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quinta-feira, 31 de maio de 2012

31 de Maio



31 de Maio

Deus te abençoe a fala humilde e santa,
Com que aplacas a ira
Da calúnia, do escárnio, da mentira,
Na frase que perdoa e que levanta.


Irene Souza Pinto
por Chico Xavier 
in ‘Antologia dos Imortais’ (FEB) 4ª Ed  2002




quarta-feira, 30 de maio de 2012

"O rico avarento...!"




 “O rico avarento...”
           
                        "O Rico avarento banqueteava-se esplendidamente todos os dias.”

            O que Jesus nos diz do rico avarento e do pobre Lázaro repete-se todos os dias, através dos séculos e milênios, enquanto a humanidade não passar das baixadas da sua estreita consciência individual, telúrica, para as alturas duma vasta consciência universal, cósmica. Repete-se esta cena em dois sentidos: no plano social da humanidade e no plano individual do homem.

            No terreno social. Opulentos gozadores se banqueteiam à mesa do lauto festim da sua prosperidade material, luxuosamente vestidos, fartamente alimentados - enquanto milhares e milhões de Lázaros, seus irmãos, deserdados da fortuna, vitimados de doenças, cobertos de chagas, jazem à porta dos palácios, ansiando por apanhar alguma das migalhas que caem da mesa dos ricaços, mas nem sempre essas migalhas lhes são concedidas. Os cachorros passam melhor do que essas ruínas humanas - não faltam mesmo ricaços, e sobretudo ricaças sentimentais, que adotam cachorros e gatos, lhes dão casa, cama, mesa, hospital, clínica, e
até lhes erigem suntuosos mausoléus de mármore e bronze - enquanto milhares de crianças humanas, órfãos, maltrapilhos, famintos, enchem as ruas e os becos, aumentando a delinquência juvenil de amanhã - tão espantosa é a cegueira do coração humano! ... Mas os ricaços, egoístas cegos, procuram ignorar as misérias humanas, e, para anestesiar a sua consciência, frequentam igrejas e serviços religiosos, e alguns deles jogam, de vez em quando, uma migalha ou um osso a esses Lázaros famintos, chegando ao ponto de destinar-lhes 10% das suas rendas, enquanto eles guardam para o seu egoísmo explorador os restantes 90% da sua opulência, adquirida, talvez, com o suor e sangue das suas vítimas. E, destarte, se embalam na fagueira complacência do seu heroísmo caritativo e da sua grande virtuosidade, tanto mais que a imprensa os aplaude e apelida de "benfeitores da humanidade sofredora".

            Uma das mais funestas doenças psíquicas se chama "complexo de heroísmo" ou "virtuosidade"... É dificilmente curável essa moléstia, porque passa por saúde e sanidade.

            A caridade, embora boa e necessária, não resolve os dolorosos problemas da humanidade, porque é filha da miséria, e esta, por sua vez, é filha do egoísmo. O que salva a humanidade é o amor, porque o amor abole de vez o egoísmo e não permite o aparecimento e a perpetuação da miséria, que exige a caridade como lenitivo temporário e incompleto. Onde domina o amor não há terreno propício para o desamor, o egoísmo; e onde não há egoísmo não existe miséria humana crônica; e, não havendo miséria crônica, não há lugar para uma caridade habitual, como fenômeno normal da sociedade. Chegamos assim à verdade aparentemente paradoxal de que onde há amor não há necessidade de caridade, porque o amor torna a caridade  supérflua, uma vez que lhe subtrai o terreno do egoísmo e da consequente miséria em que a caridade possa medrar. Não negamos que, em casos excepcionais oriundos de catástrofes da natureza - terremotos, enchentes, incêndios, epidemias, etc. - seja necessária a caridade, mesmo ao lado do amor; o que afirmamos é que a caridade como fenômeno normal e habitual da sociedade é algo inteiramente anormal e mórbido. O Cristianismo genuíno e integral não é uma "roupa velha com remendo novo", nem um "odre velho com vinho novo". O Cristianismo não é uma vestimenta rota de miséria precariamente consertada com lindos remendos de caridade, espécie de colcha de retalhos; o cristão não é um remendador de rasgões em roupa velha, nem tão pouco um mendigo esfarrapado e ligeiramente remendado para aguentar mais algumas semanas ou meses - o Cristianismo crístico é algo inteiriço e totalmente novo, algo virgem, inédito de alto a baixo, por dentro e por fora; o cristão de verdade não é uma criatura remendada, mas um homem remido, alguém que se despojou totalmente do "homem velho" e se revestiu totalmente do "homem novo", que se tornou "nova criatura em Cristo", sem levar consigo um fiozinho sequer do homem velho que anda ao sabor das suas velhas concupiscências e do seu inveterado orgulho, mas é homem 100% novo, feito em verdade, justiça e santidade ...

            Mas um homem assim, uma nova criatura em Cristo, só pode ser criado pelo amor, pelo renascimento do espírito...

            A humanidade do Cristo não é uma humanidade remendada com caridades - mas uma humanidade remida pelo amor. O homem crístico é como o Cristo, que nunca foi remendado, porque era um remido e um redentor, no qual não havia miséria, e por isto não necessitava de caridades, porque era o supremo amor crístico.

            É claro, enquanto não tivermos amor suficiente, vamos praticar caridades em larga escala, porque, uma vez que o nosso egoísmo criou as misérias humanas, é justo que o nosso altruísmo procure suavizar o mais possível essas misérias, filhas do nosso egoísmo.

            Mas, em caso algum, devemos cair no erro funesto de pensar e dizer que a caridade possa salvar o homem. A caridade só pode suavizar os males que o egoísmo produziu, mas não os pode abolir, porque ela mesma sofre, e quem sofre com o sofredor não pode abolir os sofrimentos dele. Só o amor é assaz poderoso para abolir não só o egoísmo, mas também as consequências do egoísmo, os sofrimentos.

