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sábado, 27 de junho de 2015

Paulo perante Festo e Agripa

                A semelhança de formigueiro em movimento, naquela tarde, apreciável massa humana dirigia-se para o auditorium da Corte Provincial, em Cesareia.

            Pórcio Festo, governador de César, na Província, queria iniciar sua gestão através de bombásticas festas. E para isso convidou Herodes Agripa, rei dos judeus, e sua mulher Berenice. Queria propiciar-lhes a oportunidade de se encontrarem com o ex-Doutor da Lei Saulo de Tarso, no momento Paulo, prisioneiro em Cesareia, aguardando sua ida a Roma, pois que houvera apelado de sua situação para César.

            Após concorridas brigas de anões e bailados, quando bailarinas licenciosas passavam esvoaçando véus transparentes nas fisionomias de convidados lúbricos, fez-se silêncio majestoso. Discreta ordem de Festo provocou a abertura de uma porta, rente à tribuna, onde se sentavam convidados distintos. Dela saiu o Advogado dos Gentios acompanhado de alguns centuriões. Os flagelos que sofrera nos dois anos de prisão externavam-se na fisionomia abatida do filho de Tarso. Quando os soldados lhe retiraram as algemas, elas caíram no suntuoso chão de mármore, num seco ruído que contrastou com o tilintar nervoso dos adereços de Berenice. Significativo contraste: ele, liberto no espírito, estava sob algemas; ela, que era prisioneira de muitas paixões em vida dissoluta, encontrava-se corporalmente livre.

            Ilustrado pensador dissera, certa ocasião, que o aplauso das massas é pronto e demorado, na razão inversa do valor. Por lhes faltar visão espiritual e qualidade apreciativa, quase sempre incensam e consideram as coisas fora de uma realidade justa e substancial.

            Foi a massa que, em determinado dia, numa grande praça, pediu a Pilatos a liberação de Barrabás e a condenação do Cristo. Pórcio Festo objetivava fazer Herodes ouvir a palavra do antigo Doutor da Lei, discípulo de Gamaliel, porque sabia que Agripa ardia por conhecer aquela figura genial.

            Dirigiu-se a Paulo determinando fizesse, ele mesmo, sua defesa.

            Levantou o ex-rabino os olhos, observando, atentamente, o imenso público. Sabia-se situado em momento importantíssimo do próprio destino. Aquela era a oportunidade de que dispunha para dirigir o verbo a um rei e a um governador, exaltando a figura do meigo Rabi da Galileia.

            Começou por mencionar o período saudoso e distante da meninice e da juventude, quando aprendera a própria Lei no Sinédrio. Depois, as graves questões que sempre surgiam, desafiando-lhe a argúcia, para as necessárias soluções religiosas e político-administrativas.

            Viera aquele dia em que ele recebera credenciamento do Tribunal da raça, para dissolver, punindo se preciso fosse, célula de seguidores de Jesus em Damasco, chefiada por um tal Ananias. Acompanhado de alguns cavaleiros, tomou o rumo do deserto, sofrendo o rigor de suas areias quentes e do escaldante sol.

            Após caminhada de quase dia e meio, quando a distância se desenhavam as abóbadas cinzentas dos prédios da grande cidade, súbito acontecera o indefinível! ... Não soubera dizer se o céu se tornara ainda mais claro. Um lapso dos sentidos fizera-o cair do cavalo. Sentira-se cego, de joelhos nas areias do estendal, e depois o céu como se fendera, e um vulto maravilhoso à sua frente se apresentava com os cabelos à nazareno e o corpo como que estruturado em névoa radiosa! ...

            Dirigiu-lhe o visitante olhar inesquecível, perguntando-lhe:

            - Saulo! Saulo! Por que me persegues?!..

            Impressionara-se o ex-Doutor da Lei, porque a sua voz era humilde e majestosa, terrível e bela!

            Conseguindo sair da perplexidade, inquiriu:

            - Quem sois vós, Senhor?

            O ser luminoso lhe respondeu:

            - Eu sou Jesus, a quem persegues ...

            Fato significativo: a ovelha perseguida vinha ao encontro do lobo insaciável!

            Em seguida, foi-lhe recomendada a ida a Damasco, dando-se o encontro dele com o próprio Ananias e a restauração de sua visão.

            Posteriormente, a integração na comunidade cristã humilde, os primeiros contatos, as primeiras orientações, o início de integração na tarefa de luz.

            O Apóstolo dos Gentios, ali mesmo, para Festo e Agripa, levantou as profecias que falavam do Messias e seu mestrado de amor, reportando-se a Isaías, quando dissera, sete séculos antes: "Eis que um menino nos nasceu: O principado do reino está sobre os seus ombros e não terá fim. Será chamado admirável, conselheiro, príncipe da paz e Pai do Século" (Isaías, 9:6). Miquéias, nas noites estreladas, profetizando que o Salvador nasceria em Belém, quando avança: "E tu, Belém, terra de Judá, de forma alguma és a de menor consideração entre todas as de Judá, porque de ti nascerá o meu Salvador" (Miquéias, 5 :2). Zacarias, filho de Baraquias e neto de Ado, profeta do Velho Testamento, que pressentiu que Jesus entraria em Jerusalém montado num jumento e que seria vendido por trinta moedas, com as quais se compraria um campo a um oleiro (Zacarias, 9:9 e 11:12).

            Estas profecias se concretizaram, quando da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, num jumentinho, conforme se lê em Marcos, 11, versículos de 1 a 11. E a compra de um campo a um oleiro, dando-se finalidade ao dinheiro de Judas, local esse chamado Cemitério dos Estrangeiros, ou Haceldama, até os dias de hoje.

            Outras profecias foram mencionadas por Paulo, deslumbrando Pórcio Festo e provocando profunda impressão no rei Agripa.

            Naquele auditorium de Cesareia, a ideia cristã estava sendo transmitida para sempre a um rei e a um governador, à assistência volúvel, para uma comunidade imensa, realçando o Cristo e demonstrando, através de sólidas argumentações, a realidade daquele Mestre Imperecível que nos legou a mensagem radiosa do túmulo vazio.

            Falara, em seguida, das suas peregrinações por Tessalônica, Galícia, Corinto, Colosses, Filipos, Éfeso, Licaônia e tantas outras regiões que lhe receberam o verbo cintilante e substancioso, deixando sempre evidenciada a figura do Mestre Divino!

            E, no instante em que o Apóstolo dos Gentios dissertava, o auditorium de Cesareia, que nos primeiros momentos se preparara para ridiculizar o orador, dada a sua singeleza e a sua fraqueza física, mudou completamente o propósito. Todos, no recinto, estavam fascinados pelo verbo maravilhoso do ex-Doutor da Lei.

            Quem seria aquela criatura que conseguia falar assim, penetrando profundamente nas mentes e nos corações?

            Eletrizado estava o auditorium de Cesareia, concentrado na exposição de Paulo...

