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sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Quando eu não cria

 

Quando eu não cria

por Abel Gomes   (1877-1934)

Reformador (Outubro de 1945)

             Quando eu não cria na vida após a morte, o móvel do meu pensamento era o pessimismo; por toda parte na Natureza eu só via inutilidade, anulação final de todo o prazer.

             “A beleza da juventude bem cedo e inevitavelmente se perde; nela pensa com tristeza o ancião; a recordação da saúde só traz tristezas e amargas lágrimas de dor.

            "O amor de dois corações é uma bela sorte; mas, que desgraça! o golpe da morte vem rompê-la!

            É belo cultivar a luz do vero saber, mas nada resta dessa luz após a morte."

             Assim meditava eu com grande mágoa, quando trilhava o caminho da descrença. Mas a compassiva bondade da mão de Deus guiou-me à fonte do verdadeiro Conhecimento.

            A crença no Deus sábio e na Vida imortal é, na verdade, a forte âncora de nossa salvação. A luz do Espiritismo é a luz da Verdade que salva os homens do desespero.

O LIvro de Tobias

 

Bibliografia

“O LIVRO DE TOBIAS”

Reformador (FEB) Outubro de 1945

             O LIVRO DE TOBIAS, extraído da Bíblia Oficial Romana e comentado de acordo com a Terceira Revelação. Editado pela Livraria da Federação Espírita Brasileira, 1944, 76 págs.

             A publicação deste livrinho é consequência direta da Questão Roustaing, que no Brasil tem provocado sérias polêmicas entre os partidários da teoria do corpo fluídico de Jesus e os Kardecistas e tende a justificar o fato de a Federação Espírita Brasileira considerar ‘Os Quatro Evangelhos’, de J. B. Roustaing, como obra fundamental do Espiritismo, ao lado das de Kardec, a que se opõem muitos escritores e jornalistas do lado contrário.

            O livro em apreço tem certa analogia com o Novo Testamento, não só na essência, como até na linguagem e nas máximas que contém. Embora Kardec lhe faça referência no “O Evangelho segundo o Espiritismo”, o livro não figura na edição popular da Bíblia.

                A Federação Espirita Brasileira, que é partidária do corpo fluídico de Jesus e propaga essa teoria em seu órgão oficial e em livros e folhetos que edita (*), aproveitou o fato de nesta obra aparecer um Espírito materializado que Tobias-filho toma por um homem que faz vida semelhante a doutro homem, que o guia em certa viagem que empreende, que o protege, que o casa com Sara, filha de Raquel, que cura a cegueira de Tobias·pai, tudo Isto com o nome de Azarias, e só no fim, quando se despede, é que

se dá a conhecer, dizendo ser o Anjo Rafael, “um dos sete que assistimos diante do Senhor”; aproveitou este fato, dizíamos, para reforçar aquela teoria, a fim de mais facilmente acreditarem os que ainda se não decidiram por ela. Confessa-o numa nota explicativa, a fim de destruir os ataques feitos à obra de Roustaing, terminando por dizer que (1) “negar fé aos ensinos recebidos pela mediunidade de Mme. Collignon, um ponto capital em que esses ensinos confirmam as duas fases anteriores da Revelação divina, equivaleria a negar o Judaísmo, o Cristianismo e o Espiritismo”. (2)

 (1) O grifo é de ‘Reformador’.

(*) Do blog: Estávamos em 1945...

(2) Da revista espírita ‘Estudos Psíquicos’ que se edita em Lisboa.


quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Antologia Ubaldiana - 18

 


ANTOLOGIA UBALDIANA - 18

 A GRANDE SÍNTESE

DESPEDIDA

             Nossa longa viagem está terminada. Tudo já foi demonstrado, tudo está concluído até as últimas consequências. A semente está lançada no tempo, para que germine e frutifique. Dei meu verdadeiro testemunho, minha obra está completa. O pensamento desceu, imobilizou-se na palavra escrita: não podereis mais destruí-lo. Está demais antecipado, para ser todo imediatamente compreendido. Nem todos os séculos são capazes de compreender totalmente uma ideia, mas é necessário que, com a psicologia, a perspectiva mude para vê-la sob novos ângulos. Vosso julgamento está viciado por uma visão imediatista, mas os anos correrão; quando tiverdes visto o futuro, compreendereis esta Síntese em profundidade e a enquadrareis na história do mundo. Para alguns, esses conceitos ainda estarão fora do concebível. Outros recusarão um trabalho de compreensão, porque não desfrutam dele vantagem imediata. Outros procurarão afastar a verdade porque ela perturba o ciclo animalesco de suas vidas e continuarão a dormir, a esses falará a dor. O cerco aperta-se e amanhã será muito tarde.

             A convicção não é tanto filha de cálculos lógicos e racionais, mas um estado de amadurecimento interior, que só se consegue por meio de provas, lutando e sofrendo. Inútil, pois, falar a respeito desta Síntese para demonstrar a erudição, se não é “sentida” como orientação, se não for assimilada como vida. É verdade que a alma coletiva dos povos sente, por intuição mais do que pela razão. A filosofia, o sistema político e a forma social que mais convenham para realização dos fins da própria evolução varrem tudo o que não corresponda ao trabalho que o momento histórico exige. Mas, assim como é inútil criar sistemas lógicos e esperar que sejam compreendidos quando incompatíveis com o momento histórico, minha concepção é uma visão fecunda que antecipa a realização, é síntese não apenas do que pode ser conhecido, mas também das arrojadas aspirações da alma humana.

             Falei ao mundo, a todos os povos. Disse a verdade universal, verdadeira em todos os lugares e em todos os tempos. Valorizei o homem e a vida, deles fazendo uma construção eterna; através de todos os campos, até os mais disparatados, tudo fiz convergir para a unidade; de todo vosso disperso conhecimento humano, fiz um estreito monismo. Nesta síntese, ciência, filosofia e fé são uma só coisa. Tornei a dar-vos a paixão do bem e do infinito. A tudo o que vossa vida possa abraçar, dei u’a meta: arte, direito, ética, luta, conhecimento, dor, tudo canalizei e fundi no mesmo caminho das ascensões humanas.

             Vós vos moveis no infinito. A vida é uma viagem e nela só possuís vossas obras. A cada hora se morre, a cada hora se renasce, mas sempre como filhos de vós mesmos. A evolução, pulsando segundo o ritmo do tempo, não pode parar. Vedes através de falsa perspectiva psíquica. É preciso conceber não as coisas, mas a trajetória de seu transformismo; não os fenômenos, mas os períodos fenomênicos; tendes de colocar-vos dinamicamente na fluidez do movimento, realizar-vos neste mundo de coisas transitórias, como seres indestrutíveis, num tempo que só pode levar a uma continuação, lançados para um futuro eterno, que vos abre as portas da evolução. 

