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terça-feira, 30 de novembro de 2021

Querer não é merecer

 

Querer não é merecer

por José Giovanini

Reformador (FEB) Fevereiro 1937

             Quem recorre à palavra dos dicionaristas, quando não filólogos, há por certo de encontrar, numa forma absoluta, os vocábulos querer e merecer.

            O primeiro – querer – é o verbo transitivo que exprime uma ambição; significa a existência de uma pretensão.

            O segundo – merecer – que também é verbo transitivo, idealiza o direito que alguém outorgou a si; delibera uma dignidade a que se fez jus.

            Nas funções ordinárias, respeitada a etimologia, nada exprimem de estranho, mormente porque usamos destituídos de outro valor, cumprindo tão somente observá-los como órgãos comuns de nossa linguagem.

            Porque não desejamos ministrar aqui as regras da didatologia, vamos entrar, agora, no mérito da questão.

            Conduzimos, pois, ambas as formas linguísticas expostas para a arena do nosso pensamento, onde então iremos nos bater contra interpretações que a elas se emprestam, tão bisonhas se nos apresentam as opiniões de alguns, que as confundem pela força e desvario de uma ideologia sem par e sem base.

                                                                        *

            A alma, apanhada em cheio pelo guante da dor, feita presa dos tentáculos hercúleos desse fantasma que apavora e enegrece os sentidos dos que fogem à fé, debate-se no emaranhado da sua revolta e busca, quer no mais profundo de suas restritas possibilidades espirituais, quer junto àqueles que lho podem dar, um lenitivo capaz de a reconduzir à paz e à tranquilidade de espírito.

            Guiada à fonte das virtudes, que é o Evangelho de Jesus, vai ela haurir a graça dos céus ao conhecer a verdade, sua forma mais transcendental, submetendo a vida do seu espírito à sublime e reta orientação dos espíritos guias, que fazem entrever a Deus como aquele que deve ser amado sobre todas as coisas.

             É aí, então, que Deus, aquele Sumo Artífice do Universo, grandioso na sua justiça plena de imparcialidade e magnânimo na sua bondade inexcedível, vai colher aquele filho transviado, coma aluz vivificadora que regenera e estimula, abrindo-lhe de par em par as portas que procurou e mereceu, e que dão acesso à mansão dos humildes e dos bem-aventurados.

            Essa alma houve por bem merecer e, finalmente, recebeu.

            Ao contrário, porém há aquela que alimenta simplesmente um querer.

            Se nas puerilidades das coisas profanas deste mundo de provações e tristezas cabe um querer, essa alma transviada quer a todo custo.

            Se o ouro atrai como geralmente acontece, quer abarrotar seus cofres intermináveis; se a vertigem das honrarias mundanas a empolga, enfrenta os perigos e muitas vezes até a morte para alcança-la; se se faz prisioneira de Cupido, atinge os limites da paixão violenta, desvirtuando o amor em sua mais clara e sublime acepção, transpondo os excessos que o Mestre condenou.

            Por que ela anseia pelo querer na insaciabilidade do seu desmedido desejo fútil; tudo quer na satisfação das suas mais ímpias e fúteis ambições e não mede sacrifícios em satisfazê-las.

            Sequiosa de aventuras e felicidades que surgem efêmeras e em quantidade tentadora para ela, estorce-se no seu egoísmo e vaidade desmesurados, conhecendo e ao mesmo tempo desconhecendo de tudo, na mais desoladora vastidão de sua negligência.

            Vem ela, pois, na sequência de sua ambição ferir também a Revelação, que se faz dia a dia clara a todos, e tão somente no intuito de não se desprestigiar perante os seus observadores atentos, quer indagar das formas e consequências da alta filosofia espiritualista, sem entretanto, sequer, prescrutar sua origem e finalidades, somente para dizer adiante que viu e criticou as razões e crendices.

            Esta alma é aquela a quem o querer satisfaz, mas a quem a repele o merecer, colocando-a em justaposição com os fanatizados, ou melhor, com os ignorantes, se é que aqueles não são estes.

            Desta ordem, aqueles a quem nos referimos de princípio, que confundem o querer com o merecer, ferindo o conceito elevado e meritório do segundo, com a estolidez imperdoável do primeiro.

            Partindo o primeiro como glória de um mérito que o sacrifício impôs, o segundo é fruto da árvore má que se cultiva com a descrença, e que por certo Jesus arrancaria e lançaria ao fogo, qual disse.

            A matéria, já por sua conformação pesada, já por sua natural função junto ao espírito, intercepta o alcance visual deste, fazendo-o mesquinho e alheio à amplidão eterna, essa para a qual vive o espírito e que ingrata e comumente esquece.

            Por conseguinte, tornam-se inimigos acérrimos da verdade, perdem a complacência e o respeito ao sentimento humano, atacando destemida e ousadamente suas propensões, mas cujas armas lhes caem das mãos tão logo apareça a menor defensiva.

            Previnamo-nos, pois, contra os inimigos do progresso, contra aqueles por quem vêm os escândalos, porque eles existem deveras e se fazem uma prova aliás infalível de que a justiça de Deus dispõe para aquilatar nossa crença, ou melhor, a firmeza de nossa convicção.

            Dentro como nos encontramos na Seara do Mestre, nada nos resta mais que defender a todo custo o terreno que conquistamos e cultivamos pelo sacrifício dum labor fecundo, e que nos garantirá, por certo, futuramente, o salário que tanto almejamos.

            Se já merecemos compreender, desde logo e felizmente, essa verdade luzidia que nos traça futuro tão risonho, hosanas entoemos a Deus num agradecimento sincero e espontâneo, pela benevolência de sua imensurável misericórdia e peçamos também essas mesmas luzes para aqueles que não veem e julgam ver, que não ouvem e julgam ouvir.

            Acolhidos, como nos achamos, sob o pálio majestoso de Ismael, portanto, sob as vistas complacentes de Jesus, urge nos condoamos daqueles que só nos podem espreitar de longe.

            Se os críticos gratuitos nos espezinham e tentam amedrontar, tenhamo-los por aqueles a quem não soou a hora da salvação, porque – ainda são palavras do Mestre – muitos serão os chamados, mas poucos escolhidos.

            Se motejam da nossa crença, que dizem fanatismo injustificável, evoquemos e ofereçamos-lhes a palavra eloquente e sincera de Kardec, o codificador, que disse:

            Vós que negais a existência dos espíritos, cumulai o vácuo que eles ocupam. E vós que deles ride, ousai rir das obras de Deus e da sua Onipotência.