            Pobres sempre os teremos conosco se não tivermos conosco o Cristo.

            Enquanto houver exploradores haverá explorados - mas onde domina o Cristo não há exploradores, e, portanto não  há explorados. O amor do Cristo torna impossível o aparecimento de exploradores, e por isto não necessita a caridade de remediar as chagas dos explorados  porque estes não existem.
           
            Onde o Satanás do egoísmo foi derrotado pelo Cristo do amor não encontram os anjos da caridade campo para suas atividades. É este o Cristianismo genuíno e integral, o reino de Deus proclamado sobre a face da terra.

            Mas, enquanto os ricaços continuarem a banquetear-se egoisticamente, continuarão os Lázaros a agonizar à porta deles - e deve haver quem se compadeça caridosamente dos infelizes.

* * *.

            Entretanto, esse mesmo fenômeno discrepante do terreno social também ocorre no terreno individual - e até certo ponto este é causa daquele. Se dentro do próprio indivíduo não houvesse desarmonia, não haveria desarmonia fora dele, na sociedade. A lei do indivíduo é a lei da sociedade. O homem é a bitola de todas as coisas.

            Dentro de cada um de nós vive um rico avarento e agoniza um pobre Lázaro, o egoísta do nosso corpo e a vítima da nossa alma. Damos ao nosso corpo 24 horas diariamente - 8 horas de descanso, 8 horas de trabalhos para o corpo e 8 horas de diversões para o mesmo ricaço. E quanto tempo para os interesses da alma? Talvez a "vigésima quinta" hora do dia? Os poucos que dão à alma 2% do tempo diário, isto é, cerca de meia hora, julgam-se uns homens extraordinariamente generosos e espirituais. A maior parte, mesmo entre os cristãos, não está disposta a "perder" meia hora por dia para tratar exclusivamente das coisas da alma, na oração, meditação, na leitura espiritual; aprovam a parte de Maria, mas escolhem a parte de Marta.

            Se quiséssemos "perder" cada dia 2% do nosso tempo para a alma ganharíamos os restantes 98% para a nossa vida verdadeira e abundante; mas, como queremos ganhar 100% para o corpo, perdemos tudo, porque tudo quanto fazemos só no plano horizontal das quantidades externas são outros tantos zeros, cuja soma ou produto será sempre igual a zero: O x O + O = O. Só se antepusermos a essas filas de vacuidades negativas a plenitude positiva do fator "1", então todos os pseudo valores materiais serão valorizados pelo verdadeiro valor espiritual: 1.000.000.

            O que acontece neste terreno do tempo, acontece também no plano do dinheiro. O homem profano gasta todo o seu dinheiro pela manutenção e intensificação da sua saúde e do seu bem-estar corporal, e estranha quando alguém lhe sugere uma despesa qualquer em benefício da alma. O capitalista do corpo, tem direito a lautos banquetes, três ou mais vezes por dia - mas o mendigo da alma não recebe sequer uma migalha desse festim.

            De maneira que o homem profano, sem excetuar o cristão, vive num permanente latrocínio e numa incessante mentira contra si mesmo. É injusto e desonesto consigo mesmo, com seu verdadeiro Eu divino. "Quem guarda em sua casa alguma coisa de que não necessita, e que faz falta aos outros, é ladrão" (Mahatma Gandhi).

            Tipo clássico desse ladrão mentiroso era aquele magnífico fariseu no templo de Jerusalém do qual o Nazareno nos deixou tão estupendo retrato: apesar de parecer asceta e filantropo - pois jejuava duas vezes por semana e dava o dízimo de todos os seus haveres - não deixava de ser um desbragado gozador, porque se banqueteava pomposamente com a refinada iguaria da sua complacente satisfação de não ser "como o resto dos homens, ladrões, injustos, adúlteros", nem mesmo como aquele publicano, seu colega. O mais inebriante de todos os vinhos é o complexo de heroísmo e virtuosidade, a fagueira complacência com os nossos méritos e perfeições.

            O fariseu, apesar de não ser ladrão, injusto, adúltero, publicano, apesar de dar para fins de caridade e religião 10% de todos os seus haveres, voltou para casa "não ajustado", porque a sua própria virtuosidade o desajustara.

            Na parábola do rico avarento e do pobre Lázaro ocorrem as palavras "há entre nós e vós um grande abismo, de maneira que ninguém de lá pode vir para cá, nem de cá pode ir para lá" - palavras em que muitos veem estabelecida a impossibilidade de uma conversão após a morte corporal.

            Esquecem-se eles de que o rico avarento, quando "sepultado no inferno", não revela nenhum indício de conversão; quer apenas alívio nos seus sofrimentos. Não tem vontade de se converter da causa dos seus males, que são suas maldades; quer libertar-se dos efeitos, e não da causa, e isto lhe é negado. Sendo que os males são frutos das maldades, enquanto estas persistirem, aqueles não podem ser extintos, como lhe faz ver a voz de cima.

            Seus cinco irmãos vivos, que viviam nas mesmas maldades, também não se converteriam se um defunto reaparecesse redivivo, eles que não ouviram a Moisés e aos profetas.

            Esse diálogo entre Abraão e o pecador impenitente não prova, pois, a impossibilidade da conversão após-morte. A morte não torna ninguém pior nem melhor. A morte também não destrói o livre arbítrio de ninguém. Pode um defunto continuar a ser materialista mesmo sem possuir corpo material. O materialismo é uma atitude mental, que pode persistir também na ausência da matéria, como certamente aconteceu com o rico avarento, que não se converteu do seu materialismo impenitente, e espera poder continuar a ser um materialista sem sofrer as consequências desta sua maldade.



Huberto Rohden
in “Filosofia Cósmica do Evangelho”
(Edição da Fundação Alvorada - 1976)



30 de Maio



30 Maio


Deus te abençoe, por onde fores,
E te conserve as luzes
Em que extingues, removes ou reduzes
Os problemas, as lágrimas e as dores!