             Após milênios e milênios, não sereis mais as crianças de hoje, e alcançareis formas de consciência que hoje nem sequer sabeis imaginar. Mostrei-vos o destino e o tormento dos grandes que vos precederam na jornada. Eles vos dizem o que será o homem amanhã. Não podeis parar. Vimos o funcionamento orgânico da grande máquina do universo em seus aspectos, nas fases de seu devenir. É um movimento imenso e tendes que funcionar como parte do grande organismo.

             Uma grande atração governa o universo por inteiro: Amor. Ele canta na arquitetura das linhas, na sinfonia das forças, nas correspondências dos conceitos, sempre presente. Chama-se atração e coesão no nível da matéria; impulso e transmissão no nível energia; impulso de vida e de ascensão no nível espírito. É a harmonia na ordem cinética, em que reside nossa respiração e a respiração do universo. Ousamos desvelar o mistério e olhar sem véus a Lei, que é o pensamento de Deus. Em todos os campos vimos os momentos desse conceito que governa tudo. Que os bons não tenham medo de conhecer a verdade.

            O quadro está ultimado, a visão é completa. Dei-vos um conceito da Divindade muito menos antropomórfico, muito mais transparente em sua íntima essência, muito mais purificado das reduções feitas pela representação humana; um conceito mais luminoso, adequado à vossa alma moderna mais amadurecida. Assim o mistério pode emergir em termos de ciência e de razão, saindo dos véus do símbolo. Caminhamos do mineral ao gênio, para contemplar a vitória do homem; choramos e ansiamos com ele na cansativa conquista do bem contra o mal, no caminho de sua ascensão. Ouvimos uma sinfonia grandiosa, em que, da matéria ao espírito, tudo canta o hino da vida. Oramos em sintonia com todas as criaturas irmãs. A concepção move-se no infinito. Os únicos limites que vos dei são os impostos pelo vosso concebível. Nosso estudo foi a adoração da Divindade.

             Dei-vos uma verdade universal e progressiva, em que podem coordenar-se todas as verdades relativas. Dei-vos conclusões que não se podem negar, sem negar toda a ciência, todo o universo. A premissa é gigantesca; não pode ser abalada. Cada palavra é um apelo à vossa racionalidade, não podeis negá-la. Sempre afirmei, muito mais do que neguei. O ponto de partida desse organismo conceptual não é egocêntrico nem antropomórfico, mas implica, em sua gênese, numa transferência para fora de vosso plano de concepção. Conclamei-vos às grandes verdades do espírito; recompletei vossa vida dividida ao meio pelo materialismo; restituí-vos como cidadãos eternos ao infinito. A ciência tem grande responsabilidade: ter destruído a fé sem saber reedificá-la. Com seus próprios meios, ergui-vos até a Síntese; dei-vos uma ética racional baseada em vastíssima plataforma científica. Dei ao supersensório um peso real objetivo. Mostrei-vos a realidade que está além da ilusão, a substância que reside no transitório, o absoluto que existe nas modificações do relativo. Ergui a ciência até a demonstração das verdades metafísicas. Reuni os extremos inconciliáveis, a matéria e o espírito, equilibrando e fundindo num só plano de trabalho a Terra e o céu. Encaminhei o homem à sua futura consciência cósmica. No âmago de meu pensamento, sempre se moveu a visão da lei de Deus.

             Não podeis negar neste escrito, em que se agitam todas as esperanças e todas as dores humanas, uma palpitação de vida substancial; não podeis deixar de sentir, por trás da demonstração objetiva, uma paixão pelo bem, uma sinceridade absoluta, uma potência de espírito que vivifica tudo. Este escrito possui uma alma que lhe dá vitalidade. Podereis negar ou discutir nele o supranormal. Mas este é normal em todas as outras criações de pensamento, normal nelas é a inspiração, sem a qual não se atingem as verdades eternas; normal a intuição super-racional. É normal um abismo de mistério na consciência, da qual nada sabeis. Cada alma vibrará e responderá de acordo com sua capacidade de vibrar e responder.

             Aqui fala também o coração, exortando-vos a subir. Aqui reside imenso amor pelos homens, como Cristo sentiu na cruz; há um desejo violento de beneficiar, iluminando. Este livro quer ser um ato de bondade e de bem, num plano vastíssimo. Na férrea racionalidade está contido o ímpeto de uma alma que vê o futuro e sabe que a tempestade vos espera. Compreender é simples e natural na fase intuitiva. Só aceitei a ciência, as pesquisas, a racionalidade, como um meio que vossa psicologia me impôs. A quem queira atacar esta doutrina para demoli-la, vou a seu encontro de braços abertos, para dizer-lhes: és meu irmão, só isto importa de verdade. Eu sei: estes conceitos estão afastados do mundo feito de mentira e de desconfiança, que vos parecem inaceitáveis e inconcebíveis. Mas minha linguagem precisa ser substancialmente diferente. 

             Este constitui um apelo desesperado de sabedoria, para o mundo. No coração dos homens e de seus sistemas, domina o egoísmo e a violência; não o bem, mas o mal. A civilização moderna lança as sementes com grande velocidade e aguarda a produção intensiva de sua dor futura. Será a dor de todos. Poderá tornar-se maré demolidora que destruirá a civilização. Os meios estão prontos para que hoje um incêndio se alastre por todo o mundo. Falei aos povos e aos chefes, religiosos e civis, em público e em particular. Depois da conciliação política entre Estado e Igreja, na Itália, urge esta conciliação maior, espiritual, entre ciência e fé no mundo. Se um princípio coordenador não organizar a sociedade humana, esta se desagregará no choque dos egoísmos.

             Falei num momento crítico, numa curva da história, na aurora de nova civilização. Podereis não ouvir e não compreender, mas não podereis mudar a Lei. Se a civilização, agora, tem bases muito mais amplas que nos tempos do império romano e não é mais um simples foco num mundo desconhecido, ainda existem enormes desníveis de civilidade, de cultura e de riqueza. A Lei leva ao nivelamento e à compensação. Enquanto houver um só bárbaro na Terra, ele tenderá a rebaixar a civilização ao seu próprio nível, invadir e destruir, para aprender. As raças inferiores depressa desfarão a sua impressão sobre superioridade técnica europeia; dela se apossarão para pular à garganta do velho patrão.

             A todas as crenças, digo: o que é divino, permanecerá; o que é humano, cairá; qualquer afirmação temporal é uma perda espiritual; cada vitória na Terra é uma derrota no céu. Evitai os absolutismos e preferi o caminho da bondade. Não se aplica a imposição ao pensamento, a força não o atinge e produz afastamento. Dai exemplo de desapego das coisas da Terra. Vossas verdades relativas são apenas pontos de vista progressivos e diferentes do mesmo Princípio único. O futuro não consistirá na exclusão recíproca, mas na coordenação de vossas aproximações da verdade. Não discutais, a convicção não se impõe com ameaças, mas difunde-se com o exemplo e com o amor.

