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quarta-feira, 31 de julho de 2019

Valores Morais

Vinícius


Valores morais
por Vinícius (Pedro de Camargo)
Reformador (FEB) Janeiro 1951

Conta Lucas que uma grande multidão acompanhava o Mestre. Voltando-se para ela, disse o Senhor: Se alguém vier a mim e não aborrecer pai, mãe, mulher, filhos e irmãos, e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. E também, qualquer que não trouxer a sua cruz não pode seguir-me.

Aborrecer a parentela toda, pode parecer expressão demasiadamente dura. O evangelista Mateus faz luz sobre o caso empregando a seguinte variante: aquele que ama o pai ou a mãe mais do que a mim, não é digno de mim, etc.

Querer mais: eis a questão posta em seus verdadeiros termos. Aqueles que colocam os interesses da carne e do sangue acima dos valores espirituais, não podem pertencer à escola do divino Verbo. Não terão ali o que fazer nem o que aprender, visto como o objetivo do Rabi da Galileia é precisamente educar os homens, desenvolvendo lhes os poderes anímicos a fim de elevá-los acima da esfera animal, a que ainda pertencem.

Em tal se resume a sua missão redentora. Proferindo a assertiva em apreço, jamais pretendeu subestimar a importância da família, célula que é da sociedade. Deu-lhe, antes, subido relevo, tomando essa instituição como ponto de referência para reportar-se ao que transcende a todos os valores terrenos e humanos: o amor, o respeito e a veneração a Deus, mediante o culto da Verdade, da Justiça, do Bem e do Belo.

*

A organização da família através dos liames frágeis e perecíveis da carne é o meio de conduzir os homens à consumação da família espiritual, cujos componentes estarão ligados pelos laços indissolúveis do afeto mútuo, das afinidades eletivas e da compreensão e assimilação das leis universais que regem os destinos dos sóis, dos mundos e dos seres. "Minha mãe, meus irmãos e minhas irmãs, são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática".

Não há união que permaneça fora da verdade. Aquelas que existem sem este requisito são de caráter provisório. Aos primeiros embates da verdade, os que se acham no erro, se dividem. Mais tarde, já esclarecidos, a verdade os irmanará para sempre. Uns vão primeiro, outros depois, porém todos atingirão a verdade para se tomarem livres. Jesus é a Verdade.

O Mestre nasceu no seio de um povo visceralmente regionalista, sectário, saturado de preconceito racial até a medula dos ossos. Os dois hemisférios denominavam-se: Judeus e Gentios.

O conceito de Divindade era, a seu turno, particularista. Veneravam o Deus de Abraão, Isaac e Jacó.

Nada obstante, o Messias encarnava a fé universalista por excelência, anunciando o reino do espírito que paira sobre todos os sistemas separatistas em expressão de raça, pátria, nacionalidades e credos. Daí a razão por que, até hoje,
Judá. não lhe reconheceu o messianato e continua repudiando a sua moral.

Como, porém, a palavra do Profeta de Nazaré é de vida eterna, os fatos vão ratificando os enunciados e as disciplinas de sua escola. O velho mundo agoniza. Debalde buscam sustê-lo em seus fundamentos. Todas as organizações inspiradas no materialismo egoísta estão irremediavelmente condenadas. O Conservantismo, nos setores político, social, econômico e religioso debate-se nos seus últimos estertores. A época é dos reformistas. A liderança caberá ao NOVO Mundo. É a hora da América. Em seu solo bendito não medra o racismo irredutível. O sangue que circula nas artérias de seus filhos é cosmopolita. A Nova Era que vai surgir, emerge do Espírito. O regime de César, fundado no prestígio da matéria, será, em breve, substituído pela escola espiritualista inspirada nos valores morais.

Quanto à maneira pela qual se operará essa transmutação, depende dos homens.

O Centro Espírita



O Centro Espírita
Emmanuel por Chico Xavier
Reformador (FEB) Janeiro 1951

O Centro de Espiritismo Evangélico, por mais humilde, é sempre um santuário de renovação mental na direção da vida superior.

Nenhum de nós que serve, embora com a simples presença, a uma instituição dessa natureza, deve esquecer a dignidade do encargo recebido e a elevação do sacerdócio que nos cabe.

Nesse sentido, é sempre lastimável duvidar da essência divina da nossa tarefa.

O ensejo de conhecer, iluminar, contribuir, criar e auxiliar, que uma organização nesses moldes nos faculta, procede invariavelmente de algum ato de amor ou de alguma sementeira de simpatia que nosso espírito ainda não burilado deixou a distância, no pretérito escuro que até agora não resgatamos de todo.

Um centro espírita é uma escola onde podemos aprender a ensinar, plantar o bem e recolher lhe as graças, aprimorar-nos e aperfeiçoar os outros, na senda eterna.

Quando se abrem as portas de um templo espírita-cristão ou de um santuário doméstico, dedicado ao culto do Evangelho, uma luz divina acende-se nas trevas da ignorância humana e através dos raios benfazejos desse astro de fraternidade e conhecimento, que brilha para o bem da comunidade, os homens que dele se avizinham, ainda que não desejem, caminham, sem perceber, para a vida melhor. 

terça-feira, 30 de julho de 2019

A Igreja sem Deus



A Igreja sem Deus
por Carlos Wagner
Reformador (FEB) Dezembro 1925

“E Maria deu a luz o seu filho primogênito, envolveu-o em panos e o deitou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria.” (Lucas II,7)

Aí vem o dia de Natal. Reavivemos as nossas recordações antigas e refresquemos as velhas tradições. Quiséramos que todos vos sentissem envolvidos em alguma coisa de muito suave, de muito íntimo; que, no presente, tão difícil e sombrio para alguns, os vossos corações sentissem que dentro lhes renasciam claridades de outrora, recordações da infância e da juventude, reflexos do belo tempo em que a família estava completa, em que, pequeninos, todos saltáveis nos joelhos dos vossos avós. Por um momento gozareis do misterioso encanto de vos tornardes crianças.
             
Quiséramos que ainda possuísseis a faculdade de assimilar os cânticos do
Natal, o entusiasmo dos pastores e toda a beleza de que a alma humana cercou o berço do Cristo!

Poderíamos, então, graças a essas impressões, organizar uma espécie de comunhão muda, que a todos nós confortaria. Entre o Passado e o Presente, estabeleceríamos uma corrente de simpatia e de solidariedade; pelo sagrado laço da lembrança e pelo culto das relíquias da alma, as coisas antigas se juntariam à vida atual.

            Pedir-vos-íamos demasiado esforço se em seguida vos convidássemos, a medir a distância que separa os Natais da história, gloriosamente constelados, da data desconhecida, do dia obscuro em que nasceu o Menino!

