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quinta-feira, 28 de maio de 2020

Doutrina - Condições e graus de Estudo



Doutrina - Condições e graus de Estudo
Redação 
Reformador (FEB) 1º de junho de 1907

            O prometido é devido. Vamos, pois, cumprir a promessa formulada na nossa última edição, no sentido de oferecermos alguns respeitosos cumprimentos ao artigo do nosso prezado colega “A Revelação”, do Pará, epigrafado “Conheçamo-nos primeiro”, no qual, ocupando-se da questão relativa à corporeidade de Jesus, em torno da qual “estabeleceram-se duas correntes de opiniões contrárias, sem nenhuma luz para a doutrina” entende ele que, de preferência a nos empenharmos os espíritas em tais sutis e, por enquanto, prematuras indagações, deveríamos preocupar-nos “mais intimamente conosco mesmos, microscópio cheio de fundos mistérios incompletamente desvendados.”  

            Em tese, não temos que dissentir do criterioso entender do nosso colega paraense. No domínio da investigação, com efeito, deve o homem proceder como a natureza: gradativamente. O estudo, pois, que o deve conduzir aos diferentes e sucessivos graus do conhecimento, tem que ser forçosamente subordinado a condições. E a primeira destas, como bem a faz notar o nosso amável interlocutor, é a análise de si mesmo, o exame introspectivo do eu individual, como base indispensável e ponto de partida do conhecimento ulterior - os fatos externos, as coisas visíveis, em seus diferentes modos de manifestação, o universo, em suma, na estrutura de suas leis, as verdades divinas em sua essência.

            Porque, sendo o homem uma redução do universo, o microcosmo, portanto, a expressão é perfeita e adequada – nenhuma noção exata e verdadeira poderá ele adquirir acerca das coisas e seres desse universo, antes de conhecimento, tão completo quanto possível, de si mesmo. Um é a chave misteriosa e explicativa do outro. Desvendado o mistério, está obtida a explicação, isto é, a posse da Verdade.  

            E foi neste sentido que o definiu Sócrates, no corpo de doutrina formulada por seu discípulo Platão:

            A alma, quando contempla a sua própria essência, dirige-se para o que é puro, eterno e imortal; e como é da mesma natureza, aí se demora por todo o tempo que lhe é possível. Então seus desvarios cessam, por estar ela unida no que é imutável. A esse estado d'alma é que se chama sabedoria.”

            A falta dessa iniciação na fonte primária do conhecimento, é que vemos tantos adeptos flutuando ao sabor de desencontradas sugestões. Não temos, por isso, a mínima relutância em subscrever a opinião do nosso colega do Pará, no sentido de que os espíritas devemos começar um estudo aprofundado do nosso eu interno, da essência de que é constituído o nosso ser imortal.

            É verdade que esse estudo nos reserva ao começo as mais acabrunhadas decepções. Tocado, com efeito, o nosso espírito pelas inusitadas e fulgurantes claridades da Revelação, quando dirigimos as nossas vistas, à maneira de sonda em mar desconhecido, para os abismos ignorados da nossa alma, empolga-nos ora o assombro, ora o desgosto de nos reconhecermos tão pequenos, tão distanciados do ideal que nos fora apresentado; ao mesmo tempo que palpitando de nobres e generosas aspirações, sentimo-nos bruscamente desviados pela solicitações de inferior tendência - misto, em suma, de clarões e trevas, de bem e mal, exatamente como o universo, em que essas duas modalidades se hostilizam, se conflagram e produzem o equilíbrio! E que titânicos esforços não se fazem necessários, que luta formidável e sem tréguas não se empenha no campo silencioso da própria consciência, até que a tendência para o bem, convenientemente sistematizada, consiga levar sempre de vencida as tentações e arrastamentos para o mal!

