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‘Revelação dos Papas’
(Obra Mediúnica)
- Comunicações d’Além Túmulo -
Publicada sob os auspícios da
União Espírita Suburbana
Rua Dias da Cruz 177, Méier
Officinas Graphicas d’A
Noite
Rua
do Carmo, 29
1918
Xisto II, papa
O médium vê um homem
claro, de feições regulares,
cabelos brancos e
olhos azuis, vestindo hábito roxo e circundado de luz brilhante.
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Saúdo-vos daqui, pedindo vênia para
vos dirigir algumas palavras de amizade e simpatia.
Quem está presente é um dos papas
mais culpados de falta de fé e perseverança no caminho da verdadeira religião
de Jesus Cristo.
Quem vos fala agora é um daqueles em
quem faltou sempre a verdadeiro espírito cristão. É o mais impiedoso dos papas,
o único, talvez, que se deixou dominar por falsos sentimentos de grandeza,
orgulho e vaidade e que mais afastado viveu de Deus e da humanidade.
Na hora presente sinto-me bastante
feliz e experimento verdadeira alegria ao comunicar-me com os homens, para cujo
atraso e heresia concorria com a minha conduta papal. Conduzi mal o espírito
religioso do meu tempo, não me compenetrando das responsabilidades que tomara
sobre meus ombros ao sentar-me na cadeira pontificada.
Abandonei os conselhos e as lições
sublimes de Jesus e orientei-me pelos meus instintos baixos, pelas minhas
tendências perversas, pelas minhas ambições de mando e domínio.
Esqueci-me completamente que - “Os
últimos serão os primeiros”. - Os que se humilham serão exaltados e os que se
exaltarem serão humilhados” — como disse Jesus.
Eu vos dou provas da justeza e
verdade destas duas sentenças que acabo de citar, no que vou relatar para
mostrar-vos que muito mal procede todo aquele que se afasta dos ensinamentos do
Mestre.
Como papa, fui um impenitente gozador
dos bens e prazeres terrenos, pelos quais esqueci sempre os meus deveres,
desprezei o que era moral e útil à fé aos homens e a mim. Engolfei-me na vida
material, na qual encontrava doçuras e encantos que, erradamente, supus não
existisse outros que os pudessem igualar; pensava, convictamente, que os bens,
as felicidades e os gozos do céu eram apenas promessa vã, meio de que se
servira Jesus para conter a intemperança e a fúria dos homens; não compreendia
pudesse existir alguma coisa de positivo e absolutamente verdadeiro nessas
promessas, que julguei não passarem de egoísmo, quimera com que Jesus, os
santos e os profetas acenavam aos homens, tendo apena em mira desviá-los dos
prazeres da Terra, conte-los nos excessos a que se entregavam quando o grande
Rabino da Galileia, percorria os campos e as cidades.
Tive a presunção de conhecer a
verdade toda inteira no que diz respeito a gozos e bens terrenos, à felicidade,
galardões e prêmios celestes.
Imaginava que fora do mundo, a alma
se entregasse a uma vida puramente benéfica, contemplativa, vivendo num êxtase
eterno, do qual jamais seria despertada; não admitindo pudesse existir na eternidade
uma vida ativa, cheia de sensações e emoções tão vivas e fortes variando até o
infinito, atingindo a um grau de intensidade a que as impressões da vida
terrena não podem atingir.
Julguei sempre nada mais poderia
seduzir e encantar o espírito, uma vez despido dos órgãos pelos quais as
sensações chegam à alma durante o tempo em que se acha ligada ao corpo.