            Há um mundo entre as belezas tradicionais, a legenda do ouro cujas portas se abrem sobre maravilhosas paisagens; entre o que, da festa de Natal, fez a humanidade piedosa, com seus cânticos e orações, e o que foi a verdadeira noite, nos campos de Belém. Essa antítese deve fazer vos compreender melhor o Natal, melhor aprender os pontos de vista e melhor apreciar os fatos.

Na história, o Evangelho se mostra agora com uma força imensa. Caminhou e engrandeceu caminhando. O colossal desdobramento da potencialidade do Espírito se acresceu, em cada etapa, de tudo o que as gerações juntaram ao patrimônio de seus antepassados. O entusiasmo pejo Divino, o vigor da esperança, os esplendores da Fé lhe formaram luminosa auréola. Mas, no princípio, nenhum nimbo exterior havia. Nada para os olhos da carne; apenas invisível esplendor e realidades da alma. Belezas da lembrança, claridades gloriosas, perfumes do amor, piedoso entusiasmo, profundos cânticos dos séculos, tudo isso só mais tarde nasceu da irradiação emanada do Filho do homem e foi reenviado ao seu foco de origem pela humanidade reconhecida, do mesmo modo, do mesmo modo que, da terra adornada de suas vestes primaveris, as flores enviam seus sorrisos ao sol que as faz desabrochar e que primeiro as amou.

Somos dos que se conservam mudos no concerto universal. Mas julgamos salutar a rememoração da pobreza dos começos.

Prosternamo-nos em adoração, no silêncio dessa noite em que tantas sombras humanas envolviam tanta beleza divina. Que é o que divisamos nela? Um pobre casal a errar pelas ruas de uma cidade invadida por excessiva população. Uma moça a procurar em vão um canto onde repousasse a cabeça, exatamente quando lhe soara a hora de ser mãe.  

            Disse mais tarde o Cristo que o reino de Deus não vinha por meio de manifestações ostensivas. Nunca será demais recordá-lo. Habituados a considerar os fatos históricos, não na sua simplicidade frustra, mas num abrasamento de luzes, onde se concentram todas as cintilações do sonho, da lenda e toda a decoração dos acontecimentos posteriores, muito nos arriscamos a introduzir nos nossos Espíritos necessidades de encenação e a tornarmos incapazes de apreciar fatos não ornamentados. Com semelhante deformação do juízo, classificamo-nos, no domínio espiritual, entre os que têm olhos para não ver e ouvidos para não o ouvir.

Todas as grandes coisas começam humildemente. Se puderdes, apagai de
de quando em vez as cintilações para melhor dos verdes, do mesmo modo que no teatro se apagam as luzes, para melhor ser vista acena.  

Sob um céu estrelado, numa noite calma, numa época em que se passam fatos políticos cuja lembrança a história entendeu que devia assinalar, um fato minúsculo e de importância nula se produz. Nasce um menino. Somente seu pai e sua mãe, gente que se refugiara num estábulo com ele se ocupam. E este significativo esclarecimento se nos dá:

Não havia lugar para eles na hospedaria! Aí temos o de que precisamos sempre lembrar-nos, porquanto esse fato é simbólico.  

As ideias, em sua origem, dormem ao relento; carecem de abrigo, de casa. Não se instalam em lugares que hajam adquirido! São suspeitas de vagabundagem, visto não terem papéis, nem domicílio conhecido. A humanidade está organizada de maneira tal que, na hospedaria que em cada idade caracteriza a sociedade contemporânea, todas as necessárias precauções se tomam, para que as novas ideias, os sentimentos novos não possam entrar livremente. Vigilantes guardas os detêm no limiar. Foi sempre assim e assim será sempre!  

Os séculos passaram. O menino, que por berço teve apenas a manjedoura de
um estábulo, se tornou homem e homem dos mais triunfantes. Não havia lugar para ele na hospedaria, hoje é dono, não só de uma hospedaria, mas de inúmeras sucursais pelo mundo em fora! Sua grandeza tem guardas e de fausto real é cercada a sua glória. Fazem-no avançar por entre uma extraordinária hierarquia, a fim de melhor lhe medirem a altitude, marcando os degraus que se tem de subir a ele. Fizeram-no tão grande, tão rico, tão suntuoso, que os pobres e os pequenos às vezes já não o reconhecem!

Não pensei nos outros, neste momento, vós que me ouvis; não penseis em igrejas de pompas exteriores, pensai em vós mesmos. As hospedarias de que falo não precisam de ornar-se com magnificência. Elas podem ser edificadas exclusivamente sobre conceitos e dogmas! Em certos sistemas teológicos, hospedarias puramente intelectuais, o Cristo é uma abstração a que se chega através por outras abstrações! Noutras, ele não é um dogma, nem uma realeza com um reino solidamente fundado neste mundo, um reino que combate e até mata, para viver e conservar o seu prestígio; mas é Deus coroado de potestade, vivendo em meio de tais magnificências que toda púrpura e todo ouro visíveis não são mais que pálido reflexo da sua Majestade. Deus se fizera homem: o homem fez dele novamente um Deus; ele viera até nós, recambiamo-lo para sua casa.

Volvo agora à noite de Belém, à manjedoura, ao menino em quem Deus visitou a nossa miséria. Volvo a Jesus de Nazaré em sua simplicidade, em seu amor, em sua sede de clemência e de sacrifício, àquele em quem Deus vivia, e proponho a mim mesmo esta questão: Na maravilhosa hospedaria a que hoje seu nome, sua figura e sua cruz servem de emblema, haveria lugar para Ele? Digo – para Ele, o verdadeiro, não para sua imagem, para suas pálidas cópias desta, para suas caricaturas?


Essa questão me enche de tristeza e de angústia. Muito ruído se há feito em torno do que, com ira e desdém, se chamou: a escola sem Deus. Porém, que contraste bem mais horrendo, que juízo terrível não enfeixaríamos na concisão de uma fórmula, se fôramos obrigados a confessar que bem poderia haver uma igreja sem Deus, uma religião sem Deus.

Não nos deixemos equivocar pela forma estranha e paradoxal de semelhante proposição. Atentemos nas realidades: Deus é uma realidade, a realidade suprema. Não poderá dar-se que dessa realidade, se nos descuidarmos, apenas a aparência permaneça nos nossos cultos e na nossa vida? Faz muito tempo já que o Profeta disse: Este povo me honra com os lábios; seu coração, porém, está longe de mim.  

Ora, se o coração está longe de Deus, não será fatal aconteça que os próprios nomes sob que o designamos caiam na categoria de conchas vazias? Fórmulas sagradas, tradições, ritos que o costume perpetua, esvaziam-se do seu conteúdo. Pronunciam-se as mesmas palavras e fazem-se os mesmos gestos que no tempo em que essas fórmulas eram perfumadas de espírito e quentes de vida. No entanto, apenas se venera um ídolo estranho, que se acomoda com as nossas mediocridades e a nossa injustiça.

