Pesquisar este blog

domingo, 31 de maio de 2020

Tua fé te salvou!


O Leproso Agradecido  /  Tua Fé te Salvou!          
                  
         17,11 Sempre em caminho para Jerusalém, Jesus passava pelos confins da Samaria e da Galiléia. 17,12 Ao entrar numa aldeia, vieram-lhe ao encontro dez leprosos que pararam ao longe e elevaram a voz, clamando: 17,13 -Jesus! -Mestre! -Tem compaixão de nós! 17,14 Jesus viu-os e disse-lhes: “ -Ide, mostrai-vos ao sacerdote!”
17,15 Um deles, vendo-se curado, voltou, glorificando a Deus em alta voz. 17,16 Prostrou-se aos pés de Jesus e Lhe agradecia. Era um samaritano. 17,17 Jesus lhe disse:
“ -Não ficaram curados todos os dez? Onde estão os outros nove? 17,18 Não se achou senão este estrangeiro que voltasse para agradecer a Deus?” 17,19 E acrescentou:
“ -Levanta-te e vai, tua fé te salvou!”


         De  “A Gênese”, de Allan Kardec, no seu Cap. XV,  extraímos o trecho que se segue, para
Lc (17,11-19) -O Leproso Agradecido / Tua fé te salvou!:
       
            “Os samaritanos eram cismáticos, mais ou menos como os protestantes com relação aos católicos, e os judeus os tinham em desprezo, como heréticos.

            Curando indistintamente os judeus e os samaritanos, dava  Jesus, ao mesmo tempo, uma lição e um exemplo de tolerância; e fazendo ressaltar que só o samaritano voltara a glorificar a Deus, mostrava que havia nele maior soma de verdadeira fé e de reconhecimento, do que nos que se diziam ortodoxos.

             Acrescentando: “-Tua fé te salvou”, fez ver que Deus considera o que há no âmago do coração e não a forma exterior da adoração.

             Entretanto, também os outros tinham sido curados.

             Fora mister que tal se verificasse, para que ele pudesse dar a lição que tinha em vista e tornar-lhes evidente a ingratidão.

            Quem sabe, porém, o  que daí lhes haja resultado; quem sabe se eles terão se beneficiado da graça que lhes foi concedida?

            Dizendo ao samaritano: “-Tua fé te salvou” dá  Jesus a entender que o mesmo não aconteceu aos outros.”
           
           

sábado, 30 de maio de 2020

A Guerra



A Guerra
José Petitinga
Reformador (FEB) Fevereiro 1918

            É possível que eu seja um retrógrado, que não compreenda bem as leis da Evolução, que desconheça todos os matizes da palavra - Progresso -, e daí a minha oposição à Guerra e o meu desacordo com o modo de pensar dos seus partidários, ou dos que a julgam necessária ao progresso humano.
            Ela serve, é verdade, pelas dores que nos proporciona, de instrumento vingador das nossas infrações ao código divino.
            Mas assim como a forca e o carrasco tornaram-se obsoletos e reclamam, para
substitui-lo, uma educação baseada nos ensinos do Cristo, do mesmo modo a Guerra, que é um monstruoso arcaísmo, deve ser substituída pela Fraternidade, ou, se quiserem, pelo   altruísmo, que é vocábulo mais moderno e, por isto, mais agradável a muitos ouvidos.
            Se o homem progride pelo conhecimento da Lei natural, se o perfeito conhecimento dessa lei nos dá a posse da verdadeira ciência, como a sua prática nos conduz à verdadeira felicidade penso que não pode ser considerado progresso aquilo que se opõe a essa lei.
            O código mosaico, que Jesus não revogou, mas somente amenizou lhe os pontos ásperos, necessários à época de sua promulgação, conservando lhe a essência divina, que é eterna e imutável, diz claramente: “- Não matarás!”; a Guerra, ao contrário, tendo por princípio a destruição, sem a qual não poderá existir, recomenda a matança e faz dos mensageiros da Morte os seus heróis, os seus distinguidos.
            É progresso o que está em desacordo com a Lei?
            Deve-se considerar conquista da civilização o que é contrário aos mandamentos divinos?
            Pode-se logicamente, dentro dos princípios da Moral, considerar benemérito o homem que mata?
            A afirmativa, que eu não subscrevo e contra a qual protesto, será a revogação do Decálogo, a proscrição do Evangelho e a apoteose da Guerra pelo retrocesso do homem à barbárie, retrocesso esse que modificaria - se a Lei pudesse alterada - o valor de todos os termos do vocabulário humano, confundindo a Virtude e o Vicio, a Luz e as Trovas, o Bom e o Mal.
            Creio, portanto, que é dever de todo cristão, e especialmente dos que seguem
o Espiritismo, fazer guerra à Guerra. O orgulho gerou-a, o egoísmo concebeu-a, e como estes mesquinhos sentimentos - origem de todo os males, causa de todas as desgraças - são contrários a moral evangélica, a Guerra, deles diretamente derivada é anticristã e deve ser repudiada por aqueles que se esforçam por seguir os preceitos do Nazareno.
            Ninguém, podendo evita-la, submete-se a uma operação cirúrgica; assim devemos evitar prudentemente as efusões de sangue, acautelando-nos quanto possível contra essas operações violentas que, embora não desintegrem o organismo social, deixam-no sempre  depauperado.
            A Guerra, mesmo quando se nos afigure justa, parecendo que tem por base um princípio elevado, - é má. Esse princípio é um pretexto ou um simulacro. Se, o estado físico do momento não permite uma análise vigorosa, se a paixão dominante cega os homens vedando lhes o discernimento, o futuro, com a calma de um frio analista, virá mostrar que somente o orgulho e o egoísmo agiram, ocultando a natural hediondez sob a máscara da Honra e da Justiça.
            A História está pejada de exemplos: as guerras que no passado foram chamadas “santas”, o presente chama-as “Maldita” e o futuro talvez as julgue simplesmente ridículas. 
            Esforcemo-nos, pois, para conquistar a Paz pelo Amor que salva e pelo Trabalho que dignifica, lembrados de que o “Não matarás” do Decálogo encontra o seu complemento no «Amai-vos reciprocamente do Evangelho.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

A ciência mundana

                                                                                                                                                     Bezerra de Menezes

A ciência mundana
Bezerra de Menezes
Reformador (FEB) 1º de Julho de 1918

            Em um agrupamento espírita que funciona em casa de distinta família, em Botafogo, frequentada por um lente da Faculdade de Medicina, antes de uma das últimas sessões conservava-se sobre a lei das vidas sucessivas, assegurando o médico e professor poder provar a reencarnação cientificamente positivada em livros que possuía.

