cotovelo da extremidade do dedo médio). A seguir, menciona o
Espírito que a arca deverá ser coberta de ouro puro, por dentro e por fora, com
uma bordadura de ouro ao redor. Para que fossem colocadas nos quatro cantos da
arca, Moisés fundiria quatro argolas também de ouro, além de elaborar varais de
madeira de acácia, cobertos de ouro, com a finalidade de, uma vez passando as
argolas, de duas a duas, se efetuar o transporte da arca. A pormenorização,
dando um sentido altamente místico, envolto em brumas, ao objeto, chega ao
ápice, quando diz o Espírito comunicante: "Os varais ficarão nas argolas da arca, não se tirarão dela."
Tudo previsto, como ficou dito. Nesse comenos, arremata a entidade: "E porás na arca o Testemunho, que eu te
darei."
Prossigamos, observando a meticulosa
realização do tabernáculo e da arca, para que, ao final, possamos avaliar do
significado da penetração de Jesus, em seu pensamento, nesse santuário, fechado
eternamente ao profano.
O Espírito que se comunica com Moisés
necessita, como se vê, chocar diretamente as mentalidades embrutecidas da
massa. Terminadas as disposições sobre a arca, diz a Moisés que faça um propiciatório
de ouro puro, de dois côvados e meio de comprimento, e um côvado e meio de
largura, além de dois querubins de ouro batido, para serem colocados nas duas
extremidades, tudo formando uma só peça (atenção aos pormenores, que valerão,
ao tempo de Paulo, por uma comunicação divina de tradição inderrogável,
praticamente). As faces dos anjos estariam voltadas uma para a outra, e as asas
estendidas sobre o propiciatório, que, por sua vez, seria colocado sobre a
arca. E, novamente, menciona o Espírito o Testemunho,
para ser encerrado na arca. Seria de cima do propiciatório que o Senhor falaria
com Moisés "acerca de tudo o que eu
te ordenar para os filhos de Israel". Prosseguindo, o legislador
hebreu ouve o pedido de uma mesa de madeira de acácia, com o comprimento de
dois côvados, a largura de um, e a altura de um e meio,
também a ser coberta de ouro puro, com uma bordadura de ouro, com moldura, de
largura de quatro dedos, identicamente com quatro argolas de ouro, a serem
colocadas nos cantos que estão em seus pés, pelas quais passarão os já
mencionados varais. Ainda de ouro puro serão feitos os pratos, recipientes para
incenso, as taças e galhetas, sendo que os pães da proposição estariam
eternamente sobre a mesa. Não cessa aí o peso de todo um ritual, e, já neste ponto, podemos imaginar por que motivo não foi a Epístola aos hebreus
escrita nos mesmos moldes das aos Tessalonicenses, por exemplo, ou a Timóteo!
Como poderia Paulo se referir à perpétua aliança com Jesus, senão se utilizando
dos meios adequados à penetração nas mentes dogmáticas e ortodoxas dos hebreus,
condicionados há séculos e séculos aos atavios da forma?..
Mas, não cessam aí, dizíamos, as
prescrições ao protegido de Termutis. Chegamos ao momento do candelabro: ouro
batido e puro, de uma peça inteiriça, do pedestal às flores, com seis hásteas
de cada lado, projetando-se de seu tronco, em cada uma das quais haverá três
cálices com formato de amêndoa, uma maçaneta e uma flor. Especifica a entidade
comunicante que, de igual modo, serão de ouro puro as maçanetas e as flores,
havendo ainda a necessidade de sete lâmpadas, para iluminação: espevitadeiras e
apagadores, desnecessário quase dizer, de ouro puro. E, impondo o peso da
revelação, arremata a entidade espiritual: "Vê, pois, que tudo faças segundo o modelo que te foi mostrado no monte."
A descrição do tabernáculo, esclarecem os
elaboradores da Bíblia de Jerusalém,."...se bem que muito minuciosa, não
nos é inteiramente inteligível, em razão dos termos técnicos em que se estrutura.
Observa-se uma série de tapetes que formam caminho para o recinto, de pêlo de
cabra, e cobertas pelos toldos de peles de carneiro tintas de vermelho, aos
quais alude o versículo 14, do capítulo 26, tambem de Êxodo." As cortinas
serão em número de 11, com 30 côvados de comprimento, e largura de 4 côvados: todas as peças
com idêntica medida. A sexta cortina ficará dobrada na parte dianteira da
tenda.