             À ciência digo que, enquanto não for fecundada pelo amor evangélico, será uma ciência de inferno. Inútil é o progresso mecânico que faz da Terra um jardim, se nesse jardim morar uma fera. A Terra é um inferno porque vós sois demônios. Tornai-vos anjos e a Terra será um paraíso.

             Não temam os justos e os aflitos que olham, tremendo, a algazarra humana que busca glória, riqueza e prazer, porque se esta, por um momento, vence e goza, a Lei está vigilante, “Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”. Digo-vos: jamais agridais, não sejais vós os agentes de vossa justiça, mas a Divindade; perdoai. Fazei sempre o bem e o fareis a vós mesmos; deixai a reação à Lei, não vos prendais ao ofensor com a vingança. Não espalheis jamais pensamentos, palavras, atos de destruição; não movimenteis as forças negativas da demolição, pois, de retorno, elas cairão sobre vós mesmos. Sede sempre construtivos. Em qualquer campo, seja vossa preocupação em apenas criar e jamais demolir; nada possui tanta força demolidora quanto um organismo completo em função. O velho cai por si, sem lutas de reação, porque todas as correntes da vida se precipitam para as novas formas.

             Não vos rebeleis, mas aceitai todo o trabalho que vosso destino vos oferece. Este já é perfeito e contém todas as provas adequadas, mesmo se pequenas. Se é assim, não procureis alhures grandiosos heroísmos. Os pequenos pesos que se suportam por muito tempo, representam muitas vezes um esforço, uma paciência, uma utilidade maior. As provas implicam no trabalho lento de sua assimilação; a construção do espírito tem de ser executada em cada minúcia; a vida é toda vivida momento a momento, a cada instante há um ato e um fato que se liga à eternidade. Lembrai-vos de que o destino não é malvado, mas sempre justo, mesmo se as provas são pesadas. Recordai-vos de que jamais se sofre em vão, pois a dor esculpe a alma. A lei do próprio destino obedece a equilíbrios profundos e é inútil rebelar-se. Há dores que parecem matar, mas jamais se apresentam sem esperança; nunca sereis onerados acima de vossas forças. A reação das inexauríveis potências da alma é proporcional ao assalto. Tende fé, ainda que o céu esteja negro, o horizonte fechado e tudo pareça acabado, porque lá sempre está à espera uma força que vos fará ressurgir. O abandono e sua sensação fazem parte da prova, porque só assim podereis aprender a voar com as próprias asas. Mesmo quando dormis ou ignorais, o destino vela e sabe: é uma força sempre ativa na preparação de vosso amanhã, que contém as mais ilimitadas possibilidades.

             Esses ideais foram ensinados na Terra. Mártires morreram por eles. Mas, o que não foi explorado pela hipocrisia do homem?  Às vezes, os ideais, para serem divulgados, utilizam justamente esta sua capacidade de sofrer a exploração, tal como o fruto que se deixa devorar para que a semente seja levada para longe. Há a classe dos construtores e há a classe dos demolidores; dos parasitas que, pela mentira, operam uma contínua degradação de todos os valores espirituais. Há quem construa à custa de tormentosos esforços e há quem utilize para si, pendurando-se como peso morto, para baixar tudo ao próprio nível. Um é espírito que vivifica, outro é matéria que sufoca. O princípio puro, então infecciona-se, adquire sabor de mentira: processo de degradação de ideais. Ai dos culpados, dos demolidores do esforço dos mártires! Ai de quem faz da missão uma profissão e coloca o espírito como base de poder humano! Ai de quem mente e induz a mentir; de quem com o abuso, induza ao abuso; de quem dando exemplo de injustiça bem sucedida, proponha-a como uma norma de vida! Realizada uma ação, não podeis mais anulá-la até que se esgotem e sejam reabsorvidos seus efeitos. Ai da sociedade que deixar esquecidos seus melhores elementos, não os colocando na posição que possam render em vista de seus merecimentos, e abandona seus valores mais altos à apatia e à incompreensão. São inúteis os reconhecimentos póstumos e tardio o remorso por um tesouro perdido. Ai das religiões que não cumprirem sua tarefa de salvar os valores espirituais do mundo! O espírito não pode morrer e ressurgirá alhures, fora delas. Ai dos dirigentes que não obedecerem ao Alto e não atenderem à voz da justiça que reside na própria consciência! Ai de quem desperdiçar seu tempo e não fizer de sua vida u’a missão!

             Um julgamento final vos aguarda a todos, não por obra de um Deus exterior a vós, a quem se possa enganar ou enternecer. Ele é uma lei onipresente no espaço e no tempo cuja reação não há distância nem demora que possa deter, de quem não se escapa, porque está dentro de vós e de todas as coisas. Pode evitar-se ou enganar a lei da gravidade? Assim não se evita nem se engana a reação da Lei, a justiça divina.

             Deixo-vos. Minha última palavra a quem sofre. Esse é grande na Terra, porque regressa a Deus. Destruí a dor e destruireis a vós mesmos, “Felizes os que choram, porque serão consolados”. Não temais a morte, que vos liberta. Vós e vossas obras, tudo é indestrutível por toda a eternidade. Minha última palavra é de amor, de paz, de perdão, para todos.

             Minha obra está terminada. Se durante anos e anos, uma humanidade diferente, muito maior e melhor, olhando para trás, pesquisar esta semente lançada com muita antecipação para ser logo fecundada e compreendida, admirando-se como tenha sido possível adiantar-se aos tempos, tenha ela um pensamento de gratidão para o ser humano que, sozinho e desconhecido, realizou este trabalho, por meio de seu amor e de seu martírio.

             A sinfonia está escrita. O cântico emudece, para ressurgir em outras formas, noutros lugares. A voz apaga-se. O pensamento se afasta de sua manifestação exterior, na profundeza, para seu centro, no infinito.



Fé esclarecida

 

Fé esclarecida

por Allan Kardec

Reformador (FEB) Outubro 1945

             “Espiritismo não quer ser aceito cegamente, antes pede a discussão e a luz. Em vez da fé cega, que sufoca a liberdade de pensar, ele diz: a fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade. A fé precisa de uma base, e esta é o conhecimento perfeito do que se deve crer. Para crer, não basta ver, é preciso compreender.” (“O Evangelho segundo o Espiritismo”). Temos, pois, razão para considerar o Espiritismo o precursor da aristocracia do futuro, da aristocracia intelecto-moral.


quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Novos horizontes

 

Novos horizontes

por Amadeu Santos

Reformador (FEB) Agosto 1942

             Desde o tempo em que, no pleno vigor da adolescência, depois de estudar a História da nossa pátria de origem, repelimos, por mendazes (enganadores) e contraditórios, os princípios básicos do catolicismo, os quais nos foram ministrados carinhosamente desde o berço e nos arrastaram às portas do dissolvente materialismo, aceitamos os postulados da Doutrina dos Espíritos como verdadeiros, fazendo-nos adepto sincero do Neo Espiritualismo.