            Aberta a sessão, o médium A. L. recebeu a seguinte comunicação escrita:  

            “Paz e humildade”.

            Como é difícil reunir na Terra essa condição da alma e essa virtude que lhe é  inerente! Na Terra o homem vive continuamente em luta com os preconceitos do meio social e não quer submeter-se ao cadinho do estudo em que ele precisa curvar a cerviz à verdade, quando ela lhe vem tolher as suas aparições à superioridade.
            Todos querem ensinar, poucos se submetem à aprendizagem. Os mais ousados são os que melhor querem dominar as consciências e os outros, os que ainda procuram algo para satisfazer as aspirações da inteligência, veem descontentes com o que lhes surge de novo no campo das especulações científicas, porque essas novas teorias vem controverter aquilo que eles aprenderam nos livros legados por outros pseudo mestres.
            Entretanto, o livro da eterna Verdade – o Evangelho cristão – repositório infinito da ciência e da moral, de filosofia e de amor, de virtude e de luz – esse é posto para o segundo plano nas livrarias dos institutos acadêmicos, para deixar que sejam só abertas as páginas dos compêndios da ciência mundana.
            Ciência mundana, sim, que é como se se dissesse inconsciência mundana porque todos os tratados e compêndios, todos os infolios (Folhas dobradas em uma encadernação) onde os míseros sábios da Terra pretenderam encerrar teorias contraditórias ao pensamento do Mestre dos mestres, não pode edificar o homem moderno, torna-lo feliz, libertá-lo dessas terríveis amarguras e pesadelos em que ele se debate no doloroso instante porque a Terra passa. Esses mesmos, que não quiseram capitular para virem humilde e passivelmente buscar, sem ânimo preconcebido, a verdade espiritual, não se amoldaram ao feitio de que se deve revestir o verdadeiro apóstolo em busca de melhor orientação para a sua vida futura.
            Negar a alma, a sua sobrevivência, a sua nova volta ao mundo através da carcaça da carne, e destruir o único elemento de convicção sobre a justiça e a bondade de Deus, pois que só um novo estado, numa nova posição, num novo meio, numa nova forma de trabalho, de desenvolvimento, de atividade, de conquistas pela fortuna ou de lágrimas pela miséria pode o homem, atualmente indeciso, desejoso de algo melhor e mais confortador - pode o homem ter a explicação incontestável, perfeita, absoluta, racional, mesmo da razão da sua própria existência.
            Oh, meus irmãos e amigos! Crede em Deus, mas crede-o assim perfeito na sua sabedoria, como perfeitas são as suas leis admiráveis, sublimes, magistralmente concebidas!
            De mais, se tivésseis de negar uma só de suas leis, admiravelmente reveladas pelos seus magníficos emissários, teríeis de negar todas. Da harmonia do conjunto dessas leis solidárias e perfeitas, depende a harmonia dos seres e dos mundos, e nenhuma lei é mais de molde a impressionar a retina espiritual do que a da reencarnação – perfeito símile da grandeza, da bondade e da justiça do Criador, Sim, de nenhuma outra forma de argumentação pode, nem esclarecer, nem adoçar a alma, do que essa que o próprio Jesus deixou vagamente entendida no ensino sobre Elias vindo na forma de João Batista.
            Que mais quereis, estudantes do Evangelho, de claro e perfeitamente e legitimamente demonstrado? Acreditais no Evangelho? Então crede no ensino ali consagrado. Não credes em Jesus? No Grande sábio, no único sábio? Então crede no ensino lamentai-vos, mas não o negueis nem às leis que Ele nos trouxe, para não aumentardes a vossa amargura, o vosso desânimo, direi mesmo a vossa amargura, o vosso desânimo, direi mesmo a vossa infelicidade, pois bem infeliz é aquele que duvida de Jesus!

Aonde vamos


Aonde Vamos
Redação 
Reformador (FEB) 1º de Agosto de 1918

            "Nons pensons avec Bacon que si "un peau de raison, une‘etude superficielle de la physique conduit á l’atheisme (levis degustatio), des connaissences plus approfondies (pleni haustos) ramènent aux idées et aux sentiments religieux.”      (Psychologie de Ia croyance -Camille Bos, pag. 157)

