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segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Ter ou não ter fé

 

Ter ou não ter fé

Boanerges da Rocha (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Outubro 1964

             Frequentemente, pessoas de outros credos, e até sem nenhum credo, acicatadas pelo sofrimento, dizem, desalentadas, quando conversam com alguém que sabem ser espírita.

            - Fui ao médico Fulano. Não acertou. Indicaram-me outro. No começo, melhorei. Depois, infelizmente, voltei ao que sentia. Falaram-me para recorrer ao Espiritismo. Não adianta, porque não acredito, não tenho fé.

            Nenhum espírita realmente em dia com a Doutrina será capaz de desaconselhar alguém a tratar-se com os médicos. Eles, vai de regra, são dedicados e capazes, procurando sinceramente curar os enfermos que os procuram. Acontece, entretanto, que há doentes cuja enfermidade é espiritual, de modo que os médicos, por mais devotados e competentes que sejam, não conseguem vence-la porque a procuram na matéria. E nem sempre querem aceitar essa verdade.

            Devemos esclarecer, àqueles que conhecem pouco ou desconhecem o Espiritismo, que para nós não é preciso que alguém tenha fé cega para ser beneficiado pelos caridosos irmãos do Além. Em absoluto. A fé ajuda, mas quantos descrentes têm sido curados pelos Espíritos e muitos continuam fiéis à sua maneira de pensar, atribuindo a cura a coincidências ou a outras causas que não aquelas que verdadeiramente lhe puseram fim aos males?  Tudo isso é muito humano e os Espíritos não procuram saber, na hora de fazer o bem, se o enfermo é espírita, católico, protestante, muçulmano ou ateu. Se dentro do quadro cármico de cada um a cura é permitida, ele é curado. Não importa o que faça depois, não importa que se esqueça do benefício recebido e cubra o Espiritismo de críticas injustas.

            A fé que os espíritas aceitam é a fé raciocinada, porque “fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade”, está no frontispício de “O Evangelho segundo o Espiritismo”.

            Preferimos que ninguém nos busque com a fé cega, porque esta significa miragem, ilusão, não é segura, não tem base, não oferece garantia de estabilidade, por falta de amparo da razão. Desejamos possua o homem a fé esclarecida, que não teme o raciocínio e até se fortalece quando submetida ao crivo da razão.

            Crer, só porque outros creem, sem que sintamos dentro de nós a confiança tranquila que a fé raciocinada oferece, não é crer, mas presumir que crê, “crer” por sugestão.

            A fé cega é como a escuridão. Quando nos vemos nas trevas, sabemos que é a escuridão que nos cerca, porém ignoramos tudo quanto possa estar à nossa volta. Temos que andar tateando, por nos faltar justamente a luz que nos permitiria franco desembaraço. A fé raciocinada é luz. Faculta-nos a liberdade de pensar, de analisar, de concluir e de decidir, porque não foge a nenhuma comparação, não nos impõe a obrigação de aceitar uma ideia qualquer. Pelo contrário, induz-nos a somente aceita-la depois de estarmos convencidos da sua natureza e dos seus efeitos, como nos leva a recusá-la se, após o exame, ela nos parece desagradável, ruinosa ou inconveniente.

            Portanto, qualquer pessoa pode beneficiar-se do Espiritismo sem precisar crer cegamente nele. Os fatos se encarregarão de demonstrar a verdade, quando o raciocínio se puser a trabalhar por si mesmo, sem coação de coisa alguma.

            Foi o que sucedeu a alguém que aceitou um convite nosso para consultar um Guia acerca da sua situação orgânica. ‘Vou, mas não tenho fé”, disse. Foi o que nos confirmou quando nós, condoídos do seu sofrimento e vendo que se mostrava desesperançado de encontrar uma solução para o seu caso, nos lembramos de lhe perguntar se havia tentado submeter-se ao Espiritismo, sem qualquer compromisso de adesão ou simpatia.

            Foi. Hoje, apesar de sua condição de médico, renunciou ao materialismo que o absorvia, leu todas as obras de Allan Kardec e aprendeu todas as lições doutrinárias do Espiritismo, não escondendo as suas simpatias por nossa causa.

            Porque isso? Porque, homem inteligente e culto, pensava que os espíritas eram fanáticos, acreditando cegamente no que se lhes dizia, sem usarem o direito do exame que o raciocínio sugere.

            Em suma, a fé esclarecida é útil; a fé cega, perigosa e traiçoeira. A fé que exaltamos é justamente a fé que se irmana com a razão e não entra em conflito com ela, porque responde a todas as suas justas inquirições. Essa a fé legítima, porque não ofende a liberdade de pensamento do homem, que aceita e reconhece o direito da dúvida como um processo de peneiramento, de análise, cuja conclusão poderá ser definitiva.

            “Nada examinando, a fé cega aceita, sem verificação, assim o verdadeiro como o falso, e, a cada passo se choca com a evidência e a razão. Levada ao excesso, produz o fanatismo.  Em assentando no erro, cedo ou tarde desmorona; somente a fé que se baseia na verdade garante o futuro, porque nada tem a temer do progresso das luzes, dado que o que é verdadeiro na obscuridade, também o é à luz meridiana. A fé raciocinada, por se apoiar nos fatos e na lógica, nenhuma obscuridade deixa. A criatura então crê, porque tem certeza, e ninguém tem certeza senão porque compreendeu. Eis porque não se dobra. Fé inabalável só é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade.”(“O Evangelho segundo o Espiritismo”.)

           


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