            Mas, ainda passamos, dos 15 aos 22 anos, uma fase de quase indiferentismo pelas coisas relacionadas com a alma, multo embora já sentíssemos a chama sagrada da crença na imortalidade do Espírito, na lei das provações e no princípio maravilhoso das reencarnações, em que a Doutrina dos Espíritos baseia, a inflamar o nosso espírito, algo voluntarioso, chama que acabou por nos despertar dessa espécie de letargia que domina os seres naquela idade, fazendo nos interessássemos sobremodo pelos assuntos que falam diretamente ao cérebro e ao coração. Assim foi que, inesperadamente, nos vimos entregue ao proveitoso trabalho de estudar e proclamar sem rebuços, por todos os meios ao nosso alcance, as excelências inigualáveis da Terceira Revelação Divina.

            Várias vezes fomos chamados a dar testemunho da nossa fé raciocinada, respondendo, com argumentos convincentes e lógicos, a ataques impiedosos de detratores, nem sempre leais, do Espiritismo.

            E o fizemos, mercê de Deus, sempre com bom êxito, terminando por confundir os antagonistas exclusivamente porque defendíamos verdades inconcussas, que não por supostos méritos pessoais.

            Temo-nos por espiritista convicto, certo de que também o são quantos aceitam o Espiritismo, a doutrina cristã por excelência, compreendida no seu tríplice aspecto, filosófico, cientifico e religioso, em que pese a muitos confrades que sustentam só poderem ser espíritas os seres evoluídos, puros e perfeitos, como se a Terra seja lugar habitado por Espíritos dessa natureza! No nosso míope modo de ver, somente não são verdadeiros espiritistas os que, embora detentores do conhecimento de salvadoras verdades, não procuram corrigir-se, permanecendo escravos do erro e do vício.

            Entretanto, se bem sejamos espíritas de longos anos, não conseguimos ainda desvencilhar-nos de ideias preconcebidas, não raro de funestos efeitos.

            É que, possivelmente por ignorância, ou por influência do meio ambiente em que vivemos durante multo tempo, não nos dávamos ao trabalho de estudar a belíssima obra de J. B. Roustaing, intitulada “Os quatro Evangelhos”, chegando mesmo a nutrir prevenção contra ela.

            Só agora, passado largo período de aprendizado evangélico em fonte relativamente deficiente, é que conseguimos quebrar as algemas que maniataram o nosso raciocínio por tanto tempo, privando-nos do conhecimento e assimilação dos incomparáveis ensinos que se contém na portentosa obra mediúnica em apreço. E constatamos, cheio de admiração, quanta infantilidade e pequice (teima) havia na nossa rebelde teimosia, com o privar-nos, voluntária e displicentemente, de inestimáveis ensinamentos doutrinários.

            Novos horizontes se nos abrem agora à percepção espiritual, inundando de aurifulgente luz o nosso frágil espírito com o estudo paciente e criterioso de “Os quatro Evangelhos”.

            Roustaing nos ensinou a compreender um Cristo mais divino e mais humano!  Um Cristo soberano - um Cristo vivo!.

            Lamentamos haver perdido tanto tempo sem o identificarmos, como acabamos de fazê-lo, graças à obra de Roustaing. Penitenciamo-nos de não nos termos interessado a mais tempo pela leitura de obra tão grandiosa. quão edificante. Deixando à margem seus valiosíssimos ensinamentos, hemos (havemos) desprezado o auxílio o valioso de recursos incalculáveis, que nos teriam sido proveitosos, no mister dignificante da disseminação da Doutrina que nos é tudo na vida - o Espiritismo - a que nos temos entregado desde muitos anos. A lição, todavia, há de ser-nos utilíssima.

            Que o saibam os confrades desavisados, como nós o fomos a fim de que não tenham de lamentar-se mais tarde. Como medida acauteladora e prudente devem afastar do íntimo as ideias preconcebidas e personalistas. É o que lhes lembramos fraternalmente...


Ficção? Simbolismo? Realidade?

 

Ficção? Simbolismo? Realidade?

Michaelus (Miguel Timponi)  

Reformador (FEB) Janeiro 1945

             As perguntas que constituem a epígrafe destas singelas observações têm já ocorrido a muitos dos leitores de Nosso Lar e de Os Mensageiros, as interessantes obras ditadas pelo Espírito de André Luiz ao médium Francisco Cândido Xavier.

            Na verdade, ao mesmo tempo que essas produções nos trazem sublimes ensinamentos, lições admiráveis de amor, fraternidade, resignação, renúncia e trabalho, advertem-nos da existência de um verdadeiro mundo espiritual, onde se processa e se exercita a atividade no incessante labor da purificação e da espiritualização dos seres encarnados e desencarnados.            

            Aparece, então, às nossas vistas, como se fora um país encantado, toda uma organização com os seus mais curiosos e precisos detalhes, com os serviços regulares de vigilância, assistência, postos de socorro, hospitais, aprendizados, sistemas de comunicações, etc. Um verdadeiro laboratório em que se examinam, atentamente, as condições das almas enfermas na escala graduada e infinita da ascensão espiritual. Dir se ia uma universidade com os seus diversos cursos, onde se adquirem os conhecimentos para as novas etapas da vida.

            Surge, igualmente, numa impressionante revelação, a existência de um mundo físico no plano espiritual com a sua vegetação própria, com os seus rios, com os seus campos, com os seus amplos edifícios, casas de habitação, etc., onde a vida prossegue em busca dos altos cimos da perfeição.              

            E através dessa leitura suave, em que tudo é descrito com singeleza e simplicidade, vêm à mente aquelas perguntas: ficção, simbolismo ou realidade?

            Temos aprendido que a verdade nos é dada progressivamente. A observação atenta da história da humanidade comprova esse asserto, quer nos domínios puramente científicos, quer nos domínios espirituais. Nada, pois, que surja na tela dos fatos ou dos fenômenos desconhecidos deve ser posto à margem como que desautorizado pelas verdades anteriormente reveladas. Devemos, então, seguir cautelosamente os conselhos doutrinários, que nos ordenam o exame minucioso e a análise rigorosa das coisas, fazendo-as passar pelo crivo da razão e da lógica.

            A primeira indagação do analista deverá ser no sentido da entidade comunicante.

            Quem é André Luiz? Um espírito. O seu nome terreno, o nome convencional que se perde e se esquece na memória dos tempos sem fim e de que tanta questão fazemos - não sabemos. Isso nada importa. Que necessidade temos nós, para julgar da substancialidade de uma mensagem, de saber há quantos anos ou séculos desencarnou o comunicante, quais os seus títulos e subtítulos, quais os seus méritos e as suas virtudes.

            Deveremos encarar a mensagem em si mesma, na sua essência, nos seus conceitos, nos seus pormenores.

            Ora, André Luiz é aquele mesmo comunicante que nos deu a lição magistral de como se opera nos domínios da fisiologia o fenômeno da comunicação, através da glândula pineal, cuja função especifica não foi claramente elucidada até aqui pela nossa ciência.