Não podia, pois, imaginar prazeres e
gozos definidos, alegria e sensações mais intensas e mais deliciosas que as do
mundo material e, por isso, deixava-me arrastar pelas seduções mundanas. Os
prazeres da mesa, o encanto da beleza que se manifesta debaixo da forma
feminina, a volúpia e as sensações produzidas pelo som e pela cor, perfumes e
essências, que põem em atividades os sentidos externos do homem; tudo isso eu
buscava gozar de uma maneira completa, requintando de gosto e sentimento,
apurando cada vez mais os sentidos, tornando-os mais sensíveis às delicadas e
sutis manifestações do mundo exterior. Não me preocupei com as consequências
que porventura pudessem advir para o meu espírito após a morte do corpo. Ficava
estupefato ao contemplar os grandes quadros dos mártires da fé, aplicando
cilícios para dilacere lhes as carnes, cobrindo o corpo de chagas, jejuando,
vivendo ao relento, expondo-se aos maiores perigos, entregando-se dia e noite a
exercícios espirituais, com o fim de amortecer, suprimir a sensibilidade
nervosa e assim, tornarem-se puros, castos e santos. Tudo isso me
impressionava, causando horror, fazendo-me pensar na loucura desses entes, que
desprezavam os verdadeiros prazeres, os gozos positivos e sedutores da carne
pelas doçuras e encantos de um céu que não conheciam, e, portanto, não podiam
compreender o que nele se passava e, muito menos, conceber os seus encantos e
as suas delicias.
Para mim semelhante gente não passava
de uma legião de sonhadores, fanatizados pelos ensinos do Cristo e pelas
leituras do Antigo Testamento. Não me conformava com essas orientações - isso
desde a minha ordenação a simples padre, e, ao sentar-me na cadeira papal,
tinha enraizadas no meu espírito ideias contrárias àquela maneira de ver.
Entendia que a fé nada tinha que ver com os atos mundanos e que o homem podia e
devia desforrar-se nesta vida, de modo que, ao entrar na eternidade, não mais o
afligissem as saudades deste mundo, donde se retirara farto, satisfeito por ter
gozado todas as delícias que ele proporciona àqueles que se identificam de
corpo e alma com a vida material. Apesar de papa, não podia admitir abstenções,
limitações, restrições e proibições do que, pensava eu, fora criado unicamente
para aumentar o encanto da existência terrena e suavizar os tormentos e as
dores que a vida humana inflige as criaturas.
Imaginava eu que se devia gozar
preocupação das consequências futuras, que não devíamos mortificar a carne tão
apetecida, essa carne adorada que nos proporcionava gozos indizíveis, dando-nos
sensações paradisíacas no mundo dos enganos e das ilusões.
Foi pensando assim que me esqueci dos
deveres que tinha que cumprir, abandonando-me aos prazeres materiais que não me
deixaram tempo, calma e sossego para cuidar das coisas sagradas confiadas à
minha guarda. Os negócios do Estado eu os encarava como coisas secundárias;
abandonando-os, encaminhando-os mal. Conduzindo-os para o caminho falso dos
conchavos em que presidia mais o espírito da cobiça, vaidade e orgulho que o
interesse religioso, sincero, honesto e puro que devia caracterizar todos os
atos do papa.
As questões do Vaticano, aquelas
cujas soluções deviam ser inspiradas no bem, na verdade, na justiça e na razão,
eram resolvidas de afogadilho, às pressas, sem o estudo e a reflexão que
requeriam essas altas questões, que diziam respeito à boa marcha dos interesses
da fé cristã e tinham por fim cooperar para que cada vez mais se radicassem na
alma dos povos os verdadeiros e puros sentimentos religiosos.
A minha corte, exceção feita de
alguns sacerdotes estudiosos, sinceros e dedicados às coisas da Igreja, era
composta de nulos e gozadores que, como eu, procuravam apenas a satisfação das
necessidades da vida material e conquistar títulos e honrarias, esquecidos
sempre da sua nobre e santa missão de orientar e dirigir as almas.
Com tais elementos, jamais se poderia
esperar que eu fizesse um governo que preenchesse as exigências da época,
correspondendo, aos mesmo tempo, as necessidades do momento que atravessava a
Igreja Católica.
Separei-me dos altos deveres
cristãos, divorciei-me das sábias lições do Mestre, escusando-me ao cumprimento
do dever, furtando-me à prática dos atos de piedade e clemência; exonerei-me de
obrigações e encargos dos quais tinha o dever de desempenhar-me com honra e
dignidade; lancei-me no caminho oposto à caridade, enveredando por atalhos que,
longe de adiantarem a minha marcha para Deus, ao contrário, retardaram-na
grandemente, de modo que, depois da morte, me achei na mais desoladora situação
em que uma alma pode encontrar-se no mundo espiritual.