            Pórcio Festo, verificando, porém, que houvera uma transformação no ambiente, com a qual nem ele mesmo contava, e querendo, evidentemente, quebrar a intensidade do verbo veemente do filho de Tarso, aborda-o, aparteia-o, dizendo-lhe:

            - Paulo! Paulo! As muitas letras te fazem delirar!

            A frase era uma alusão à época em que ele, Paulo, fora Doutor da Lei, um homem culto no Sinédrio ...

            Pórcio Festo, presidente da reunião, dizia-lhe que as muitas letras que o ex-discípulo de Gamaliel houvera assimilado no Tribunal da raça, nas Leis, estavam provocando alucinação nele.

            Todavia, o Apóstolo dos Gentios, ao invés de hesitar, muito antes, pelo contrário, mostrando a emancipação e a largueza de espírito de que era portador, adiantou-se alguns passos na direção do representante de César, olhou-o bem nos olhos e exclamou:

            - Não deliro! Não deliro, ó potentíssimo Festo! Falo de pura e sã consciência!
Jesus-Cristo é a concretização da divina promessa!.. Por ele esperou Israel; por ele falaram os profetas; o nosso povo esperou-o no silêncio de suas noites dolorosas! ... Nele todos aqueles que estavam à margem do caminho se substancializaram em alegria e paz! Jesus-Cristo fecundou a existência! É realmente o Mestre que voltou na Ressurreição para mostrar a vida abundante, aquela vida que ele mesmo nos dissera haver dado, quando assim se externara: "Vim para que- tivésseis vida, vida em abundância!"

            Paulo queria frisar bem a mensagem que trazia a Herodes e a Festo, porque era um momento raro no seu destino: conseguira falar a um representante de César e, o que era importante, estava também frente a um rei: Herodes Agripa. E Agripa viera até ali para ouvir-lhe a exposição.

            Deixou o lado da tribuna em que se encontrava o representante de Roma, contornou-a, chegou junto a Herodes e sua mulher Berenice, e falou ao rei: - O rei Herodes Agripa não pode ignorar essas coisas que aqui estão sendo expressas, não pode ignorar estes fatos, porque, se ele tem cultura romana, o seu sangue é judeu; portanto, não desconhece as profecias a respeito da vinda do Messias... Não credes assim, rei Agripa, não credes assim?..

            O rei ficou espantado. Quem era aquele homem, gênio ou louco, que conseguia lhe dirigir a palavra diretamente? Nunca lhe aconteceu isto. Lembrava-se dos representantes do povo, dos religiosos e dos juízes da raça que, para serem recebidos em palácio, o faziam com mesuras e afetação. No entanto, estava ali um homem, aparentemente sem ninguém, preso, transmitindo-lhe a palavra com a maior, naturalidade.

            Ficou profundamente impressionado, tanto que permaneceu estático por alguns minutos. Suor frio cobriu-lhe as têmporas e, ao verificar que todo o auditorium de Cesareia se concentrava nele, cravando-lhe o olhar para saber o que falaria, buscou se ajeitar na cadeira.

            Permanecendo Herodes silencioso, o próprio Paulo, querendo robustecer as frases suas, acrescentou em argumentação eloquente:

            - Sei que o credes, rei Herodes! Sei que o credes!

            Agripa, perturbado, reunindo o resto de forças que possuía para animar outra vez a palavra, procurou sair da dificuldade, dizendo:

            - Ora, ora! Por pouco me convences, por pouco me persuades a ser cristão...

            Acrescentou o Apóstolo dos Gentios:

            - Oxalá, rei Agripa! que por pouco ou por muito vos fizésseis cristão ... não somente vós... - e olhando o auditorium - mas todos aqueles que nos ouviram neste dia!..

            O encontro do apóstolo com Pórcio Festo, representante de César, e com o rei Herodes, no auditorium de Cesareia, se encontra registrado no Livro Atos dos Apóstolos, nos capítulos 25 e 26. É uma dessas fascinantes passagens da Escritura, trazendo meditações e forçando-nos o raciocínio para fazermos considerações que importam ao nosso aprendizado e edificação espirituais.

            Pórcio Festo representa, atualmente, aqueles que em pleno século verificam os fenômenos psíquicos sem poder entendê-los... fenômenos analisados por homens de escol, fenômenos que foram produzidos por grandes médiuns, trazendo ao pensamento humano a realidade da vida que não se acaba. Milhares e milhares de indagadores são Pórcio Festo, mais querendo seguir com as novidades do século do que acompanhar as coisas espirituais.

            São, hodiernamente, os negadores que nos dizem a nós, espíritas:

            - Espíritas! Espíritas! Os muitos fenômenos mediúnicos vos fazem delirar!..

            Esquecidos estão de que os ditos fenômenos, que eles alegam nos causar admiração, foram fenômenos identificados, experimentados não por nós, espíritas, mas por sábios que os examinaram, impassíveis, e chegaram à realidade da vida espiritual, à realidade dos Espíritos, que, através de uma série de fatores e de diferentes faculdades mediúnicas, vem mostrar-nos que, além da estrutura de ossos e carne, a vida verdadeira se expande; que o Espírito é enormemente grande para ficar preso nas estreitas grades de um organismo sensorial, de um instrumento corporal. Foram homens de saber e de cultura... De passagem, podemos citar: Charles Richet, prêmio Nobel em 1913, descobridor da anafilaxia; William Crookes, descobridor do tálio, elemento de número atômico 81, metal de massa atômica 204,39, apresentando dois isótopos naturais estáveis e quatro radioativos; Alexandre Aksakof, secretário do Czar Alexandre III; César Lombroso, o grande criminalista italiano, que também se cientificou da realidade desses fenômenos; William Barret, na Inglaterra, físico de renome; Ernesto Bozzano, engenheiro italiano e pesquisador de fatos mediúnicos, ex-discípulo de Spencer...

            Também no presente citaremos inúmeros psicólogos e parapsicólogos que demonstraram, através de seus estudos e observações, a realidade dos fenômenos paranormais, dos fatos psíquicos, da reencarnação. Eles estão aí, fornecendo-nos material para nossa apreciação: Rhine, na Carolina do Norte; Ian Steavenson, na Pensilvânia; Tanagra, na Grécia; Servadio, na Itália; Wassiliew, na União Soviética (recentemente desencarnado); e, aqui no Brasil, um parapsicólogo que nada fica a dever aos parapsicólogos internacionais, o Dr. Hernani Guimarães Andrade, em São Paulo, com extraordinário campo de observações de fenômenos mediúnicos e um excepcional laboratório de pesquisas.

            Foram e são fatos maravilhosos, inabituais, observados no passado e no presente, por homens sábios que chegaram à conclusão de que realmente teremos de mudar de trajetória, porque não se logra explicar o progresso da vida ausentando-se de uma realidade espiritual!

            - Paulo! Paulo! As muitas letras te fazem delirar!..

            - Espíritas! Espíritas! Os muitos fenômenos mediúnicos vos fazem delirar!..