            O Dr. Luiz Guillon Ribeiro Filho, livre docente da Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, na memorável conferência realizada perante um auditório seleto, demonstrou brilhante e convincentemente, nos mínimos detalhes, a precisão da mensagem sob o seu aspecto rigorosamente cientifico, não ocultando a sua grande admiração pelas verdades reveladas.

            Assim, nada se nos oferece que nos leve a suspeitar com fundamento da fonte donde emanam essas mensagens.

            O raciocínio lógico nos leva, por conseguinte, a confiar na entidade comunicante, máxime quando a comunicação se opera através de um médium, como Francisco Xavier, cujas conquistas espirituais formam uma sólida argamassa de resistência às liliputianas investidas dos obsessores encarnados e desencarnados.

            Mas, indagar-se-á: existem, de algum modo, revelações de outras fontes, que possam comprovar no todo ou em parte esses ditados de André Luiz?

            Em seus pormenores ou detalhes como vêm descritos em “Nosso Lar” e em “Os Mensageiros” ainda não conhecemos. Mas, na comprovação geral da existência de um mundo dos espíritos, onde se vive e se trabalha como num mundo de matéria, tal como nos narra André Luiz, já existem revelações.

            Desde logo, é necessário não olvidar, como nos ensinam os investigadores espíritas, que nós os encarnados não conhecemos todas as formas da matéria. A própria Ciência, após as experiências de Crookes, chegou a resultados surpreendentes quanto à divisão da matéria. Não se deve, observa Delanne, tomar a palavra imaterial no sentido absoluto, porque a verdadeira imaterialidade seria o nada.

            Por outro lado, sabemos que existe um perispírito, invólucro fluídico da alma, que não deixa de ser matéria. Nada, pois, nos deve causar admiração, porque nesse capítulo matéria só estaremos aptos a dar a última palavra depois que rolarmos pelas vidas sucessivas como rolam os astros nos Espaços infinitos e na eternidade dos tempos.

            Afirmamos que já existem revelações semelhantes. Temos em mãos um interessante livro editado pela Psychic Press, de Londres (Teachings of Silver Birch), contendo as mensagens recebidas de uma entidade, que se oculta sob o pseudônimo de Silver Birch:

            No capítulo Life in the Beyond (A vida no além), Silver Birch relata: “Não compreendeis ainda a beleza, como possa ela ser. Ainda não vistes a nossa luz, as nossas cores, os nossos cenários, as nossas árvores, os nossos pássaros, os nossos rios, os nossos regatos, as nossas montanhas, as nossas flores e, entretanto, o vosso mundo teme a morte.”

            E acrescenta: “Morrer não é trágico. Trágico é viver em vosso mundo."

            Depois de salientar o terror que temos pela morte, Silver Birch declara que começamos a viver precisamente quando morremos.

            Perguntado se o corpo que se usa no mundo espiritual é tão real e sólido como o que se deixa na Terra, respondeu: “Muito mais real e muito mais sólido, porque o vosso mundo não é absolutamente o mundo real. É apenas a sombra projetada pelo mundo espiritual. O nosso é a realidade e essa realidade somente será compreendida quando para aqui passardes.”

            Dentre muitas outras perguntas e respostas, cada qual mais curiosa e interessante, transcreveremos apenas as três seguintes, para comprovar o nosso ponto de vista.

            Existe apenas um mundo espiritual? - "Sim, mas com um número infinito de expressões, e a vida em outros planetas está compreendida como também a do vosso mundo, porque todos têm a sua expressão espiritual como em sua expressão física.”

            Existem divisas em sentido geográfico?

            - “Não geográfico, mas no sentido da escala mental, a qual é condicionada pela sua expressão física.”

            Significa isso que as divisas são feitas do mesmo modo que as separações entre as esferas que conhecemos?

            - “Sim. No mundo espiritual há diferenças durante certo tempo, até que ocorra a evolução além da que é condicionada por uma vida física."

            Resulta, desse modo, que as respostas de Silver Birch, coincidem com as revelações de André Luiz no tocante à existência de um mundo espiritual com a sua expressão também física, que é condicionada ao grau de evolução de cada um. Significa isso que no mundo espiritual há escalas transitórias, desde a que é formada pela “materialidade relativa” até a que é constituída pela espiritualidade absoluta.

            Isso mesmo se infere do nº XXXVII de “Nosso Lar” (A Preleção da Ministra) quando afirma que “Nosso Lar”, como cidade de transição, é uma bênção a nós concedida por “acréscimo de misericórdia”, para que alguns poucos se preparem à ascensão, e para que a maioria volte à Terra em serviços redentores.

            De resto, não se compreenderia que André Luiz, caso se tratasse de uma obra de ficção ou de simples simbolismo, não fizesse preliminarmente a necessária advertência, como tantas vezes sói acontecer em comunicações dessa natureza.

            Por último, Emmanuel, esse iluminado que já conhecemos, no Prefácio de “Nosso Lar” advertiu: - “Certamente que numerosos amigos sorrirão ao contato de determinadas passagens das narrativas. O inabitual, entretanto, causa surpresa em todos os tempos. Quem não sorriria, na Terra, anos atrás, quando se lhe falasse da aviação, da eletricidade, da radiofonia? A surpresa, a perplexidade e a dúvida são de todos os aprendizes que ainda não passaram pela lição. É mais que natural, é justíssima. Não comentaríamos, desse modo, qualquer impressão alheia. Todo leitor precisa analisar o que lê.”

            Estamos, portanto, diante de uma realidade. E isso constitui mais um estímulo para os que buscam conhecer a obra divina através das suas leis eternas e imutáveis. A sabedoria é tão infinita como o infinito dos céus. Muito há que andar, muito há que meditar e observar até alcançarmos os mais altos planos espirituais.


terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Antologia Ubaldiana - 17

 

