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sábado, 27 de novembro de 2021

Schiller e o Espiritismo

 

Schiller e o Espiritismo

por Michaelus (Miguel Timponi)

Reformador (FEB) Agosto 1948

                 Informação adicional com origem na Wikipedia – “Johann Christoph Friedrich von Schiller (Marbach am Neckar, 10 de novembro de 1759 — Weimar, 9 de maio de 1805), mais conhecido como Friedrich Schiller, foi um poeta, filósofo, médico e historiador alemão. Schiller foi um dos grandes homens de letras da Alemanha do século XVIII e, assim como Goethe, Wieland e Herder, é um dos principais representantes do Classicismo de Weimar, e é tido como um dos precursores do Romantismo alemão. Sua amizade com Goethe rendeu uma longa troca de cartas que se tornou famosa na literatura alemã.”

             Os fenômenos espíritas sempre existiram. O Velho e o Novo Testamento estão repletos de exemplos, que cada qual procura interpretar à luz da sua seita ou do seu dogma. Certo é, porém, que tudo pode ser desfigurado pela linguagem humana, exceto o fato em si mesmo, porque este subsiste e se repete independentemente da nossa vontade.

            Kardec, pois, não inventou os fatos. Apenas os fixou, os estudou com seriedade e paciência. E da análise que empreendeu, sem nenhum juízo preconcebido, resultou a sistematização de uma doutrina.

            Farta é a literatura antiga, para não nos referirmos à contemporânea, em que os fenômenos espíritas surgem através da concepção ou da inspiração de grandes e brilhantes escritores, a que hoje chamamos médiuns intuitivos.

            Não foi por acaso que Shakespeare advertiu, com as palavras de Hamlet, que no céu e na Terra há mais coisas do que as instruções dos nossos filósofos nas escolas.

            Não foi também por acaso que Schiller em o “Visionário” concebeu cenas interessantíssimas, fenômenos tipicamente espíritas, com a criação de uma personagem misteriosa, cheia de estranho poder, que outra coisa não era senão um excelente médium. E vemos uma passagem em que um abade desafia todo o “reino dos espíritos...”, mas que foge espavorido quando percebe o imenso poder da estranha personagem.

            Não posso furtar-me ao desejo de transcrever os seguintes trechos:

             “O marquês de Lanoj – tomou agora o príncipe a palavra – era na última guerra um brigadeiro francês e meu mui íntimo amigo. Na batalha de Hastinbeck recebeu uma ferida mortal; trouxeram-no para minha tenda, onde logo morreu nos meus braços. Estando já em luta com a morte, chamou-me: “Príncipe – começou ele – não tornarei  a ver minha pátria; sabei, pois, um segredo, de que ninguém, senão eu, tem a chave. Em um convento na fronteira de Flandres, vive uma...” e expirou.

            A mão da morte cortou o fio do seu discurso; eu o desejava aqui e ouvir a continuação”.

            “- Quem me chama? Disse esta segunda aparição?”

            E reconhecendo o príncipe, cheio de emoção, o marquês de Lanoj perguntou-lhe:

            “Quem vive no convento que tu me designaste?

            - Minha filha.

            - Como! Foste pai?

            - Ai de mim, que pouco o fui eu!

            - Posso fazer-te ainda algum serviço neste mundo?

            - Nenhum outro senão o de pensar em ti mesmo.

            - Que devo fazer?

            - Em Roma o saberás.

            Nesta ocasião uma nuvem negra de fumo encheu o quarto; e quando esta se dissipou, já não vimos a figura. Abri uma porta da janela. Era manhã.”

            É bom que se assinale que Schiller nasceu em 1759 e morreu em 1805. Vale dizer que muito antes da sistematização da Doutrina Espírita realizada por Allan Kardec, em 1857.

            Não quero afirmar de nenhum modo a sua adesão a uma doutrina ainda inexistente, mas apenas notar a tendência do poeta e dramaturgo para o espiritualismo, a ponto de levar os seus biógrafos à conclusão de que a sua obra possui um cunho quase metafísico.