Irene Souza Pinto
por Chico Xavier 
in ‘Antologia dos Imortais’ (FEB) 4ª Ed  2002


terça-feira, 29 de maio de 2012

Collignon e "Os Quatro Evangelhos"


Collignon
“Os Quatro Evangelhos”


            No dia 25 de dezembro do ano de 1902, desencarnava, em Quimper, sede do Departamento de Finistère, a extraordinária médium francesa Emilie Collignon (Bréard, enquanto solteira). Foi através de suas faculdades, como se sabe e se agradece, que os evangelistas ditaram as explicações contidas na notável obra “Os Quatro Evangelhos” ou a “Revelação da Revelação”, posteriormente coordenada pelo bastonário bordelês Jean-Baptiste Roustaing.

            Infelizmente, há muito pouco que dizer sobre a vida de Mme. Collignon, senão os escassos dados conhecidos e que reuni em meu livro inédito “A Posição Zero”. As grandes figuras, entretanto - particularmente quando  lhes sobressai a humildade -, deixam sempre raros registros, cabendo à posteridade a pesquisa lenta e progressiva, até que se lhes levantem todos os contornos biográficos. É o mesmo caso das médiuns que funcionaram com Allan Kardec, cujas vidas continuam quase completamente desconhecidas.

            De Mme. Collignon o que se sabe é que foi mãe de um dos prefeitos de Paris, que era médium mecânica e que, visitada por Roustaing, iniciou, a partir desse encontro, a sua abnegada missão de intermediária dos altos Espíritos que lhe ditaram a maior obra de todos os tempos, depois, logicamente, de “O Livro dos Espíritos”. Outros detalhes desse encontro se acham em meu livro e não pretendo antecipá-los. Este artigo é apenas uma homenagem espiritual à sua memória, menos para biografá-Ia do que para defender o seu trabalho, frequentemente arrastado à liça das acusações e invariavelmente criticado pelos que teimam em ver nele uma contradição com “O Livro dos Espíritos”. (Mais realistas que o rei, veem o que Kardec não viu ... ) Dentro dessa estratégia, intenta-se jogar Roustaing contra Kardec, e vice-versa. Assim, lembrando-me do 72º aniversário da desencarnação de Emilie Collignon, o que pretendo é destacar, uma vez mais, a sem-razão da campanha que visa ao impossível: contrapor um missionário ao outro.

            Nessa ingente e primordial preocupação, os negadores de Roustaing iniciam a tarefa pela falsa e infundada afirmação de que Allan Kardec lhe opôs definitivas e peremptórias restrições. Muito já se tem provado em contrário; muito já se tem evidenciado que esse quadro não encerra absolutamente a verdade dos fatos. Não vou, portanto, retomar aqui os numerosos e lídimos argumentos que contrariam essas afirmações, a começar pela própria palavra do Codificador, através da qual, no vol. 6 da “Revue Spirite”, de junho de 1886, enaltece a obra de Roustaing, apresentando-a como “trabalho considerável e que tem, para os Espíritas, o mérito de não estar, em nenhum ponto, em contradição com a doutrina ensinada pelo Livro dos Espíritos e o dos Médiuns”.

            A razão dessa controvérsia em torno do magno assunto decorre principalmente da posição tomada pelo missionário de Lyon na obra “A Gênese”, em que subscreve alguns comentários sobre a constituição do corpo de Jesus. É de se notar (pelo menos este argumento deve ser repisado) que aquela apreciação encerra ponto de vista pessoal de Kardec, à margem da Revelação Espírita (“O Livro dos Espíritos”). Kardec, que tinha por vezo consultar o Espírito São Luiz diante dos aspectos mais graves da Doutrina, àquele ensejo não o fez, furtando-se assim à oportunidade de ter ouvido do Alto ensinamento que talvez o levasse a esguardar o problema por outro prisma. De qualquer forma, apesar dos pesares, o que se depara em “A Gênese” não deveria levedar a dialética dos antifluidistas. Isto porque a asserção de Kardec é, antes que tudo, fruto duma série de condicionamentos, decorrente dos conhecimentos da época. Para Kardec, “fluídico” era sinônimo de “sombra” (vide “O Céu e o Inferno”, lª Parte, cap IV, n" 14); para Kardec, “fluídico” era o oposto de tangível (vide “O Livro dos Médiuns”, cap XVI, número 189, “Médiuns de Aparição”) ; para Kardec, “fluídico” não tinha a coesão da carne material (vide “A Gênese”, cap XIV, nº 36, e cap XV, nº 65). Ora, o adjetivo “fluídico”, excogitado por Roustaing, não tem nenhuma dessas acepções. “Fluídico” não é sombra, não está em oposição a tangível e, ao contrário, possui toda a coesão da carne material. Tais ilações, porém, só vieram à luz através das pesquisas de materialização que se inauguraram a partir de 1870, com Crookes, portanto, um ano depois da desencarnação do Codificador.

            Seja como for, essas angulações, que não deveriam de forma alguma sequer propiciar  a controvérsia, tal a clareza merídia que desborda dos próprios fatos em favor de Roustaing, é que têm servido de “leit-motiv” aos que demandam pôr em relevo um pretenso choque entre Kardec e Roustaing. E como é dessa pretensão que me proponho a tratar neste artigo, deixemos de lado os pontos e contrapontos da tese em si.

            Por mais que se objetive menoscabar a obra de Roustaing, toda tentativa cairá no vazio, pois que não se atingem objetivos desse jaez quando se tem diante da vida um autêntico missionário. Os aguarentadores passarão; Roustaing continuará inesquecível e seu trabalho prosseguirá a iluminar as almas de boa vontade, oferecendo-lhas à meditação e ao respeito supremo a figura de Jesus, concebida em expressões de grandeza e pulcritude infinitas. Em contrapartida, por mais que se pretenda marear Kardec, dada a sua posição pessoal em face da natureza do Salvador toda tentativa se esfanicará no pauperismo da própria argumentação, pois que não se há de empanar a glória de quem reencarnou para restabelecer, com luta e dignidade, inteligência e mágoa, sofrimento e amor, o verdadeiro e primitivo Cristianismo!