* * *

            Paulo de Tarso se constituiu um símbolo, uma representação, um emblema. Ele é a personificação de milhões de estudiosos ou de criaturas afeitas à vida espiritual, que permanentemente recebem o bombardeio da negação, da ironia e do sarcasmo.

            Pórcio Festo e Herodes - são a representação de todos aqueles que nos abordam constantemente, dizendo que os muitos fenômenos, os fenômenos mediúnicos, nos fazem delirar embora eles não tivessem sido nem experimentados, nem catalogados por nós e sim por homens que saíram de suas próprias Universidades para testar médiuns e sensitivos e chegaram à conclusão de que, realmente, além da nossa estrutura material física, existe um fator psíquico, existe uma alma, existe um Espírito...

            Seria interessante percorrermos um pouco a história desses fenômenos e observações a fim de que possamos cientificar-nos das suas trajetórias e objetividades.

***

            Em 1888, César Lombroso, já aqui mencionado recebeu uma carta do conde Hércules Chiaia, diretor da revista italiana "Luce e Ombra" (“Luz e Sombra"). Na carta, o conde Chiaia dizia-lhe conhecer uma jovem senhora portadora de faculdades mediúnicas, e, o mais interessante, bastava Eusápia Paladino (este o nome dela) cair em transe para que imediatamente surgissem fantasmas no recinto e os objetos se transferissem de locais, sem o auxílio de mãos humanas.

            O professor Lombroso, de formação materialista, não deu muito crédito à carta do conde Chiaia, porém, em 1891, precisando ir a Nápoles, estabeleceu contato com ele. Lombroso assistiu a inúmeras reniões e acabou por se convencer da realidade dos fenômenos mediúnicos.

            Em 1902, na residência da condessa Celésia, onde se encontrava a médium Eusápia, foi realizada uma sessão de materialização e efeitos físicos, e o grande criminalista ficou abalado! Teve uma das maiores emoções e surpresas de sua vida! Junto à cabina se formou um vulto de mulher, que se encaminhou para o seu lado... Sim... pelo porte, pelo jeito de andar... era a sua própria mãe, desencarnada há anos. E quando a figura assim delineada se aproximou dele, falou na mesma inflexão de voz que ele guardara no tesouro de suas lembranças:
            - Cesare, fiól mio! (César, meu filho!)

            Era a genitora, a retomar da vida maior para orientar o filho e dar atestado da existência que nunca se finda! Apalpou-lhe, também, as mãos!..

            - Paulo! Paulo! As muitas letras te fazem delirar!

            - Espíritas! Espíritas! Os muitos fenômenos mediúnicos vos fazem delirar! ...

* * *

            E o que diremos da mediunidade, aqui no Brasil, quando sabemos ser o Brasil um celeiro desses médiuns e fenômenos, com inúmeras possibilidades? Notamos na mediunidade de Chico Xavier, entre tantas identificações de Espíritos, um fato que merece citado, para que a realidade do mundo espiritual seja evidenciada:

            D. Angelina del Mônaco, certa ocasião, foi, no anonimato, a Pedro Leopoldo, terra natal do médium. Ela residia em Guaratinguetá, na Rua São Francisco. Não deixou seu  nome em hotel ou em pensão daquela cidade e, às 19,30 h, dirigiu-se para o Centro Luiz Gonzaga, a fim de estabelecer contato com Chico Xavier e receber uma dedicatória de obra autografada por ele.

            Faltavam cinco pessoas para chegar a sua vez. Chico Xavier dirigiu-se à D. Angelina del Mônaco, dizendo-lhe:
           
            - D. Angelina, por obséquio...

            Ela ficou tão surpresa em ver o seu nome proferido que ainda olhou para trás para cientificar-se da possibilidade de uma outra Angelina na fila. Mas era ela mesma... Chico Xavier chamou-a, dizendo textualmente:

            - Ao lado da senhora existe o Espírito de um garoto de oito anos, presumivelmente, dando o nome de Doan e esclarecendo que desencarnou há 9 anos, de meningite. Ele fez tudo no sentido de que a senhora estivesse aqui em Pedro Leopoldo, na data de hoje, porque quer apagar as velinhas da mamãe, em nossa companhia...

            Realmente, D. Angelina tinha um filho chamado Doan, que desencarnara de meningite nove anos passados e aquele dia era, coincidentemente, o dia do próprio aniversário...

            São fatos maravilhosos da mediunidade, que assim surge independente do nosso gosto ou do nosso querer, da nossa resistência ou da nossa aceitação, porque a mediunidade, como sabemos, é uma faculdade inerente à criatura, quer ela seja religiosa não, esteja filiada a essa ou aquela corrente mental ou emocional. A faculdade psíquica é espontânea e é através dela que o encarnado se associa aos desencarnados em variados graus de aprendizado ou de sintonia, porque o livre arbítrio é sagrado na criatura. Tanto podemos sintonizar com a luz quanto podemos nos imantar às sombras, dada a liberdade que existe no ser.

            - Ó Jerusalém! Jerusalém! quantas vezes eu quis reunir teus filhos, como uma galinha reúne debaixo de suas asas os seus pintinhos!..

            Cristo quis, Jerusalém não quis. O livre arbítrio é sagrado.

            Em trânsito pela vida, todos nós temos a liberdade de querer ou não, de fazer ou não, de lançar sementes positivas ou negativas no campo do destino. Seremos, no entanto, constrangidos a voltar depois e engolir os frutos deteriorados que a nossa insensibilidade, que a nossa leviandade, que a nossa inconsciência espalharem pelos humanos caminhos! ...

            Na residência de Félix Avelino, secretário do Círculo Científico Minerva, de Gênova, organização especializada em investigações de fatos psíquicos, estava sendo testada a mesma médium Paladino. Reduziram grandemente as luzes para que pudesse haver as habituais comunicações. Passados instantes, do alto da sala despencou sobre a mesa um objeto volumoso, verificando-se, pelo tato, tratar-se de um pão "pasta-soda" de quatro pontas. Ao se fazer luz, nada estava no recinto ou junto aos assistentes.

            Inquiriram a John King de onde proviera o pão. Ele disse que procedia da padaria, ao lado. Uma vez mais perguntaram à entidade invisível se o pão poderia ficar. Veio a resposta: o pão fora trazido para dar uma prova daquilo que eles, Espíritos, podiam fazer com a matéria, por conhecerem-lhe melhor os fluidos e as propriedades, mas o pão pertencia ao padeiro. A menos que quisessem os presentes realizar uma compra. Entregariam uma moeda de dois soldos, correspondente ao seu valor, que seria deixada na caixa do padeiro... Félix Avelino ergueu a mão com a moeda nos dedos, sendo retirada e desaparecendo. O pão reapareceu.

            Notamos neste fato uma particularidade interessante: é o fator moral que acompanha o fenômeno. A entidade comprova sua intenção honesta. O pão, contudo, não poderia ficar, pois, se assim acontecesse, seria um roubo. A menos que se fizesse a transação comercial de levar a moeda correspondente ao valor do pão para ser colocada na caixa do padeiro...

