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quarta-feira, 9 de maio de 2012

Pressupostos Espíritas?



Pressupostos
 Espíritas?

Gilberto Campista Guarino

           
           
            Atualmente, temos observado acentuada tendência para a dogmatização do Espiritismo, "a contrario sensu" do exposto em "O Livro dos Espíritos", obra basilar no contexto ímpar da Codificação.

            Verificamos, com acentuada preocupação -- que não é apenas de nossa parte, mas também e principalmente da Espiritualidade Superior que, indefectivelmente, supervisiona o progresso do movimento espírita -, o desenvolvimento de uma espécie de predisposição para o emaranhamento de uma linha que, muito embora não seja a reta original do evolutir no estado fluídico, fala em si mesma da misericórdia de Deus, exteriorizando-se como concessão em prol da humanidade. Referimo-nos à inversão de valores e à turbação de princípios simples ao extremo, esses mesmos princípios que informam o corpo doutrinário espírita. São frequentes as tentativas de incorporação das mais falsas e insípidas premissas ao arcabouço em tese; são inúmeras as labutas (porque existe trabalho secundando esses ideais) no sentido da artificialização do Espiritismo, conquanto os promotores e incentivadores dessa mesma teoria tenham consciência do erro que cometem, conforme se depreende das assertivas lúcidas que proclamam, nas quais - de modo para eles imperceptível -- anatematizam o engano.

            Por isso preferimos dizer que existe consciência em todo o procedimento, mas os apelos dessa conscientização íntima não logram obstar a efetivação, a realização material da ideia geradora. E isso, temos certeza, decorre da noção de responsabilidade diante de toda uma "corrente de adeptos", que luta bravamente pelo triunfo de seus pressupostos.

            Há em todo esse estado de coisas dois vícios que impedem a aceitação da verdade, sob o influxo da consciência cristã que anima cada um. Primeiramente, é óbvio que essa aludida noção de responsabilidade sofreu um forte desvirtuamento, desde suas origens primeiras. A ideia de responsabilidade transcende o conceito já amplo do mundo profano e adquire proporções inusitadas no terreno espírita. No Espiritismo, responsabilidade poderia ser tida como "noção de cumprimento de deveres, nos moldes da diretiva do Evangelho de Nosso Senhor Jesus-Cristo, entendido em espírito e verdade, com exclusão de quaisquer falsas concepções provenientes de ideologias incompatíveis com o traçado doutrinário". Em outras palavras, a responsabilidade, para o espírita verdadeiro, impõe o selo da razão esclarecida,
da fé raciocinada, do trabalho do intelecto com vistas à ordem máxima. Ela, para o cristão autêntico, não é simplesmente a que surge de qualquer ato praticado, mas sim aquela que já por si só é profilaxia do desentendimento e do absurdo doutrinário. Em segundo lugar, não deve haver entre nós "correntes de ideias", a menos que estejamos firmemente dispostos a
mais uma vez tentar adaptar à Doutrina princípios do mundo profano, que para ela são bastante esdrúxulos: trata-se de examinar esses princípios e de esclarecê-Ios, mas não de atrai-Ios a nós para, a seguir, deixarmos que eles nos dominem. Essas "correntes de ideias" lembram-nos as infindáveis discussões doutrinárias, no campo jurídico em que vivenciamos,  onde cada autor define os institutos legais de um determinado modo, seguindo uma coordenada X, retirando de uns e outros as bases para a sua própria construção; criando o seu sistema próprio. Mas, até mesmo nesse processo todo existe a doutrina dominante; existe o entendimento jurisprudencial, que pacifica o desentendimento doutrinário. E paralelamente surgem as célebres teorias bizantinas ... Discute-se "a cor do cavalo branco de Napoleão"!... Será isso que estamos pretendendo trazer para o âmbito espiritista?.. Se até mesmo nos assuntos do mundo observamos uma certa coerência, mesclada com as mais urgentes tentativas de entendimento global da realidade, que dizer do problema visto pelo prisma da razão e da fé esclarecidas que nos proporciona o estudo sistemático do Espiritismo?.. Na realidade, não se trata da apologia da uniformização ... nem do "domínio doutrinário"... nem da "sede de comando" ... Não é isso o que se pretende! Falamos simplesmente da necessidade de UNIFICAÇÃO, tema constante da Espiritualidade Superior, cerne da Doutrina Cristã (o que pretenderia Jesus quando nos concitou à união em torno da necessidade, no amparo à humanidade?!); o que quereria dizer o Espírito da Verdade, quando asseverou: "Espíritas, amai-vos!" Em alguma ocasião os Espíritos esclarecidos nos aconselharam a que fizéssemos prevalecer sempre o nosso ponto de vista, ainda que ele contrariasse formal e
intimamente o bom senso, a lógica? Quando eles nos incentivaram ao abandono dos
preceitos crísticos e à recusa da Codificação de Allan Kardec, bem como das obras complementares que formam os verdadeiros preceitos espíritas?