Façamos o nosso exame de consciência. De caminho, seremos esclarecidos pela tão melancólica quão sugestiva explicação: “Não havia lugar para eles na estrebaria.” Poderá acontecer que haja uma igreja organizada, ou uma religião individual, onde não existe lugar para Deus? Que é o que nos poderia dar a conhecer esse fato inaudito? – Oh! é muito simples, de uma simplicidade terrível e sem réplica.

Na hospedaria de Belém não havia lugar “para eles”. – Porque? Por que o pobre casal de Nazaré não tinha dinheiro ou, pelo menos, não tinha bastante para pagar aposentos de preço sem dúvida elevado. Não há casos em que, se não tiverdes dinheiro, não haverás para vós igreja? Casos tais se verifica, não somente onde a religião, com o seu pessoal, suas instituições, seus meios de obter graça, constitui uma espécie de mercadoria de alto preço, mas também onde quer que não se tenham em conta os humildes, onde estes são desprezados.

Ora, os humildes podem sofrer desprezo mesmo no seio de uma religião que só tenha por moldura paredes nuas. O orgulho mais sutil é o que toma os exteriores da humildade. O orgulho mundano e o orgulho espiritual são uma das pestes dos meios religiosos. Podem coexistir, mesmo sob as aparências da mais ampla caridade. Muitas há que nunca compreenderam que todos somos irmãos em Deus. Admitem-no em teoria: na prática, porém, nada lhes parece mais descabido, nem mais contrário à distinção.  

O lugar de Deus, numa religião, é o lugar da verdadeira fraternidade. Mas, para esse Deus, único verdadeiro, justo é que se declare que não há lugar na hospedaria, dentro de uma religião que repele, despreza, classifica desdenhosamente os humildes.

Também dizemos que Deus é o Deus de Verdade, que ama os corações retos, as palavras sinceras que não vão além e não ficam aquém das convicções e dos sentimentos; que, como manifestação religiosa aprecia sobretudo o que traduza lealmente o santuário íntimo de cada um. Por isso, onde está o Seu Espírito, está o respeito às consciências, a preocupação da dignidade, da liberdade, da integração da alma de cada um.

Porém, se nivelais os corações e os pensamentos; se aquele que não pensa simetricamente com as vossas fórmulas convencionais, é tratado de pária; se excluis o Mestre na pessoa daqueles de seus discípulos que o compreendem de maneira diferente da vossa, então a liberdade está banida e excomungada a fé espontânea; o constrangimento e a convenção exterior substituem a inspiração; a unidade fictícia se sobrepõe à unanimidade profunda. E Deus, onde está? – Aí já não há lugar para Ele.

O Deus de verdade também ama, entre todos os homens, aos pesquisadores, aos pioneiros, prontos a despender grandes esforços para chegarem a ver mais claro no seio da maravilhosa e misteriosa criação divina. Ama neles o espírito de sacrifício, a intrépida coragem. Em suma, é ele quem os suscita e guia, ainda quando lhe não deem nome algum. Ama-os, porque, valorosos, se espoem a desconhecidos mares, para descobrir realidades novas. Não se engana o que imagina que Ele se lhe associa à caravana, que com eles partilha as dores e das esperanças e dorme ao ar livre sobre o duro chão, enquanto procuram as pátrias longínquas e constroem a cidade futura.

Entretanto, se uma Igreja proclama possuir a Verdade e, além de já não pesquisar, desanima os pesquisadores, essa Igreja exclui os pioneiros do porvir; se se entrincheira e calafeta num conservantismo acanhado de interesses e de ideias, pretendendo encerrar o Universo nos limites do que ela ensina por sua conta, que faz do Deus da Verdade ilimitada, transbordante, sempre nova, do Deus que quer que o homem avance, se santifique, progrida, corrija sua obra e repare o mal secular!

Para esse Deus, não há lugar nessa hospedaria correta, que pretende conduzir e guiar a todo mundo, sem nada aprender de ninguém. Ela ultraja e repele os amigos e servidores desse Deus, repelindo-o, portanto, a ele próprio. Desde os donos até aos despenseiros e cozinheiros, todo o pessoal da casa se acha perfeitamente acorde, como se fora um só homem, para recusar o pão e o sal a quem quer que lhes não pertença à seita.

            Que há então de surpreendente em que tantos estabelecimentos oficiais da religião se achem baldos de todo cunho divino? Deus mudou-se. Não o busqueis nesses lugares fechados e cobertos, onde ressoam amortecidos passos, vozes abafadas, onde acabam de vegetar anêmicas flores de uma estéril piedade. Ele não está aí; está fora, lá na amplidão, onde sopram os grandes ventos, lá onde sussurram as brisas da montanha, onde quer que batam corações valorosos, onde quer que lutem bravos, ao longo dos caminhos ainda não palmilhados.

*

E vós que me ouvis, tendes religião? Que lugar ocupa, na vossa religião, a manjedoura de Belém, o Evangelho de simplicidade, de pobreza, de verdade, que os pastores proclamavam e os anjos cantavam? Que lugar ocupa no vosso coração o essencial?

Tendes livros de devoção? Tendes, com certeza, hábitos e mesmo ideias religiosas e, quiçá, um sistema para explicar o mundo. Em tudo isso, que fazeis do Indispensável, daquilo que é o Necessário? O Espírito, que confia em Deus, conserva-se junto de seu próximo, arrepende-se do mal, e se associa a todas as reparações. Sereis ricos de tudo e pobres somente de Deus? Tereis olhos para vê-lo, quando Ele passa?

Todos os dias, em todas as épocas, Deus passa, anônimo, por nós. Estranho às demonstrações oficiais, em que seu nome é levado ostensivamente em farândula (aglomeração de baderneiros), particular predileção tem Ele pelo incógnito. Tem, sem dúvida, seu modo especial de fazer-se adivinhar; porém, que se abram bem os olhos, para reconhece-lo. Tomai cuidado em não o repelirdes, quando se vos apresentar sob uma forma que ainda não vistes. As formas do divino são infinitas, como o próprio Deus; a todo momento surgem novas e, por vezes, onde ninguém o esperava.

            Em Belém, onde havia muita gente e rumor, nada se passou que não fosse efêmero. Na sombra, num recanto ignorado, num estábulo, é que nasceu a criança que trazia em si o sinal divino.

Pode acontecer que, também ao nosso derredor, haja muita gente, muito ruído, mesmo cânticos e preces, e que Deus aí não esteja, enquanto que na solidão passe ao nosso lado, sem que nem sequer suspeitemos que Ele lá está!