            Isto vem mostrar, leitor, que não se podem obter fenômenos mediúnicos como muita gente quer, no sentido mecânico, forçando os Espíritos, querendo invadir a liberdade espiritual para certos objetivos e pretensões. Não acontece isto porque a hierarquia espiritual está fundamentada em valores espirituais, em valores morais. Se acontecesse o contrário, bastaria que qualquer médium de materialização e efeitos físicos mentalizasse grandes quantias de dinheiro ou joias de valor que estão em organizações bancárias para que, numa operação automática, joias e dinheiro lhes caíssem aos pés. Sabemos todavia, que não ocorre assim, porque o mundo espiritual é regido por leis morais. E quando observamos essas leis morais, imediatamente conceituamos o Evangelho para nossas vidas nós que somos tão defeituosos, frágeis, imperfeitos, nós que ainda estamos muito mais atrelados, ligados à parte velha de nós mesmos que prontos a avançar em direção à paz dos cimos.

            - Paulo! Paulo! As muitas letras te fazem delirar!..

            - Espíritas! Espíritas! Os muitos fenômenos mediúnicos vos fazem delirar!..

* * *

            Fenômenos que nos deslumbram, sim, mas, que foram catalogados por sábios famosos, fenômenos que estão retumbando em todas as partes do mundo, anunciando tempos novos; proclamando que o materialismo vai perecer!

            E Paulo, destemido, diz ao representante de César:

            - Não deliro! Não deliro! ó potentíssimo Festo! Falo de pura e sã consciência... porque Jesus Cristo é a concretização da promessa! Por ele ansiaram todos os profetas de Israel, por ele esperamos dias melhores, de paz e de felicidade!

            E Paulo, afastando-se do ponto em que estava, contornou a tribuna, veio em direção a Agrilpa e falou:

            - H erodes Agripa não pode ignorar as coisas que estão sendo conversadas, porque, embora seja ele romamo pela cultura, o seu sangue é judeu e não ignora as nossas profecias e as mensagens da raça. Não credes assim, rei A gripa, não credes assim? ...Sei que o credesl Sei que o credesl ...

            E o rei, após o impacto que a pergunta despertou, pode falar:

            - Ora, ora! Por pouco me convences a ser cristão!

            Mas o Apóstolo dos Gentios encerra a sua vigorosa argumentação:

            - Oxalá} rei Agripa, que por pouco ou por muito vos fizésseis cristão... não somente vós, mas todos aqueles que nos ouviram neste dia!

            Esta é a história de um rei que há dois mil anos, por pouco, pouco, quase, quase, mudou a sua trajetória espiritual. Esta é a história de um rei que por pouco, pouco, quase, quase altera a sua condição de vida, abandonando a senda negativa e entrando em possibilidades positivas! Mas, o rei Agripa não quis, o livre arbítrio é sagrado...

            Por pouco, pouco, ele quase alterou a sua diretriz espiritual, mas não quis! Todos nós, por muito ou por pouco estamos em meio às mais diferentes experiências desta vida. Por muito ou por pouco tempo, por enquanto, experiências inúmeras estão vindo até nós trazidas por pessoas, circunstâncias inúmeras e fatores os mais variados do caminho terrestre!

            Por enquanto, estamos recebendo estímulos de muitos, de milhares, de milhões de seres; por enquanto, estamos em trânsito numa vida que é fenomênica, que está acontecendo por enquanto...            

            Ninguém ficará para semente. Se não conseguimos reter o nosso corpo, que se vai desfazer dentro de um mês, de um ano, de dez, de trinta ou mais, como é que iremos reter os corpos de nossos pais, mães, irmãos, mulheres, filhos, parentes, amigos? Como segurá-los, se a vida é um fluir contínuo e ninguém segura ninguém, porque ninguém permanece na Terra para sempre?..

            Depois que se nos fecharem os olhos, os nossos parentes tomarão rumo, os nossos amigos se diversificarão nas mais diferentes experiências; depois que o nosso corpo se enregelar; as nossas propriedades passarão para mãos conhecidas ou desconhecidas}' depois que a vida humana se acabar, os nossos títulos ficarão entregues às traças e ao mofo, porque tudo está passando e ninguém consegue impedir que as coisas sejam assim e assim se encaminhem...

            Por enquanto, o atleta exibe musculatura flexível; por enquanto, o banqueiro movimenta talões de cheque; por enquanto, o comerciante desonesto frauda no prato da balança; por enquanto, o delinquente perturba a harmonia social; por enquanto, o emissário da paz é luz em nossos corações; por enquanto, o forjador de guerras passa, deixando à sua retaguarda lágrimas, orfandade e aflições de espírito; por enquanto, o guerreiro surge, no campo da vida, deixando marcas de sangue; por enquanto, o historiador desonesto falseia o rumo da História; por enquanto, o inocente pode comparecer ante a barra do tribunal, impossibilitado este muitas vezes de sondar-lhe a posição, por desconhecer-lhe a história desde o princípio} faltando ângulos e fatores para a apreciação dele; por enquanto, o jogador deita no pano verde sua moral, sua honra; por enquanto, o ladrão que rouba a sociedade não sabe que está roubando de si mesmo a tranquilidade, em função do futuro; por enquanto, o mensageiro da luz é lâmpada acesa na imensa noite de nossa indigência íntima, para nos clarear a jornada; por enquanto, o narcisista - o adorador do próprio corpo - contempla, embevecido, corpo que será entregue à terra, mãe comum das formas que perecem; por enquanto; o operário do amor deixa marcas de luz em suas próprias atividades; por enquanto, o palrador prejudica com o verbo insensato; por enquanto, o querelante envenena com a palavra infeliz; por enquanto, o regenerado trabalha, recompondo as linhas do seu destino; por enquanto, o salteador pontilha a vida de mortes e aflições; por enquanto, o turbulento é convite vivo à algazarra; por enquanto, o universalista toma de fragmentados problemas e busca encaminhá-los à unidade; por enquanto; o voluntarioso se crê centro da vida; por enquanto, o "x" do problema das coisas espirituais está distante de nós, fracos ainda, impossibilitados em nos fazer à frente, porque por nós ainda gritam vícios, paixões e desacertos de nosso pretérito fracassado; por enquanto, o zênite, o ponto alto das coisas do espírito, também se distancia de nós, carentes de celeiros de luz e amor...

            Por enquanto, tudo está acontecendo... pessoas e situações, quadros e experiências que passam. E a vida, através deles, nos testa, para aquilatar de que maneira reagimos, a fim de que se nos alicerce o futuro espiritual.

            - Oxalá Rei Agripa, que por pouco ou por muito vos fizésseis cristão, não somente vós, mas todos aqueles que nos ouviram neste dia!..

