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Mas não é unicamente no ponto de
vista fisiológico, de si mesmo secundário, que importa considerar a duração da
vida humana. Se se lhe quer encontrar a verdadeira razão determinante, não é no
conjunto dos elementos físiobiológicos que para tal concorrem, nem em qualquer
deles isolado, que se há de procurar, senão transpondo tal linha divisória entre
a observação positiva, ou científica, e a indagação filosófica, de índole
particularmente espiritualista. E ver-se-á então que aquele fato, como ao
demais todos os fatos do universo, está subordinado antes de tudo a razões de
ordem espiritual.
Atraído a esta esfera de sofrimento,
de experiência e de progresso, traz realmente o espírito consigo um certo número
de compromissos ou encargos, uma tarefa, em suma, para cujo desempenho
necessita de um determinado prazo de existência. A esse prazo, regulado pela
soma dos compromissos em questão, é que se tem de ajustar as condições de
resistência vital do organismo, cuja durabilidade tem assim um limite máximo,
que não poderá ser ultrapassado, mas que - assinalemos de passagem - raramente
é atingido, porque em geral, pouco se conformando com as sábias injunções da
lei natural, vivem as criaturas frequentemente a infringi-la.
Não é agora a ocasião de nos
referirmos aos excessos de todo gênero, assim de trabalho como de prazeres, a
que se entrega o homem e que, redundando num desordenado consumo de vitalidade,
concorrem para, comprometendo a saude, abreviar a existência, do mesmo modo que
nos limites deste capitulo já não cabe a indicação das regras de uma conduta
moral tendente a conjurar tais males, o que oportunamente será desenvolvido.
Baste por enquanto assinalarmos que, se em todas as coisas soubesse
conservar-se nos limites de uma justa moderação, utilizando criteriosamente as
suas energias físicas e jamais delas
abusando, lograria o homem não somente aureolar de serenidade o seu viver, subtraindo-o
ao tumulto das paixões que dentro em si desencadeia e o deprimem, como
prolongar, mas em tal caso unicamente, até aquele máximo limite natural a
peregrinação terrena, tornada assim completamente proveitosa.
Na ignorância, porém, em que
geralmente vive de sua verdadeira natureza e dos fins para que se encontra
neste mundo, à revelia de uma conveniente educação religiosa, ou – o que é pior
- na ausência de todo sentimento dessa natureza, o que acontece é converter-se
ele em joguete das mais desencontradas forças, desde as sugestões do meio aos,
em tal caso, irresistíveis arrastamentos do organismo.
É esta, e não das menores, a
primeira influência que, pelo fato da encarnação, padece o espírito. Ao mergulhar
na carne, com efeito, se entorpecem nodas as suas percepções e faculdades, não
bastando mesmo o desenvolvimento dos órgãos dos sentidos - exíguas frestas, ao
demais, por que lhe é possível comunicar com o mundo exterior - para que
readquiram a sua plena lucidez. Longe disso, à medida que se desenvolve o
corpo, dir-se-ia que os tentáculos de treva, com que constringe o espírito,
mais rijos se vão tornando e mais tenazes,
É verdade que com o desenvolvimento
orgânico, particularmente do cérebro e do sistema nervoso, sobretudo se o vêm
favorecer os benefícios da instrução, as faculdades intelectuais adquirem mais
completas possibilidades de manifestação. Não é contudo menos certo que, sacrificadas ,em
grande parte, aos cuidados do corpo e à preocupação do bem estar, como a
satisfação das necessidades materiais, elas se tornam um instrumento de
identificação do espírito com as coisas da matéria e, por conseguinte, com as
ilusões do mundo, fazendo-o perder de vista os cimos iluminados das aspirações
divinas, que dormem nas profundezas de toda criatura e constituem a ignorada
trama do seu maravilhoso mundo interior.
Exceção feita dos raros trabalhadores
fiéis do pensamento, absorvidos na cogitação dos grandes problemas da ciência,
da filosofia e da religião, que é o que realmente vemos em torno de nós, na
sociedade contemporânea, trabalhada pelas correntes do materialismo negativista,
senão a obsidente preocupação do sensualismo, sob todas as formas e com os
requintados estímulos de uma civilização falseada em seus fundamentos e desamparada de enobrecedores
ideais?
Geração de cegos, desvairados pela
miragem dos prazeres e subjugados pela preponderância tiranizadora dos
sentidos, verdadeiros Lásaros de espírito, a cujos ouvidos tarda em ressoar a
voz do Mestre, como há vinte séculos: "Levanta-te e caminha!" – nela encontra,
mais que nunca, uma demonstração palpável a afirmação, ao demais, de todos os
tempos evidente, contida no ensino da Revelação, quanto ao embaraço, que à livre
expansão, assim das divinas aspirações a que aludimos, como das mais nobres
faculdades do espírito, opõe o organismo, ali por isso comparado a um vidro
extremamente opaco, dificultando a emissão da luz (1).
(1) AIlan Kardec, O LIVRO DOS
ESPÍRITOS, nº 368, pág. 151.