Prossegue assim a orientação do Espírito,
em importância crescente, evocando uma demarcação rígida de tradição sufocante,
irretratável, incontestável, até que alcança o célebre véu do templo, que se
romperia quando da crucificação de Jesus:
"Farás
também um véu de estofo azul, púrpura e carmesim, e de linho fino retorcido;
com querubins o farás de obra de artista. Suspendê-lo-ás sobre quatro colunas
de madeira de acácia, cobertas de ouro; os seus colchetes serão de ouro, sobre
quatro bases de prata. Pendurarás o véu debaixo dos colchetes, e trarás para lá
a arca do testemunho, para dentro do véu; o véu vos fará separação entre o
Santo Lugar e o Santo dos Santos." Chegamos ao cerne do problema.
Semelhante véu existia tanto no Templo de
Salomão, quanto no de Herodes, que, aliás, foi o templo que Jesus conheceu, e
não o de Salomão, do qual só restavam ruínas, dentre elas o pórtico diante do
qual passeava, na época da Festa da Dedicação, conforme narra João, X: 22 a 42.
No templo dos judeus, a hierarquia cerrada
ia apresentando empecilhos para que os não graduados se detivessem à medida que
se adentravam na construção. Assim, o povo parava num pátio, e os
"iniciados" prosseguiam até onde lhes permitisse a própria graduação.
O Lugar Santo era separado já por um
véu; o Santo dos Santos, a morada de Jeová, escondia a arca da aliança, cuja elaboração estudamos, nos tempos de
Moisés, contendo o Testemunho: as
tábuas da Lei de Deus! Escondia essa arca o célebre véu, denominado parroqueth, composto dos elementos que,
igualmente, já examinamos. Somente o sumo-sacerdote poderia penetrar a morada
de Jeová e contemplar a arca da aliança, e, mesmo assim, uma vez por ano, no
grande dia da Expiação, que era o dia
do rito para que se desfizessem todas as impurezas. A proibição era rude e
severa: ninguém, além do sumo-sacerdote, e no dia indicado, poderia penetrar o Santo dos Santos.
De volta à Epístola aos Hebreus:
"Cristo penetra o Santuário Celestial"... Que notável significado o
desta frase paulina! Jesus no Santuário Celestial implica em derrocada de todo
o obscurantismo, de todo o império da letra! Aquele que viera aperfeiçoar a Lei
(o termo grego corresponde a aperfeiçoar, e não a cumprir, uma vez que Jesus
não poderia estar submetido a quaisquer profetas... ) chegara realmente para
vencer, e se instalara, desmistificando a pretensa santidade das coisas da
Terra, que tiveram seu império no tempo adequado!
Já no momento em que o Cristo expira na
cruz o véu do templo se rasga de cima a baixo! E o véu que se rasgou foi o
intocável véu parroqueth, em que
ninguém colocaria a mão, sob pena de morte... o véu que era respeitado por toda
a comunidade, carregado da impressionante tradição dos tempos bíblicos, no
deserto, após a saída do Egito! Foi no Santo
dos Santos, na morada de Jeová, que o próprio Jeová deu o sinal de sua
presença nobremente indignada, rompendo o véu que se constituíra sob sua inspiração, no
alto do monte Horebe! Já teremos pensado na significação desse evento?.. Acaso
já nos ocorreu que a surpresa de Zacarias deveu-se também ao fato de que ele
encontrara um ser angélico, mas um ser, dentro desse recinto sacratíssimo para
os judeus, demonstrando ao homem falível que aquele que nasceria provinha de
Deus?
Já nos passou pela mente, acaso, o lado
vivo da cruz e a faceta imperecível do túmulo?..
Todos os objetos são passíveis de múltiplas interpretações, na razão direta das
disposições psicológicas dos indivíduos. Cruz e Túmulo... Para a maioria, duas
imagens que evocam fases negativas da realização do ser. A cruz, símbolo, além
das adaptações deformativas, oriundas das correntes dos inimigos da luz, de punição e luto. O túmulo, evocando as cenas de funeral e perda.
Existem os que, de modo grotesco,
dedicam-se a explorar a credulidade humana, interpretando desarvoradamente o
surgimento místico de tais imagens no delicado mecanismo do sonho. Além da
estratificação, no mecanismo desencarnatório, ao qual já se encontra
condicionado o ritmo perispiritual, cabe ressaltar a presença indisfarçável da problemática temporal nas dificuldades quotidianas. Ninguém nega a própria
realidade, se não exercita a perseverança através da reforma interior. Em razão
disso, o Consolador é a chave da libertação do homem, o romper de todos os
véus, conduzindo a sociedade à libertação das correntes do carma coletivo.