Sofri ali duras provações, cruéis
desilusões, insuportáveis vexames, tremendas humilhações, quando verifiquei
serem inteiramente diversas todas as coisas que imaginara, constatando o
absurdo das minhas reflexões e improcedência das afirmações feitas pela Igreja
com relação aos bens e gozos celestes. Chorei amargamente ao ver que me
enganara de modo absoluto, supondo serem os gozos e prazeres da vida espiritual
mais efêmeros que os do mundo, nos quais me afundara e que por isso
experimentava tão critica e aflitiva situações ao entrar na vida espiritual.
Senti-me profundamente abatido perante os quadros que se desenrolavam aos meus
olhos; fiquei perplexo, arrebatado, ao contemplar a majestade das coisas, cuja
beleza e esplendor excediam de uma maneira infinitamente grande as concepções
humanas relativas a essas coisas. Sofri durante muito tempo o horror das
trevas, senti ali os apetites carnais me devorarem as entranhas, me correrem o
espírito; experimentei as mesmas necessidades e desejos que me assaltaram
durante a vida e que, para satisfazê-los, comprometi a minha alma, lançando-a
nesse inferno em que se transformou a minha consciência logo após o
desprendimento do espírito.
Foram desesperadores os primeiros
tempos da minha vida espiritual; horríveis essas horas que sucederam à morte do
corpo.
O meu despertar na eternidade foi
tremendo, custou-me muitas dores, lágrimas, imprecações, gemidos, ânsias,
desalentos, angustias; potentíssimos espinhos penetraram-me na alma, feriram o
meu espírito; terríveis serpentes morderam-me a consciência, envenenaram-me a
alma; monstros horríveis pareciam querer devorar-me, tragar o meu espírito!
Foram horas, dias, anos, séculos de sofrimento e amargura!..
Grandes, imensas, foram as
responsabilidades que acarretei sobre mim, os compromissos que assumi perante Deus,
que, não obstante as minhas grandes culpas, se mostrou para mim Pai
misericordioso e infinitamente bom, pois, desde que o arrependimento sincero
penetrou na minha alma, logo comecei a orar, a repudiar o que adorara em vida,
Ele, o Pai Celestial, começou a perdoar-me, a dar-me alívio e sossego; e,
quando formulei desejos de reparar o mal que praticara, a Sua misericórdia se
derramou sobre mim, inundou-me a alma, lavou o meu espírito, libertou-o por
completo das impurezas que nele ainda existiam, salvando-o, iluminando-o com a
luz da sua graça infinita. Deus salvou-me, deu-me a paz, aliviou-me o espírito,
mas eu me comprometi com Ele a apagar em sucessivas existências todo o mal
feito, praticado duramente o tempo que tive nas mãos as rédeas do governo
sagrado da cristandade. Já cumpri parte do que prometi ao Senhor, em
existências sucessivas depois de haver sido papa. Cumpri dignamente a minha
promessa, satisfiz o meu compromisso com brilho e honra, passando por provas e
experiências amargas, cruéis, mais tive coragem para enfrentá-la, suportando lhes
o peso.
Venho completar o pagamento da dívida,
dando esta prova de humildade perante o meu Pai Celestial e os homens que me
escutam neste momento.
Colaboro hoje na “Revelação dos Papas”, e termino esta mensagem rogando aos meus
irmãos da Terra, outrora meus filhos espirituais, que me perdoem o mal que lhes
fiz, o falso rumo por onde conduzi os cristãos, acarretando-lhes os desgostos e
prejuízos que hoje sofrem aqui neste mundo; suplicando-lhes também a esmola de
uma prece para o espírito do papa criminoso que nesta mensagem confessou os
seus erros e a suas loucuras e que, ao terminar, faz votos pelo avanço e
progresso da humanidade terrena. Tenho dito.
Xisto II
Setembro de 1915
Papado de Agosto
de 257 a 6 de Agosto de 258.
Informações complementares
Curto papado do grego de Atenas que
se intitulou Xisto II. À época, todos os
chefes das igrejas cristãs eram chamados
papas reconhecida porém a relevância (não a autoridade) maior do chefe da
igreja de Roma. Conflitos por distintas interpretações relativas à Trindade
católica recrudesceram. No período deste
papado, os cristãos estiveram sob perseguição severa de parte do imperador
Valeriano inclusive Xisto II que foi
preso e supliciado.
Fonte: ‘Os Crimes dos Papas’ por
Maurice Lachatre
2005 Ed. Madras SP SP