            Os que não se forram ao superior tributo da Razão e para além dos âmbitos estreitos do materialismo, na entrosagem da existência coletiva colimam algo de mais nobre que a simples satisfação do ego contingente e confinado a formas perecíveis, esses, perguntam licitamente para onde vamos.
            Vivemos de fato? Pensamos e atuamos?
            De boa-fé, parece que ninguém o contestará.
            Mas porque viver, pensar e atuar? Se existimos, quem nos criou?
            A fatalidade de um mecanismo indefinido e cego?
            Energia universal?
            Que é isso, que será isso substancialmente considerado?
            Acaso, dizermos que o fenômeno vital se rege por leis que tais presumidas será definir intrinsicamente a vida?        
            Mas, a consciência também no lo diz: - a lei pressupõe legislador e a lei apreendida pela inteligente, se nulo não é o postulado de que o efeito é idêntico à causa.
            Com os ateístas impenitentes e sistemáticos, sempre que abordamos a questão “ab initio”(desde o início), pretendem eles infirmar-nos a crença alegando não haver provas provadas da existência de Deus.
            Quereriam, assim, que lhes definíssemos a Suprema Inteligência do Universo de um modo concreto, mas esquecem-se de que, da sua própria inteligência que não é suprema e muito menos universal não poderiam, na sua inopia (indigência) relativa, dar jamais uma prova absoluta e definida.
            Estas considerações vêm de molde e a propósito de afirmativas ainda há pouco feitas “ex-cathedra” (com conhecimento) por um de nossos publicistas, que não negava nem afirmava Deus, simplesmente porque não haveria corno demonstra-lo.
            Entretanto, para logo reconhecia e proclamava a perpetuidade da vida e a lei de evolução.
            Constatava o sofrimento e relegava ao futuro a solução do problema, que, a despeito de tudo, remanesce da mentalidade e do esforço de muitos séculos e gerações.
            Nós poderíamos, por conseguinte, argumentar com o ilustre articulista que o nosso Deus reside na sua própria Hipótese de Passado e Futuro, que só por analogia se infere e não se define, nesse QUID que escapa e recua, em regra, a “mens cogitatio” (coisa que pensa?) por mais perspícua (nítida) que ela seja, mas que também o faz amplificando-se e definindo-se nas suas leis.
            O erro, o grande erro dos filósofos negativistas está no quererem julgar Deus através do prisma antropomorfo, locando na Terra a fonte imane das origens e o centro das possibilidades universais. 
            Certo, desse ponto de vista precário eles não deixam de ter razão, porque o conhecido histórico dessa falida caravana - a Humanidade planetária considerada à luz da Nova Revelação – é um acervo de vicissitudes tremendas, de incongruências monstruosas, desde que, por considera-la nos insulamos no já agora exótico conceito de uma existência singular, sem antecedentes e consequentes, o que tanto vale dizer - sem causa nem fins.
            E daí as aberrações assinaladas, aliás inteligentemente pelo escritor a que nos vimos reportando, nos deuses mais ou menos teratológicos, guerreiros, vingativos, incríveis em suma, porém mais ou menos amoldados e apassivados a todos os crimes e tiranias, e de que é atenuada variante e bênção oficial de católicos e protestantes a cada qual de seus exércitos, que se defrontam e aniquilam na mais iníqua das guerras.
            Esta concepção clássica da Divindade tende, contudo, a modificar-se mercê das novas fontes da psicologia experimental, que a tese espírita veio precipitar, ao menos para os investigadores despreconcebidos de fanatismos e má vontade.
            Nem se estranhe que assim nos expressemos tratando de homens de ciência, porque há também um fanatismo científico tão rotineiro, tão temeroso e contumaz quanto o religioso, o político.
            Aquele, porém, broqueado (ulcerado) de continuo na sua arquitrave (vigas horizontais) e mercê dos ascendentes espirituais que propulsam as ideias novas a seu tempo, vai rareando e mais de um Saulo a caminho da nova Damasco surge armado em Paulo para afirmar a estupenda realidade da sobrevivência do ser, íntegro e autônomo, eterno e progressivo, um estado “ab material” (não material) da consciência humana.
            São perspectivas novas, arcanos até aqui mal suspeitados em nebulosidades metafísicas, que se afirmam e se tocam como para solidarizar aa leis universais. E encarada sob este novo aspecto a Humanidade nada tem de inconsequente e anômala em sua origem e fins.
            Deus não é mais a síntese de privilégios e absurdos, mas o Pai de todas as humanidades, a todas provendo e a tudo prevendo integral e logicamente.
            O homem encontra a razão de si mesmo e já não é o Prometeu de um Cáucaso indefinível, um acidente inexpressivo no conjunto do problema, mas um fator consciente na equação do Infinito que se lhe impõe na evidência de quanto o cerca. Afinal, quando afirmamos que as religiões dogmáticas são os melhores veículos do ceticismo contemporâneo não emitimos nenhum paradoxo, porque a verdade, - justiça se lhe faça - é que o materialismo contemporâneo brotou de espíritos de escol nos últimos tempos, os quais com a lógica das demonstrações positivas, esmerilhando o micro e o macrocosmo derrubaram a dogmática ancestral de mitos e lendas.
            Era, portanto, preciso que a Fé - patrimônio inalienável do espírito - evolvesse com os novos métodos, acessíveis à experimentação.
            Por isso, os espíritos manifestam, dão testemunho da sua sobrevivência e afirmam unânimes a existência de um Deus, que não definem, mas que sentem melhor e mais compreendem na imperecibilidade da própria condição.
            Vamos admitir que assim não fosse, que tudo não passasse de um abstruso fenômeno anímico?
            Que de melhor e mais positivo no apresentam os sábios da Terra com as suas engenhosas estruturas de hipóteses e sistemas, para explicar a vida que não podem negar?
            Com eles, com as suas teorias sibilinas, a que se reduz a entidade pensante neste mundo? ,
            Naturalmente, ao que aí vemos - egoísmo e força bruta mascarados em direito, moral de convenção, terror de fracos, abuso de fortes, escravidão, covardia, miséria, desespero e... ruínas.
            Há templos, altares, museus, academias, laboratórios, parlamentos, mas não há Fé, nem Esperança, nem Altruísmo, porque não há consciência do Destino.
            E assim, cada qual faz o seu deus, acomoda-o às contingências da sorte, se é que o não nega para afirmar-se!
            O Deus? - é ele.
            A Verdade? - é a sua inconsciência.
            E depois... depois... depois... a morte, o nada!
            E assim se compreende o apotegma (palavra memorável) de Claude Bernard a Victor Cousin, quando este lhe perguntava se de alguma coisa não conhecia tudo:
            “Se de alguma coisa eu conhecesse tudo, eu tudo saberia.”
            Mas demos graças a Deus, ainda assim, porque se Ele na sua Infinita misericórdia se não impõe a todos, pela grandiosidade das suas leis, a nós outros já se afirma nas leis da nossa consciência.
            Nem malsinemos, tão pouco, esse impenitente antagonismo de ideias, já por que das suas fileiras egressos aqui chegamos, já porque ele pode ser considerado como essas tonalidades escuras que melhor destacam as belezas da tela em conjunto, consagrando o artista que a concebeu e executou.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Doutrina - Condições e graus de Estudo



Doutrina - Condições e graus de Estudo
Redação 
Reformador (FEB) 1º de junho de 1907

            O prometido é devido. Vamos, pois, cumprir a promessa formulada na nossa última edição, no sentido de oferecermos alguns respeitosos cumprimentos ao artigo do nosso prezado colega “A Revelação”, do Pará, epigrafado “Conheçamo-nos primeiro”, no qual, ocupando-se da questão relativa à corporeidade de Jesus, em torno da qual “estabeleceram-se duas correntes de opiniões contrárias, sem nenhuma luz para a doutrina” entende ele que, de preferência a nos empenharmos os espíritas em tais sutis e, por enquanto, prematuras indagações, deveríamos preocupar-nos “mais intimamente conosco mesmos, microscópio cheio de fundos mistérios incompletamente desvendados.”  

            Em tese, não temos que dissentir do criterioso entender do nosso colega paraense. No domínio da investigação, com efeito, deve o homem proceder como a natureza: gradativamente. O estudo, pois, que o deve conduzir aos diferentes e sucessivos graus do conhecimento, tem que ser forçosamente subordinado a condições. E a primeira destas, como bem a faz notar o nosso amável interlocutor, é a análise de si mesmo, o exame introspectivo do eu individual, como base indispensável e ponto de partida do conhecimento ulterior - os fatos externos, as coisas visíveis, em seus diferentes modos de manifestação, o universo, em suma, na estrutura de suas leis, as verdades divinas em sua essência.