            Acusam-nos, a nós, por tanto crermos na “Revelação da Revelação”, de deixarmos que a pervicaz invicção desloque da primeira plana a singularíssima figura de Allan Kardec. Pigmeus que somos diante de tão augusto Espírito, jamais ousaríamos a absurda pretensão...  Se às vezes revelamos entusiasmo, cremos ter ele a mesma medida daquele que o próprio Kardec sentiu quando entendeu a Terceira Revelação e ... foi criticado pelos que não queriam entendê-Ia. Ele, entretanto, bem há de a todos compreender e perdoar, porque no ádito de seu espírito perceberá por certo que, pelo menos de nossa parte, temos pretendido tão somente arrancá-lo dessa quadra de disputa contra Roustaing, em que errônea e
insistentemente os negadores da “Revelação da Revelação” têm-no buscado situar. E, a nós, há de relevar também o ousio de apresentá-Io, embora sempre respeitosamente, no papel de quem, raciocinando em caráter pessoal, passara ao largo da realidade e discordou momentaneamente de Roustaing. Raciocínio que não vela a intensa luz que, permanente, lhe flui do Espírito altamente evolucionado; raciocínio que não há de bastar para que seja arriado das alturas a que vitoriosamente foi alçado, depois que aceitou a missão de codificar a Terceira Revelação e de dela ter-se saído galhardamente. Pobres desses pigmeus que são capazes, às vezes, de deslembrar que Allan Kardec é uma das mais extraordinárias encarnações de que a Terra tem notícia, e que sua obra, seu trabalho, simboliza o fanal inexaurível com que há mais de cem anos a humanidade tem podido aliviar as trevas da sua própria intimidade consciencial!

            Napoleão Bonaparte estava se fazendo coroar como imperador do mundo quando renasceu em Lyon o missionário da Revelação Espírita. Sua vinda até nós evocou, então, a de 18 séculos antes, quando Roma pisava e estorcegava o mundo, e Jesus manifestou-se fluidicamente na manjedoura abandonada. Em ambas as ocasiões o processo histórico do nosso planeta era tumultuado e ninguém mais acreditava que alguém lhe pudesse pôr cobro aos abomináveis vitupérios. Em Roma, era o vício, a barbárie e a espoliação que grassavam; em Paris, era o materialismo, a descrença e a impiedade. Jesus restabelece a Verdade e abre às criaturas o caminho da esperança e da mais lídima vitória na imortalidade; Kardec restabelece o Cristianismo e enseja aos homens a solução para todos os seus problemas físicos, morais e espirituais!

            Não importa que, vez por outra, apareça quem jogue combustível à fogueira do “estudo” sobre o corpo fluídico de Jesus; não importa, principalmente, que critiquemos o fortuito parecer pessoal do Codificador; não importa que se pretenda suscitar como “controvertida” (como se ao Espiritismo fosse infensa a controvérsia) uma questão para nós clara e óbvia, que nada tem de controvertida; não importa, finalmente, que se queira, através de Roustaing, minimizar a figura gigântea de Allan Kardec, ou, através de Kardec, apoucar a de Roustaing. Nada disso importa, porque Roustaing não será jamais esquecido e muito menos Allan Kardec descerá da posição de glória a que se alcandorou pelas únicas veredas que afinal justificam essa ascensão: a do trabalho, a da inteligência, a do sofrimento, a do dever cumprido e, acima de tudo, a da tolerância e do amor a amigos e inimigos. E nem Jesus deixará de ter tido um corpo fluídico, como estamos convictos.

            A figura de Emilie Collignon me fez recordar toda essa infeliz colocação do estudo em torno da magistral obra por ela psicografada, na qual, bem assimilada, qualquer leitor encontrará, com incrível facilidade, palavras e lições do mais profundo respeito aos fundamentos filosóficos, científicos e religiosos que se contêm na Revelação Espírita, codificada por Allan Kardec. Bem haja, pois, a missão de Emilie Collignon.

           
Luciano dos Anjos

‘Reformador’ (FEB) Nov-Dez 1974



30 - 'Doutrina e Prática do Espiritismo'







30   ***



            Não é somente um lar doméstico, entretanto, e a pretexto dos laços de família, com a sua consequente possibilidade de afetuosas demonstrações, auxílios e serviços de toda ordem, que se pode efetuar entre espíritos, que o ódio ou a simples incompatibilidade de sentimentos desuniu, a reconciliação pessoal e, simultaneamente, à reparação de faltas do passado, posto que seja esse, no que se pode considerar a terapêutica divina, um dos remédios heroicos para a cura daquela verdadeira enfermidade do espírito. Nos círculos de sua atividade social, no mais ou menos demorado convívio que mantêm as criaturas, sob o estimulo das necessidades sempre várias da existência, às vezes mesmo em encontros aparentemente fortuitos, mas no fundo providenciais, inúmeros ensejos se oferecem de aproximação moral, de permuta de ideias e serviços, que são outros tantos imperceptíveis laços a vincular os que vivem numa mesma pátria, nutrem-se dos mesmos pensamentos em circulação, criando assim relações de mutualidade que, por pouco que o percebam, não exerce menos sobre eles a Influência, de que resulta o fenômeno, mais que necessário, inevitável de adaptação.

            É  por isso que, contempladas em globo, as sociedades humanas  distribuídas pelas diferentes latitudes do planeta, sejam raças, povos ou nações, apresentam caracteres gerais, modos de pensar e de sentir comuns, que até certo ponto as individualizam e distinguem, sem embargo das infinitas variantes que, de uns a outros dos indivíduos que as compõem, se possam observar, no que se refere à moralidade e inteligência.