            Concordes com esta assertiva deveras louvável, não podemos evitar a ufania de sentir conosco o espírito da harmonia, esse que, translúcido e inebriante, afaga nosso coração ao ponto de fazê-lo aceitar com doçura e alegria a verdade refulgente, que se irradia das páginas doiradas do Evangelho.

            Nessa linfa inesgotável, cuja pureza nos devolve a inocência perdida por nossa maldade, e que tentamos reconquistar, achamos a graça que nos conforta, a esperança que nos consola, a fé com a qual transportaremos montanhas.

            O demérito dos fariseus de hoje surge não por faltar a bondade de Deus, porque esta jamais fenece; ele vigora pela inércia de sentimentos e só o têm os nulos de convicção e baldos de sinceridade. Bastar-lhes-ia a boa vontade pequena hoje, mas inexpugnável amanhã, e deles também seria o reino da ventura.

            Glória a Deus, pois, no mais alto dos céus e paz na Terra aos homens de boa vontade.


segunda-feira, 29 de novembro de 2021

A razoura da fé


 A razoura (*) da fé

A Redação

Reformador (FEB) 16 de Fevereiro de 1937

 (*) Razoura: Por metonímia: medida de madeira para cereais e legumes.

Metonínia: figura de retórica que consiste no uso de uma palavra fora do seu contexto semântico normal.

 

            Não pode o crente espírita, por servir à causa da humanidade, que é de Jesus, eximir-se a contingências de tempo e meio, jamais adequadas ao seu testemunho.

            Dessarte, por mais ásperas que se antolhem as provas, individuais ou coletivas, não haverá como iludi-las para conceitua-las oriundas de um cego arbítrio humano.

            Os males que afligem a alma contemporânea, negrejando-lhe todas as clareiras de esperança, representam simplemente o patrimônio de erros acumilados por sucessiva gerações e que precisam, podem e devem ser retificados e resgatados.

            E para que o sejam, de direito e de fato, não valem idealismos de pura ficção, incapazes de abranger a vida no sentido de uma realidade imanente, por elevar o homem acima do mundo e de si mesmo.

            Porque, prefixar valores de harmonia e felicidade temporais, na só concepção mecânica-biológica da criatura racional, é desconhecer-lhe a natureza íntima e negar a própria história de su evolução planetária.

            De parte o ascendente de uma origem extra-terrena, que nos não propomos aqui alegar em abono de tese, mesmo considerando instrumento automático de forças cegas e fatalistas, ainda assim, não pode relegar-se o ser pensante à condição de elemento plástico, suscetível de padronizações sistemadas.

            Ainda que conceituada a alma epifenômeno (produto acidental, acessório, de um processo, de um fenômeno essencial, sobre o qual não tem efeitos próprios) de funções orgânicas, tão rica, fecunda e multifária (que se diz ou se exprime de muitos modos) se nos apresenta ela em seu complexo de atividades e imperativos morais, que impossível, senão intulto, fora o pretender imprimir-lhe rumos lineares definitivos e definidos.

            A história da humanidade em flutuação permanente de idéias e conquistas, a repelir hoje o que afagou ontem, para desprezar amanhã o que hoje consagra por melhor, é de modo a convencer os ideólogos e teóricos de uma sociologia premonitória que a criatura de Deus não é pão de fornada por dosar-se, conformar-se e cozer-se por termometrias (ciência e tecnologia da medição de temperaturas e do estabelecimento de padrões para essa medição) mais ou menos abstrusas e fantasistas.

            Vem daí, em grande parte, o maior mal que nos assoberba, partindo não tanto de materialistas agnósticos (ateus), quanto de espiritualistas gnósticos (teístas), que, estimando na criatura humana um princípio abmaterial, lhe negam, contudo, todo um patrimônio psíquico de preformação orgânica, ou seja anterior e transcendente ao corpo.

            Segundo a doutrina da Igeja, a alma é criada com o corpo, destinados uma e outro a uma existência única, quanto efêmera e decisiva, na Terra.

            Lógico, então, se lhes figura facetar almas a seu nuto (consentimento), porque em todas estima um cabedal primário original e substamncialmente idêntico, tal como veem os mecanicistas fatlists, para os quais o cosmos não passa de grande usina de energias cegas, despercebidos, todos, de que não concorrem na natureza dois seres específica e absolutamente iguais, na essência como na forma.

            Uma diferença, contudo, é de justiça assinalar a prol dos fatalistas, qual a de pretenderem violentr a consciência alheia, reconhecendo-lhe prerrogtivas de liberdade natural.

            O grande caso, porém, é que uns e outros não se forram de ilusionismo, supondo-se agentes quando, na verdade, não passam de pacientes, incapazes de abranger as consequências, não diremos remotas, mas até imediatas de seus planos e convenções.

            Admitamos, também nós, o fator educativo, a infância mesológica (mesologia - estudo das relações entre os seres e o meio ou ambiente.), tudo enfim que possa contribuir para dignificar a espéie e felicitar a existência material; mas, tenhamos em vista e de perto que os meios não podem, jamais, superar os finsde ordem divina, providenciais.  

            A felicidade humana não é progrm de um escola, de uma seita, para ser fixado e resolvido em uma nem em dez gerações. Essa felicidade, fruto da evolução do Espírito, antes que se possa definir-se em graus coletivos, tem que ser individual e parcial ou relativamente realizada, pois ninguém concebe uma sociedade sã, composta de indivíduos doentes.

            Orientar, esclarecer, sintonizar as criaturas de Deus em função de seus destinos é dever que incumbe, não apenas aos genitores e pedagogos, mas a todo homem de ação e consciência, no sentido de que o mundo é uma escola ativa e permanente, na qual todos vivemos e morremos aprendendo, não para morrer, mas para viver eternamente.

            Cada época acarreta os seus fatores seriais e providenciais.

            Compreender a sua época, pismatizar esses fatores contando com o só arbítrio humano, é o que nos parece estultícia (estupidez) só justificável pela imprecisa noção de nossos destinos.

            Abstrair (não levar em conta) esse objetivo congenial (conforme o gênio, a natureza, a essência da) da vida é iludir o conceito de felicidade humana, que se não prende à conquista de efêmeros tesouros, de instintivos e precários, quão frequentes regalos, tão certo é que presto degeneram se suicidam as civilizações mais refinadas.

            Outra não é a milenar lição da História.

            Hoje, entretanto, novas clareiras se rasgam à marcha dos povos, à proporçãao que se generaliza um novo sentido de vida eterna, consciente, solidária e responsável.