            Porque, sendo o homem uma redução do universo, o microcosmo, portanto, a expressão é perfeita e adequada – nenhuma noção exata e verdadeira poderá ele adquirir acerca das coisas e seres desse universo, antes de conhecimento, tão completo quanto possível, de si mesmo. Um é a chave misteriosa e explicativa do outro. Desvendado o mistério, está obtida a explicação, isto é, a posse da Verdade.  

            E foi neste sentido que o definiu Sócrates, no corpo de doutrina formulada por seu discípulo Platão:

            A alma, quando contempla a sua própria essência, dirige-se para o que é puro, eterno e imortal; e como é da mesma natureza, aí se demora por todo o tempo que lhe é possível. Então seus desvarios cessam, por estar ela unida no que é imutável. A esse estado d'alma é que se chama sabedoria.”

            A falta dessa iniciação na fonte primária do conhecimento, é que vemos tantos adeptos flutuando ao sabor de desencontradas sugestões. Não temos, por isso, a mínima relutância em subscrever a opinião do nosso colega do Pará, no sentido de que os espíritas devemos começar um estudo aprofundado do nosso eu interno, da essência de que é constituído o nosso ser imortal.

            É verdade que esse estudo nos reserva ao começo as mais acabrunhadas decepções. Tocado, com efeito, o nosso espírito pelas inusitadas e fulgurantes claridades da Revelação, quando dirigimos as nossas vistas, à maneira de sonda em mar desconhecido, para os abismos ignorados da nossa alma, empolga-nos ora o assombro, ora o desgosto de nos reconhecermos tão pequenos, tão distanciados do ideal que nos fora apresentado; ao mesmo tempo que palpitando de nobres e generosas aspirações, sentimo-nos bruscamente desviados pela solicitações de inferior tendência - misto, em suma, de clarões e trevas, de bem e mal, exatamente como o universo, em que essas duas modalidades se hostilizam, se conflagram e produzem o equilíbrio! E que titânicos esforços não se fazem necessários, que luta formidável e sem tréguas não se empenha no campo silencioso da própria consciência, até que a tendência para o bem, convenientemente sistematizada, consiga levar sempre de vencida as tentações e arrastamentos para o mal!

            Muitos descoroçoam logo ao começo dessa pugna. Outros – e é tão grande o número deles – nem ao menos se apercebem para a sustentar. Aqueles que, porém, compreendem que, para ser-se verdadeiramente espírita, não basta ter notícia do que dizem as obras da doutrina, nem ainda menos andar a apregoar a excelência dos seus princípios, com os quais, todavia, não tratam de conformar a sua conduta moral, dando lhes assim um desmentido vivo; aqueles que, longe de pretenderem adaptar a doutrina a suas vistas pessoais, forcejam por elevar-se tão alto o seu coração e o seu pensamento que os possam adaptar a doutrina a suas magníficas regras desse novo código, e assim, começam por aquele exame e consequente reforma de si mesmos, e nesse trabalho não se admiram de ter que empregar anos e anos, até ao fim de sua vida (ah! e de outra sorte é impossível, são os únicos que se podem considerar em vésperas de possuir aquela chave de que falamos, para com ela abrir as portas misteriosas da Sabedoria.

            Integral? – Ai de nós! Seres perfectíveis e finitos, mais ainda, habitando de um mundo inferior de expiação e provas, podemos acaso, pelo menos enquanto aqui permanecermos, aspirar à posse completa da Verdade?

            Daí, entretanto, será legítimo concluir que, antes de atingirmos aquele grau ideal de perfeição, possível sobre a Terra, devemos renunciar a toda pesquisa no domínio geral do conhecimento?

            De modo algum. Sem dúvida – insistiremos nisto – o primeiro estudo que se impõe ao adepto é o de si mesmo, o conhecimento do mistério vivo que é o homem, ao qual deve suceder de perto a modificação, a transformação de seus hábitos e tendências, a regeneração gradual do seu modo de ser e de agir, por pensamentos, palavras e atos. Sem esse trabalho preparatório, não haverá realmente possibilidade de efetivos e duradouros progressos. Vencidas, porém, as resistências de começo, que são as mais tenazes, da própria rebelde natureza, passados os primeiros anos (sim, que são necessários alguns anos para essa primeira paciente iniciação), à medida que a consciência se for tornando mais reta e o julgamento mais seguro, nada se opõe a que o crente vá paralelamente dilatando o campo de seus conhecimentos, penetrando mais longe na esfera das verdades superiores. E ele aí penetrará com tanto maior segurança, quanto é um fato de evidência para todos os que tenham tido a fortuna de o observar em si mesmos, que a cada conquista que o homem obtém sobre a sua natureza inferior, a cada esforço que realiza no sentido de elevar-se mais alto, acima das solicitações e arrastamentos subalternos, corresponde uma dilatação de suas percepções interiores. Dir-se-ia que a luz da Sabedoria incriada, que palpita em torno dos seres, espreitando o momento de se lhes comunicar, penetra os seios da alma, iluminando gradativamente a consciência então desperta.

            É isso o que, efetivamente, a nosso ver, se dá. E se assim é, e se por outro lado falecem a cada um de nós outros os elementos para conhecer e determinar o estado de consciência dos nossos semelhantes, como estabelecermos arbitrariamente, e de um modo Geral, que tais estudos são lícitos e tais outros prematuros ou inacessíveis?

            “Pretender-se resolver pelo Espiritismo – disse o nosso prezado colega d’A Revelação, citando Allan Kardec - aquilo que não está ao alcance da humanidade, é desviá-lo do seu fim.”

            Nunca - tolere-nos a irreverente contradita - teria menos apropriada aplicação essa sentença do iluminado codificador do Espiritismo, que relativamente à questão da corporeidade de Jesus.

            Pois se o Espiritismo nos vem fornecer, pela observação dos seus fenômenos e pela dedução das leis que os regem, o conhecimento dos fluidos, em suas propriedades e na imensa variedade de suas aplicações, é precisamente por ele que chegaremos a resolver esse caso, que a tantos surpreende, da corporeidade fluídica do Cristo. Ao demais convém não separar o ensino relativo a essa circunstância, da Revelação integral de que faz parte, indispensável ao seu completo entendimento. N’Os Quatro Evangelhos, com efeito, também denominado “Espiritismo Cristão, ou Revelação da Revelação” deram os evangelistas a Roustaing, não somente a explicação, em espírito e verdade, dos ensinos morais do Cristo, dos atos de sua vida, do seu papel, missão e poderes em relação à Terra, como também os mais altos e importantes ensinos acerca da criação, da evolução e destino dos espíritos, formando com isso uma obra admirável em 3 volumes, de que muitos falam, mas que poucos terão lido e muito menos estudado.