Considerando a manjedoura como a expressão
primeira da grandeza humilde do Justo, é de se analisar os dois momentos de
clímax na História do Cristianismo, à luz do Espiritismo. Cruz e túmulo segundo
o Espiritismo. Assim como Paulo, faz-se ainda necessário adaptar aos hebreus
modernos a realidade maior, sem que se fuja, contudo, à Verdade.
Para a sociedade crística, a crucificação
nada foi senão o atestado da falência da doutrina pregada pelo Modelo. O grito
de um dos ladrões entre os quais se elevou o Mestre impôs às mentalidades incautas
a falsa impressão de abandono. O Modelo fracassara, para o humano imediatismo...
e, no entanto, permanecera vivo no coração dos muitos que, por Ele, uma
expressão morta, no entendimento de alguns, se viram envolvidos pelas patas dos
leões da Numídia, nos circos sanguinários de Roma!
Afeita às incoerências, a massa se agita, e
os "espíritos fortes" aproveitam as fraquezas alheias para instilar
veneno entre o martírio moral dos que se deserdaram. Logo a seguir,
ensombra-Ihes os corações o negror amarelado da tormenta... a claridade dos
relâmpagos parece desejosa de imprimir nas retinas humanas toda a dimensão da
obra amaldiçoada que o mundo criou... o estrondo é uno... a voz dos elementos
retira ao ser humano atônito, apavorado, os escombros de suas quimeras... Nunca
mais nos esquecemos da cruz. O véu se rompe... rompem-se as ilusões humanas:
crise do homem na manifestação de Deus. Impunemente se rasgou a cobertura da
morada de Jeová... "O poder que deténs, só o tens porque Meu Pai te o
concedeu..."
Deus, porém, não deseja a morte do ímpio,
mas que ele se salve: a cruz de ignomínia transformou-se em símbolo de
redenção, perspectiva nova de calmaria, após a tempestade. O túmulo. Lacra-se-lhe a entrada, fechada com a
enorme pedra. A efígie de César se estampa na matéria em estado de plasticidade.
Ninguém poderia romper o sinal: a insígnia do soberano de Roma era, como o véu,
inviolável. No entanto, ele se parte, impunemente, e o templo se reconstitui em
três dias! O Senhor não estivera preso na gruta, por três dias; mas, o homem
ainda hoje permanece enterrado no remorso.
O túmulo, segundo o Espiritismo. O
Espiritismo, segundo a lição do túmulo sagrado! Muitos pretenderam libertar o
Santo Sepulcro mediante a espada, mas a libertação de nosso passado só se fará
mediante o desimpedimento de nosso coração. Quando nos esquecermos de nós,
Jesus terá ressuscitado em nosso íntimo, o véu ter-se-á rompido, com estrondo, e terá sido sacramentada a verdadeira aliança com o Céu. A arca é
o nosso coração. O testemunho é a fé em Deus.
O testemunho do Cristo é a fé que
depositamos em seu exemplo de confiança imperecível: confiança na Providência
Divina, confiança na confiança dos pobres de espírito, confiança nas boas
disposições dos homens em geral, confiança absoluta no
Amor Imperecível com que Ele alimentou a Terra. Não importa se exaltem ânimos
farisaicos e se digladiem feras, brutalmente. A evolução é profundamente
lenta... Uma existência de 60 ou 70 ou 80 anos talvez nem seja um milímetro
diante do que resta percorrer. Só a confiança sustenta, só a Fé nutre.
Inconcebível, por outro lado, será
pensarmos em testemunhos de segundos ou minutos: a reescalada do Espírito é uma
epopéia regada a intenso drama. Ninguém se eleva às hierarquias do Espírito por
simples querer: é preciso ratificar a aliança, expandir a força do Amor,
habilitar-se ao quinhão hereditário, com as realizações da Moral exteriorizando
o estado ético, para que surja a Ética do Estado e, finalmente, o entendimento
franco entre as Nações. Nenhuma aliança com o Senhor, entretanto, se estabelece em quotas
desproporcionais, na base das tiradas de "esperteza". A aliança de
que tratamos só se ratificará quando dermos testemunho do Mandatário investido
de amplos poderes para elaborá-la e nela aceitar-nos, segundo nossas atitudes.