            A Providência divina já nãp é uma simples expressão anfigurista (desordenada) ao serviço de doutrinas mais ou menos metafísicas e oportunistas, de vez que se impõe como fato palpável e tangível, inconteste, nas mínimas como nas máximas soluções e diretivas mundanas.

            Dir-se-ia que a razoura da fé vai nivelando as consciências. O Cristo de Deus reivindica o sei cetro, e não há escolas filosóficas, nem parlamentos, nem ágoras, nem exércitos que possam abalar as vozes do Além, modificando de uma linha, para retardar de um minuto, o rítmo dos seus desígnios.

            Deixemos, pois, aos cegos a presunção de senhorear o mundo, e não queiramos revidar no tumulto das paixões que se entrechocam, nelas intermitindo-nos quando, em boa espécie, só podemos considerá-las aquele levedo que fermenta toda a massa.

            Aos mortos é que importa o cuidado de enterrar seus mortos.

            Nosso combate, nossa atitude, nosso papel à face do mundo em derrocada só pode ser reparador e construtivo.

            Tem de circunscrever-se e aferir-se na lei do amor, única força ativa no plano das realidades eternas.

            Haverá quem nos julgue anódina e até ridícula a nossa tática...

            Mas, que nos importa o juízo apaixonado do mundo em convulsões, quando temos por nós a voz da consciência, a voz dos nossos Guias e o juízo de Deus?


domingo, 28 de novembro de 2021

Em defesa do Velho Testamento

 

Em defesa do Velho Testamento

por Alfredo C. de Farias

Reformador (FEB) 16 Maio 1937     

             Na literatura espírita, quer em livros ou jornais de propaganda doutrinária, fácil é deparar-se com frases e conceitos, em referência ao Velho Testamento que se não coadunam com a relevância da grande obra dada por Deus à humanidade. São frases e conceitos bem urdidos para causar efeito, quando, por melhor acentuar a desestima em que é tida a citada obra, não os acompanham outros cheios de irreverências e depreciações infundadas. É de admirar que a pena dos espíritas desconceitue uma obra que, além de ser um monumento de sabedoria oculta, a refletir-se pelos séculos afora, é um dos maiores sustentáculos do edifício religioso erguido misericordiosamente no planeta pela Providência, apto a proporcionar benefícios morais e espirituais em todos os tempos. Alegam-se, em justificativa do seu desprestígio, as sinuosidades criminosas pelas quais ingressou a humanidade, seguindo os ditames colhidos ali. No entanto, não percebem, os que invocam, que qualquer que fosse a clareza do ensino moral, as gerações, idólatras por natureza, defeituosas em consequência de vícios e paixões arraigados, haveriam de seguir a trilha de seus predominantes e pervertidos pendores, agravando suas responsabilidades. É preciso, porém, ter-se em memória que a luz mais pura, mais refulgente, nenhuma claridade dá aos cegos.  E cegos há os de corpo e de espírito. Sebre estes conceituou Jesus: “Vim a este mundo para exercer um juízo, a fim de que os que não veem vejam e os que veem se façam cegos.” (João, 9:39)

            Parece que há o propósito irrefletido de relegar-se a dita obra ao esquecimento, senão o de afastá-la das lides e fundamentos doutrináros trazidos pela Terceira Revelação. Assim, porém, não quer o preclaríssimo Diretor de nosso planeta e assim não querem os altos Espíritos que sob a sua orientação trabalham em prol do nosso progresso.

            O Velho Testamento não é obra de ficção, nem foi coordenado impensadamente. O homem é, bom ou malgrado seu, um instrumento do Criador. Dentro das suas deficiências e incorreções, segue sempre a diretriz que Ele, Pai amantíssimo, a tudo assinou no princípio das coisas.

            Do Velho Testamento, além de fluir a lei moral, acorde com as capacidades das sucessivas gerações, por uma exegese comum, seguida da interpretação em espírito, dimana a sabedoria dos fatos religiosos soberbamente produzidos e dos acontecimentos prodigiosos que nesse campo nos reserva o futuro.

            Como obra profética para dilatados tempos, outra mais perfeita não existe no mundo, capaz de lhe empanar o brilho.

            Foi, assim no sentido da lei moral, como também no de reservatório de edificantes premissas, consideradas igualmente leis, por traduzirem a vontade e os desígnios de Deus, que o querido Mestre sentenciou, quando em missão, na Palestina: “Não penseis que eu tenha vindo destruir a lei e os profetas; não os vim destruir, mas cumprir.” Com efeito, ele assim o fez durante toda a sua incomparável missão. Além do ensino moral, sabiamente ministrado, o Divino Mestre, para cumprimento dos anteriormente traçados na grande obra que hoje conhecemos sob o nome de “Velho Testamento”, surgiu entre os homens como israelita, tendo, por isso, que se sujeitar a um nascimento aparente, do seio de uma virgem da estirpe de Israel; teve que se sujeitar à consagração do Templo, no oitavo dia desse nascimento; teve que se referir, inúmeras vezes, às Escrituras, mostrando que a sua alta missão correspondia ao que se achava nelas escrito; teve que se transfigurar no Tabor para, apresentando-se ao lado de Moisés e Elias, comprovar a ligação da revelação que viera trazer ao mundo à primeira, de que foram instrumentos aqueles dois patriarcas: teve que se submeter à morte aparente na cruz e aparecer depois como ressurgido – tudo sempre no propósito de confirmar a lei, que define, em seus pontos essenciais, o papel que lhe coube desempenhar.

            Jesus jamais surgiria no planeta para confirmar mistificações, ou desmpenhar um papel que não tivesse alcance grandioso e sumamente meritório. A sua revelação se liga estreitamente à revelação mosaica, com um cunho de unidade perene a completar-se através do Espiritismo: “Porque três são os que testificam no céu: O Pai, a Palavra e o Espírito Santo; e estes três são um. (I Epístola de João, 5:7)

            Jesus, confirmando a lei e os profetas, demonstrou, ainda, ser, para todos os tempos, a figura mais proeminente na sequência dos fatos e prescrições condicionadas naturalmente por ele próprio e gravadas nos anais dos povos, como imponente realização.

            Para a humanidade do futuro, o Velho Testamento será um relicário de verdades e sabedoria, existentes nos seus inúmeros simbolismos e alegorias, a envolverem conceitos e acontecimentos.  