            Dessa obra – acrescentaremos de passagem, como informação – está sendo feita sob os auspícios da nossa sociedade, uma cuidadosa tradução, que não tardará muito a vir a lume, e que, vulgarizando-a entre nós, permitirá o estudo amplo, minucioso e analítico de que é digna.

            Assim pois, se os espíritos julgaram oportunas tais revelações, - e trata-se, como se sabe e o acabamos de assinalar, de uma revelação - com que direito proscreveríamos nós outros, ainda que a título provisório, o seu exame e comentário? Sem dúvida, para o perfeito entendimento das transcendentes questões ali expostas, exige-se alguma coisa mais que o espírito de curiosidade, o prurido de crítica ligeira; por isso não será aos neófitos, aos recentemente convertidos, não habituados ainda, em sua indisciplina mental, à profunda e amadurecida cogitação de altos ensinos (*), que o seu estudo será recomendável, ou que entre eles aliciará convicções. Tais ensinos, entre os quais o relativo à corporeidade de Jesus, para serem bem compreendidos, reclamam condições de iniciação, perseverante e demorada, que se não podem improvisar.

            (*) Salvo certos casos de predisposição inata, mesmo em alguns moços, de que temos tido conhecimento pessoal.

            Quais são os espíritas que se acham nessas condições? Poderemos sabe-lo porventura? É um caso que cada um resolverá segundo a sua própria consciência.

            Enquanto isso, não nos sobressaltemos por que aquela, entre outras questões interessantes, seja trazida para a tela dos debates, contanto que - não há que dissentir - se mantenham estes na esfera pacífica e cortês. Ainda agora, nesta mesma edição da nossa folha encontrará o colega do Pará um artigo firmado pelo nosso esclarecido colaborador Dr. Fernando de Alencar, terceiro de uma série provocada pelo estudioso confrade Arthur Baptista, de S. Paulo, acerca da corporeidade fluídica do Cristo.

            A permuta de ideias entre dois irmãos em crença tem-se mantido, com grande edificação para todos nós, no domínio sereno das doutrinas, sem a mais ligeira quebra dos laços de fraternidade e deferência a que mutuamente e legitimamente, se consideram obrigados. Deus permita – e assim o esperamos – que nesse terreno se conservem. E, assim sendo, onde estará o mal?

            É possível que nem um nem outro cedam uma linha de suas pessoais convicções: o nosso prezado colaborador, por certeza de estar na verdade – e nós com ele; o nosso não menos prezado confrade Arthur Batista, por acreditar inexpugnáveis as suas objeções, filhas, entretanto – tolere-nos ele esta fragilíssima ingerência – de um incompleto estudo da questão.

            Como quer que seja, porém, acreditamos que nem tudo será perdido: na pior das hipóteses, os leitores, que devem ter acompanhado com interesse o debute, terão por igual colhido, em sua intercorrência, pelo menos alguns subsídios de proveitoso estudo.

            E sempre se terá lucrado alguma coisa.

            Não terminaremos contudo, sem agradecer ao nosso amável colega d’A Revelação a generosidade dos conceito que em seu escrito externa acerca do modo por que a nossa modesta folha discutiu, há tempos, aquela questão da “personalidade de Jesus”, e nem ao mesmo tempo pedir-lhe, não somente que nos releve a deficiência do nosso arrazoado, como também que me perdoe, se no que acima fica dito acaso descobrir o quer que seja que de leve ao pareça discrepar da estima e do afetuoso respeito de que é digno, e que de todo o coração lhe tributamos.

            Creia que tal, de nossa parte, não terá sido a intenção.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Odium Theologicum



Odium Theologicum
Redação 
Reformador (FEB) 1 Junho 1918

            “Si attendis quid apud te sis intus, non curabis quid de te loquantur hamines.”                                                                                                                                           (Imitação de Cristo)
            
             Para a Igreja Católica e seus cismáticos rebentos, a Doutrina Espírita, em tese, é obra de puro satanismo.
            E não se apercebem os seus corifeus, homens presumidamente ilustrados que tal afirmativa não passa de grosseiro paralogismo, (raciocínio falso que se estabelece involuntariamente).  insubsistente e nulo ante o espírito filosófico da nossa época, tecido de madureza e livre exame.
            O Dr. Joseph Lapponi, médico de Leão XIII e Pio X, em sua obra “Hipnotismo e o Espiritismo” chegou à conclusão tendenciosamente e esdrúxula de ser o Espiritismo “sempre” (1) perigoso, funesto e imoral, (2) depois de fundamentar e aliás brilhantemente a autenticidade das manifestações espíritas, respigadas os próprios anais do Vaticano.

(1) O grifo é nosso.
(2) Ob. Cit. Pag. 278

            Diante de atitudes clássicas tão desenvoltas, de tipos representativos como esse, não admira que um Bispo ainda há pouco, do alto da sua cátedra viesse de público afirmar que o Espiritismo é imoral porque nega a Deus!
            De qualquer forma, porém, o que se infere é que, para os ultramontanos ortodoxos os fatos são inconcussos (indiscutíveis) e apenas subsiste a questão de sua origem suspeita e perniciosa.
            Estribados nesse conceito, de barato “bona fide” (de boa fé) os clericais intransigentes não regateiam ensejo de bolsar (lançar) contra o Espiritismo em geral e contra os seus adeptos em particular, protérvias (violências) e calunias indignas, seja dito, da tarefa que tão ciosa e exclusivamente se arrogam de ministros de Deus; únicos depositários da Verdade revelada e senhores de almas e povos.
            Essa campanha, entretanto, não é nova: nem é privativa, como poderia parecer a muitos de nossos leitores, da partida prelatura (área geográfica sob a orientação de um autoridade católica – os prelados ou seja, padres, bispos etc).
            Como tal, não nos surpreende nos seus métodos e analisando-a de conjunto, o que encontramos de curioso, no momento, é que ela parece intensificar-se por toda a parte, quiçá como fenômeno reflexo do grande abalo que o mundo experimenta, na justificada previsão de reformas político-sociais que lhe coartem (comprimem) ou extingam o já de si vacilante e duvidoso prestígio.
            De fato, pelo jornais e revistas que nos chegam da Itália como da França, da Espanha como da Inglaterra, da Norte América como de Cuba, do México como da Argentina, inferimos que o “mot d'ordre” (palavra de ordem) para a cleresia arregimentada é a hostilidade a todo o transe aos portadores da nova crença, que há de regenerar o mundo e sarar lhe as gotejantes feridas do presente.
            E por aqui como algures, acham os nossos gratuitos e natos adversários que todas as armas lhes servem, como quem diz - honrando o velho lema de Loyola – “os fins justificam os meios”.
            Que o façam, que continuem a fazê-lo no louco intento de atrofiar consciências e auferir proventos e regalias, é coisa que menos nos importa, tão certo estamos que os tempos estão chegados de emancipação coletiva no conspecto (olhar) do problema religioso, que não pode regredir para ankilosar (perder o conquistado) em teocracias formalísticas, porque é apanágio da evolução dessas mesmas consciências, a falarem incoercivelmente mais alto que todos os interesses e convenções mundanos.