            Não é contudo esse aspecto geral que pode interessar, no ponto de vista da tese que nos propomos aqui desenvolver, senão a razão oculta, o motivo providencial que encaminha os espíritos a se reunir em pequenas ou grandes coletividades, com um mesmo fim de aperfeiçoamento, de resgate dos erros anteriormente acumulados ,e, por conseguinte, de preparo para a realização de seus altíssimos destinos.

            Já vimos que as violações perpetradas contra a lei de amor, que é a razão suprema da existência, obrigam os culpados a voltar e reparar os danos causados aos seus semelhantes, promovendo com estes uma reconciliação, que não consulta apenas os seus interesses de evolução espiritual, mas que é um imprescritível dever de restabelecimento da harmonia pelas leis divinas estatuída para a ordem moral, por eles perturbada. Agora acrescentaremos que não ha uma única desobediência, um só desvio praticado em relação a essas leis, que não faça recair sobre ele as suas desagradáveis consequências - chame-se expiação, castigo, ou simplesmente reação natural, o nome pouco importa – e não exija do culpado a proporcional reparação, do mesmo modo que todo ato, movimento ou pensamento bom atrai sobre o individuo o correspondente efeito benfazejo e neutralizador do mal. É o que - novamente o lembraremos - os orientais denominam Carma, lei que os espiritualistas de todos os matizes e com eles 'os espíritas chamamos de justiça podendo acrescentar que o é também de amor.

            De amor, sim, porque, nascido todo espírito para realizar em si a suprema perfeição, na sabedoria e na bondade, que seria dos obstinados no ódio, que gera a rebeldia, se a cada um dos seus delitos, como a todos os seus interiores impulsos desarmônicos não correspondesse uma dolorosa repercussão, em sua consciência provocada pela inflexibilidade da Lei, que os não quer ver privados, cedo ou tarde, de sua partilha na divina herança? É necessário, pois, em benefício do culpado, que sobre ele mesmo recaiam, como advertências salutares, as consequências de seus erros, a fim de que, segundo a palavra profética de Ezequiel, não pereça ele, mas se converta e viva.

            Na terapêutica divina, a que acabamos de aludir, é esse também, por excelência, o remédio heroico de que necessitam os endurecidos para a obtenção da saúde moral, que se traduz na posse das virtudes, como de um modo geral é sob os estímulos dessa lei sábia, lei de amor - insistiremos - que todos, mais ou menos delinquentes, vão sendo conduzidos pelas escarpadas, mas felizes veredas da regeneração.

            É assim que de vida em vida, neste mundo, vai o espírito colhendo o  fruto de suas boas ou más obras: a poder de experiências, frequentemente dolorosas, tornando-se melhor, beneficiando de todo bem que repartiu, sofrendo o que fez sofrer aos outros; de altivo, opulento e desdenhoso, voltando obscuro, pobre e desprezado ; vergando  ao peso das iniquidades que julgara poder impunemente perpetrar; prisioneiro de um corpo defeituoso e achacado, corroído de enfermidades repulsivas, se em dissipadas existências abusou dos dons da natureza e dos prazeres dos sentidos, trazendo, em suma, impresso nos dinamismos vitais, que vem desenvolver, o estigma secreto de seus passados desacertos, credores implacáveis que lhe reclamarão até 'o "último centil," antes que saía da penitenciária deste mundo.

            E tão benéfica, por vigilante, é a ação dessa Justiça-Amor que, mesmo quando, advertido por tais apropriadas reações, faz rumo o espírito às reparações, pelo arrependimento do passado, enquanto conserve os recônditos germens de predisposições para funestas recidivas, há de, subindo embora os primeiros degraus da glorificação na obediência aos ditames da bondade, receber em troca o amor, a indiferença, como resposta às mais extremas dedicações o vilipendio, e ver-se repelido, caluniado até nos mais santos impulsos, e nas mais nobres intenções, a fim de não somente conseguir em si mesmo exterminar os derradeiros vestígios das revoltas paixões que o infortunaram, como, através de todas essas resistências ambientes, firmar-se em seus heroicos, decisivos propósitos de reabilitação.

            Não é agora a ocasião de desenvolvermos esse magnífico tema do sofrimento como atalaia infatigável, que é, do aperfeiçoamento do espírito, em todos os graus da evolução. O que nos propomos por enquanto assinalar é que é ele sempre justo e necessário, quer se trate de expiações de anteriores erros, quer de provações - segundo a técnica que os espíritas adoptamos, - pelo próprio espírito deliberadamente aceitas ou pedidas.

            E aqui se nos depura a questão da escolha das provas, a que entre nós se tem pretendido dar uma extensão, a nosso ver, exagerada. É assim geralmente admitido que os sofrimentos e vicissitudes como as vantagens e trabalhos, tudo em suma que constitui a vida do homem, não, sem dúvida, em seus mínimos incidentes, mas em seus acontecimentos importantes, desde a posição que ocupa na sociedade até o gênero de morte em que termina o seu fadário, é o resultado de uma escolha livremente feita pelo espírito antes da reencarnação, daí resultando que nenhuma razão de queixa lhe assiste, nem motivo de se insurgir contra os males, quaisquer que sejam, que a oprimam, uma vez que voluntariamente e no uso de seu livre arbítrio  foi ele mesmo que, antes de mergulhar no ergástulo da carne, os preferiu como os mais convenientes às suas necessidades de progresso. Não haverá nisso, contudo, um exagero?