ANTOLOGIA UBALDIANA - 17

 A GRANDE SÍNTESE

CAPÍTULO 73. FISIOLOGIA SUPRANORMAL

- HEREDITARIEDADE FISIOLÓGICA E HEREDITARIEDADE PSÍQUICA -

             Somente estes conceitos de vida psíquica podem guiar a ciência até às portas de uma ultrafisiologia, ou fisiologia do supranormal, como a vedes despontar nos fenômenos mediúnicos. Aqui as relações entre matéria e espírito são imediatas: o psiquismo modela uma matéria protoplasmática mais evoluída e sutil: o ectoplasma. A nova construção, antecipação evolutiva, não possui, naturalmente, a resistência das formas que se estabilizaram por uma vida longa; seu desfazimento é rápido. As estradas novas e de exceção ainda são anormais e inseguras. Os produtos da fisiologia supranormal que emergem dos caminhos habituais da evolução, necessitam fixar-se, por tentativas e longas repetições, na forma estável. Tudo isso vos lembra o raio globular, retorno atávico de um passado superado. Ao invés, o ectoplasma é um pressentimento do futuro, corresponde àquele processo de desmaterialização da matéria, de que falamos. A matéria química do ectoplasma corresponde a uma avançada desmobilização dos sistemas atômicos em movimentos vorticosos, ao longo da escala de elementos, para pesos atômicos máximos. O fósforo (peso atômico 31), corpo sucedâneo, aceito apenas em doses moderadas no círculo da vida orgânica, é tomado aqui, no avançado movimento vorticoso, como corpo fundamental, ao lado do H (1), C (12), N (14), e O (16). A plástica da matéria orgânica, por obra do psiquismo central diretor, torna-se cada vez mais imediata e evidente. Tudo isso vos explica a estrutura falha de muitas materializações espíritas, que suprem a incompleta formação de partes, com massas uniformes de substância ectoplasmática, com aparência de panos ou véus. Tudo revela a tentativa, o esforço, a imperfeição do que é novo. Isso vos faz compreender como o desenvolvimento do organismo, até à forma adulta, seja apenas uma construção ideoplástica, realizada pelo psiquismo central, através dos velhos e seguros caminhos tradicionais percorridos pela evolução.

            A rede de fatos e concomitâncias restringe-se cada vez mais em torno deste inegável psiquismo. Só ele vos dá a chave do fenômeno da hereditariedade 14. Fenômeno inexplicável, se olhado apenas em seu aspecto orgânico, como o faz a ciência. Para ser compreendido, tem que completar-se com o conceito de uma hereditariedade psíquica. Como podem os órgãos, sujeitos a contínua renovação, até um final e definitivo desfazimento, conservar indefinidamente características estruturais e transmitir aptidões prenatais a outros organismos? Os registros no instinto — mesmo os mais importantes — ocorrem depois do período juvenil da reprodução, no indivíduo adulto, por vezes justamente na velhice  (a máxima maturidade psíquica). Como podem, numa natureza tão previdente e econômica, justamente serem perdidas as melhores ocasiões? Ou não será que a hereditariedade segue outros caminhos, os psíquicos, pelos quais o material recolhido é confiado à sobrevivência do princípio espiritual, em lugar dos caminhos orgânicos da reprodução? Não vimos que esse era o nó que amarrava, numa explicação única, todos os fenômenos do instinto, da consciência, da evolução psíquica? Quem, senão o espírito imortal, pode manter o fio condutor que, através de um contínuo nascer e morrer de formas, dirige o desenvolvimento da evolução? Que fio, senão esse, saberia atingir as superiores construções da ética? 

            Esse conceito de hereditariedade psíquica conduz à conclusão inevitável, já agora preparada por muitos fatos para poder ser negada, da sobrevivência de um princípio psíquico depois da morte, isso tanto no homem como nos seres inferiores, que não foram deserdados pela justiça divina — embora irmãos menores e de forma diferente — dos direitos da sobrevivência. Se o psiquismo já foi demonstrado como parte integrante dos fenômenos biológicos — como princípio ao qual são confiados os últimos produtos da vida e a continuidade do transformismo evolutivo, como unidade diretora de todas as suas formas sucessivas — é óbvio admitir que ele, tal como sobrevive à morte orgânica, deva preexistir ao nascimento. Esse equilíbrio de momentos contrários é necessário na harmonia de todos os fenômenos; na indestrutibilidade da substância, já demonstrada em todos os campos, tudo é continuação e retorno cíclico. O universo não pode ser arrítmico em nenhum ponto, nem em nenhum momento. Resulta, pois, absurdo o conceito de uma Divindade submetida à dependência de dois seres, cuja união deva aguardar, para ser obrigada, quando eles o queiram, ao trabalho da criação de uma alma. Não se pode conceder à criatura tal poder de decisão.  No tempo ilimitado, que acúmulo de unidades espirituais através da vida! Onde se completaria o ciclo e se restabeleceria o equilíbrio?

            A própria hereditariedade oferece-vos fenômenos doutro modo inexplicáveis. Sem este conceito, tudo se torna incompreensível e ilógico; com ele, tudo fica claro, justo, natural. Por vezes, os filhos superam os pais; os gênios nascem quase sempre de ancestrais medíocres. Como poderia o mais ser gerado pelo menos. Os caracteres distintivos da personalidade exorbitam de cada hereditariedade, à qual vedes que estão confiadas mais as afinidades orgânicas que as psíquicas. Vimos a gênese do psiquismo, a formação do instinto, da consciência, problemas insolúveis de outra forma. Por que essas profundas desigualdades, inatas e indestrutíveis no indivíduo, qualidades próprias indelevelmente estampadas em sua face psíquica interior? Elas não vos revelam todo um caminho percorrido? Um passado vivido que não pode anular-se, nem fazer calar, ressurge e grita: tal qual fui, tal sou. De tudo isso depende um destino de alegria ou dor, que demonstra um direito ou uma condenação. Uma criação nova, a partir do nada, teria que formar, por justiça divina, almas e destinos iguais. Não permitais que tantas condenações dolorosas — permitidas com justiça por Deus, porque queridas pelo ser livre e responsável — recaiam sobre a Divindade, como acusação de injustiça ou de inconsciência. Quantos absurdos éticos diante de uma alma, à qual, ao invés, deveria ensinar-se a subir moralmente!

            Não exceptuais o homem da lei cíclica, que rege todos os fenômenos. Um rio não pode criar-se para a fonte. Se esta não haurisse sempre do mar, por meio da evaporação e das chuvas, não haveria bastante água para alimentar seu eterno fluxo. Não crieis desproporções entre um átimo, vossa vida, e uma eternidade de consequências. Sabeis acaso o que é uma eternidade? É absurda, inconcebível, uma tão descomunal desproporção entre causa e efeito. Só o que não nasce é que não pode morrer; só o que não teve princípio pode sobreviver na eternidade. Se admitirdes um ponto de partida, tereis que aceitar um equivalente ponto de chegada; se a alma nasce com o corpo, tem que morrer com o corpo. Esta lógica nos leva ao mais desesperador materialismo. 

            Não acrediteis, como tantas vezes o fazeis em vossas ilusões, que prêmio ou castigo, alegria ou dor, na eternidade da divina justiça, possam ser usurpados, como é de costume em vosso mundo. Tudo obedece a uma lei fatal de causalidade, uma lei íntima, invisível e inviolável, contra a qual nada pode a astúcia nem a prepotência. É lei matemática, exato cálculo de forças. Não há possibilidade de violação, em tão férrea entrosagem de fenômenos. Ninguém escapa às consequências de suas ações: o bem e o mal que se praticam, é para si mesmo que são praticados. Antes da hereditariedade orgânica, existe a hereditariedade psíquica. Esta comanda aquela e resume todas as vossas obras e determina vosso destino. Deus é justo, sempre. Não podeis culpar ninguém. Em qualquer caso é absurdo amaldiçoar. Em cada átimo é feito o balanço exato do dar e do haver, como culpas e méritos, como castigos e alegrias; a dor é sempre uma bênção de Deus porque, se não resgata nem purifica, se não paga o débito, sempre constrói, porque acumula crédito. É a lei da vida, oculta, inatingível, sempre presente e sábia.