            Referindo-se à sabedoria divina ali contida e encoberta pelo véu da letra, assim se expressou o elevado Espírito de Imperator pelo médium Stainton Moses: “Antes que possais atingir essas distãncias, contentai-vos com aprender que uma significação espiritual está oculta sob cada coisa, de que  Bíblia está repleta. As interpretações, definições e glosas humanas, são a crosta material que envolve a divina semente da Verdade. Se retirássemos a crosta, o tenro grão murcharia e feneceria. Contentemo-nos, pois, com indicar-vos até onde podeis compreender a Verdade palpitante, que não vedes sob a face exterior que vos é familiar." (“Ensinos Espiritualistas”, de Stainton Moses, Sessão XVIII)     

            A fim de demonstrar que nem tudo a Bíblia é de origem divina e que, portanto, há ali muita coisa refletindo o pensamento do homem, sendo por isso necessária uma intuição poderosa para uma inteligente separação, foi que também disse o mesmo Imperator: “Não temos necessidade de repetir que a Bíblia contém páginas que não concordam com o nosso ensinamento, sendo uma mistura de erro humano transmitido pelo espírito dos médiuns escolhidos; somente podereis conseguir isolar a verdade, julgando a tendência geral" (Seção X). “Toda verdade está mesclada de erro; as fezes serão rejeitadas.” (Seção XXVII).

            Convém, do mesmo modo, dispensarmos atenção a estes dizeres de Allan Kardec:

            “Muitos pontos dos Evangelhos, da Bíblia e dos autores sacros em geral só são inteligíveis, parecendo alguns, até, irracionais, por falta da chave que faculte-se-lhes apreenda o verdadeiro sentido. Essa chave está completa no Espiritismo, como já o puderam reconhecer os que a têm estudado seriamente e como todos, mais tarde, ainda melhor o reconhecendo.”

            Já é tempo, portanto, de reconhecermos que no Espiritismo está a chave para a compreensão exata desses muitos pontos do Velho Testamento. Neles naturalmente sobrepujam os símbolos e as alegorias, cujo meneio interpretativo parece que não agrada a alguns confrades, donde, talvez, a ogeriza que votam ao Antigo Testamento.

            Embora se sustente e reconheça que a clareza é a característica dos ensinos da Terceira Revelação, julgamos que tal somente ocorre às lições morais, para melhoria de nossa conduta, pois, há muitas coisas sobre a vida ultra-terrestre que nos vem sob forma emblemática. Note-se ainda isto que diz Imperator: “É loucura sustentar-se a exatidão literal de qualquer ensinamento espírita.” (Seção IX).

            Eis agora uma visão simbólica muito interessante. À entidade espiritual que a produziu certamente a apresentou para ser interpretada.

            Conhecemos uma senhora católica, mas sem fanatismo, humilde, boa e ignorante, que tem tido vários sonhos simbólicos. Há pouco tempo sonhou com uma barca, mas escura, navegando em céu borrascoso, no qual se viam alguns homens com vestes sacerdotais, trazendo nas cabeças “chapéus altos” (segundo ficou esclarecidos, tratava-se de mitras), a fazerem os maiores esforços para romper as nuvens escuras que circundavam a barca e lhes obstavam a marcha. Essa senhora narrava habitualmente os seus sonhos em casa de certa família, que os interpretava para o jogo do bicho. De uma feita urpreendemo-la a fazer a narrativa deste último.

            Não têm conta fatos análogos a estes, verificados por toda parte, especialmente no Brasil.

            Se os Espíritos ainda se valem do mistério dos símbolos e das alegorias para nos darem certos avisos, como impugnar uma obra constituída de modo análogo, cuja finalidade séria ficou provada com a confirmação do Messias?

            O futuro revelará o valor do Velho Testamento, assim como na atualidade está sendo revelado todo o valor do Evangelho. Demos tempo ao tempo.


Por quê?

 L. Zamenhof

Por quê ?

por Cristiano Agarido(Ismael Gomes Braga)

Reformador (FEB) Outubro 1946

                 Há oitenta anos o vibrante movimento espírita mundial, chefiado por Allan Kardec e veiculado numa grande língua de cultura universal, como era então o francês, parecia destinado a uma vitória imediata, dentro de poucos anos. Essa vitória próxima contra toda a oposição se evidenciava aos mais prudentes e Kardec, a encarnação mesma da prudência, como escreveu um sábio seu contemporâneo, escreveu em O Evangelho segundo o Espiritismo estas palavras de sublime otimismo:

             “O Espiritismo vem realizar, na época prevista, as promessas do Cristo. Entretanto, não o pode fazer sem destruir os abusos. Como Jesus, ele topa com o orgulho, o egoísmo, a ambição, a cupidez, o fanatismo cego, os quais, levados às últimas trincheiras, tentam barrar-lhe o caminho e lhe suscitam entraves e perseguições. Também ele, portanto, tem que combater; mas, o tempo das lutas e e das persiguiçõe sanguinolentas passou; são todas as de ordem moral as que terá de sofrer e próximo lhe está o termo.  As primeiras duraram séculos; estas durarão apenas alguns anos, porque a luz, em vez de partir de único foco, irrompe de todos os pontos do globo e abrirá mais de pronto os olhos aos cegos.” (Cap. XXIII, parágrafo 17.)

             Ninguém poderia sensatamente pensar de outro modo em 1864, mas vemos hoje que a vitória está longe  e as lutas não cessaram em alguns anos nem em vários decênios, mas terão de continuar por muito tempo. Quanto o mundo se modificou nesses oitenta anos, e na aparência para pior, porque as perseguições sanguinolentas e más ideias ressurgiram com o Comunismo e o facismo e banharam de sangue o Velho Mundo! Repugnante perseguição de raças trucidou milhões de seres humanos indefesos. De dois terços do território europeu o Espiritismo foi banido pela violência, sem admitir discussão alguma, e isso pelos dois grandes partidos em luta: Nazismo e Comunismo, ambos furiosamente materialistas. Sabemos que o mundo piorou só na aparência externa, porque a uma grande onda de mal sucede outra maior de bem e esta conquista sempre o futuro. Por quê falhou assim a lógica mais severa?

            Bem simples e por isso mesmo muito difícil de aceitar-se a explicação.     

            A universalidade da língua francesa deu à França uma supremacia cultural indiscutível no século XIX e desencadeou os ciúmes nacionais dos imperialismos diversos e cada povo tentou elevar seu próprio idioma às culminâncias que havia atingido o francês. A língua única dadiplomacia foi violentamente afastada e todos os povos tentaram introduzir o seu idioma, chegando-se rapidamente a plena Babel nas relações internacionais que por mais de um século haviam gosado os benefícios da unidade linguística com o francês como língua diplomática mundial. Chegou-se ao absurdo de redigir tratados internacionais em tantas línguas quantos fossem os contratantes e todas elas como originais.