            Muitos descoroçoam logo ao começo dessa pugna. Outros – e é tão grande o número deles – nem ao menos se apercebem para a sustentar. Aqueles que, porém, compreendem que, para ser-se verdadeiramente espírita, não basta ter notícia do que dizem as obras da doutrina, nem ainda menos andar a apregoar a excelência dos seus princípios, com os quais, todavia, não tratam de conformar a sua conduta moral, dando lhes assim um desmentido vivo; aqueles que, longe de pretenderem adaptar a doutrina a suas vistas pessoais, forcejam por elevar-se tão alto o seu coração e o seu pensamento que os possam adaptar a doutrina a suas magníficas regras desse novo código, e assim, começam por aquele exame e consequente reforma de si mesmos, e nesse trabalho não se admiram de ter que empregar anos e anos, até ao fim de sua vida (ah! e de outra sorte é impossível, são os únicos que se podem considerar em vésperas de possuir aquela chave de que falamos, para com ela abrir as portas misteriosas da Sabedoria.

            Integral? – Ai de nós! Seres perfectíveis e finitos, mais ainda, habitando de um mundo inferior de expiação e provas, podemos acaso, pelo menos enquanto aqui permanecermos, aspirar à posse completa da Verdade?

            Daí, entretanto, será legítimo concluir que, antes de atingirmos aquele grau ideal de perfeição, possível sobre a Terra, devemos renunciar a toda pesquisa no domínio geral do conhecimento?

            De modo algum. Sem dúvida – insistiremos nisto – o primeiro estudo que se impõe ao adepto é o de si mesmo, o conhecimento do mistério vivo que é o homem, ao qual deve suceder de perto a modificação, a transformação de seus hábitos e tendências, a regeneração gradual do seu modo de ser e de agir, por pensamentos, palavras e atos. Sem esse trabalho preparatório, não haverá realmente possibilidade de efetivos e duradouros progressos. Vencidas, porém, as resistências de começo, que são as mais tenazes, da própria rebelde natureza, passados os primeiros anos (sim, que são necessários alguns anos para essa primeira paciente iniciação), à medida que a consciência se for tornando mais reta e o julgamento mais seguro, nada se opõe a que o crente vá paralelamente dilatando o campo de seus conhecimentos, penetrando mais longe na esfera das verdades superiores. E ele aí penetrará com tanto maior segurança, quanto é um fato de evidência para todos os que tenham tido a fortuna de o observar em si mesmos, que a cada conquista que o homem obtém sobre a sua natureza inferior, a cada esforço que realiza no sentido de elevar-se mais alto, acima das solicitações e arrastamentos subalternos, corresponde uma dilatação de suas percepções interiores. Dir-se-ia que a luz da Sabedoria incriada, que palpita em torno dos seres, espreitando o momento de se lhes comunicar, penetra os seios da alma, iluminando gradativamente a consciência então desperta.

            É isso o que, efetivamente, a nosso ver, se dá. E se assim é, e se por outro lado falecem a cada um de nós outros os elementos para conhecer e determinar o estado de consciência dos nossos semelhantes, como estabelecermos arbitrariamente, e de um modo Geral, que tais estudos são lícitos e tais outros prematuros ou inacessíveis?

            “Pretender-se resolver pelo Espiritismo – disse o nosso prezado colega d’A Revelação, citando Allan Kardec - aquilo que não está ao alcance da humanidade, é desviá-lo do seu fim.”

            Nunca - tolere-nos a irreverente contradita - teria menos apropriada aplicação essa sentença do iluminado codificador do Espiritismo, que relativamente à questão da corporeidade de Jesus.

            Pois se o Espiritismo nos vem fornecer, pela observação dos seus fenômenos e pela dedução das leis que os regem, o conhecimento dos fluidos, em suas propriedades e na imensa variedade de suas aplicações, é precisamente por ele que chegaremos a resolver esse caso, que a tantos surpreende, da corporeidade fluídica do Cristo. Ao demais convém não separar o ensino relativo a essa circunstância, da Revelação integral de que faz parte, indispensável ao seu completo entendimento. N’Os Quatro Evangelhos, com efeito, também denominado “Espiritismo Cristão, ou Revelação da Revelação” deram os evangelistas a Roustaing, não somente a explicação, em espírito e verdade, dos ensinos morais do Cristo, dos atos de sua vida, do seu papel, missão e poderes em relação à Terra, como também os mais altos e importantes ensinos acerca da criação, da evolução e destino dos espíritos, formando com isso uma obra admirável em 3 volumes, de que muitos falam, mas que poucos terão lido e muito menos estudado.