            Caem vossas barreiras e as defesas que ergueis em favor da injustiça. A justiça é a lei profunda que vos acompanha e sempre vos encontra na eternidade. Quantos dramas nestas palavras! Acima do parentesco de corpos, há um parentesco mais profundo com o vosso passado e com vossas obras que ressurgem em redor de vós, assediam-vos, erguem-vos ou vos abatem. Sois exatamente como vos construís; possuís, aparentemente concedidas pela natureza, as armas que vós mesmos fabricastes para vós e com elas enfrentais a vida, com ela a venceis. Movimentastes as causas que agora agem dentro e fora de vós. O presente é filho do passado; o futuro é filho do presente. Não culpeis ninguém. A gênese de uma vida não pode ser o efeito de um egoísmo a dois, que agem em dano de um terceiro, impossibilitado de dar opinião. Como podeis acreditar que uma vida de alegria ou dor, tal qual dependeria a fixação de um estado definitivo por toda a eternidade, fosse deixada à mercê de um fato acidental, realizado sem consciência de suas consequências? Um fato tão substancial como é a vida e a dor de um homem, num organismo universal em que tudo é tão exato e justamente querido e previsto, como pode ser abandonado assim, fora da lei, no momento decisivo de sua gênese, que tem efeitos colossais? Não vedes o absurdo desse conceito? Como podeis crer que na imensa ordem soberana possa haver lugar para a loucura e a maldição, para a inconsciência e para a usurpação? E que se possam semear, assim ao acaso, por irresponsáveis, as causas da dor?

            Não sentistes vossa personalidade, que grita “eu”, acima de qualquer vínculo e afinidade? A hereditariedade é acima de tudo psíquica, essa é de vós mesmos, individual, preparada por vós e assim desejada. A hereditariedade fisiológica é uma hereditariedade secundária, dependente daquela, de consequências limitadas porque inerentes a um organismo que, para vós, é apenas o veículo da viagem terrena que amanhã abandonareis. O parentesco familiar é parentesco orgânico, de formas, de tipos; nesse vaso desceu vosso espírito, não por acaso, mas por lei de afinidade. A fusão é completa numa unidade que, mesmo conservando os caracteres da raça e da família, transcende-os, muitas vezes, inconfundivelmente como personalidade psíquica. Vêm daí as semelhanças e ao mesmo tempo, tantas diferenças. Os genitores vos dão o germe da vida física; protegem-lhe o desenvolvimento, paralelamente ao da vida psíquica, descida do céu, e confiada a eles. Respeitai e amai seu grande trabalho. Nas horas frágeis da juventude, vossa alma eterna está em suas mãos; e tremei se sois vós os genitores, ao refletir que sois escolhidos como colaboradores no trabalho divino da construção de almas.

            Se a vida psíquica não é filha direta dos pais, tem parentesco com eles pelas vias da afinidade, que a chama e atrai para determinado ambiente. Nada é confiado ao acaso. Muitas vezes a alma escolhe o lugar e o tempo, prevendo as provas que tem que vencer, mas quando ainda não atingiu essa consciência e ainda não sabe ser livre, então seu peso específico — que resulta do grau de sua destilação espiritual — as atrações e repulsões pelas coisas da terra e a natureza do tipo que constituiu, guiam-na automaticamente, para um espontâneo equilíbrio de forças em seu elemento, único no qual pode viver e trabalhar, do mesmo modo que tudo se equilibra no universo, do átomo às estrelas.

                                                        


segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Que é a morte?

 

Que é a morte?

A Redação

Reformador (FEB) Outubro 1945

             A “Revue Spirite”, de Paris, recebeu de seu correspondente particular em Nova-York, e inseriu em sua edição de agosto, de 1908, o seguinte despacho telegráfico, referente a um caso que, acreditamos, não será destituído de interesse para os nossos leitores:

             “Nova York, 15 de julho. - Uma senhora acaba de escapar à mais horrível das mortes. Esteve, com efeito, por um triz a ser enterrada viva. Trata-se da Sra. William Moulty, de New Brítain, no Connecticut.

             “Seu coração cessara de bater, por mais de uma hora. Os médicos a haviam considerado morta, e a família fazia os aprestos habituais para o enterro, quando um dos assistentes notou certas ligeiras crispações dos músculos da face. Foram de novo e imediatamente chamados os médicos, que entraram a prodigalizar todos os cuidados à paciente. Procederam à eletrização ligeira e progressiva da região do coração, e a enferma foi pouco a pouco voltando a si.

            “Declarou ela então que, durante a sua prolongada catalepsia, tivera um sonho estranho. Tinha visto extensos espaços iluminados de mil claridades e sentira a impressão de realizar uma longa viagem, através de regiões etéreas, de inimaginável beleza.

            “Havia encontrado muitas pessoas, moças e velhas, que outrora conhecera, em particular sua mãe e um outro parente, falecido há trinta anos.

            “A idosa senhora, que - convém notar - conta sessenta anos, não dera mostras até ao presente de possuir uma imaginação exaltada. Declarou além de tudo que a morte é uma sensação deliciosa.”

            De resto - ocorre-nos, por nossa parte, agora comentar - já S. Paulo dizia que não devêramos temer a morte, pois que - referia-se ao sono - todos os dias nós morremos, isto é, penetramos no mundo espiritual.

            E que é a morte natural, realmente, senão o sono definitivo, agradável, reparador, acompanhado do despertar na verdadeira vida!


O dia da fraternidade

 

O dia da fraternidade

A Redação

Reformador (FEB) 1º de Janeiro de 1929

             Embora violentada ainda por paixões e sentimentos que são fontes de ódio e geram os desejos irreprimíveis da vindita; embora ainda sofrendo em larga escala a supremacia do sentimento daninho do egoísmo; malgrado a todas as filosofias incrementadoras desse sentimento, com o encerrarem, para a criatura humana, nos limites estreitos de uma só existência terrena o ciclo de sua evolução, a humanidade, como a quer demonstrar a firmeza com que espera galgar uma posição superior, onde viva liberta do ódio e do egoísmo, consagrou um dia, o primeiro de cada ano, à comemoração da fraternidade.

            Terá ela assim consgrado, como ideal irrealizável, uma utopia, cedendo aos atrativos de miragens que sempre e sempre mais distantes se colocam? Afirmá-lo só poderão os que se obstinam em negar a existência do Espírito, em desconhecer a infinita sabedoria do Criador n obra infinita do universo.

            Não: o homem é levado a crer firmemente na realização do ideal da fraternidade, pela intuição profund que nele reside, como fruto de aquisições indestrutíveis do seu longo passado espiritual, através da via ascendente da evolução dos seres.