            Na verdade esse traço predominante, pela lei natural da afinidade, foi o imã que o colocou junto de Goethe, na mais íntima convivência, formando assim  a dupla de poetas, dramaturgos e escritores de mais merecida fama na Alemanha.

            Mas essa inclinação não surge esporadicamente em seus dramas. Ao contrário, ela é persistente. Acompanha sistematicamente as suas interessantes personagens, fazendo-as falar uma linguagem considerada então como puro misticismo.

            No drama “Os Salteadores”, escrito em 1780, quando possuía apenas 21 anos de idade, e que, graças ao Esperanto, me foi dado ler, em magistral tradução de Zamenhof, Schiller aborda temas de profunda indagação filosófica, como se fosse, não um antepassado, mas um contemporâneo de Kardec.

            Ele põe na boca do chefe dos bandidos, que meditava profundamente, enquanto na noite silenciosa dormitavam no acampamento os seus homens, esta admirável página, que merece ser transcrita sem nenhum comentário:

             “Quem poderia garantir-me? Tudo é tão obscuro... labirintos confusos... nenhuma saída, nenhuma estrela para guia... se tudo acaba simultaneamente com o último suspiro, acaba então como um brinquedo de mal gosto de marionetes?... Mas para que essa desmedida aspiração à felicidade? Para que o ideal de uma perfeição que não se alcançou? A procrastinação de planos irrealizados? Se a miserável pressão deste miserável objeto (ele tem a pistola apontada à cabeça) iguala o sensato ao insensato, o corajoso ao covarde, o nobre ao patife? Existe sem dúvida uma tal harmonia divina em a natureza inanimada, porque pois existiria esta desarmonia em a natureza racional? Não, não! Existe alguma coisa mais, por isso não fui ainda feliz”.

            “(Guardando a pistola) Tempo e eternidade – confundidos no espaço de um momento! Chave terrível que fecha por detrás de mim o cárcere da vida e abre diante de mim a morada da noite eterna, - dizei-me, oh!, dizei-me, para onde me conduzireis?

            Seja como quizerdes, ó além sem nome, - somente me fique fiel este meu “eu”. A exterioridade é somente a casca de um homem – eu mesmo sou o meu céu e o meu inferno”.

            Se me deixardes, para mim só, uma pequena parte do mundo reduzida a cinza, onde eu tivesse somente uma noite de solidão e um deserto eterno, então eu habitaria o deserto silencioso pelas minhas fantasias, e a eternidade dar-me-ía bastante tempo para analisar a imagem confusa da miséria universal. Ou acaso quereis, sempre por novos nascimentos e sempre por novos lugares de miséria, degrau após degrau, condizir-me ao nada? Acaso os fios da vida, tecidos para mim no além vida, eu não possa tão facilmente  dilacerar como esta? Podeis reduzir-me a nada, mas esta liberdade não podeis tirar-me. (Ele carrega a pistola. Subitamente para). Mas devo eu morrer pelo temor de uma vida tormentosa? Não, eu a sofrerei! (Ele lança fora a pistola). Que a tormenta se rompa de encontro ao meu orgulho! Eu a suportarei até ao fim.”

            Como se vê, através da meditação profunda, posta na cabeça da principal personagem do drama, surgem concepções intuitivas, que mais tarde iriam tomar corpo com o advento da revelação dada a Kardec. Nessas concepções não se encontram asserções definitivas em relação à tese espírita, mas sente-se que, através da força criativa do pensamento, as verdades eternas já sopravam fortemente as almas angustiadas na antevisão de um mundo espiritual, impreciso, incerto, misterioso...

            É constante e pertinaz a preocupação angustiosa de uma outra vida. “Para onde me conduzireis? País estranho nunca viajado! (... kien vi min kondukos? Fremda, neniam travojagita lando!)”.

            E assim, lendo “Os Salteadores” (La Rabistoj), na magnífica tradução de Zamenhof, pude ver mais uma vez compreender e observar que aquilo que hoje denominamos Espiritismo é tão velho como o mundo, brotando naturalmente da consciência humana como reminiscências quase impreceptíveis de uma vida anterior.


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