            Dessa obra – acrescentaremos de passagem, como informação – está sendo feita sob os auspícios da nossa sociedade, uma cuidadosa tradução, que não tardará muito a vir a lume, e que, vulgarizando-a entre nós, permitirá o estudo amplo, minucioso e analítico de que é digna.

            Assim pois, se os espíritos julgaram oportunas tais revelações, - e trata-se, como se sabe e o acabamos de assinalar, de uma revelação - com que direito proscreveríamos nós outros, ainda que a título provisório, o seu exame e comentário? Sem dúvida, para o perfeito entendimento das transcendentes questões ali expostas, exige-se alguma coisa mais que o espírito de curiosidade, o prurido de crítica ligeira; por isso não será aos neófitos, aos recentemente convertidos, não habituados ainda, em sua indisciplina mental, à profunda e amadurecida cogitação de altos ensinos (*), que o seu estudo será recomendável, ou que entre eles aliciará convicções. Tais ensinos, entre os quais o relativo à corporeidade de Jesus, para serem bem compreendidos, reclamam condições de iniciação, perseverante e demorada, que se não podem improvisar.

            (*) Salvo certos casos de predisposição inata, mesmo em alguns moços, de que temos tido conhecimento pessoal.

            Quais são os espíritas que se acham nessas condições? Poderemos sabe-lo porventura? É um caso que cada um resolverá segundo a sua própria consciência.

            Enquanto isso, não nos sobressaltemos por que aquela, entre outras questões interessantes, seja trazida para a tela dos debates, contanto que - não há que dissentir - se mantenham estes na esfera pacífica e cortês. Ainda agora, nesta mesma edição da nossa folha encontrará o colega do Pará um artigo firmado pelo nosso esclarecido colaborador Dr. Fernando de Alencar, terceiro de uma série provocada pelo estudioso confrade Arthur Baptista, de S. Paulo, acerca da corporeidade fluídica do Cristo.

            A permuta de ideias entre dois irmãos em crença tem-se mantido, com grande edificação para todos nós, no domínio sereno das doutrinas, sem a mais ligeira quebra dos laços de fraternidade e deferência a que mutuamente e legitimamente, se consideram obrigados. Deus permita – e assim o esperamos – que nesse terreno se conservem. E, assim sendo, onde estará o mal?

            É possível que nem um nem outro cedam uma linha de suas pessoais convicções: o nosso prezado colaborador, por certeza de estar na verdade – e nós com ele; o nosso não menos prezado confrade Arthur Batista, por acreditar inexpugnáveis as suas objeções, filhas, entretanto – tolere-nos ele esta fragilíssima ingerência – de um incompleto estudo da questão.

            Como quer que seja, porém, acreditamos que nem tudo será perdido: na pior das hipóteses, os leitores, que devem ter acompanhado com interesse o debute, terão por igual colhido, em sua intercorrência, pelo menos alguns subsídios de proveitoso estudo.

            E sempre se terá lucrado alguma coisa.

            Não terminaremos contudo, sem agradecer ao nosso amável colega d’A Revelação a generosidade dos conceito que em seu escrito externa acerca do modo por que a nossa modesta folha discutiu, há tempos, aquela questão da “personalidade de Jesus”, e nem ao mesmo tempo pedir-lhe, não somente que nos releve a deficiência do nosso arrazoado, como também que me perdoe, se no que acima fica dito acaso descobrir o quer que seja que de leve ao pareça discrepar da estima e do afetuoso respeito de que é digno, e que de todo o coração lhe tributamos.

            Creia que tal, de nossa parte, não terá sido a intenção.

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