            O que, mesmo rapidamente, acabamos de esboçar a cerca das reações da lei moral sobre os espíritos culpados, fazendo-os, de bom ou de mau grado, padecer as consequências de seus atos, e que não somente se acha de acordo com os ditames da justiça e com a noção de lei, como é documentado pelos depoimentos de espíritoa desencarnados que confessam achar-se em dolorosa situação, apesar de todos os seus desejos em contrário, exclui essa faculdade de opção por um gênero de provas, de preferência a um outro, a que se venham deliberadamente submeter. Estaria neste caso à mercê do espírito contrariar a ação da lei? Ou restar-lhe-á unicamente, por uma resignada conformidade, atenuar o seu rigor?

            Por outros termos: uma vez cometidas as faltas, acumulados os crimes ou simplesmente as erros, geradas numa palavra as causas, será licito ao espirito impedir que contra ele produzam seus efeitos? - Seria o mesma que o indivíduo, depois de se haver queimado, pretender que a queimadura não doesse ou não ocasiona-se, conforme a sua extensão e intensidade, a destruição dos tecidos atingidos pela combustão. Porque tão inflexível é a ação da Lei na ordem física, como deve logicamente ser na esfera moral e espiritual. O que ele pode, para evadir o sofrimento, é cautelosamente abster-se do contato com o fogo, ou, se por ignorância ou imprudência chegou a ser por seus efeitos alcançado, é mitigar com apropriados sedativos a dolorosa reação .

            No domínio moral essa reação se traduz pelo que denominamos expiações e provas, e não haverá para as evitar outro meio que não seja a abstenção de todo o mal, que fatalmente as acarreta, podendo elas apenas ser tanto mais suavizadas quão mais submisso e paciente se conduzir sob o seu peso o indivíduo.

            Não pretendemos, todavia, contestar de um modo absoluto a possibilidade para o espírito de escolher  as provas por que haja de passar numa futura encarnação, contanto que, em primeira lugar, se trate de espíritos já dotados de suficiente lucidez que lhes permita discernir o que verdadeiramente lhes convém, e em segundo que a essa escolha seja atribuída um sentido meramente relativo, não de caprichoso arbítrio, insubmisso a toda lei, mas de voluntário assentimento, subordinado às suas injunções.

            Porque, à semelhança do homem nas diferentes fases da existência, a espírito é tanto menos apto para imprimir conveniente direção à sua jornada de progresso, quão mais ignorante e atrasada se encontre nessa escala. Como a criança precisa ser conduzida pela vontade alheia, até que, transposto esse período, adquira a capacidade de por si mesma dirigir-se, assim o espírito, nos estágios inferiores da evolução, é encaminhado ora pelas simples advertências da lei moral, com as suas consequentes reações exteriores, ora por uma vontade que não é a sua e que o faz procurar, em cada vida, o meio e as condições propícias ao seu mais rápido progresso.  Não será esse, por exemplo, o caso dos espíritos adversos de que falávamos a pouco e que, irreconciliáveis mesmo na erraticidade, são induzidos entretanto a encarnar juntos, com o fim de se harmonizarem?  É certo que,  em tais condições, não terão procedido por escolha ou por vontade própria.

            Preciso é, pois, que tenha a espírito atingido, com um certa grau de evolução, um discernimento apreciável para que, embora ainda sofredor, em consequência dos erros praticados, oriundos de suas imperfeições morais, ao examinar no estado errante a vida que deixou e ao verificar as faltas nela cometidas, se disponha voluntariamente a repará-las em uma nova encarnação. Vendo então claro, coma na Terra o não havia feito, o caminho que devera ter  trilhado e de que se desviou, considerando pesaroso os deveres que traiu e a falência que o seu não cumprimento representa, compreendendo em suma a uma nova luz, que aqui desconhecera, o verdadeiro objetivo da existência,  deseja e pede a Deus lhe permitir voltar em condições de
emenda e aproveitamento. Assim, por exemplo, o rico orgulhoso e egoísta, contanto que tenha sido um homem inteligente, longe de pretender que a riqueza, perigosa fonte de entorpecimento e queda, lhe seja de novo confiada, preferirá voltar, numa existência laboriosa e obscura, para aprender a ser humilde e a dedicar-se ao próximo, sendo tanto maior o seu mérito quão maiores os sacrifícios a que deva, para esse fim, submeter-se. O mau esposo, o mau filho, o perdulário das coisas materiais como dos bens espirituais, todo aquele numa palavra que, antes por leviandade que por mal, não soube resistir às suas tentações e dissipou a existência, cuja utilidade providencial ignorava e agora lhe é patente, pungido de remorsos sentirá a
necessidade de uma inversão de posições em futura encarnação e não somente a proclamará justa em sua consciência, mas a desejará como indispensável à sua própria, dignificadora reabilitação.

            A tais espíritos, suficientemente esclarecidos para apreciarem com rigor os seus atos e os julgar em suas consequências é que se pode atribuir a faculdade de escolher as provas, 'Se escolha se pode considerar esse reconhecimento dos desacertos cometidos e a disposição de oportunamente os reparar. Que ele, porém, o reconheça ou não, dê ou não dê o seu voluntário assentimento às injunções da lei que exige a reparação de todo mal, nem por isso a lei deixará de seguir o seu curso, o que quer dizer que o ajustar-se a vontade do espírito às suas exigências em nada a modifica, a não ser em beneficio deste, que de rebelde se converte em obediente. Doutro modo, se ao espírito fosse lícito, por uma escolha arbitrária, eximir-se indefinidamente às consequências de seus atos e, por conseguinte, às expiações e provas resultantes dos males semeados através das vidas, cessaria a Lei, que sentimos presidir à ordem moral, substituída pelos caprichos pessoais das criaturas, do que só o caos poderia resultar.