Abordando problema de estreita vinculação com o novo posicionamento do
homem-espírito, Albert Schweitzer escreveu:
"Mentes
engenhosas em botas-de-sete-léguas disparatam em torno da História da
Civilização, e tentam fazer-nos crer que a civilização seja algo que cresça e
floresça espontaneamente em certos povos, em determinado tempo, e depois
murcha,
inevitavelmente, de modo que sempre novos povos, com novas civilizações, devam
substituir aqueles que se esgotaram. Quando esses tais são intimados a provar
sua teoria, para dizer-nos quais os povos destinados a ser nossos herdeiros,
vêem-se em embaraços. Não existem, de fato, povos aos quais semelhante tarefa
possa ser confiada, nem remotamente. Todos os povos da Terra sentiram
grandemente a influência, tanto da nossa civilização quanto da falta dela, de
maneira que todos, mais ou menos, participam do nosso destino. Em nenhum deles
se encontram pensamentos capazes de guiar a qualquer movimento cultural
original de importância.
"Voltemos
as costas ao brilho intelectual e a interessantes exames da História da
Civilização, e lidemos realisticamente com o problema da nossa civilização em
perigo... Pelo entusiasmo em nosso progresso no conhecimento e capacidade,
chegamos a conclusões erradas no tocante à verdadeira natureza da civilização.
Damos excessivo valor às conquistas materiais, e já não estamos suficientemente
conscientes da significação do que é mental e espiritual. Agora os feitos estão
diante de nós, advertindo-nos de que devemos entrar em nós. Em termos terrivelmente
severos estão nos dizendo que uma civilização que se desenvolve apenas no plano
material e não proporcionalmente no plano mental e espiritual, é como um navio com o leme avariado, que não mais obedece ao
comando, e se precipita para a catástrofe." ("O Profeta das Selvas", de Hermann
Hagedorn, Fund. Alvorada, 2.a ed., páginas 170/1.)
Sim, não há povos destinados a ser nossos
herdeiros: os que transitam pela História são os mesmos que se reúnem, numa
outra fase histórica, para retomar a tarefa interrompida antanho. Foi
exatamente o que se deu com a Palestina: transplantada a árvore do Evangelho,
em bela figura de linguagem de que os Espíritos lançaram mão para definir um somatório
de situações, grande parcela dos antigos judeus e fariseus, desperta para a
Verdade, dá as mãos e ratifica a aliança com Deus, testemunhando Jesus.
Os homens, esquecendo-se da simplicidade do
Cristo, ocultaram-se em torres de marfim e romperam a aliança. "Durante séculos - diz Schweitzer - a Cristandade entesourou os grandes mandamentos
de amor e misericórdia como verdade tradicional, sem ver neles razão para
combater a escravidão, a queima de feiticeiras, a tortura, e tantas outras
atrocidades antigas e medievais." É chegado momento de ampliar a noção
da ética, para que obscurantismo seja votado à escuridão que lhe pertencerá,
até que dê campo ao Amor, testemunho do Cristo, para a aliança com a Luz: e
onde a Luz se fizer não mais haverá escuridão! Incrível que Deus haja dito FIAT LUX, e a luz se tenha feito, e os
homens a tenham renegado! ... O Universo é Luz... Não se compreende que o homem
vote a retina do Espírito às trevas morais. Tudo o que o dogma erigiu através
dos séculos, a própria materialização da arca da aliança, nos últimos tempos um mero símbolo cercado
de sofreguidão e maldade, foi esboroado no momento em que o Senhor expirou ...
Tantos séculos de "tradição" indo por terra num singelo minuto! Será
que já pensamos nesse contraste chocante entre Deus e o homem que se julga
superior a Deus?..
Se Paulo escreveu aos hebreus, e seguiu-lhes
o linguajar e os condicionamentos espirituais, só o fez porque é na linguagem
que os homens entendem que o Cristo se há de afirmar como a vida que se deixou
crucificar, mas que não cessou um segundo sequer, e reintegrou-se no túmulo,
que só existiu para que os homens compreendessem que o que é vida não perece.
Por termos afastado o Amor da arca de nosso
coração, Jesus escreveu a mais linda epístola de que há notícia. O Espiritismo
é a nossa carta aos hebreus, que o Senhor confiou a Kardec, com emoção e
ternura, porque, nele - o Consolado r prometido -, tornou a falar aos seus
irmãos de raça: os filhos que negam a paternidade divina, mas que até para
negá-la têm necessidade de respirar em Deus...
A arca da aliança
e o Testemunho do Cristo
Boanerges / (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Julho 1976