            Como é significativa a narração do encontro do Apóstolo Paulo com Pórcio Festo e o rei Agripa, naquele dia agitado, em vasto auditorium da corte de Cesaréia...

            Inobstante o fato ter-se desdobrado há dois mil anos, o reformulamos e o revestimos de cores novas, notando consequentemente que tudo se transforma em mensagens diferentes para o cultivo das almas.

            Embora as imperfeições inúmeras, frustrações, quedas e as misérias que carreamos conosco, sabemos que a Doutrina Espírita tem-se constituído um alvará luminoso, o sublime legado que nos mostra estar a vida continuando além da Terra e que, liberto, canta e vibra o Espirito!

            A Doutrina Espírita interpreta o sofrimento por sinfonia divina que desperta os corações; a Doutrina Espírita nos mostra, como diz o Espírito André Luiz, que “é preferível ter uma coroa de espinhos na testa do que um montão de brasas na consciência"; a Doutrina Espírita adverte que somos viajores habitando, momentaneamente, corpos de carne, dos quais nos afastaremos pela desencarnação, porque a pátria real e definitiva é o mundo espiritual - nosso "habitat” normal.

            Quando Allan Kardec formula a questão: "Qual dos dois é o principal na ordem das coisas, o mundo espírita ou o mundo corpo? - respondem as entidades que lhe auxiliaram o esforço de síntese, na grande Doutrina:

            “O mundo espírita, que preexiste e sobrevive a tudo."

            Concluímos, assim, que o "habitat" natural do Espírito é o mundo espiritual, porém, em razão de suas falhas, de suas quedas, o Espírito tem de purgar na fieira das vidas, todo o seu passado de nódoas, enfrentando dores morais e físicas.

            De quando em vez, desavisados ou insensatos, dizem que as advertências dos guias são chapa batida, estafantes, e que o Evangelho está sempre pedindo reformulações morais, modificações íntimas; que as casas espíritas nos absorvem alguns momentos que poderiam ser canalizados para os lazeres quotidianos, novelas, programas de rádio e televisão, recreações em cinema, teatros e clubes...

            Evidentemente, se quisermos, poderemos afastar-nos, desertando do ambiente de nossas singelas organizações; contudo, não poderemos evitar, de forma alguma, periodicamente, o Iátego da dor acontecendo em nossas vidas, porque somente a dor é grande e forte para recompor o Espírito faltoso, reintegrando-o na harmonia da qual se afastou para seguir estradas falsas e experiências negativas, que lhe trazem prejuízos.

            O mecanismo da Lei é este: ele é o que é e ninguém conseguirá impedir o seu acontecer A ignorância das coisas espirituais não impede a existência delas nem altera em nada aquilo que é e que deve se manifestar. Os antigos não acreditavam na existência dos micróbios, mas não podiam impedir que eles continuassem a fazer milhares ou milhões de vítimas...

            O professor de matemática da Universidade de Pádua, na Itália, zombou de Galileu, porque sustentava a convicção de que a Lua não era lisa como bola de bilhar. Dizia o sábio que o satélite do nosso planeta era constituído de crateras, montes, vales, topografia irregular. Embora o incrédulo risse, não quis dar uma espiadela no telescópio de Galileu, para saber como era a Lua, em realidade...

            O mesmo ocorre em se tratando das motivações espíritas.

            Se nos desacertamos, teremos de nos reacertar. Assim como demos cotas alimentícias ao mal, nele nos complicando, agora devemos dar cotas alimentícias ao Bem. Não se pode simplesmente seguir caminhos de negação e depois pretender deles sair, à francesa.

            A lei do carma, a lei de causa e efeito é lei de justiça. Teremos de gastar no bem
tanto tempo quanto gastamos no mal. Se quisermos derrotar este, teremos de enfraquece-lo. Quanto mais alimentarmos nossas paixões, defeitos e maus hábitos, quanto mais alimento propiciarmos ao lado inferior da personalidade, mais forte ele fica e com menos possibilidades de ceder, face ao enraizamento psicológico. Teremos de matar o nosso passado por inanição, recusando-lhe alimento... "Se não fizermos isto, ele virá presente, outra vez... o nosso hoje volta a ser ontem... Ninguém pense seja fácil a eliminação de seu passado. Experimente alguém colocar um dique nas pretensões passionais, nas ideias erradas que se fixaram... Se não houver disciplina obstinada, as ondas do pretérito rompem os diques de contenção presente, lançando, outra vez, suas escórias nas praias da alma, torturando-nos indefinidamente...

            Por último, diremos: A Doutrina Espírita é luz na vida. Eliminar de nós, ainda que com dificuldades, as limitações que trazemos é tarefa que se nos impõe, para que um dia estejamos integrados na luz!

'Paulo perante Festo e Agripa' 
por Newton Boechat

Reformador (FEB) Setembro 1974 

quarta-feira, 24 de junho de 2015

O Medo da Morte



             Conta Eugène Muller, em Curiosités historiques et littéraires, que certa vez a padre Bridaine, após pregar longo sermão sobre a brevidade da vida, anunciou ao povo que lhe seguia os passos numa procissão :

            - Meus irmãos, agora vou levá-los às suas casas.

            E, sem mais explicação, conduziu os fiéis ao cemitério.

            Estou por dizer que esse sacerdote, como o Papa Alexandre VI, era ateu. Melhor teria
feita ele se elucidasse as seus paroquianos sobre a eternidade da vida, a exemplo dos sacerdotes de Ísis, que chamavam casas dos vivos às necrópoles, por considerarem a morte uma ressurreição, verdadeira metamorfose no itinerário da vida humana.

            Segundo alguns ocultistas, a embalsamamento era praticado na Egito para guardar os Espíritos dos mortos, permitindo mais facilmente sua evocação e sua ajuda nas rituais da magia.

            Reza a tradição que os judeus do tempo do Cristo não saíam à noite por causa dos assaltantes, e também dos maus Espíritos. Confúcio já afirmava que os Espíritos estão em toda parte e em volta de nós.

            A ideia da sobrevivência da alma era ponto pacífico nas diferentes civilizações antigas, e sobre isto existem provas históricas, até mesmo em documentes arqueológicos vindos ultimamente à luz da publicidade. Como se vê, o Espiritismo figura nas tradições escritas e orais da antiguidade. Kardec sabia tudo isso, e creio que não seria lá muito fácil ensinar Espiritismo a Kardec.

            A vida de Stuart Mill, a célebre filósofo inglês, regista comovente episódio . Quando. lhe morreu a esposa, a quem amava com delírio, comprou ele uma granja solitária, vizinha da cemitério, e dali contemplava diariamente, para cima das árvores, a branca sepultura da amada. No entanto, como diz Maeterlinck, “não é nos cemitérios, e sim no espaço, na luz e na vida que devemos procurar nossos mortos”. E para  tornar a vê-los (salvo nos casos de vidência e materialização) teremos que transpor aquela porta que só se abre uma vez em cada existência. Se, para entrar no mundo dos mortos que vivem, é preciso sair do mundo dos vivos que morrem, não devemos jamais forçar essa porta. Do contrário, bem sabemos o que espera aos que a atravessam sem serem chamados.