            Inglês, alemão, italiano, russo, espanhol, todas as línguas da Europa, foram impostas pelos diferentes  povos como possuindo direitos iguais ao francês e este caiu rapidamente das funções de língua de cultura mundial para o lugar de simples língua nacional de minorias.

            O Espiritismo sofreu toda a desarticulação da falta de uma língua comum. As mensagens descidas do Alto ficaram limitadas a regiões linguísticas, a verdadeiras ilhas inabordáveis para os outros povos. A Revelação continua sendo mundial, porque os Espíritos falam em todas as línguas do planeta, mas os homens estão privados da universalidade das comunicações e limitados exclusivamente às suas fronteiras linguísticas. Em vez de um Espiritimo mundial único, como ao tempo de Kardec, elaboram-se centenas de pequenos movimentos espíritas desligados uns dos outros  e ignorantes até da existência de outros núcleos. Surgem grandes médiuns, maiores do que existiam ao tempo de Kardec, mas sua obra provisoriamente  permanece fechada em cada região lingística. Quem conhece na França a obra de Rosemary ou de Francisco Cândido Xavier? Nem os brasileiros conhecem  as obras da grande médium inglesa, nem os ingleses conhecem a dos nossos médiuns, e assim sucede a todos os povos. Falta a língua comum que reúna todo esse imenso tesouro, que, realmente, quando ligado em um todo, venceria o mundo em poucos anos, como previa Kardec sem poder imaginar a falência da língua francesa, queda inteiramente imprevisível em 1864, mas totalmente consumada em 1919, quando, pela primeira vez, numa conferência de diversas Potências, o francês foi excluído, porque os estadistas declararam que não sabiam francês.

            A falta de um língua mundial de cultura que reuna tudo quanto recebem os médiuns espalhados pelo mundo, para restituir tudo a todos como patrimônio comum de todos e de cada um, retardou de modo impressionante o movimento espírita mundial; mas o que perdemos em um século reconquistaremos em outro para toda a eternidade futura.

            Já os espíritas iniciaram em escala mundial a obra do futuro. O Congresso Espírita Panamericano adotou o Esperanto como uma de suas línguas oficiais; na Inglaterra, fundou-se a Londona Esperanto-Spiritista Societo; no Egito, está-se trabalhando com ardor pelo Esperanto entre os Espíritas; no Brasil, a Federação Espírita Brasileira iniciou o duplo trabalho de divulgar o Esperanto entre os espíritas e o Espiritismo entre os Esperantistas, e neste sentido já publicou vinte e poucos livros.

            Não sabemos quando, mas sabemos que um dia a  situação será muito melhor do que no tempo de Kardec; porque o Espiritismo terá uma língua mundial de todos e nela reunirá essa imponente biblioteca descida do Alto; são obras que se completam pela diversidade dos aspectos tratados pelos Espíritos e, quando reunidas, terão a força necessária para se imporem irresistivelmente a todos os pensadores do mundo.

            Trabalhemos, pois, com a certeza de que o grande ideal está em marcha e seu eclipse será muto passageiro.

                 Do blog: 75 anos são passados da publicação deste artigo. O que foi feito do Esperanto?


sábado, 27 de novembro de 2021

Erros religiosos da Humanidade

 

Erros religiosos da Humanidade

por Ismael Gomes Braga

livro: “Libertação” (Editora Ismael-Araras-SP, 1955)

             “A mesma gota caída do céu será pérola se recebida por uma rosa, ou lama se absorvida pelo pó”, disse Léon Denis, com respeito às revelações que o Céu nos remete, e concluiu que o Espiritismo será o que dele façam os homens, porque os bons saberão empregá-lo para o bem, mas os maus o corromperiam como tantas revelações anteriores que se tornaram flagelos para a Humanidade, apesar de sua origem divina.

            A primeira desventura do homem é seu espírito de seita que tudo conspurca e incendeia, porque ele tem n’alma quase somente germens de inferioridade e em tal terreno não podem medrar as sementes do bom e do belo. Só uma ínfima minoria de bons colhe todos os benefícios das revelações divinas.

            Deus nos envia Mestres sublimes que nos ensinam o caminho da luz para a felicidade. Uns poucos aceitam a revelação e voam para o alto, mas a maioria projeta suas próprias sombras sobre o terreno e têm de progredir lentamente pela força invencível da dor que a ninguém deixa para sempre abandonado à margem da evolução.

            Moisés recebeu e transmitiu ao povo ensinos de eterna sabedoria. Não nos esqueçamos que por ele veio ao mundo o Decálogo e vieram outras pérolas preciosas, como comentários aos Dez Mandamentos. São frases que ficarão eternas nas Escrituras e foram mais tarde confirmadas por Jesus, como o são hoje pela Terceira Revelação, mas em poucos corações se tornaram força viva tais ensinamentos. Vamos copiar aqui apenas três frases recebidas por Moisés: “Como o natural entre vós será o estrangeiro que peregrina convosco, e amá-lo-ás como a ti mesmo.” (Levítico, XIX, 34). “Ama ao teu próximo como a ti mesmo” (Levítico, XIX, 18). “Nem só de pão vive o homem.” (Deteronômio, VIII, 3).

            Estas frases foram repetidas por Jesus e o são incessantemente pelos nossos guias, porque constituem ensinos de aplicação eterna e universal. Os homens creram que tais palavras vinham de Deus e as conservam nos lábios até hoje, mas só nos lábios. No coração elas não viveram ainda.

            Bastariam os ensinos recebidos pela mediunidade de Moisés para guiarem a humanidade à luz e à ventura. Reflitamos sobre o versículo 33 do cap. XIX do Levítico, acima transcrito, para percebermos que ele não poderia ser de origem humana. Naquele tempo em que se faziam as guerras de extermínio contra os estrangeiros e só se poupava o estrangeiro vencido na guerra para vende-lo como escravo, uma ordem de amar o estrangeiro como a si mesmo só poderia ter descido de alta esfera espiritual, porque excedia de muito tudo o que o homem de então poderia pensar e sentir.

            Esses ensinos foram escritos 1300 anos antes de nossa era, ou seja, há mais de 3200 anos  e o que foi feito deles pelos crentes que o receberam?

            Fecharam-se num seita fanática que cometeu os mais absurdos crimes de religião contra os seus profetas ulteriormente aparecidos, inclusive contra o Divino Mensageiro que levaram à cruz do martírio. Cultivaram tristemente o ódio e conquistaram para si mesmos o ódio universal.

            Tais e tantos foram os crimes cometidos em nome da Lei, que a dor se tornou o processo necessário de evolução daquele povo que era destinado a guiar os outros no progresso espiritual, como se depreende do fato de haver-se tornado universal a Revelação por ele recebida.