            Sucede frequentemente a Deus, ao Cristo, ao Evangelho, o que ocorre com o amor em certas famílias. No começo das Uniões, extrema simplicidade reina nos testemunhos ostensivos do Amor. Dá-se uma flor ou um beijo e isso baixa à felicidade, porque o menor sinal de afeto, quando verdadeiro, tem grandíssimo valor. Mas os corações, não raro, esfriam e gradativamente se desunem. Dia vem, afinal, em que o Amor deixa de existir. Quer-se, porém, conservar a aparência de que ele ainda existe. Reforçam-se, então, as demonstrações; os ramalhetes se tornam mais luxuosos; oferecem-se joias, uma carruagem e se os recursos o permitem, um palacete na cidade e uma bela casa de campo.

            Contudo, para aquele dos dois que se manteve fiel, tudo isso é tristeza, são testemunhos de nada, flores sobre uma tumba.

            O que assim acontece ao sentimento mais delicado do coração humano, com o qual nos engrandecemos ou amesquinhamos, vivemos e morremos, acontece também ao amor a Deus. Ao iniciarem-se os movimentos religiosos, há mais calor íntimo e menos atenção para com as exterioridades. Pelo só fato de amá-lo, tem-se Deus nas mãos, nos lábios, nos olhos, no coração. Raras são as palavras, nulas as pompas, mas a força interior é inexaurível: a ideia do verdadeiro Deus é torrente d’água viva que jorra dos corações.

Retornemos a essas belezas ocultas!

Aí está o Nata! O dia do Nascimento! Em todos os Aniversários, a grande questão se formula: porque vim ao mundo? Se não viveis de maneira que valha a pena terdes vindo, o do nascimento se torna de tristeza e de marasmo.

No Natal, dia do nascimento do Salvador, obscuro princípio do Evangelho, lembremo-nos da razão de ser da religião.

Que Deus nos conceda a graça de sermos severos para conosco mesmos e nos esclareça sobre os verdadeiros bens. Que de nós se não possa dizer, nem das nossas organizações, desse “Lar da Alma” e da nossa religião pessoal, que são belas hospedarias, donde, no entanto, Deus está ausente, porque longe dele se acham os nossos corações, porque a nossa vida é contrária à sua vontade e porque nas nossas casas, construídas de egoísmo, de desprezo ao próximo, de impureza e de iniquidade, não há lugar para o seu espírito.


segunda-feira, 29 de julho de 2019

Inspiração - 5



Inspirações – 5
por Angel Aquarod
Reformador (FEB) Junho 1923

A IMPACIÊNCIA

O Espiritismo não pode ver-se livre de descontentes, entre os seus adeptos. Não é isto uma exceção para ele, visto que em nenhuma escola deixam de medrar os criadores de obstáculos à sua boa marcha.

O Espiritismo não podia ter o privilégio de estar dispensado de tais adeptos, pois que às suas fileiras acodem espíritos cheios de todas as idiossincrasias, entre os quais se acham os impacientes, a quem nada satisfaz e que nunca aprovam o critério meditado e previsor dos que não se conformam com o deles, no sentido de levar sua atuação além do que permite o natural desenvolvimento de uma ideia.

Quantos desenganos sofrerão esses espíritos inovadores, que militam no campo espírita, semelhantes em tudo ao moto-contínuo e que quereriam que todos os seus confrades atendessem ao compasso que eles marcam! Inovadores, querem, não obstante, ajustar ao seu o critério alheio, moldando-o pelo de que dão mostras.

São geralmente espíritos noviços na ideia, ou espíritos precipitados que, sem medirem distâncias, nem volumes, sem terem em conta premissas indispensáveis, nem a ação das inteligências que intervêm, com uma penada ou um discurso pretendem deixar solucionados todos os intrincados problemas que se prendem à implantação de um ideal, como o ideal espírita, no mundo. Quem quer que reflita no transcendental papel que o Espiritismo há de desempenhar na transformação social do futuro, já iniciada, compreenderá que, sendo o assunto tão profundo e tão sério, não é coisa de precipitar-se.

Um mal passo, um passo em falso, em tarefa semelhante, pode acarretar decênios de estacionamento. Os espíritas militantes devem distinguir-se por sua ponderação, pelo conhecimento da doutrina em toda a sua extensão e ramificações, por saber discernir o que pode ser ou não aplicável, tanto ao indivíduo, como à sociedade; deve conhecer perfeitamente o estado psicológico de seus contemporâneos e muito melhor o de seus correligionários, bem como as possibilidades do ideal em todos os terrenos, os desenvolvimentos e aplicações de que é susceptível e, por conseguinte, a sua característica principal na ordem do desenvolvimento da doutrina, tanto moral como experimental e científica, que não admite entraves nem diques, à sua progressividade. Não é dogmático, porquanto sabe que a verdade o homem a recebe sucessiva e progressivamente, embora seus fundamentos sejam eternos; que, pois, sua manifestação pode variar ao infinito, diversificando-se notavelmente mesmo duas apenas de suas etapas evolutivas.

Por isso, não pode ser dogmático o Espiritismo, visto que, amanhã, devido ao maior desenvolvimento intelectual e espiritual dos homens, se lhe terão dilatado os horizontes, fazendo aparecer a mesma verdade de forma diferente.

Vede a anomalia que há nisto. Observai e notareis que os impacientes, os reformadores irrefletidos imputam aos que eles consideram impedidores do progresso da ideia e qualificam de retrógrados, de conservadores, de arcaicos, os estacionamentos que esta, segundo eles, sofre, acarretando com a devida responsabilidade de serem dogmatistas. Entretanto, eles que se blasonam de reformistas, que se dizem verdadeiros arautos do avanço espírita, se colocam em terreno de irredutíveis dogmatismos e, por conseguinte; se preparam para ser os conservadores, os impedidores de amanhã.

Todos os radicalismos imponderados, quando chegam a triunfar, se tornam tirânicos. E a tirania, que outra coisa é senão o dogmatismo intangível, formado pelo critério dos que pensam ter atingido o cume e que de lá se julgam no direito de dispor e impor?

Vede como os impacientes e reformadores do ideal espírita, sob a capa de liberalismo, manejam às mil maravilhas a crítica incisiva, não reconhecendo aos adeptos, nem aos núcleos de adeptos que não estejam talhados pelo seu padrão, o que quer que seja de bom. Deste modo, poderá conseguir-se estabelecer a fraternidade espirita? Conseguir-se-á isso, ferindo-se a consciência de confrades, no que tem de mais sagrado, não respeitando a reputação, nem os méritos, nem as condições especiais dos outros, nem os esforços e abnegações de que deem provas, só porque se encontram distanciados em partes essenciais, ou mesmo circunstanciais
do ideal?

Quanto terão que retificar os tais inovadores impacientes! São, com respeito ao Espiritismo, o que são esses políticos que querem reformar o mundo, sem ter para isso outro conhecimento além do que imaginaram e que, contra gregos e troianos, querem que se reconheça isso como a fórmula infalível para o caso, cabendo-lhes o direito de impô-la. E, para tanto, se grande é o poder de que dispõem, lançam mão de todos os recursos que a posição lhes proporciona. Porém, longe de conseguirem seus propósitos, cada vez mais se distanciam do que pretendiam.