            Vale o asserto pelo incremento assombroso da nossa causa, cujos adeptos se multiplicam não já entre gentes simples e humildes de boa fé, não já entre os que deixaram por muitos marcos assinalados na estrada da vida os entusiasmos e ilusões, mas no seio da mocidade, das classes estudiosas e pensantes, que representam o futuro, o mundo de amanhã.
            Tudo vem a seu tempo e se apenas em pouco mais de dez lustros (01 lustro = cinco anos) o espiritismo apresenta esta vitalidade, malgrado a cavilosa e sistematizada campanha de descrédito que lhe moveram e malgrado as aberrações do seu falso proselitismo, é licito concluir que ele seja o que anunciam os espíritos elevados, isto é - o Consolador prometido por Jesus há vinte séculos.
            Para nós outros já o é.
            Náufragos de todas as borrascas, penitentes e sofredores de todos os matizes, céticos desiludidos de todas as escolas filosóficas, inúmeros são os que nele entraram energia e fé, serenidade e esperança amor e caridade para prosseguirem na derrota necessária.
            E é diante de fatos desta ordem que nos increpam de blasfemos, de néscios ou de loucos!
            Mas, néscios não são os que pontificam de oitiva (por ouvir dizer)?
            E loucos não serão os que por espírito de seita pretendem opor-se a leis naturais em nome de Deus que é a Lei Suprema?
            Sim, mil vezes sim.
            A história aí está viva para comprova-lo: as hipóteses absurdas de ontem são as verdades incontrastáveis da hoje.
            O “satanismo” glosado de hoje será também a consagração da misericórdia divina de amanhã quando generalizada a noção lídima dos três grandes princípios que o Espiritismo consagra e dignifica - Deus por base, Progresso por meio e Liberdade por fim.
            O clero saberá intuitivamente que os seus dias de fastígio e predomínio estão contados.
            Arremete contra nós outros porque temos fé viva num Deus absoluto na perfeição de seus atributos, incapaz de votar seus filhos a condenação eterna, mas capaz de os salvar a todos pela lei do trabalho e esforço próprio!
            Anatematiza-nos porque não aceitamos os seus dogmas heteróclitos, porque não acompanhamos o seu ritual solenemente pagão, preferindo-lhes em consciência o
Evangelho de Jesus em espírito e verdade!
            Injuria-nos porque aceitamos a comunicação dos espíritos, que os apóstolos e santos varões primitivos da sua Igreja aceitaram e praticaram!
            Pretende, finalmente, pôr-nos fora da sociedade e da Lei, porque aos ensinos abstrusos do seu catolicismo ministrados em templos de pedra com mundanas exibições de luxo e vaidade, preferimos o templo augusto da consciência, apenas aclarado pelo amor do nosso Deus sobre todas as coisas e do nosso Deus sobre todos as coisas e do nosso próximo como a nós mesmos!
            Grande crime, na verdade, o nosso; e tão grande que não nos só beija, por ele, o direito de revide, condenando a sua Egreja.
            Ela está no seu papel e coerente com o seu passado.
            Nós ficaremos em nosso posto, coerente com o ensinamento do Divino Mestre.
            E até que o tempo decida o pleito, enquanto a igreja apela para as leis humanas, para as suas tradições e até para os governos temporais, nós apelamos simples e unicamente para Deus. E fazemo-lo como quem d’Ele procura dar testemunho nos próprios atos.

terça-feira, 26 de maio de 2020

A hereditariedade e o fluido vital


A hereditariedade e o fluido vital

por Gonçalves Júnior
Reformador (FEB) Julho 1907

Sr. Presidente e caros confrades (*)

                (*) Este trabalho foi lido pelo autor, em uma das sessões da Federação Espírita Brasileira, quando aí se estudava a questão do suicídio, magistralmente exposta em ‘Os Quatro Evangelhos’, de J.B. Roustaing, tendo-se, na intercorrência dos debates, tratado da transmissibilidade do fluido vital, como importante fator da duração da vida.   

            É a primeira vez que peço a palavra nesta assembleia, para tomar parte nestes elevados e profundos estudos do Espiritismo. A minha posição aqui tem sido sempre a de quem precisa estudar e não se sente com bastante competência para emitir uma opinião sobre tão transcendentes questões deste departamento do saber.

            Entretanto, como vedes, quebro a minha norma de proceder, porque na sessão de terça-feira passada um dos nossos companheiros tocou em um ponto que bem merece a nossa atenção.

            Discordei de sua opinião sobre esse assunto; e é por isso que vos venho roubar alguns momentos de atenção.

            Antes de tudo devo confessar que não compreendo a religião sem a ciência - Se elas são irmãs e fitam o mesmo ideal, não podem ser jamais separadas.

            Não há fato contraditório em ciência, disse um dos nossos mestres em fisiologia: quando eles parecem existirem, é porque houve engano por parte do observador: é porque as leis que regem tal fato lhe são desconhecidos.

            O mesmo princípio deve ser aplicado à religião; e esse mesmo princípio deve ser ainda aplicado à interpretação da religião pelas ciências – A ciência não pode contradizer a religião e nem esta contradizer a ciência; e digamos, parodiando o ensino do nosso mestre: e contradições parece existirem entre a religião e a ciência, é porque os fatos não foram bem observados, ou porque as leis que regem esses fatos são desconhecidas do investigador.

            O Espiritismo é o ensino que satisfaz esse supremo ideal, e é por isso que ele será sempre vencedor no domínio do pensamento e do sentimento.  

            O companheiro nos disse que achava contradição no fato, afirmado pela ciência de que se os pais transmitem aos filhos caracteres e elementos de vitalidade, pois que o espírito, que se vai encarnar, possui fluidos que lhe são próprios.

            Vamos, com os conhecimentos que adquirimos, procurar esclarecer este ponto de real importância para nós.

            Antes de tudo, devemos fazer umas considerações, que nos parecem necessárias, para o esclarecimento da questão.

            Conhecemos, pelo estudo da histologia e da fisiologia, a célula e os seus elementos componentes: protoplasma e núcleo; e sabemos que ela é a unidade viva. – É dela que todo o ser parte, em sua evolução progressiva e constante.
           