            Ninguém ignora que o medo da morte, melhor diria, o pavor da morte, é um fenômeno epidêmico da condição humana. Não tanto pela morte em si, mas pela morte particular de cada um e de seus íntimos. Porque, em geral, a morte das pessoas estranhas não nos causa estranheza. Para livrar-nos desta fúnebre obsessão, não é necessário proceder como aqueles frades de um convento medieval, que quando passavam uns pelos outros diziam, invariavelmente, com voz soturna:

            - Irmão! Lembra-te de que hás de morrer um dia!

            Para alguém afastar o espantalho da morte, basta convencer-se de que é imortal. Nada mais imortal que a morte. A personalidade do homem sofre, necessariamente, substancial transformação quando ele perde o medo da morte e entra em preparativos para receber-lhe a visita a qualquer momento.

            “Feliz daquele que tem sempre presente a hora da morte e cada dia se prepara para morrer” , reza a Imitação de Cristo.

            E já dizia Heráclito: “Quando vivemos a nossa vida atual, a alma está morta e enterrada no corpo; mas quando morremos é o contrário: a alma renasce para a vida real.” Também cito a propósito - e de propósito - esta frase com que Carl du Prel define a palingenesia: “O nascimento e a morte não são antagônicos, pois cada nascimento é uma morte relativa, e cada morte um nascimento relativo.”

            Nunca é demais lembrar que nós morremos todas as noites, pois o homem dorme a terça parte de sua vida. Não chega esse treinamento para a gente se acostumar com a transferência compulsória para o mundo espiritual?

            Quanto a mim, ciente e consciente desta verdade, aguardo, com o decreto da Providência, a laboriosa aposentadoria da morte, que traz a insônia do Espírito. E certo de que, na jurisprudência divina, a morte é o habeas-corpus  da alma.

O Medo da Morte
por Alberto Romero
Reformador (FEB) Setembro 1970


A Verdadeira Religião

        


             Estudando-se o Evangelho, sem espírito de sectarismo, chega-se à conclusão incontestável de que Jesus jamais pregou ou defendeu nominalmente qualquer religião, nem deixou margem para que esta ou aquela Igreja se arrogasse privilégios especiais, ou se intitulasse a única que salva.

            O que ele ensinou sempre, invariavelmente, em todos os momentos de sua vida pública, foi a Religião do Amor, do Bem, da Caridade!

            Senão vejamos.

            Dando início à sua doutrinação, a quem promete ele as bem-aventuranças do reino dos céus?

            Aos bons, isto é: aos humildes de espírito, aos mansos, aos que procedem conforme a justiça, aos misericordiosos, aos puros de coração, aos pacificadores... (Mat., Cap. 5)

            Não quer, porém, simples aparências do bom caráter, nem manifestações de falsa piedade, tão ao sabor de certos religiosos, e daí o afirmar, peremptoriamente: “Se a vossa justiça não for maior e mais perfeita que a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus.” (Idem)

            Qual a razão dessa advertência? Muito simples. É que os tais escribas e fariseus, conquanto fossem servis cumpridores das práticas exteriores do culto e das cerimônias estatuídas pelos rabinos do moisaísmo, de virtudes mesmo nada possuíam.

            Em seguida, passa a ensinar assim: “Se alguém vos bater na face direita, apresentai-lhe a outra; àquele que quiser demandar convosco em juízo, para vos tomar a túnica, cedei-lhe também a capa; se alguém vos forçar a caminhar mil passos, carregado, vai com ele dois mil; dai a quem vos pedir e não volteis as costas a quem vos queira solicitar um empréstimo; ao que tirar o que é vosso, não lho reclameis; amai os vossos inimigos; fazei bem aos que vos odeiam; bendizei os que vos amaldiçoam; orai pelos que vos perseguem e caluniam; sede misericordiosos, como vosso Pai é misericordioso; fazei o bem sem ostentação; não julgueis; tudo o que quiserdes que os homens vos façam, fazei-o assim também a eles, pois é nisto que consistem a Lei e os Profetas.”  (Mat., Caps. 5-7)

            Positivamente, ninguém saberia nem poderia usar linguagem mais clara, nem mais precisa do que esta, para dar-nos a entender como devemos pautar nossos atos, a fim de satisfazermos à Lei de Deus.

            Quem há que não almeje para si apenas o que é bom? que não deseje ser tratado com afabilidade? que não queira ser socorrido em suas aflições? que não aprecie ver desculpados os seus erros? que não espere benevolência para as suas fraquezas e imperfeições? que não aspire ao perdão para os seus deslizes?

            Pois bem, esse mesmo tratamento, amorável e fraterno, que gostamos de receber, é o que devemos dispensar ao nosso próximo, se é que pretendemos ganhar a “salvação”, ou, melhor dito, a felicidade eterna.

            Não haveria de faltar, porém, falsos profetas, que lançassem a confusão em torno de verdades tão simples, que disseminassem doutrinas esdrúxulas, segundo as quais, para salvar-se, ninguém precisa ser bom, nem realizar boas obras... mas tão somente crer em tais ou quais dogmas teológicos...

            Prevendo isso, avisa o Mestre, alto e bom som: “Toda árvore que não dá bom fruto, é cortada e lançada ao fogo.” - “Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”

            Acrescenta ainda, para que não subsistam quaisquer dúvidas:

            “Aquele que ouve minhas palavras e as observa é comparável ao homem prudente que construiu sua casa sobre a rocha. Veio a chuva, transbordaram os rios, os vendavais sopraram e se arremessaram contra essa casa, e ela não caiu, pois estava edificada sobre a rocha. Aquele, porém, que ouve minhas palavras e não as observa, assemelha-se ao insensato que construiu sua casa sobre a areia. Veio a chuva, os rios transbordaram, sopraram os ventos, precipitaram-se sobre essa casa e ela desabou; e grande foi a sua ruína.” (Idem, Cap. 7)

            Aí está, com que frisante nitidez o Cristo põe em destaque a importância de praticar os seus ensinamentos.

            Ora, ele é a revelação viva de Deus, a personificação de Sua lei, e, portanto, o único fundamento sobre que podemos edificar um caráter reto.

            Mas, edificar sobre o Cristo não é apenas decorar as Escrituras Sagradas, exaltar lhes os sublimes conceitos, fazer uma tocante profissão de fé, cantar belos hinos sacros...

            Não! Edificar sobre o Cristo é cumprir a sua palavra, é obedecer-lhe às instruções, é fazer a vontade d'Aquele que o enviou, é enfim possuir uma fé que se manifesta em obras de bondade!

            Prosseguiremos.
A Verdadeira Religião - Parte 1
Rodolfo Caligaris
Reformador (FEB) Junho 1970



Parte 2

            Se a Humanidade devesse ser salva pela filiação a uma só e determinada Igreja, por suposta infalível, com exclusão de quantas mais existissem, bem triste seria a sua sorte!