            Acusando de heresia e condenando o divino Mestre, o Mosaísmo se afastou do Cristianismo e ficou estacionado; mas o Cristianismo aceitou a Revelação mosaica, tornando-o o grande divulgador do Velho Testamento.

            O que se tem dito do martírio do povo judeu, sob o ódio universal, em todos esses milênios, não é só indizível é até inconcebível.

            Implantou-se a Segunda Revelação, acentuando mais a Lei de amor universal e exemplificando-a com os mais sublimes scrifícios.

            A parte má e errada da religião – o espírito de seita – colocou os israelitas fora da Humanidade, quando o fundamento mesmo do Judaísmo é universal e deveria ter feito dos judeus os líderes religiosos mais queridos do mundo.

            Dentre os numerosos erros religiosos dos judeus, um de graves consequências foi o suporem que a Revelação Divina ficara encerrada no Velho Testamento, e nada mais Deus teria que dizer aos homens. Com esse tenebroso engano, ficaram eles encarcerados religiosamente num passado remoto, fora do tempo e do mundo, sem admitir nenhum progrsso na Revelação, nem a possibilidade de haver preciosas revelações por intermédio de outros povos. Repeliram o maior de seus profetas, o que vinha coroar a obra e dar cumprimento à Lei, realizar as profecias.

            Nasceu o Cristianismo em plena capital judaica, mas a religião oficial o repeliu e só os simples de coração o aceitaram. Perseguiram o Espírito mais sublime que já desceu à Terra; crucificaram-no e perseguiram seus discípulos e continuadores.  O Cristianismo que teria dado o máximo prestígio ao povo de Israel, foi exilado e só pode medrar no estrangeiro.

            Foi um erro religioso de tremendas consequências para os judeus essa violenta repulsa ao Cristianismo nascente. Eles perderam a liderança religiosa que lhes havia sido posta nas mãos, e tornaram-se uma pequena seita odiosa e sempre odiada no mundo, quando ela só deveria inspirar amor, amar e ser amada.

            O Cristianismo confirmou a Lei em tudo que ele possuía de divino; mas depois de três séculos se constituiu em Igreja oficial do Império Romano, adquiriu poder temporal, tornou-se religião obrigatória par todos os súditos do governo romano.

             Como religião oficial o Cristianismo recebeu todos os defeitos do Paganismo, já muito enraizados no povo, e perdeu seu próprio espírito que era todo de perdão e amor.

            Passou de perseguido a perseguidor e entrou a cometer todos os erros – para não dizer crimes – de religião imposta pela força do Estado. Toda a crueldade bárbara ressurgiu sacrilegamente em nome do cordeiro de Deus. Nessa involução, descendo sempre, dando pasto às mais vis paixões humanas, com o passar dos séculos o “cristianismo” estava transformado na mais monstruosa instituição que já possuíu a Humanidade. Era a Inquisição, o ódio desenfreado, apoiando a escravidão, cavando prisões subterrâneas, levantando os cavaletes de tortura, a roda, acendendo fogueiras para queimar vivos os seus “hereges”, assim classificados em processos odiosos de interesses políticos e econômicos inconfessáveis.

            Séculos e séculos de crimes monstruosos em nome da religião de amor e perdão incondicional!

           Vieram as Cruzadas, guerras de pilhagem e extermínio que duraram séculos, sob pretexto de “libertar” a Terra Santa... E tudo em nome do Cordeiro de Deus!

            Surgiu entre os árabes o Islamismo, agressivo, exclusivista, cruel, e até hoje mantém guerra “santa” contra o cristianismo das igrejas.

            Em todos esses séculos e milênios de tremendos erros religiosos, o progresso humano continuou sendo feito através da dor que felizmente nunca nos abandonou em nossos desmandos.

            Chegou o século da revolução contra a tirania do imperialismo religioso. Foi feita a Reforma religiosa que custou rios de sangue e levou à fogueira Espíritos sublimes. Basta lembrar a Noitada de S. Bartolomeu e a execução de Jan Huss, para sentirmos o preço da Reforma, o terror da reação de Roma contra a Reforma; mas a Humanidade já havia progredido bastante para a vitória da Reforma sobre grandes massas humanas, se bem que Roma continuasse dominando em muitos países do Ocidente, como se acha ainda.

            A Reforma e o progresso social conquistado palmo a palmo, forçaram finalmente Roma a se modificar e perder a força tirânica que exercia sobre o povo. Ainda em nosso século houve tentativa forte de restauração daquela força. Pelo célebre Tratado de Latrão, o fascismo restaurou o poder temporal da Igreja; mas foi de pouca duração essa restauração, porque o próprio fascismo foi extinto mais cedo do que a Igreja poderia supor.

            Essas conquistas sociais foram de caminhar lento. Três séculos depois de feita a Reforma, ainda a Inquisição conservava seu inteiro poder sobre Portugal, Espanha e outros países, e queimava impunemente os seus “hereges”, em processos tortuosos, nos quais predominava muito o interesse político e econômico.

            Com tantos erros cometidos através dos milênios, a religião se comprometeu duramente na consciência humana. Há numerosas pessoas que sentem um santo horror da palavra “religião”, como os judeus e outros povos sentem pavor no nome “cristianismo”, porque para esses povos “cristianismo” significa: prisões subterrâneas, torturas físicas e morais, fogueiras inquisitoriais, confiscação de propriedade, escravidão, lama da pior espécie.

            Agora ressurge a religião com a Terceira Revelação. Não desmente os seus princípios revelados através dos milênios, confirma-os.

            Diz-nos de novo o mesmo que já foi dito por intermédio de Moisés, dos Profetas, de Jesus, e, além de dizê-lo, traz-nos o depoimento dos “mortos”, todos eles afirmando que aqueles princípios de amor universal indicam o único caminho seguro para a subida ao céu.

            A grande diferença ente a Terceira Revelação e as duas que a precederam consiste em que as duas primeiras afirmavam  a eternidade da vida, enquanto que a Terceira demonstra essa eternidade e com ela a responsabilidade ilimitada: ninguém fica impune pelos crimes que comete; não há meios de burlar a lei de Deus.

            Pelos crimes religiosos cometidos no passado, temos muita razão de supor que os homens não criam na imortalidade e responsabilidade da alma; era um dogma inteiramente morto o da imortalidade. De agora em diante, a repetição por toda a parte dos fenômenos espíritas vai dando nitidez cada dia maior a essa verdade religiosa; a imortalidade da alma torna-se palpável e indubitável.