            Não nos deteremos em examinar agora quais serão para o culpado arrependido os benefícios da obediência a que acabamos de aludir, nem até que ponto influirá para a abreviação de suas penas esse outro fator, de que ainda não é tempo de nos ocuparmos – o perdão, que pela palavra de Jesus, o excelso Legislador cuja autoridade sobreleva a dos códigos religiosos de todos os tempos, nos é apresentado como uma das modalidades da justiça eterna. Quando, em capítulo adiante, tratarmos do sofrimento em seus múltiplos aspectos, procuraremos estabelecer então a concordância entre os efeitos comutatórios dessa figura jurídica, que não deve ser desprezada no conjunto expositivo do que em verdade se pode considerar a jurisprudência divina, capitulada na teodiceia, e a inflexibilidade das reações morais, de que nos temos ocupado, provocadas
pelas violações do espírito à soberana lei do amor.

            Por enquanto nos limitaremos a esta simples referência.


29 de Maio


29 Maio


  Escolhe teus pensamentos
No dever que te governa.
Ideias, palavras, atos,
Constroem-te a casa eterna.

  Casimiro Cunha
  
por Chico Xavier 
in ‘Cartilha da Natureza”  (4ª Ed FEB 1988)


segunda-feira, 28 de maio de 2012

Quem dizeis vós que Eu sou?




Quem dizeis vós
 que Eu sou?
           
           
            À pergunta que nos serve de epígrafe, dirigida por Jesus aos seus discípulos, Pedro, iluminado pelas luzes do Alto, assim responde: Tu és o Cristo, filho do Deus Vivo.

            A despeito, porém, dessa clara e concisa revelação, a cristandade, mal conduzida e orientada, faz da individualidade do Mestre tema de controvérsias e, pior do que isso, pedra de tropeço e pomo de discórdias.

            Assim é que os credos estruturados nos dogmas afirmam que Jesus é o próprio Deus criador, por isso que não é um homem como os demais. Outros, descambam pelo extremo oposto, dizendo que Jesus, não sendo Deus, logo é homem, na acepção comum a todos os filhos da carne e do sangue.

            Quer nos parecer que nenhum desses enunciados se conforma com a realidade. Não sendo homem, logo é Deus. Não sendo Deus, logo é homem - são falsas premissas que conduzem naturalmente a falsa conclusão. Entre Deus e o homem não existirá, acaso, uma série hierárquica de seres, como existe entre o homem e o verme? Entre essas duas séries, qual será a maior? A que vai do verme ao homem é imensurável. A que vai do homem a Deus é infinita. Como, pois, estabelecer o ilogismo: Não é Deus, logo é homem; não é homem, logo é Deus? Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Mais uma vez se verifica o acerto do adágio: In media stat virtus. "Virtus", no caso em apreço, equivale a "Veritas".

            A cadeia da evolução é semelhante à escada de Jacó, cujas extremidades se apoiavam, respectivamente, na Terra e no espaço infinito. Os elos dessa corrente são como as areias do mar e as estrelas do céu. Os animais se humanizam, os homens se divinizam. Vós sois deuses, rezam as Escrituras. A marcha é contínua e progressiva. "Vede os lírios do campo; não tecem nem fiam, mas, vestem-se com mais pompa que os áulicos de Salomão." Vede as aves do céu. Elas não semeiam nem ceifam, não ajuntam em celeiros; no entanto, vivem com alegria de viver, por isso que nada Ihes falta. Toda a infinita criação está contida no pensamento amorável do Pai celestial que tudo previu e proveu. Os reinos da natureza se entrelaçam e se conjugam deslizando, suave e docemente, para a frente e para o alto.

            Jesus, portanto, não é Deus nem é homem. É filho do Deus Vivo, conforme foi revelado através da mediunidade do velho pescador da Galiléia. Mas, objetarão: filhos de Deus são todos os homens. Perdão. Os mortais, por enquanto, são filhos da carne e do sangue, sujeitos às contingências do nascimento e da morte. "Quando, porém, forem julgados dignos de alcançar a ressurreição dentre os mortos, não mais poderão morrer, tornando-se iguais aos anjos e filhos de Deus, por serem filhos da ressurreição."

            A filiação de Jesus é divina como a nossa também o é, com a diferença de que a do Senhor é exclusivamente divina, enquanto que a nossa ainda é mista, isto é, somos filhos de Deus e filhos da carne, por isso que desta ainda não logramos a derradeira e definitiva ressurreição. A nossa esfera de atividades está dentro do ciclo correspondente ao aforismo de Kardec: nascer, viver, morrer, renascer ainda, progredir sempre: tal é a lei. "Vós sois daqui, eu não sou daqui. Sou o pão que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. Crês isto?"

            Como sabemos que Jesus é super-homem no rigoroso sentido da expressão? Não é só pela revelação, como também pelo testemunho que ele deu mediante as obras que praticou diretamente em sua passagem pelo mundo, obras essas que continua executando, indiretamente, através dos mártires da fé, dos apóstolos da justiça e da liberdade e, finalmente, de todos os que se batem pelo advento do reino de Deus na Terra.

por Vinícius (Pedro de Camargo)

inReformador’ (FEB) Agosto  1934








28 de Maio


28 Maio


Deus te abençoe o pano do lençol
Com que envolves, em doce cobertura,
Os enfermos que choram de amargura,
À distância do sol.


Irene Souza Pinto
por Chico Xavier 
in ‘Antologia dos Imortais’ (FEB) 4ª Ed  2002



domingo, 27 de maio de 2012

Desencarnação


Desencarnação


            Resultante da orientação religiosa deficiente que situou a morte como ponte entre a vida física e a sobrenatural) onde a Divina Justiça aguarda o Espírito para brindar-lhe a paz ou a desdita) o conceito errôneo ensejou aos céticos anotações devastadoras, tornando-a simples retorno ao pó donde se teria originado, portanto, ao aniquilamento.

            Não obstante sua remota antiguidade o culto dos mortos recebeu do hedonismo grego terrível reação, quando os usufrutuários do prazer situaram os impositivos do existir simplesmente no ideal físico e estético da beleza e do gozo com as decorrências imediatas da dissolução dos tecidos e das expressões do pensamento.