            Como poderiam as gentes iletradas ou de poucas letras identificar “a tal”, se constantemente estão surgindo novas seitas, pretendendo cada uma possuir essa característica? Como, se os graus de entendimento são infinitos, e aquilo que satisfaz a uns não apraz a outros? Pois se nem mesmo os sábios, até hoje, conseguiram pôr-se de acordo a esse respeito?!

            Felizmente, porém, o plano de Deus é bem outro, como se há de ver pela explicação dada por Jesus a um doutor da lei.

            Este lhe perguntara: “Mestre, que devo fazer paro entrar na posse da vida eterna?”

            Como se vê, pergunta direta, sem rodeios, exigindo resposta específica.

            Então Jesus lhe diz: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento. Este é o máximo e o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás a teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos depende toda a Lei e os Profetas. Faze isso, e viverás.”  (Mat. 22: 34-40; Mar. 12: 28-34; Luc. 10: 25-28. )

            “AMA O TEU PRÓXIMO, E VIVERÁS” -  eis, na palavra do Cristo, a que se reduz o problema da salvação das almas.

            Desgraçadamente, porém, apesar da simplicidade da fórmula, nem todos conseguem acertar de pronto a equação, porque... ignoram quem é o seu próximo.

            Valha a esses a parábola do bom samaritano (Luc. 10: 29-37), com que Jesus, no colóquio mantido com aquele mesmo doutor da lei, elucida lhe o que significa ser o próximo de alguém.

            “O mandamento que vos dou é este: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei.” (João, 15 :12), tornaria a dizer, mais tarde, o Divino Mestre, reafirmando, assim, ser “o amor ao próximo” a síntese do Evangelho do Reino.

            E, como que a rematar toda a sua doutrinação nesse sentido, eis em que termos instrui seus discípulos acerca das recompensas e penas futuras:

            “Quando o Filho do homem vier em sua majestade, acompanhado de todos os anjos, assentar-se-á sobre o trono de sua glória, e, estando todas as nações reunidas perante Ele, separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas das cabras, e colocará as ovelhas à sua direita, e as cabras à sua esquerda. Então dirá o rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, e tomai posse do reino que vos foi preparado desde o começo do mundo; pois que tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; fui hóspede e me recolhestes; ,estive nu e me cobriste; estive enfermo e me visitastes; estive preso e me foste ver. Responder-Ihe-ão os justos: Senhor, quando foi que te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? E quando te vimos hóspede e te recolhemos, ou nu, e te vestimos, enfermo ou preso e te fomos visitar? O rei lhes responderá: Na verdade vos digo, todas as vezes que fizestes isso a um dos meus mais pequeninos irmãos, foi a mim que o fizestes. Depois dirá aos que estiverem à sua esquerda: Retirai-vos de mim, malditos: ide para o fogo eterno, que foi preparado para o diabo e para os seus anjos; porque tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber; fui hóspede e não me recolhestes; estive nu e não me cobristes; estive enfermo e preso, e não me visitastes. E eles lhe responderão também: Senhor, quando foi que te vimos com fome, com sede, hóspede, nu, enfermo ou preso, e deixámos de te assistir? Ele, porém, lhes responderá, dizendo: Na verdade vos digo, todas as vezes que deixastes  de prestar essa assistência a qualquer desses pequenos, deixastes de a prestar a mim próprio. E então irão esses para o suplício eterno, e os justos para a vida eterna.” (Mateus 25:31-46. )

            Ponhamos atenção no quadro que Jesus nos apresenta sobre o juízo final.

            Qual o objeto das inquirições e o fundamento da sentença? Versa matéria de fé? Estabelece alguma distinção entre o que crê de um modo e o que crê de outro?
           
            Absolutamente!

            O juiz indaga apenas uma coisa: se a caridade foi praticada ou não. E pronuncia-se, dizendo: “Vós que assististes os vossos irmãos, passai à direita, e vós outros que fostes duros ou indiferentes, passai à esquerda.”

            Portanto, é a prática do bem, ainda uma vez, apontada por Jesus como condição única e indispensável para a conquista do reino dos céus.            .

            Nem poderia ser de outra forma, pois, se “Deus é Amor”, só os que sabem amar poderão apreciar-Lhe a inefável companhia.

A Verdadeira Religião - Parte 2
Rodolfo Caligaris
Reformador (FEB) Julho 1970



Parte 3

            Os discípulos de Jesus, que mais de perto o acompanharam, como teriam entendido a doutrina do Mestre?

            É o que veremos a seguir.

            Invoquemos, inicialmente, a palavra de Simão Pedro :

            “Como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em todas as ações, porque escrito está: santos sereis, porque eu sou santo. E se invocais como Pai aquele que, sem acepção de pessoas, julga segundo a obra de cada um, vivei em temor durante o tempo de vossa peregrinação, fazendo puras as vossas almas na obediência da caridade, no amor da irmandade, com sincero coração amai-vos intensamente uns aos outros.” (Pedro, I, capítulo 1:15-17,22.)

            “Antes de todas as coisas, tende entre vós, mutuamente, uma constante caridade, porque a caridade cobre a multidão dos pecados”, e posto que “apenas os justos se salvarão, encomendai vossas almas ao Criador, fazendo boas obras.” (Idem, 4 :8, 18-19.)

            Magnífica exortação! Como resplende, aqui, a luz do vero Cristianismo!

            Fulgor maior, porém, é o que se irradia da segunda epístola desse grande apóstolo, quando diz, divinamente inspirado (1 :5-11) :

            “Ajuntai à vossa fé a virtude, e à virtude a ciência, e à ciência a temperança, e à temperança a paciência, e à paciência a piedade, e à piedade o amor de vossos irmãos, e ao amor de vossos irmãos a caridade. Porque, se estas coisas se acharem e abundarem em vós, elas não vos deixarão vazios nem infrutuosos no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo. O que não tem prontas estas coisas é cego e anda apalpando com a mão, esquecido da purificação dos seus pecados antigos; portanto, irmãos, ponde cada vez maior cuidado em fazerdes certa a vossa vocação e eleição por meio das boas obras, porque, fazendo isto, não pecareis jamais, e vos será dada abertamente a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.”

            Acrescentar a esses textos de admirável clareza quaisquer palavras nossas, no intuito de ressaltar lhes a significação, o abono à tese que vimos expondo, seria um menoscabo à inteligência do leitor. Vamos, pois, adiante, ouvindo agora outra coluna mestra do colégio apostólico: Tiago.

            Diz ele (1 :22, 25-27): “Sede fazedores da palavra (de Deus), e não ouvidores tão somente, enganando-vos a vós mesmos. O que persevera na lei perfeita, sendo, não ouvinte esquecediço, mas fazedor de obra, este será bem-aventurado no seu feito. Se algum, pois, cuida que tem religião, não refreando a sua língua, mas seduzindo o seu coração, a sua religião é vã. A religião pura e sem mácula, aos olhos de Deus e nosso Pai, consiste nisto: em visitar os órfãos e as viúvas em suas aflições, e em cada um conservar-se isento das corrupções deste mundo.”