            Não se pode estudar os organismos superiores, sem conhecer a célula, porque eles não são mais do que agrupamentos de colônias celulares. Ela possui, em síntese, sob o título de propriedades fundamentais da substância viva, todas as manifestações dos organismos mais adiantados: é assim que ela move-se, nutre-se, reproduz-se e sente.

            É a célula uma espécie de ABC com que o biologista soletra a vida na escala dos seres vivos. Não se pode estudar a função de um órgão, por mais adiantado que, sem conhecer as propriedades fundamentais da substância viva, pois que a função nada mais é que uma propriedade exaltada, na frase expressiva do Dr. Oscar de Souza nosso mestre em Fisiologia.

            Fazer um estudo sumário da célula e das suas propriedades, seria ocuparmos um tempo muito longo, do qual não dispomos aqui, nesta breve e resumida palestra.

            Tomemos para a demonstração da nossa tese uma célula perfeita: o óvulo. Nela encontramos todos os elementos de uma célula completa: membrana, protoplasma, núcleo e nucléolos. Demoremos um pouco no estudo do núcleo, pois que ele é o elemento principal na reprodução, e que nos vai fornecer os dados necessários para afirmarmos que a hereditariedade é um fato inconteste, e que não contradiz, segundo o nosso modo de ver, os princípios que o Espiritismo ensina.

            Nós, os espíritas, temos a vantagem de caminhar ao lado dos materialistas no terreno da experiência científica, e seguirmos além, muito além do limite em que eles se deixam ficar no terreno da interpretação dos fatos observados. Para o espírita não existe horizonte - temos diante de nós a imensidade luminosa, que nos conduz aos mais elevados domínios do pensamento. Não devemos excluir a ciência no estudo do Espiritismo, porque é nela que temos os dados mais poderosos e irrefutáveis, para combater, no domínio da razão e da lógica, os nossos encarniçados inimigos em matéria de doutrina religiosa.

            Que é, em uma palavra, a ciência? – Uma série de fatos comprovados pela experiência.

            Disse-nos ainda o Dr. Oscar de Souza, em uma de suas sábias lições: “Para que um fato faça parte integrante da ciência, é necessário que a experiência venha comprová-lo. A ciência não se forma com os fatos agrupados: ela só se constitui pelo conhecimento dos fenômenos e pelas leis que regem a generalidade. Assim é que, unindo bem os fatos e procurando o nexo que os prende, chegamos pouco a pouco ao conhecimento de uma ciência.”  

            A religião sem a ciência, ou ciência sem religião, é uma verdadeira contradição.

            O Espiritismo é a religião, porque sintetiza numa harmonia perfeita toda a ciência, e caminha, banhado, banhado pela luz de uma alvorada perene, até o seio da majestade divina.

            Mas voltemos a falar do núcleo, parte essencial da célula, nos fenômenos de reprodução. O núcleo apresenta várias formas, das quais não trataremos aqui; é envolvido por uma, chamada membrana nuclear, e constituído por uma substância esponjosa, reticulada, ou melhor, para dar uma ideia mais clara, por uma esponja embebida de um líquido, chamado hialoplasma. (Também conhecido como citosol, o hialoplasma é um líquido presente no interior das células dos seres vivos). Este retículo ou esponjioplasma, toma o nome de substância cromática, ou cromatina, assim chamada por ser facilmente colorida por reativos.

            Chegamos à matéria essencial do núcleo que procuramos -a cromatina, à qual Mathias Duval deu, com muita propriedade, o nome de substratum material da hereditariedade. Não trataremos do líquido que aí se encontra, nem dos nucléolos, para não nos alongarmos multo neste estudo.

            Tomemos somente a rede de cromatina, para a base do que desejamos demonstrar.

            Essa rede de cromatina é constituída por um ou vários filamentos chamados cariomitomas que, pelos seus contornos e circunvoluções, dão um aspecto reticulado ao conjunto.

            Esses filamentos são constituídos, a seu turno, por pequenos corpúsculos (cariomicrosomas) formados de uma substância fosforada e albuminoide chamada nucleína a única substância que, na realidade, se colore no filamento cromático. Esses corpúsculos ou grãos de nucleína dispõem-se em séries, como as contas de um rosário; e são unidos por uma outra substância chamada Iinina, que não se colore pelos reativos.

            O filamento cromático pode se desenrolar; e desenrola-se no ato divisão celular.

            A divisão celular tem por fim, por uma série de atos, dividir esse filamento cromático em partes iguais, para fornecer à nova célula esse elemento material indispensável a vida do novo ser.

            Pois bem: é nessa matéria que a célula mãe transmite à célula filha todos os seus caracteres; e é por isso que toda a célula ou, ampliando, todo o ser é a imagem perfeita do ser que lhe deu origem.

            O que se dá com a célula, dá-se com o organismo mais perfeito, o do homem.

            Que é o homem - esse ser ocupa o ápice da escala dos seres na Terra, e que apresenta as mais complicadas funções?

            Duas células que se fundiram numa; o óvulo fecundado que evoluiu!

            Maravilhosa Sabedoria essa que dirige o destino dos seres!

            No desenvolvimento ontogênico (do indivíduo), pode-se ler toda a história do seu passado, tudo o que ele foi na escala zoológica, antes de atingir ao ponto culminante a que chegou.

            E assim que o homem, ser mais perfeito entre os seres da Terra, tem a sua origem biológica numa simples célula! No óvulo, no embrião que se desenvolve, ele vai escrevendo, como para lembrar a sua pequenez no Universo, tudo o que ele foi na escala dos seres vivos.

            Foi esta verdade que o sábio poeta da ‘Oração à Luz’, Guerra Junqueiro, cristalizou nestes versos que passarão à posteridade, como um atestado da presença, em nosso céu, da estrela d’alva, precursora do dia que há de iluminar as gerações futuras:  

Desde que, verme escuro, andei de rastros
E lodo, em pé, sob o clarão dos astros,
Ao verter uma lágrima ligeira,
Me tornei homem pela vez primeira!

            O materialista, que vê tudo pelo prisma que melhor lhe convém, lê somente a parte material desses maravilhosos fenômenos, e diz que a matéria evolui, quando, na realidade, nós o sabemos, o que evolui é o espírito: a matéria, ou a forma material, acompanha somente a evolução do espírito.