É claro que quem, supondo dirigir-se para o oriente, por mal orientado, se encaminhou para ocidente, em vez de aproximar-se do seu ponto de mira, mais se afastou dele.

O mesmo sucederá aos espíritas que, descontentes sempre, desviados da realidade, quiserem dirigir a barca do Espiritismo pela rota que imaginaram ser a melhor para conseguir o pleno desenvolvimento e triunfo da ideia. Quanto mais avançarem pelo caminho que preferiram, mais se afastarão do porto da vitória.

Por conseguinte, não devem os espíritas precipitar-se em querer dar forma determinada a muitas concepções fundadas em seu ideal, porque este se acha no início do desenvolvimento que, progressivo como tem que ser, reserva muitas surpresas. Assim, o que se quiser fundar com caráter estável, quer se trate de princípios absolutos de certa natureza, quer de orientações, organização e instituições de caráter espírita, poderia vir a ser, no futuro, um obstáculo talvez intransponível, que entorpecesse consideravelmente a marcha regular da evolução do Espiritismo, no mundo.

Presentemente, não cabe firmar princípios, de modo formal, com caráter absoluto. Deve-se deixar em todos alguma coisa por onde possam abrir passagem os futuros desenvolvimentos naturais que neles existem latentes.

E se, a respeito de princípios e doutrina, assim estamos: se assim estamos também na ordem experimental e científica, que não será no que respeita à organização?

Fujam os espíritas de tudo o que pretenda ser definitivo e conformem-se com ir evolucionando no passo que lhes permita o regular desenvolvimento do ideal, pondo mais empenho em estudar-se a si próprios, corrigir-se das próprias imperfeições e emendar desacertos, em adquirir virtudes e praticá-las, do que em marcar rotas uniformes para todos,
em condenar a quem segue outros rumos, em anatematizar os que lhes pareçam retrógados, pois que tudo isso é ação negativa, que leva precisamente ao lado oposto daquele para onde quereriam dirigir seus olhares.

Reflexão, respeito mútuo, serenidade e senso é o principal, para quem milite no Espiritismo em lugar de destaque. E ao adepto, que não se ache nestas condições, melhor será que se retire, para adquirir as qualidades que as proporcionam, porque, do contrário, será sempre elemento mais nocivo do que benéfico na ação desenvolvente das energias espíritas e não preparará para si bom futuro, uma vez que o que tenha feito hoje mal, depois terá que empregar em desfaze-lo um tempo precioso, que lhe podia facultar enorme progresso, se dedicado fora a cultivar a sua espiritualidade.

A impaciência conduz à violência e ambas ao fracasso. Nunca sejam impacientes os espíritas que quiserem triunfar, nem violentos, e poderão contar a vitória segura.


domingo, 28 de julho de 2019

Domínio material e domínio espiritual



Domínio material e domínio espiritual
Emmanuel por Porto Carrero Neto
Reformador (FEB) Janeiro 1951

Amigo: a paz do Senhor esteja contigo e com todos. No momento em que debatam forças em ataques violentos, na luta duma sobrevivência difícil, uma vez que poucos entendem o que seja a Vida, precisamos entrar em maior contato com os terrícolas, abrindo-lhes os olhos para que seus corações também se descerrem às Verdades Eternas e recebam o Orvalho que o Senhor lhes envia.

Preparemo-nos para grandes lutas, maiores talvez do que as antigas. Em todos os tempos os homens se combateram pelo predomínio material. Não lhes bastou, no entanto, essa regência material, essa conquista de terras, que haveriam de proporcionar-lhes o necessário e o supérfluo. Esse domínio material sempre o acompanhava esse outro, muito maior, que é o espiritual. E hoje essas forças se levantam, cada vez com maior ousadia, fingindo uma soberania  espiritual, no terreno das ideias, para disfarçar o trono material por trás dos bastidores.

Neste particular, todavia, encontram-se homens ainda nas trevas da matéria, submetidos às mesmas regras do mundo material, que é bem diferente do espiritual. Não se podem transplantar conceitos e leis dum terreno paro outro. Não se constrói uma sociedade como se erguem edifícios; não se governam os espíritos pela mesma soma de dinheiro com que se assalariam servos, que nada mais tenham que fazer senão obedecer; e ainda nessa obediência, fala o interesse material, que visa o imediatismo das situações, tão mutáveis quanto os ventos que sopram, ora do norte, ora do sul.

lnfelizmente o conforto material só chamou o homem ao bem terreno, naquilo que mais escraviza o espírito. Além desse conforto nada ou quase nada veem os próprios dirigentes, incapazes de prometer a seus concidadãos - pelos quais de certo modo respondem - a paz no trabalho frutífero, mas - por ironia - trazendo-lhes o desassossego, a ânsia da ambição, a cegueira do haver passageiro, consumindo-lhes a alma com o fogo da intemperança, em vez de acender lhes no coração a lâmpada da renúncia, do serviço a bem de todos, da conquista de si mesmos.

Não há agora senão relembrar-lhes, com energia mais viva, a maior lição da História no capitulo do serviço que visa ponto mais alto que o planeta da dor. Cada qual há de ter ouvido ou ter sido cientificado das lições do Cristo e de conhecer-lhe o exemplo admirável. Fazem-se, porém, surdos a essa voz que, como a de João,
clama no deserto.

Mudar-se-á a face da Terra ao Orvalho que vai pouco a pouco descendo. Cumpre-nos dar-vos a orientação para a conquista de vossos destinos e, por isto, estamos anunciando o trabalho que já está a caminho e que cada vez mais se desenvolverá para a transmudação do planeta.

Estejamos, pois, em posição de sentido, para obedece à voz do comando, Marcharemos sem temor para a frente, após a estagnação que há muito consome a Humanidade. Descerraremos o véu que empana o brilho do Sol da Vida e sentiremos, então, a pujança dessa Força Infinita que nos aguarda para nossa edificação definitiva.

Alerta, portanto, amigos!

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Caminhemos pela estrada estreita



Caminhemos pela estrada estreita
Sylvio Brito Soares
Reformador (FEB) Janeiro 1951

Os adeptos da Terceira Revelação podem ser classificados em duas categorias distintas: a dos que se limitam a tomar parte em trabalhos práticos, cuja magnificência os empolga, mas sem leva-los a qualquer modificação do ritmo vibratório de seus corações, e a dos que já passaram da fase do deslumbramento e da curiosidade para a da exemplificação. Estes são os que apreciam os diversos panoramas, através de um critério diferente do comumente seguido pela maioria, por compreenderem que a maldade e os vícios são frutos exclusivos da ignorância. Seu dever, portanto, é o de levar, aos que vivem em pecado, a luz da verdade. E o fazem sempre com brandura, com amor e discrição.