            Os estóicos, que se Ihes opunham, esforçavam-se por colocar resistências ao pavor da morte, numa tentativa de se evitarem a tristeza e a dor, mediante um fatalismo racionalista com que se deve superá-las, através do esforço sobre humano para enfocar as realidades do dia-a-dia, vivendo-se com valor cada hora no mundo material.

            O Cristianismo foi, na História, a mais eloquente mensagem de louvor à vida e à morte, considerando-se que a ética vivida e ensinada por Jesus é toda vazada na "negação do mundo material" para a afirmação de Deus e da vida espiritual. A sua mensagem impele o homem ao entesouramento dos valores morais que não transitam nem se perdem quando se decompõem as aparências orgânicas, permanecendo além-túmulo como superiores recursos para a sobrevivência feliz. Além disso, o seu contato com os chamados mortos,  em contínua convivência,  suas horas de solidão com Deus atestam a grandeza do princípio espiritual sobrepujando as limitações do veículo carnal.

            Como se não bastassem as eloquentes comprovas de que se fez ímpar agente, retornou, ele próprio, do além-túmulo, à presença de um sem-número de testemunhas, com elas confabulando e convivendo com expressões de vitalidade incontestável ...

            Em todos os tempos ressumam os atestados imortalistas, no incessante intercâmbio entre as duas esferas: a orgânica e a espiritual.

            Mentes áridas e atormentadas, no entanto, hão procurado sepultar no "nada" a glória imortal. Não obstante o atavismo dessa negação, no inconsciente humano mantido pela sistemática da descrença, jamais foi utilizada a expressão niilista sobre a vida imortal nos incontáveis conúbios de que foram instrumento médiuns, santos e apóstolos, afirmando sempre a sobrevivência...  Em todos esses fenômenos paranormais, o verbete Imortalidade superou o aniquilamento do ser, reafirmando a indestrutibilidade do Espírito à decomposição dos tecidos carnais ...

**

            Não há morte, ninguém se equivoque.

            Só há Vida, onde quer que se detenha o pensamento.

            Da decomposição pestilencial da matéria surgem multiplicadas, complexas formas de vida.

            Morre a lagarta em histólise de desagregação para surgir a borboleta em histogênese admirável ...

            Morre a semente para libertar a planta ...

            Morre o sêmen para formar o corpo ...

            Morre o corpo para que se liberte o Espírito que dele se utiliza como de um veículo em romagem purificadora.

            Sem dúvida, a morte constitui dor inominável quando arrebata o 'ser querido, retirando-o da convivência e da ternura dos que o amam ... Possivelmente, é a dor moto continuo de maior duração, graças ao apego e valor que se atribuem aos grilhões carnais.

            A ausência do corpo não impede, porém, a presença do ser, desagregado na forma, não, todavia, aniquilado na essência. Ninguém sobreviverá sine die enquanto no ergástulo fisiológico.

            Indispensável considerar que a vida orgânica iniciada no ovo se dilui quando cessa a circulação sanguínea por falta de oxigenação; todavia, a causa que aglutinou as moléculas e as transformou prossegue, agora livre, continuando os rumos que deve vencer.

            Ninguém é genitor ou filho, esposo ou amigo afeiçoados por caprichos do acaso. Quando se rompem as argamassas não se destroem os vínculos superiores que os precederam ao berço e os sucederão ao túmulo.

            Imperioso considerar, mediante reflexão continuada, a problemática da morte, a fim de que a surpresa, decorrente da imantação ao corpo físico não se transforme em rebeldia inútil ou exacerbação dissolvente.

            Os seres amados recebem, onde se encontram vivos após a morte, os dardos da revolta negativa para eles como as lembranças afáveis do amor.

            O pensamento é força vital gravitando no Universo.

            Imã poderoso mantém sua própria força e atrai as ondas semelhantes que nele se fixam ou às quais se liga.

            Assim, recorda os teus mortos com alegria e ternura, mesmo que isto te pareça paradoxal.

            A morte não visita apenas o teu lar. Passa por todas as portas invariavelmente. Se amas, conforme dizes, atesta-o com nobreza e não por meio da insensatez.

            Uma memória que inspira desesperação, realmente não foi útil nem nobre.

            Somente o amor verdadeiro inspira ânimo e confiança, alegria e esperança.

            Coloca-te no lugar de quem partiu e considera a forma como te sentirias se foras a causa do infortúnio da pessoa que, dizendo amar-te, pensa em fugir, em vingar-se, em abandonar a vida ...

            Refletirás melhor e transformarás a dor em flores de alegria, guardando a certeza de que o amanhã fará o teu reencontro com quem amas.

            A vida sempre devolve conforme recebe. Irisa o o céu da tua saudade com a luz da oração pelos teus amados imortais. E começa a preparar-te para a vilegiatura que te alcançará logo mais... Rompe as algemas da paixão, quebra as peias do egoísmo, organiza o programa de liberação das mágoas, reflete nas dores e, quando chegar o teu momento, que nenhuma retentiva te prenda na retaguarda ...

            Vivendo está-se desencarnando a pouco e pouco. O golpe final resulta de todos esses pequemos morreres, que lançam a alma na realidade da consciência livre e indestrutível.

            Desencarnar é desembaraçar-se da carne.
           
            Morrer, literalmente, significa cessar de viver.

            Do ponto de vista espiritual, porém, morte é vida e vida no corpo pode afigurar-se como morte transitória da liberdade e da plenitude da lucidez.

            Vive, pois, de tal forma que, advindo a morte ou desencarnação, estejas livre e
prossigas feliz.  

                                   Joanna de Ângelis
(Página psicografada  pelo médium Divaldo P. Franco,
na sessão pública do Centro Espírita “Caminho da Redenção”,
na noite de 02-03-1974, em Salvador, Bahia.)
Após, publicada em ‘Reformador’ (FEB) em Nov-Dez 1974.