            E a lhe rebustecer essa crença inata, bem como a lhe encorajar os esforços por alcançar tão elevada meta, tem o homem as promessas do Divino Mestre, cujas palavras, declarou-o ele próprio, jamais passarão, o que quer dize: não deixarão de ser confirmadas pela efetivação de tudo quanto anunciaram e ensinaram.

            E foi ainda Ele quem, depois de dizer: “Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco”, acrescentou: “Elas também ouvirão a minha voz e haverá um único rebanho, com um só pastor.”

            Anunciou assim, aquele a quem o Pai confiou o governo do nosso mundo, que, com o decorrer dos séculos, os homens de todos os pontos da Terra se submeterão à lei que lhes Ele veio trazer – a lei da humildade, do perdão, do bem, da caridade, do amor. Por essa submissão é que todas, todas as ovelhas moetrarão ter-lhe ouvido a voz.

            Claro está que, quando os homens todos chegarem a tão elevado grau de perfeição, que lhes permita submeter-se integralmente à lei de Jesus, todos constituirão “um só rebanho”. É que uma única será entre eles a fé e esta em Jesus repousará. Ora, desde que Ele haja reunido no aprisco todas as ovelhas, nenhuma havendo surda à sua voz, será Ele, de fato, o pastor único do armento.

            Estará assim realizada a fraternidade universal, porquanto a humanidade só terá atingido tão grande altura na senda do seu aperfeiçoamento moral, quando for capaz de cumprir sem falhas o mandamento que, segundo o mesmo Jesus, “encerra toda a lei e os profetas”. Amando os homens a Deus acima de tudo e amando-se uns aos outros, como verdadeiros irmãos, perfeita fraternidade reinará.

            É certo que nossa visão acanhada de criaturas materiais não nos permite divisar esse futuro, talvez não por demais distante. Procuremos, porém, entrevê-lo com os olhos do Espírito e, através da lei das reencarnações, da multiplicidade das vidas sucessivas, ele esplenderá diante de nós, mostrando-nos a Terra qual verdadeiro paraíso, onde não mais terá entrada a serpente da tentação, porque nela reinará o Cristo.

            Do homem, pois, depende o advento mais próximo ou mais remoto dessa era de paz real, que não poderá ser definitiva, enquanto não assentar-se no amor e na fraternidade. Depende, sim, do homem, porque ele é livre e Deus não lhe força o livre arbítrio. Livre, entretanto, não o é ao ponto de impedir que um só iota deixe de cumprir´se. Mais fácil seria, disse-o o Divino Mestre, que o céu e a Terra passassem, isto é, que o céu e a Terra desaparecessem, a nada se reduzissem. A lei, conseguintemente, se cumprirá, sem violência ao livre arbítrio humano, antes de completa harmonia com ele.

            Assim, todos, mais cedo ou mais tarde, entrarão livremente no caminho que leva ao aprisco do Pastor Divino e concorrerão para que se execute integralmente a vontade do Pai, contida nas promessas do Filho.

            Desvie o homem as vistas do presente de sombras que tem diante dos olhos e lance-as para esse futuro que os Evangelhos lhe anunciam; procure esquadrinhá-lo sob os raios luminosos da Nova Revelação, que ao mundo manda o seu Salvador, a Revelação Espírita, e sentirá que ganha alento para objetivá-lo com o ânimo resoluto de merecer as promessas que ele guarda, que se enche de forças para cumprir, como meio de alcançá-lo, o maior dos mandamentos.

            Essa a maneira mais meritória e eficaz, para Ele, de comemorar a data consagrada à fraternidade e de atrair sobre si, nesse dia em que a efêmeras e falazes esperanças costuma abrir o coração, as bençãos do Alto que, sinceramente e em fraterna comunhão com os nossos maiores da espiritualidade, desejamos a pedimos para todos os nossos irmãos em Deus, deste plano e do outro.


quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

O Natalício do Mestre

 

O Natalício do Mestre

Vinícius (Pedro de Camargo)

Reformador (FEB) 1º de Janeiro de 1929

 

            Nasceu em Belém de Judá o Redentor do mundo, há perto de vinte séculos. Tl o acontecimento de maior relevância nos fastos da história humana. Tão importante que chegou a abalar as milícias celestiais cujo alvoroço se expandiu nesta alacre mensagem: Glória Deus nas maiores alturas e paz na Terra aos homens a quem Ele quer bem!

            Nascer é iniciar, é dar começo a uma existência em determinado meio. Eis o fato histórico considerado em seu aspecto genérico. Particularizemos, agora, o advento do Messias. Que influência está exercendo em nós o seu nascimento? Que relação existe entre o natal de Jesus e a nossa vida, no momento atual? Que veio Jesus fazer à Terra, na parte que nos toca?

            Eis a questão que nos interessa de perto e que vem determinar o grau de importãncia daquele natal. Se o nascimento do Redentor não é ainda uma realidade em nós mesmo, influindo positivamente emnosso caráter, que importãncia pode ter no que no diz respeito?

            As minas do Transvaal são as mais ricas do mundo; é um fato indiscutível, considerado em sua generalidade. Mas, em que isso nos interessa? Que proveito tiramos? Se, porém, nos associarmos às empresas que exploram filões de ouro e os diamantes então o caso muda de figura, tornando-se para nós de importância capital. O Brasil é um país opulento pela uberdade de seu solo, pela sua flora, seus minérios e suas múltiplas fontes de riqueza. Não obstante, há muita gente pobre e até miserável no Brasil.

            Para que as suas decantadas riquesas sejam uma realidade para cada brasileiro, é preciso que este se hbilite, grangeando sua independência financeira pelo trabalho, pela inteligência, pela perseverança e pela economia. Caso contrário, todas as vantagens e prerrogativas de nossa terra serão como se não existissem.

            Precisamente o mesmo fenômeno se dá com relação ao natal de Jesus. Nenhum proveito nos vem do fato histórico de seu nascimento. Todo o valor desse magno sucesso está nas suas relações conoso. Se existe essa relação, se aquele fato represent uma força viva atuando em nosso Espírito, então Jesus nasceu para nós e a nós se dirige a angélica mensagem: Glória a Deus nas maiores alturas, paz na Terra aos homens a quem Ele quer bem!

            Se permanecermos alheios ao Natal de belém, quanto à sua eficiência em nossas almas, tudo o que fizermos para comemorar tão auspiciosa data histórica será vão e vazio, visto como Jesus nasceu para nos salvar do pecado, para nos remir da servidão dos vícios e das paixões. Se nos conservarmos na iniquidade do século e nos afazemos à escrvidão, aquele natalício ainda não se realizou: nada temos, portanto, que comemorar.

            Ao contrário das hospedarias de Belém, tratemos de arranjar lugar em nossos corações para recebermos condignamente o divino hóspede que há dois mil anos bate às nossas portas.