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terça-feira, 2 de novembro de 2021

O Dever da Sociabilidade

 


“O Dever da Sociabilidade”

por Indalício Mendes

Reformador (FEB) Setembro 1964

             Os espíritas das grandes cidades encontram, às vezes, maiores obstáculos para a exemplificação lata dos deveres doutrinários. A vida absorvente, os compromissos fatigantes, o corre-corre incessante, tudo isso contribui para que muitos deles, sem o sentir, deixem de cumprir com a fidelidade desejável os preceitos da Doutrina.

            Há um pormenor digno de relevo: nas cidades grandes não se cultiva o intercâmbio de visitas familiares, tão comuns nas cidades do interior. Os espíritas somente se encontram nos dias de sessões, mas não permutam visitas, não percorrem os lares dos confrades e amigos, para, através de conversações adequadas, conservarem a intensidade do calor da troca de ideias sobre a Doutrina.

Essas visitas são importantes. Muitas vezes, levam a um lar, onde a exemplificação falha, o estímulo indispensável á recuperação de uma situação perdida por falta de incentivo.

É Kardec quem o diz: “Jamais pode o gelo imitar o calor. Se passarmos à categoria dos espíritas propriamente ditos, ainda aí depararemos com certas fraquezas humanas, das quais a Doutrina não triunfa imediatamente. As mais difíceis de vencer-se são o egoísmo e o orgulho, as duas paixões originárias do homem. Entre os adeptos convictos, não há deserções, na lídima acepção do termo, visto como aquele que desertasse, por motivos de interesse ou qualquer outro, nunca teria sido sinceramente espírita; pode, entretanto, haver desfalecimentos. Pode dar-se que a coragem e a perseverança fraquejem diante de uma decepção, de uma ambição frustrada, de uma preeminência não alcançada, de uma ferida no amor-próprio, de uma prova difícil. Há o recuo ante o sacrifício do bem-estar, ante o receio de comprometer os interesses materiais, ante o medo do “que dirão?”; há o querer viver para si e não para os outros, beneficiar a crença, mas sob a condição de que isso nada custe.” (o grifo é nosso)

A sociabilidade é uma força que os espíritas não devem desprezar. As reuniões familiares, além de restabelecer um velho costume brasileiro, hoje um tanto negligenciado nas grandes cidades, institui um pretexto para conversações edificantes, com base na Doutrina Espírita, conversações que podem, muitas vezes, mudar para melhor o curso de muitas vidas, aplainando dificuldades íntimas, aclarando o caminho, levando a mentes sem orientação rumos certos.    

Não se compreende Espiritismo sem o cultivo da sociabilidade, que reforça amizades, cria relações novas através da solidariedade que pode conduzir a oportunos esclarecimentos.

Releiam as palavras de Kardec, colhidas em “Obras Póstumas”. O que pode não ser confessado numa reunião pública de adeptos do Espiritismo, não raro é dito na intimidade e uma visita amiga e as deficiências doutrinárias poderão, assim, ser eliminadas sem que o espírita pouco identificado com a Doutrina possa sentir-se constrangido. E claro que o espírita familiarizado com os ensinamentos doutrinários não mais se deixa coagir pelo amor-próprio, não tem o menor constrangimento de confessar suas falhas e deficiências, seus erros e equívocos. Se um confrade amigo, em conversa íntima, lhe ilumina o pensamento e lhe dá conforto ao coração, logo ele perde o medo do “que dirão?”, a que aludiu o Codificador.

Portanto, o intercâmbio de visitas não constitui apenas um dever social, pois é, acima de tudo, um dever doutrinário, se assim podemos dizer. Procedendo assim, estaremos dando cumprimento ao nosso lema: “Trabalho – Solidariedade – Tolerância”.  Trabalho, porque estaremos trabalhando em prol da Doutrina dentro dos lares; Solidariedade, porque faremos nossos os problemas daqueles que não encontraram ainda meios para solucionar os que os preocupam; Tolerância, porque teremos de agir com o coração aberto, desculpando erros, mas procurando corrigi-los através de considerações doutrinárias adequadas a cada caso.

Há lares cheios de problemas sérios, que os cônjuges não sabem como resolver, mesmo quando um deles é espírita. Através, porém, do intercâmbio entre as famílias, ótimos resultados poderão ser obtidos. Dizemo-lo porque não desconhecemos as vitórias já conquistadas por esse processo de visitas e ser visitado, embora sem se fazer do Espiritismo tema obrigatório de palestras. A própria Doutrina surgirá no curso das conversas, orientando-as, sem haver necessidade de se repisar preceitos espíritas. Desde que eles já tenham sido assimilados por uma parte, os ensinamentos naturalmente se transmitirão á outra parte, por ação indireta.

            Ao concluirmos, lembramos estas outras palavras de Kardec: “Se os elementos da fé permanecem estacionários e ficam distanciados pelo espírito, perdem toda a influência; e o bem que ajam produzido, em certo tempo, não pode prosseguir, porque aqueles elementos já não se acham à altura das circunstâncias.” Eis porque, então, a troca de visitas pode ser oportuna em muitos casos, reforçando a fé de alguns, estimulando a confiança de outros e consolidando em todos a certeza de que o Espiritismo é força aglutinante poderosa e útil ao indivíduo e à família. 

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