            Não há como torcer o sentido desta citação. Aos olhos dos homens, a religião pode ser apontada como um conjunto de artigos de fé formulados arbitrariamente por uns senhores chamados teólogos, pode ser confundida com exterioridades ritualísticas, mas, “aos olhos de Deus”, a religião pura e imaculada, a religião que eleva, a religião que salva, é a Religião do Bem, pregada e exemplificada pelo Cristo!

            É visitar e socorrer os órfãos e as viúvas (símbolo de todos os fracos, desamparados e sofredores) em suas necessidades e aflições, e conservar-se a si mesmo isento das corrupções deste mundo. É, em suma, caridade para com o próximo e esforço diuturno visando à libertação de todos os erros e vícios mundanos!

            Acrescenta ainda o iluminado Tiago... (2: 14-16, 24,26):

            “Que aproveitará, irmãos meus, a um que diz que tem fé, se não tem obras? Acaso a fé poderá salvá-lo ?

            “Se um irmão ou uma irmã estiverem nus, e lhes faltar o alimento cotidiano, e lhes disser algum de vós: Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos; e não lhes derdes o que hão de mister para o corpo, de que lhes aproveitará?

            “Não vedes como pelas obras é justificado o homem, e não pela fé somente? Do mesmo modo que um corpo sem espírito é morto, assim também A FÉ SEM OBRAS É MORTA.”

            “É pelos frutos que se conhece a árvore”, ensinara Jesus.

            Como pode alguém, pois, provar a sua fé, se não demonstra amor ao próximo, se não pratica o bem, se não exercita a caridade?

A Verdadeira Religião - Parte 3
Rodolfo Caligaris
Reformador (FEB) Agosto 1970



Parte 4

            Fazendo coro com Pedro e Tiago, João, o discípulo cuja fidelidade ao Mestre todos reconhecem e proclamam, dá-nos o testemunho de como lhe interpretou a pregação, dizendo: “Esta é a doutrina que tendes ouvido desde o princípio: que vos ameis uns aos outros. Aquele que não ama permanece na morte.” (I  ep., 3:11,14.)

            E, todo ternura, acrescenta:

            “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque a caridade vem de Deus. E todo o que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é caridade. Se algum disser, pois: Eu amo a Deus e aborrecer a seu irmão, é um mentiroso. Porque aquele que não ama a seu irmão a quem vê, como pode amar a Deus, a quem não vê?” (Id., 4:7, 8, 20, 21.)

            Seu pensamento, evidenciado nesses excertos, é que a doutrina de Jesus pode resumir-se em uma única palavra: Amor! E, de fato, assim é porque todas as virtudes, todas as boas qualidades do coração: a benevolência, a doçura, a humildade, a justiça, a tolerância, a piedade, etc., sem exceção de uma só, são filhas do Amor.

            Paulo, o convertido de Damasco, tornado o mais valoroso vexilário da fé cristã, demonstrando também perfeita compreensão dos ensinos do Cristo, assim se manifesta, em 1ª epístola aos coríntios:

            “Ainda quando eu falasse todas as línguas dos homens e a língua dos próprios anjos, se não tiver caridade, serei como o bronze que soa ou um címbalo que retine; ainda quando tivesse o dom de profecia, que penetrasse todos os mistérios e tivesse perfeita ciência de todas as coisas; ainda quando tivesse toda a fé possível, até ao ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade nada sou. E, quando houvesse distribuído os meus bens para alimentar os pobres e houvesse entregado meu corpo para ser queimado, se não tivesse caridade, tudo isso de nada me serviria. Agora, permanecem estas três virtudes: a Fé, a Esperança e a Caridade; porém, a maior delas é a Caridade.” (13 :1-3, 13.)

            Particularidade interessante. Os partidários da salvação pela fé, sem o concurso das boas obras, socorrem-se com frequência de textos paulinos, em defesa de seu credo. No entanto, é tal a convicção do apóstolo dos gentios quanto à necessidade delas, que afirma: “Ainda quando tivesse toda fé possível, até ao ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, nada sou. Dentre estas três virtudes: a Fé, a Esperança e a Caridade) A MAIOR É A CARIDADE”. Coloca, pois, explicitamente, a Caridade acima da Fé e da Esperança.

            Inúmeras outras vezes, usou ele de frases incisivas, inequívocas, em que reafirma o valor das boas obras e ratifica sua solene afirmativa sobre a suprema excelência da caridade. Eis aqui algumas passagens:          . .

            Aos colossenses exorta: “Sede misericordiosos, benignos, humildes, modestos, pacientes, sofrendo-vos e perdoando-vos mutuamente, como o Senhor vos perdoou a todos, e, sobre tudo isto revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição.” (3 :12-14.)

            A Timóteo, declara: “O fim do preceito é a caridade nascida de um coração puro, e de uma boa consciência e de uma fé não fingida.” (I, 1:5.) E mais: ”Toda a escritura, divinamente inspirada, é útil para ensinar, para repreender para corrigir, para instruir na Justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, estando preparado para toda a boa obra.”
(lI, 3 :16-17. )

            Aos hebreus, aconselha: “Não vos esqueçais de fazer bem, e de repartir dos vossos bens com os outros, porque com tais oferendas é que Deus se dá por obrigado.” (13 :16. )

            Aos gálatas, recomenda: “Servi-vos uns aos outros pela caridade do espírito, porque toda a lei se encerra neste só preceito: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.” (5: 13-14 )

            Aos romanos, assevera: “Aquele que ama o próximo tem cumprido a lei. Porque estes mandamentos de Deus: não cometerás adultério não matarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, não cobiçarás, e se há algum outro, todos eles vêm a resumir-se nesta palavra: Amarás a teu próximo como a ti mesmo. O amor  do próximo não obra mal. Logo, a caridade e o cumprimento da lei.(13 :8-10.)

            Reparemos bem no alcance desse conceito de São Paulo. “A caridade é o cumprimento da lei” diz ele. Consequentemente, não praticá-la, quando se possa fazê-lo, é descumprir a lei, e, ipso-facto, incorrer nas penas reservadas aos infrutuosos.

            Lógico, pois não?

            O Espiritismo assim há entendido essa verdade fundamental e por isso é que proclama: “FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO”.  Sim, porque a caridade (amor) está ao alcance de todos: do sábio e do ignorante, do rico e do pobre, do jovem e do ancião, e independe de qualquer crença particular.        

            Com tal máxima, consagra os princípios da liberdade de consciência e de igualdade perante Deus revelando-se, portanto, essencialmente conforme aos ensinamentos do Cristo e à moral evangélica.


A Verdadeira Religião - Parte 4
Rodolfo Caligaris
Reformador (FEB) Setembro 1970