            Atualmente, para que se seja espírita é mister apresentar "boa dose de cultura", quando, não de "sabedoria" (diferem ambos os conceitos: sabedoria seria o amor mais a "soma da cultura intelectual dos séculos"). E não há espírito verdadeiramente esclarecido que corrobore semelhantes métodos! Estão TODOS ELES preocupadíssimos com as divagações doutrinárias. .. Estão TODOS ELES tentando a todo momento apagar dentro de nós a sede das mais banais inovações! Estão TODOS ELES empenhados na restauração da pureza primitiva, que anda muito esquecida, meus amigos!... No entanto, como grandes amigos e mentores fidelíssimos à fraternidade e à caridade, toleram ao máximo as nossas impertinências. Mas, perguntamo-nos: até quando teremos o direito de abusar dessa paciência?.. Até quando cerraremos os ouvidos (já tão pobres ... ) aos chamamentos do Alto, insistindo infantilmente em "bater o pé" diante do capricho contestado?.. Até que momento sobreviverá essa nossa estranha lógica? .. Até quando persistiremos em ser orgulhosos, ou melhor, até quando disputaremos com o próximo para vermos quem é mais orgulhoso? ..

            Essas perguntas todas são lançadas por companheiros espirituais, que jamais negaram e jamais negarão esclarecimento a quem o busque realmente com Jesus no coração. As boas obras aí estão revistas, anotadas, traduzidas, adaptadas às diferenças estilísticas da época, etc. E jamais o espírita fugiu tanto ao estudo da verdadeira doutrina! Nunca se viu tanta confusão em torno de coisas tão simples! E, o que é pior: quanto mais se tenta "modernizar", menos se sabe como o fazer e mais se banaliza, mais se estereotipa, mais se confunde! Nunca vimos a mediunidade tão desvirtuada ... nunca vimos tantas obsessões e tantos processos anímicos. .. E isso porque buscamos o próprio prejuízo; porque o nosso livre arbítrio funciona "a todo o pano" e, mesmo que vejamos a tempo o valão à nossa frente, nele queremos cair! Nós estamos buscando supostas provações que estariam em nosso destino. Mas essas não são as verdadeiras provações: são frutos de nossa impertinência. A verdadeira provação vem a nosso encalço ... essas outras, nós as estamos buscando!...

            Todos esses pressupostos que vêm surgindo com uma espécie de "neo-espiritismo" precisam ser suprimidos o quanto antes, porque a boa intenção não chega a ser desculpa para o desvirtuamento de um movimento inteiro.

            De nossa parte - tornamos a dizer -, preferimos ficar com Jesus, com Kardec e com Ismael. Com Jesus porque é ele o Mestre; com, Kardec porque foi ele o lúcido Codificador, em cuja obra tudo é lógica (os arrazoados de Kardec, com base no que revelaram os Espíritos, são belíssimos!): e com Ismael porque é ele o anjo a quem o Senhor delegou poderes para gerir o movimento no Brasil e no mundo, podemos dizer. Jesus, Kardec e Ismael são exemplos de humildade, de fé e de entendimento que ousamos citar para chamamento de todos à realidade do Espiritismo.


‘Reformador’ (FEB) Maio 1974






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