Praticar o Espiritismo pela palavra escrita ou falada é, sem sombra de dúvida, uma missão árdua, necessária e digna de encômios. O certo, porém, é que os ventos levam, com facilidade, as palavras orais e as traças destroem impiedosa e serenamente as que são lançadas ao papel.

O Espiritismo, quando escrito com a pena da sinceridade e sobre o pergaminho do exemplo, é palavra invulnerável aos vendavais dos interesses e do indiferentismo dos homens; palavra que as traças jamais conseguirão destruir, porque fala diretamente aos corações e, por isto, todos a entendem e não dá margem a interpretações dúbias e sofísticas.

O Batista certa vez enviou dois de seus discípulos a Jesus; a fim de que dele indagassem se Ele era realmente o Messias, o Cristo do Senhor! E qual foi a palavra do divino Mestre em resposta a essa inquirição? “Ide contar a João o que vistes e ouvistes: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, aos pobres anuncia-se lhes o Evangelho.”

O espírita teórico consome horas a fio no propósito de demonstrar a superioridade da Doutrina, alinha opiniões de homens sábios e santos, arma hábeis silogismos, põe em prova toda a sua erudição e inteligência, enfim, argumenta por “a” mais “b” que fora da Caridade não há salvação. Ao final de sua oração estrugem os aplausos, o entusiasmo eletriza as multidões, o orador é abraçado, felicitado e até apontado como grande apóstolo! E depois de todo esse verbalismo, os homens retomam aos lares, às lutas de cada dia e dizem: - palavras bonitas, nobres, sublimes mesmo, mas, na vida real quem as poderá pôr em prática, se longe estamos de ser um Cristo, um Paulo de Tarso, um Simão Pedro, um Estêvão? Será que esse orador, continuam eles dizendo, que tão inspiradamente evidenciou a necessidade de sermos bons, fraternos, humildes, corajosos diante dos sofrimentos: invulneráveis às influências do orgulho, da ambição e da vaidade não baqueará na hora da comprovação dessas lições grandiosas?

Quem, no entanto, prega com o exemplo, semeia a boa semente. Um simples gesto supera as mais exaustivas pregações!

           Falar é questão de exercício, de gosto pela leitura e de boa memória, mas executar o que se diz, em momento de entusiasmo oratório, é evidentemente coisa muito difícil. Tanto que é comum o dizer-se: faze o que eu digo e não o que eu faço.

Já Confúcio, esse extraordinário espírito que peregrinou pela Terra, mais ou menos no ano 500 antes de Jesus-Cristo, afirmava que “uma grande pobreza de ações encontra-se muitas vezes junto da opulência das palavras".

A palavra de Jesus era simples, concisa, branda, sem afetação, e essa palavra empolgava as multidões, tocava fundo os corações dos homens, chamando-os ao exercício da fé, ao trabalho da reforma moral, à prática do amor" E o milagre da sua palavra estava precisamente na maneira por que ele se conduzia, sempre em
plena concordância com seus ensinamentos.

Ele pregava a humildade, e foi a expressão máxima da humildade. Nasceu em uma manjedoura, aprendeu de José o ofício de carpinteiro, lavou os pés de seus discípulos, viveu sempre entre os pequeninos, os pobres, os enfermos do corpo e da alma. Pregava a necessidade de termos fé e confiança em Deus, e durante todo o seu missionato foi um exemplo edificante de fé n’Aquele que o enviou. No momento culminante da epopeia do Calvário bradou: Pai! em tuas mãos entrego meu espírito! Pregava o amor e por esse amor à Humanidade deixou-se imolar no madeiro infamante.

O espírita cristão só o é em verdade quando no lar, na oficina, na sociedade, enfim, em toda a parte e em todas as horas, prega a palavra - exemplo.

Em nossas reuniões é costume exaltarmos os ensinos de Jesus e, não obstante, crucificamo-lo diariamente no Gólgota das intransigências, das paixões sectaristas, do separativismo, enfim, crucificamo-lo com a nossa falta de amor ao próximo.

Eis porque os nossos amigos que já se encontram na Espiritualidade, e que, por isso mesmo, podem falar com autoridade e melhor transmitir as verdades divinas, dizem que a nossa “simplicidade solucionará problemas para muita gente", que a nossa “indiferença fará manifesta frieza nos outros”, que o nosso “desejo sincero de paz garantirá tranquilidade no caminho”.

E em nossa lembrança viverão sempre as admiráveis palavras de Emmanuel, esse Espírito que tanta luz tem espargido sobre nós: “Todos podem transmitir recados espirituais; mas para imantar corações em Jesus-Cristo é indispensável sejamos fiéis servidores do bem, trazendo o cérebro repleto da inspiração superior e o coração inflamado na fé viva”.

Jesus, ao instruir seus discípulos a respeito da maneira segura de eles se conduzirem no mundo, disse: que jamais tomassem o caminho largo por onde anda toda a gente, levada pelos interesses fáceis e inferiores; mas que buscassem a estrada escabrosa e estreita dos sacrifícios pelo bem de todos. Disse-lhe, também:
que se ninguém os recebesse, nem desejasse ouvir-lhe as instruções, que se retirassem, sacudindo antes o pó das sandálias, isto é, sem conservarem nenhum rancor e nem se contaminarem da alheia iniquidade.

Caminhemos nós, espíritas, pela estrada estreita do exemplo edificante, sem nos preocuparmos com as pedras que os ignorantes possam atirar-nos. Que o nosso revidar seja sempre e sempre o da piedade e do amor, e que intimamente os perdoemos, pois que ontem também vivêramos, como eles, em completo desconhecimento da lei grandiosa do Amor!

Iniciemos, com o surgir do Novo Ano, a nossa caminhada decisiva, através da estrada escabrosa e estreita dos sacrifícios pelo bem de todos, esquecidos completamente das riquezas do mundo, para rogarmos, apenas, farta messe de trabalho produtivo e muito ânimo para executá-la!


Os Mortos



Os Mortos
por Abílio de Carvalho
Reformador (FEB) Janeiro 1951

A vida é o estado de atividade da substância organizada e a morte, disse Metchnikof, “a cessação definitiva de todos os fenômenos da vida, em cada uma das células do organismo".

A morte, chamada por Lucrécio a importuna, despertou nos homens a ideia religiosa de uma outra existência.

Desde a mais alta antiguidade, acreditou-se que o morto não estava ali, na cova, mas tinha descido ao inferno ou subido ao céu.

Todas as crenças celebram o culto dos mortos. A vida do espírito é eterna.

Somente os materialistas pensam que ela acaba no fim desta jornada.

Para os espiritualistas a morte é apenas “uma passagem escura, entre uma luz efêmera e outra luz que não morre”.

Nenhum ser vivo foge a esta fatalidade.

Um filósofo grego, ao ser condenado à morte por ter dito que o Sol era maior do que o Peloponeso voltou-se para os juízes e lhes disse: “Esta sentença há muito foi proferida pela natureza contra mim e contra vós".