E
não é apenas de um modo geral que se faz sentir essa obscurecedora influência; antes se particulariza no fenômeno da hereditariedade,
cientificamente demonstrada, em virtude da qual os caracteres físicos dos pais,
certas aptidões e predisposições orgânicas se transmitem aos descendentes, estabelecendo
por modo inconfundível a solidariedade da espécie e da família a dependência
inevitável de uns aos outros seres,
A esse fato, de observação comum, de
se parecerem os filhos com os pais, pretenderam contudo os fisiologistas,
filiados à escola do materialismo puro, ,atribuir exagerado alcance, ,dele fazendo
um argumento contra a existência e a independência do espírito no homem, fundando
sobretudo a sua teoria negativa em que tal semelhança não se limita geralmente
aos caracteres físicos, desde os traços fisionômicos a certas degenerências e anomalias
de uns a outros fielmente transmitdas, mas em muitos, frequentíssimos casos se
estende à capacidade intelectual como às qualidades, defeitos e atributos morais,
Pretenderam, numa palavra, baseados na
observação, asseverar que há uma hereditariedade fisiológica deste resultante.
Baseados na observação, dizemos em
testemunho da verdade, em nome da qual, todavia, acrescentaremos que fragmentária
e incompleta é essa observação, por não abranger os casos que em tão grande número,
por diametralmente opostos a essa regra, se insurgem contra o absolutismo de
semelhantes conclusões.
É certo que, de um modo geral, os
filhos parece reproduzirem a fisionomia moral dos pais, quer quanto a sentimentos
e inclinações, quer quanto a aptidões intelectuais e artísticas, quer
finalmente em relação aos hábitos e, mesmo, gestos e atitudes, nestes últimos,
todavia - observemos desde logo - podendo ser uma larga parte atribuída à imitação,
de um lado, e do outro à sugestão, resultante da prolongada convivência e, até certo ponto, da interpenetração
dos respectivos auras perispirituais.
A explicação, porém, daquele fato,
que não pode residir em meros incidentes
de natureza fisiológica, não é difícil de encontrar no princípio que nos faz
conhecer o Espiritismo e que, inscrito ao alto como uma das epígrafes terminais
deste capítulo, deve ser aqui reproduzido: a afinidade eletiva dos espíritos é
a lei que preside a constituição da família. Por outros termos: os espíritos se
atraem, assim para formar no espaço as grandes legiões, como para constituir os
núcleos domésticos na terra, em razão da similitude de sentimentos, predileções
e tendências que os distinguem e, conseguintemente, do grau de simpatia que uns
aos outros mutuamente inspiram.
Desse princípio é que resulta a
identidade de índole e de gênios tão comumente observada entre descendente e
ascendentes, e - cumpre acentuar - não unicamente em linha direta senão também colateral,
de tal modo que cada família, por assim dizer, uma fisionomia própria, determinada
pelo caráter predominante entre seus membros.
Longe contudo ficaríamos da verdade,
se pretendêssemos atribuir a esse fato o cunho de uma generalização e uniformidade, que de resto não
teriam para prestigia-las a sanção da experiência. Porque, ao contrário, o que
muitas vezes se observa é que ao lado daquelas semelhanças morais, que
indubitavelmente constituem a regra geral, os mais flagrantes antagonismos parece
tornarem estranhos entre si os membros de um mesmo tronco genealógico.
De uma família de pessoas
tradicionalmente honradas procede às vezes um indivíduo com tal perversão de índole
que nem conselhos e exemplos, nem corretivos e infortúnios logram sequer modificar,
tornando-se ele a vergonha dos progenitores.
Um pai ilustre - e a história
registra exemplos célebres - dá ao mundo filhos medíocres e, algumas vezes,
imbecis. Inversamente: de pais incultos e de apoucada inteligência nascem não
raro verdadeiros gênios.
Onde, porém, tais anomalias revestem
o cunho de positiva aberração é no caso das irredutíveis incompatibilidades,
que surgem e por toda a vida se obstinam, ora entre irmãos, ora entre filho e
pai, outras vezes - e dos mais pungentes, posto que raros, casos tais - entre
filhos e mãe, que inexplicável e secreta repulsa divorcIa.
Porque tão pouco se assemelham e até
profundamente divergem os indivíduos, nos primeiros exemplos aludidos, que representam
um desmentido formal à teoria materialista da hereditariedade psicológica, e
porque, no último caso, chegam mesmo a detestar-se criaturas que as leis do sangue, no dizer do
mundo, leis do espírito, porém, segundo o critério verdadeiro, deveriam identificar
na solidariedade de um mesmo afetuoso sentimento?
Aparentemente contraditórias da lei
de afinidade espiritual a que aludimos e que determina a composição da família,
mas de fato constituindo apenas exceções à generalidade dessa regra, tais
anomalias, entretanto, se tornarão imediatamente compreensíveis, se para aquele
resultado admitirmos a colaboração de outros fatores.
"O berço tem um ontem e o
sepulcro um amanhã" - disse inspirado escritor espanhol consubstanciando
numa poética alegoria a grande lei que preside à evolução da humanidade da aquela
outra, a que acabamos de a aludir, é subsidiaria.
Examinemos, pois, a vida humana sob
a Iuz esclarecedora desse enunciado, que no-la vai fazer melhor aprender na utilidade
de suas vicissitudes e na harmonia final a que os seus contrastes são providencialmente
encaminhados.
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