            Não aceitamos liteiramente a opinião de Léon Denis, citada no início deste artigo, porque a paciência dos nossos Maiores da Espiritualidade está hoje mais demonstrada do que no momento em que foram escritas aquelas palavras. Cremos que os homens não terão força de corromper o Espiritismo e rebaixá-lo como fizeram com as revelações anteriores, porque os Espíritos são incansáveis em seus esforços de nos ajudar, e porque a Humanidade já progrediu um pouco moralmente para não cair mais em erros tão grosseiros.

                                                                                   ***

            O Espiritismo terá que cumprir sua missão num mundo diferente daquele em que se desenvolveram as igrejas que cometeram grandes erros religiosos.

            Embora os princípios revelados do Judaísmo e do Cristianismo fossem universais, a Humanidade antiga vivia apartada em grupos sem comunicações constantes uns com os outros. A falta de transportes, de imprensa, de uma língua internacional popular insulava os grupos humanos que se desconheciam mutuamente. Nada havia de comum a toda a Humanidade. No presente e ainda mais no porvir, ao contrário, tudo será mais comum a toda a população do Planeta.

            Todas as distãncias já estão abolidas pelo rádio. O progresso do Esperanto já nos vai criando a mentalidade planetári, a consciência de solidariedade de todos os terrícolas. Quando se der o pleno desenvolvimento do Espiritismo, já as massas humanas possuirão uma língua internacional popular.

            As religiões antigas tinham, cada uma delas, sua língua internacional: o Judaísmo tinha o hebraico, a Igreja Católica tinha o latim, o Islamismo possuía o árabe, mas tais línguas só eram internacionais para pequeníssimas elites de alto nível cultural; o povo mesmo não possuía meios de compreender as Escrituras, sempre fechadas em línguas sagradas até a Reforma, quando a Bíblia passou a ser traduzida e divulgada entre os crentes.

            No porvir, as massas humanas mesmas possuirão uma língua realmente internacional e gozarão os benefícios da Revelação Progressiva e universal que se dará no planeta todo e chegará imediatamente ao conhecimento de todos.

            Seria pessimismo supormos que o Espiritismo venha a cair nos mesmos erros do passado. Isso não será possível; o progrsso não o permitirá.

            Temos encontrado nos meios espíritas, ultimamente, famílias de israelitas que teriam pavor de entrar em uma igreja católica; mas, através do Espiritismo foram conquistadas para o Evangelho. Uma das missões do Espiritismo, ao que nos parece, será recuperarmos para o Cristo o coração dos judeus, esse coração tão assustado pelo medo milenário das perseguições que supunham “cristãs” e que se diziam “cristãs”. Já com dois mil anos de atraso, mas na eternidade nunca é demasiado tarde.

 ***

             Os crimes religiosos do passado eram cometidos impunemente, porque a legislação humana não havia ainda classificado aqueles atos como crimes passíveis de punição pelos tribunais mesmo humanos. Hoje chama-se genocídio essa espécie de crimes cometidos contra um grupo religioso, uma nação, um partido. No caso da matança de judeus pelos nazistas, a ação foi classificada de genocídio e reuniu-se um tribunal internacional que julgou e condenou os responsáveis.

            A defesa dos acusados alegou que tais atos não eram crime, porque praticados de acordo com a legislação vigente na Alemanha que era uma nação soberana e podia decretar as leis que lhe aprouvesse. Mas os julgadores decidiram que acima das soberanias nacionais existem direitos humanos universais, cuja violação é crime, e assim foram condenados e executados os responsáveis. Houve um progresso na evolução do direito internacional e o sentimento de humanidade foi colocado acima das soberanias nacionais que cobriram tantos crimes no passado.

            Pode argumentar-se que esse reconhecimento dos direitos da criatura humana à liberdade, à vida, à crença, é de difícil execução, e como prova disso pode alegrar-se que o lançamento de bombas atômicas contra cidades japonesas, exterminando populações civis indefesas, seria um crime de genocídio, mas os responsáveis não foram julgados, porque não houve força legal suficiente para julgá-los. Se os Estados Unidos houvessem sido vencidos na guerra, certamente um tribunal japonês teria classificado o fato como genocídio, julgado e condenado os responsáveis, e meia dúzia de ianques teriam sido enforcados. Ninguém foi acusado, porque faltou força necessária ao julgamento em tribunal. Mas a consciência universal não absolveu os responsáveis: o mundo todo sente ódio contra os responsáveis, e os mais veementes protestos suriram dentro dos Estados Unidos. Houve outra espécie de condenção que apavora os responsáveis, e esta nos agrada mais do que a de Nurenberg, porque entrega o criminoso ao tribunal de sua própria consciência que é o mais forte de todos os tribunais.

            O povo dos Estados Unidos julgou os responsáveis pelas bombas atômicas sobre cidades indefesas do Japão e este julgamento é muito forte.

            Os erros religiosos da Humanidade são capítulo triste da História, mas não poderão reproduzir-se no porvir, nesse grande porvir que assistirá ao triunfo mundial da Terceira Revelação, ou seja do triângulo luminoso a que se têm referido os nossos guias:

                                                                             E

                                                                       E          E         

             Evangelho, Espiritismo, Esperanto: amor, luz, compreensão universal.

 


Schiller e o Espiritismo

 

Schiller e o Espiritismo

por Michaelus (Miguel Timponi)

Reformador (FEB) Agosto 1948

                 Informação adicional com origem na Wikipedia – “Johann Christoph Friedrich von Schiller (Marbach am Neckar, 10 de novembro de 1759 — Weimar, 9 de maio de 1805), mais conhecido como Friedrich Schiller, foi um poeta, filósofo, médico e historiador alemão. Schiller foi um dos grandes homens de letras da Alemanha do século XVIII e, assim como Goethe, Wieland e Herder, é um dos principais representantes do Classicismo de Weimar, e é tido como um dos precursores do Romantismo alemão. Sua amizade com Goethe rendeu uma longa troca de cartas que se tornou famosa na literatura alemã.”

             Os fenômenos espíritas sempre existiram. O Velho e o Novo Testamento estão repletos de exemplos, que cada qual procura interpretar à luz da sua seita ou do seu dogma. Certo é, porém, que tudo pode ser desfigurado pela linguagem humana, exceto o fato em si mesmo, porque este subsiste e se repete independentemente da nossa vontade.

            Kardec, pois, não inventou os fatos. Apenas os fixou, os estudou com seriedade e paciência. E da análise que empreendeu, sem nenhum juízo preconcebido, resultou a sistematização de uma doutrina.