“O vocábulo genérico morte diz precisamente: cessação da vida e aplica-se, sem distinção de nenhum gênero ou classe, a todos os seres animados e aos em que consideramos vida. Morre o rei, morre o sapateiro, morre o cavalo, morre o anoso carvalho. Passamento e trânsito dão uma ideia de imortalidade e representam a alma saindo do envoltório mortal e passando à melhor vida.

Falecimento exprime o ato de fazer falta, acabando; não tem a particularidade de passamento e trânsito, mas só se aplica, como eles, unicamente, ao homem.

Morte aplica-se a velhos e moços; falecimento, diz-se, com mais propriedade, dos velhos.

Passamento representa particularmente as agonias e desmaios mortais que experimenta o corpo, quando a alma dele se separa na hora da morte. Trânsito é termo consagrado para designar a morte suave dos justos; por isso se diz o trânsito dos pios, o trânsito da S. S. Virgem. Morte admite a ideia de violência, de afronta; passamento, trânsito e falecimento só indicam um efeito natural.” (Eduardo de Faria - – Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2ª edição, Lisboa, 1852).

Documentos antigos usaram a expressão – faleceu nesta vida. A noiva de um dos degradados que Cabral aqui deixou, disse o cronista, recolheu-se a um convento e mais tarde esmoreceu em três dias, rezando e acabando.  

A morte e os mortos foram sempre objetos de lendas, poesias, artes e homenagens.

‘Asa, rei de Israel, teve uma veementíssima dor nos pés. Não recorreu ao Senhor porque tinha posto sua confiança na ciência dos Medas.

“Adormeceu com seus pais e foi colocado no sepulcro que tinha mandado fazer para si, na cidade de David, e o puseram sobre o seu leito cheio de aromas e de unguentos meretrícios, que tinham sido compostos pela arte dos perfumadores e os queimaram sobre ele, com extraordinária pompa," (Paralipômenos, cap.16, vrs. 14).

A suposição de que o morto está dentro da cova levou os vivos à criação de túmulos artísticos. Artemísia, viúva do rei Mausalo, da Caria, mandou erigir em Halicarnasso um monumento riquíssimo que passou a ser uma das maravilhas do mundo. Daí a palavra mausoléu.

Os faraós do Egito eram enterrados com muitas riquezas e em Roma o túmulo do imperador Adriano é hoje o Castelo de Santo Ângelo.

No Hamlet, disse o príncipe histérico que é a morte o misterioso país, de cujas raias nenhum viajante ainda voltou.

Dante narrou o destino das almas, depois da morte, nessa obra extraordinária que é uma das produções mais sublimes que tem criado o espírito humano.

A dança macabra era uma roda infernal dançada por mortos de todas aa condições e idades, reis e vassalos, ricos e pobres, moços e velhos. Esta alegoria figurava a fatalidade que condena todos os homens à morte.

A crença em Deus é universal, mas, não obstante, há teófobos que têm horror à divindade. Eles serão infelizes.

O homem sempre se inclinou para o miraculoso e para o místico e disto vem todo o sentimento religioso.

Como simples curiosidade, daremos aqui a opinião de um homem que, de acordo com a sua doutrina, tinha como certo o conhecimento de Deus, revelado pela natureza e a elevação do espírito até à união com a divindade.

Na Ciência dos Sacramentos, disse Carlos Leadbeater que “a morte não é mais um mistério". O mundo além do túmulo existe sob as mesmas leis naturais, como aquele que nós conhecemos.

Ele tem sido explorado e examinado com exatidão científica. Qualquer um objetará talvez que isto não é senão uma asserção, mas nós lhe perguntaremos sobre que fundamentos repousa a sua crença atual, qualquer que ela seja?

Essas coisas que nos tocam de tão perto e tão profundamente são muito importantes para ser subordinadas a simples suposições ou a uma vaga crença; elas pedem a certeza de investigações e tabulações científicas.

Estas têm sido feitas. Nós temos ouvido dizer vagamente que o homem possui alguma coisa de imortal, chamada alma, que sobrevive à morte do corpo. O corpo não é o homem; é apenas a vestimenta do homem. O que chamamos morte não é senão o abandono dessa vestimenta usada. Nós não perdemos nossos amigos mortos; perdemos de vista a vestimenta sob a qual tínhamos o costume de vê-los.

A vestimenta desapareceu, mas não aquele que trajava. Nós somos seres imortais porque somos de essência divina. Vivemos muitas vezes ante de ter vestido essa roupa a que chamamos corpo e viveremos ainda outras vezes depois que esses corpos tenham desfeito em pó. Isto não é uma suposição ou uma crença piedosa: é um fato científico definido, que se pode provar a quem queira dar-se ao trabalho de consultar a literatura a respeito. O que os homens pensam ser sua vida não é, em verdade, senão um dia unicamente de sua existência real, como alma.

Nós temos um corpo físico e visível e um corpo oculto chamado por S. Paulo corpo espiritual.

Muitas teorias tem tido curso relativo à vida depois da morte, baseadas em concepções errôneas das antigas Escrituras O horrível dogma das penas eternas era quase universalmente admitido: hoje só os ignorantes podem aceitá-lo. Este dogma era baseado num erro de tradução de certas palavras atribuídas ao Cristo e os frades da Idade o conservaram como motivo de terror para impressionar as massas ignorantes. Tal dogma não era unicamente blasfemo mas ainda ridículo.

As pessoas que compreendem que Deus é amor e que seu Universo governado por sábias leis eternas, começaram a crer que essas leis devem ser obedecidas no mundo de além, tanto quanto neste.

Os tempos cegos da fé estão passados: estamos numa era de conhecimentos científicos e não podemos aceitar ideias que não se apoiam sobre a razão e o bom senso. Não há nenhum motivo para não se empregarem métodos científicos para elucidar problemas que outrora foram deixados inteiramente à religião; tais métodos têm realmente sido aplicados pela Sociedade de Pesquisas Psíquicas, pela Sociedade Teosófica e por investigadores individuais, entre os quais encontramos homens de ciência, bem conhecidos. Querer ignorar o resultado de tais investigações será loucura, pois ainda que certos pesquisadores tenham ido mais longe que outros, há muitos fatos gerais, sobre os quais todos estão de acordo. Nós mesmo participamos desses trabalhos.

Somo espíritos e vivemos num mundo material, mundo que parcialmente conhecemos. Todas as informações que recebemos nos chegam por intermédio dos nossos sentidos, mas esses sentidos são imperfeitos. Vemos os objetos sólidos; podemos ver habitualmente os líquidos, a menos que não sejam perfeitamente claros, mas na maioria dos casos os gases são invisíveis para nós. As pesquisas demonstram que existem outros estados da matéria muito mais sutis que os mais raros gases, mas nossos sentidos físicos não podem percebê-los. Todavia podemos entrar em contato com eles por meio desse corpo espiritual, ao qual fizemos alusão, pois ele tem os seus os seus sentidos inteiramente como o nosso corpo físico. Nosso mundo é mais maravilhoso do que poderíamos supor. Embora os homens tenham vivido milhares de anos, o maior número deles ficou inteiramente desconhecedor da mais alta e mais bela parte da vida.