            Mas não nos desviemos do caminho traçado. Feito o estudo do núcleo, conhecida a cromatina e o seu valor, passemos um rápido olhar sobre a fecundação nos mamíferos. Estudar a fecundação nos mamíferos ou, melhor, nos equinodermos, (Os equinodermos (do grego echinos: espinhos; derma: pele) constituem um grupo de animais exclusivamente marinhos, dotados de um endoesqueleto (endo = dentro) calcário muitas vezes provido de espinhos salientes, que justificam o nome zoológico do grupo.) que realizam todas as condições requeridas para esses estudos, é estudar o homem.  

            No caso da fecundação nos mamíferos é ainda a cromatina o veículo, o transmissor da hereditariedade. É a célula masculina que vai levar, no menor volume, a maior quantidade dessa substância à célula feminina, para que, assim reunidas, nas mesmas proporções, as duas quantidades de cromatina, masculina e feminina, se possa desenvolver o óvulo em embrião. É por isso que o ser que então se forma apresenta caracteres comuns aos organismos que lhes deram origem. E tanto isso é verdade, que nunca vimos um homem dar origem a uma palmeira, ou a um outro animal que lhe seja inferior.

            Procuremos agora interpretar os fatos, para que possamos ver se há contradição nos ensinos que o Espiritismo nos fornece.

            Estudamos em fisiologia que a matéria nada mais é que uma simples portadora de energia.

            A energia pode ser potencial ou de tensão, cinética ou real.

            Pois bem: a cromatina é portadora de energia potencial; e essa energia permanecerá nesse estado, enquanto não se reunirem as duas cromatinas masculina e feminina (pronucleus macho e pronucleus fêmea) (é o núcleo de um espermatozoide ou óvulo durante o processo de fecundação, após o espermatozoide entrar no óvulo e antes de se fundirem). Uma vez dada a fusão, a energia passa ao estado cinético e o óvulo se desenvolve.

            Até aí falou conosco, no estudo núcleo a ciência materialista. Agora vamos ver se, à luz clara do Espiritismo, podemos caminhar mais além, e explicar o concurso de um terceiro elemento no desenvolvimento do ser – o espírito que dirige a matéria.

            Temos visto, nos casos de materializações, realizadas em todas as partes do mundo, a necessidade do concurso de um médium para a realização desses fenômenos.

            Que é que o médium fornece ao espírito, para que ele se possa materializar?

            - Fornece fluidos, a fim de que possa condensar o seu perispírito.

            Que é esse fluido senão a energia sob um outro aspecto?

            O espírito precisa de fluidos, ou melhor de energia, dizemos nós, para se apresentar no nosso mundo material – Da qualidade do fluido do médium depende o espírito que se tem de materializar: quanto mais elevado é o estado de vibração dos fluidos do médium, tanto mais adiantado será o espírito a se manifestar: há uma espécie de atração simpática Entre um e outro, ou, se quiserdes, um fluidotropismo positivo. (Tropismos são movimentos de mudança de direção de crescimento que ocorrem em organismos vivos ou suas partes devido ao estímulo de um fator externo). Tanto isto é verdade que, nos centros onde predominam baixos sentimentos e, portanto, onde a atmosfera é pesada e grosseira, nunca os bons espíritos se podem manifestar.  

            O espírito é assim atraído pela quantidade do fluido do médium.

            Ora, que é a cromatina ou antes, a energia levada pela cromatina senão os fluidos desses médiuns que são os pais?

            Da qualidade dessa energia depende o espírito que se vai encarnar, isto é: o espírito que se vai encarnar é um espírito que se encaixa perfeitamente à qualidade da energia fornecida pelos pais. – Daí a hereditariedade que se apresenta como um fato incontestável no domínio da ciência.  

            Um espírito de um mundo superior não poderá se encarnar na matéria que constitui o nosso organismo, ainda grosseiro em comparação com esses corpos leves e etéreos que eles animam, porque não será atraído por ela. A prova disso temos no corpo fluídico, astral, de que Jesus se serviu para vir a Terra. O espírito de um homem também não poderá encarnar num animal inferior, porque a vibração do perispírito e do corpo material absolutamente não se podem harmonizar.

            É assim que há urna perfeita correlação entre os dois fenômenos A harmonia permanece infrangível, e a obra gigantesca e maravilhosa do Eterno, cientista dos cientistas, permanece bela, sublimemente perfeita e completa.

            O materialista, que deixa ficar no limite estreito e acanhado da matéria, não pode compreender estes fenômenos, e afirma que a ciência não se pode adaptar ao ensino religioso. Por outro lado, os espiritualistas que ainda não foram banhados por esta luz bendita da nova revelação, caminham, como duas individualidades perfeitas, nos dois terrenos, isto é: - são religiosos, sem serem cientistas, na igreja: são cientistas sem serem religiosos, nos laboratórios científicos!

            - Perfeita incoerência do pensamento humano!

            No caso da hereditariedade, o cientista materialista e o espiritualista desta última espécie não podem compreender o fenômeno que se passa, porque desconhecem as leis que regem o espirito, ou melhor, que reúnem o espírito à matéria: o primeiro, o materialista, nega o concurso dessa inteligência, que ele não conhece: o segundo, o espiritualista incompreensível, fecha os ouvidos para não se contradizer.

            Mas, perguntar-nos hão os materialistas se os organismos são como dissestes, e como dizemos nós, agrupamentos de colônias celulares, como é que existe o espírito no organismo humano? Essas células, o glóbulo branco do sangue (leucócito) a célula nervosa, por exemplo, não são individualidades perfeitas?

            -Sim, respondemos nós, como são todas as células, que se reúnem para constituir o Organismo: porém são individualidades dependentes da inteligência superior que as rege.

            Tomemos um exemplo: fácil, para fazer compreender o nosso pensamento. Um exército é constituído por milhares de soldados; cada soldado é uma individualidade perfeita: a reunião dessas individualidades constitui o exército sob as ordens de general que o rege: o general é o espírito diretor do exército, sem o qual não existiria a integridade do conjunto. – Desaparecendo o general, desmembra-se o organismo.

            Damos este esclarecimento, para mostrar que não há incoerência naquilo que afirmamos e, para mostrar, mais uma vez, que o Espiritismo é e será sempre, o facho radiante que guiará, num clarão maravilhoso e esplendorosamente belo, todas as inteligências que procurarem a verdade, custe isso embora o despedaçamento de todos os erros e preconceitos a que ainda está ligada a humanidade da Terra.

            A harmonia é a divisa da natureza: ela existe, quer na Terra, quer nos mundos que rolam em clarões resplandecentes pelas profundezas insondáveis do Universo! Ela é o laço que nos prende à cadeia da animalidade na Terra; ela será a escada de Jacó que nos levará, através, dos mundos, aos mais altos destinos da espiritualidade!