            Farta é a literatura antiga, para não nos referirmos à contemporânea, em que os fenômenos espíritas surgem através da concepção ou da inspiração de grandes e brilhantes escritores, a que hoje chamamos médiuns intuitivos.

            Não foi por acaso que Shakespeare advertiu, com as palavras de Hamlet, que no céu e na Terra há mais coisas do que as instruções dos nossos filósofos nas escolas.

            Não foi também por acaso que Schiller em o “Visionário” concebeu cenas interessantíssimas, fenômenos tipicamente espíritas, com a criação de uma personagem misteriosa, cheia de estranho poder, que outra coisa não era senão um excelente médium. E vemos uma passagem em que um abade desafia todo o “reino dos espíritos...”, mas que foge espavorido quando percebe o imenso poder da estranha personagem.

            Não posso furtar-me ao desejo de transcrever os seguintes trechos:

             “O marquês de Lanoj – tomou agora o príncipe a palavra – era na última guerra um brigadeiro francês e meu mui íntimo amigo. Na batalha de Hastinbeck recebeu uma ferida mortal; trouxeram-no para minha tenda, onde logo morreu nos meus braços. Estando já em luta com a morte, chamou-me: “Príncipe – começou ele – não tornarei  a ver minha pátria; sabei, pois, um segredo, de que ninguém, senão eu, tem a chave. Em um convento na fronteira de Flandres, vive uma...” e expirou.

            A mão da morte cortou o fio do seu discurso; eu o desejava aqui e ouvir a continuação”.

            “- Quem me chama? Disse esta segunda aparição?”

            E reconhecendo o príncipe, cheio de emoção, o marquês de Lanoj perguntou-lhe:

            “Quem vive no convento que tu me designaste?

            - Minha filha.

            - Como! Foste pai?

            - Ai de mim, que pouco o fui eu!

            - Posso fazer-te ainda algum serviço neste mundo?

            - Nenhum outro senão o de pensar em ti mesmo.

            - Que devo fazer?

            - Em Roma o saberás.

            Nesta ocasião uma nuvem negra de fumo encheu o quarto; e quando esta se dissipou, já não vimos a figura. Abri uma porta da janela. Era manhã.”

            É bom que se assinale que Schiller nasceu em 1759 e morreu em 1805. Vale dizer que muito antes da sistematização da Doutrina Espírita realizada por Allan Kardec, em 1857.

            Não quero afirmar de nenhum modo a sua adesão a uma doutrina ainda inexistente, mas apenas notar a tendência do poeta e dramaturgo para o espiritualismo, a ponto de levar os seus biógrafos à conclusão de que a sua obra possui um cunho quase metafísico.

            Na verdade esse traço predominante, pela lei natural da afinidade, foi o imã que o colocou junto de Goethe, na mais íntima convivência, formando assim  a dupla de poetas, dramaturgos e escritores de mais merecida fama na Alemanha.

            Mas essa inclinação não surge esporadicamente em seus dramas. Ao contrário, ela é persistente. Acompanha sistematicamente as suas interessantes personagens, fazendo-as falar uma linguagem considerada então como puro misticismo.

            No drama “Os Salteadores”, escrito em 1780, quando possuía apenas 21 anos de idade, e que, graças ao Esperanto, me foi dado ler, em magistral tradução de Zamenhof, Schiller aborda temas de profunda indagação filosófica, como se fosse, não um antepassado, mas um contemporâneo de Kardec.

            Ele põe na boca do chefe dos bandidos, que meditava profundamente, enquanto na noite silenciosa dormitavam no acampamento os seus homens, esta admirável página, que merece ser transcrita sem nenhum comentário:

             “Quem poderia garantir-me? Tudo é tão obscuro... labirintos confusos... nenhuma saída, nenhuma estrela para guia... se tudo acaba simultaneamente com o último suspiro, acaba então como um brinquedo de mal gosto de marionetes?... Mas para que essa desmedida aspiração à felicidade? Para que o ideal de uma perfeição que não se alcançou? A procrastinação de planos irrealizados? Se a miserável pressão deste miserável objeto (ele tem a pistola apontada à cabeça) iguala o sensato ao insensato, o corajoso ao covarde, o nobre ao patife? Existe sem dúvida uma tal harmonia divina em a natureza inanimada, porque pois existiria esta desarmonia em a natureza racional? Não, não! Existe alguma coisa mais, por isso não fui ainda feliz”.

            “(Guardando a pistola) Tempo e eternidade – confundidos no espaço de um momento! Chave terrível que fecha por detrás de mim o cárcere da vida e abre diante de mim a morada da noite eterna, - dizei-me, oh!, dizei-me, para onde me conduzireis?

            Seja como quizerdes, ó além sem nome, - somente me fique fiel este meu “eu”. A exterioridade é somente a casca de um homem – eu mesmo sou o meu céu e o meu inferno”.

            Se me deixardes, para mim só, uma pequena parte do mundo reduzida a cinza, onde eu tivesse somente uma noite de solidão e um deserto eterno, então eu habitaria o deserto silencioso pelas minhas fantasias, e a eternidade dar-me-ía bastante tempo para analisar a imagem confusa da miséria universal. Ou acaso quereis, sempre por novos nascimentos e sempre por novos lugares de miséria, degrau após degrau, condizir-me ao nada? Acaso os fios da vida, tecidos para mim no além vida, eu não possa tão facilmente  dilacerar como esta? Podeis reduzir-me a nada, mas esta liberdade não podeis tirar-me. (Ele carrega a pistola. Subitamente para). Mas devo eu morrer pelo temor de uma vida tormentosa? Não, eu a sofrerei! (Ele lança fora a pistola). Que a tormenta se rompa de encontro ao meu orgulho! Eu a suportarei até ao fim.”

            Como se vê, através da meditação profunda, posta na cabeça da principal personagem do drama, surgem concepções intuitivas, que mais tarde iriam tomar corpo com o advento da revelação dada a Kardec. Nessas concepções não se encontram asserções definitivas em relação à tese espírita, mas sente-se que, através da força criativa do pensamento, as verdades eternas já sopravam fortemente as almas angustiadas na antevisão de um mundo espiritual, impreciso, incerto, misterioso...

            É constante e pertinaz a preocupação angustiosa de uma outra vida. “Para onde me conduzireis? País estranho nunca viajado! (... kien vi min kondukos? Fremda, neniam travojagita lando!)”.

            E assim, lendo “Os Salteadores” (La Rabistoj), na magnífica tradução de Zamenhof, pude ver mais uma vez compreender e observar que aquilo que hoje denominamos Espiritismo é tão velho como o mundo, brotando naturalmente da consciência humana como reminiscências quase impreceptíveis de uma vida anterior.