A morte não é o fim da vida, mas unicamente a passagem de um período da vida.

O corpo físico serve ao espírito de meio de comunicação com o mundo físico. Sem esse corpo como instrumento seríamos incapazes de comunicação com esse mundo, de penetrar nele e recebermos impressões.  

O corpo espiritual serve exatamente ao mesmo fim: age como intermediário para o espírito no mundo espiritual. Esse mundo espiritual não é algo de vago, longínquo, inacessível: é simplesmente uma esfera mais alta do mundo que nós habitamos agora.

Os processos da Natureza são admiráveis. Há numerosas e Importantes variações nessa vida espiritual, que é quase sempre mais feliz que a vida terrestre. O defunto não salta, repentinamente num céu impossível nem cai num inferno ainda mais impossível. Não existe inferno, senão o que o homem criou para si próprio.

A morte não traz nenhuma mudança no homem; ele não se torna subitamente um grande santo ou um anjo, não passa a possuir a sabedoria dos séculos. A única diferença reside no fato de ele ter perdido seu corpo físico, na libertação absoluta das possibilidades da dor ou da fadiga; libertação também de todos os deveres penosos, liberdade inteira de de fazer exatamente o que quiser.

Nesse mundo espiritual, a beleza é oferecida a todos os seus habitantes. Nessa matéria rarefeita, no corpo espiritual, o homem pode mover-se segundo a sua vontade Se ama as belas paisagens da floresta, do mar e do céu, pode visitar à vontade os mais belos cantos da Terra; se ama as belas artes pode passar o tempo na contemplação das obras-primas de todos os grandes homens; se é músico pode
Ir às principais orquestras do mundo ou passar seu tempo a ouvir os mais célebres artistas, se os seus atos na vida terrena lhe granjearam esses direitos.

Todos os homens normais e honestos são infinitamente mais felizes depois da morte, que antes, pois tem todo o tempo necessário não somente para gozar mas ainda para progredir realmente de maneira satisfatória, nas coisas que mais os interessam.

Não há então nesse mundo quem seja infeliz?

- A vida lá é necessariamente uma consequência desta e o homem é de toda a forma o mesmo que era antes de deixar seu corpo. Se os seus prazeres neste mundo eram baixos e grosseiros, ele se achará incapaz, no outro, de satisfazer os seus desejos. Um ébrio sofrerá uma sede inextinguível, não tendo mais um corpo para apaziguá-la; o glutão recordará os prazeres da mesa; o avarento não encontrará mais o ouro em que mergulhe as mãos. O homem que sucumbiu durante a sua vida terrestre a indignas paixões, tê-las-á sempre devorando suas entranhas. O sensual fremirá de desejos insatisfatórios; o ciumento será sempre torturado pelo seu ciúme e tanto mais quando não pode intervir junto ao objeto da sua paixão.

Tais personagens sofrem indubitavelmente, mas aqueles somente, cujos pendores e paixões foram grosseiros na sua natureza. Eles devem refrear suas
Inclinações e serão imediatamente libertados dos sofrimentos que tais desejos arrastam consigo. O castigo não existe; não há senão o efeito natural de uma causa definida.

Há um segundo modo e mais alto degrau da vida depois da morte, o que corresponde muito de perto a uma concepção racional do céu. Esse plano só é  
atingido quando todos os desejos baixos ou egoísticos desaparecerem totalmente, pois o homem passa a um condição de êxtase religioso ou de alta atividade intelectual, segundo a sua natureza e a energia despendida pela sua vocação durante a vida terrena. Poder-se-ia inquirir se essa boa atitude dura eternamente.
           
- Não, pois ela é o resultado da vida terrestre e uma causa finita não pode produzir um resultado infinito.

Toda a vida evolui; a evolução é a lei de Deus.

O que se chama vida não é senão um dia da verdadeira e mais longa vida. 

Para muitos, esses ensinamentos parecerão novidades ou estranhos ou grotescos, mas podem ser provados e tem sido verificados muitas vezes.

            A dor pela morte dos nossos parentes, embora humana, é um erro e um mal, que nós devemos vencer.

Não há motivo de sofrer por eles, que passaram para uma vida muito mais ampla e feliz.

Choramos por uma ilusão, pois na verdade não estamos separados deles. Um atitude de luta é uma atitude desleal, devido à ignorância. Se o choramos, se cedemos à tristeza e ao abatimento, projetamos fora de nós mesmos uma espessa nuvem que tolda sua felicidade. Quanto mais tivermos conhecimentos, mais teremos confiança, pois sentiremos que nossos mortos e nós estamos igualmente entre as mãos da potência perfeita, da sabedoria perfeita, dirigidas pelo perfeito amor.”

A Crença procede das verdades reveladas, o que constituí a fé.

O autor afirma ter encontrado motivos evidentes no campo da investigação.

 A fé constitui a atmosfera moral em que vivemos. Disse Bordaloue que os homens nunca serão inteiramente infelizes se tiverem fé, esperança e caridade.

Na Oração aos Moços (1921), há um trecho de Rui Barbosa, que faz pensar no que estaria no seu íntimo, quanto às relações entre esses dois mundos.

Ei-Io:

“A maior de quantas distâncias logre a imaginação conceber, é a da morte; e nem esta separa entre si os que a terrível afastadora de homens arrebatou aos braços uns dos outros. Quantas vezes não entrevemos, nesse fundo obscuro e remotíssimo, uma imagem cara? Quantas vezes não a vemos assomar nos longes da saudade, sorridente, ou melancólica, alvoroçada, ou inquieta, severa, ou carinhosa, trazendo-nos o bálsamo, ou o conselho, a promessa, ou o desengano, a recompensa, ou o castigo, o aviso da fatalidade, ou os presságios de bom agouro? Quantas nos não vem conversar, afável e tranquila, ou pressurosa e sobressaltada, com o afago das mãos, a doçura na boca, a meiguice no semblante, o pensamento na fronte, límpida ou carregada, e lhe saímos do contato, ora seguros e robustecidos, ora transidos de cuidado e pesadume, ora cheios de novas inspirações e clamando, para a vida, novos rumos? Quantas outras, não somos nós os que vamos chamar esses leais companheiros de além-túmulo e com eles renovar a prática interrompida ou instar com ele por um alvitre, em vão buscando uma palavra, um movimento do rosto, um gesto, uma réstea de luz, um traço do que por lá se sabe e aqui se ignora?”
Ext. do ‘Jornal do Comércio' de 22-10-1950