Desencarnação
Resultante da
orientação religiosa deficiente que situou a morte como ponte entre a vida
física e a sobrenatural) onde a Divina Justiça aguarda o Espírito para brindar-lhe
a paz ou a desdita) o conceito errôneo ensejou aos céticos anotações devastadoras,
tornando-a simples retorno ao pó donde se teria originado, portanto, ao aniquilamento.
Não obstante sua
remota antiguidade o culto dos mortos recebeu do hedonismo grego terrível reação, quando os usufrutuários do prazer situaram
os impositivos do existir simplesmente no ideal físico e estético da beleza e do
gozo com as decorrências imediatas da dissolução dos tecidos e das expressões
do pensamento.
Os estóicos, que
se Ihes opunham, esforçavam-se por colocar resistências ao pavor da morte, numa
tentativa de se evitarem a tristeza e a dor, mediante um fatalismo racionalista
com que se deve superá-las, através do esforço sobre humano para enfocar as
realidades do dia-a-dia, vivendo-se com valor cada hora no mundo material.
O Cristianismo
foi, na História, a mais eloquente mensagem de louvor à vida e à morte,
considerando-se que a ética vivida e ensinada por Jesus é toda vazada na "negação
do mundo material" para a afirmação de Deus e da vida espiritual. A sua
mensagem impele o homem ao entesouramento dos valores morais que não transitam
nem se perdem quando se decompõem as aparências orgânicas, permanecendo além-túmulo
como superiores recursos para a sobrevivência feliz. Além disso, o seu contato
com os chamados mortos, em contínua
convivência, suas horas de solidão com
Deus atestam a grandeza do princípio espiritual sobrepujando as limitações do
veículo carnal.
Como se não
bastassem as eloquentes comprovas de que se fez ímpar agente, retornou, ele
próprio, do além-túmulo, à presença de um sem-número de testemunhas, com elas
confabulando e convivendo com expressões de vitalidade incontestável ...
Em todos os
tempos ressumam os atestados imortalistas, no incessante intercâmbio entre as
duas esferas: a orgânica e a espiritual.
Mentes áridas e
atormentadas, no entanto, hão procurado sepultar no "nada" a glória
imortal. Não obstante o atavismo dessa negação, no inconsciente humano mantido
pela sistemática da descrença, jamais foi utilizada a expressão niilista sobre
a vida imortal nos incontáveis conúbios de que foram instrumento médiuns, santos
e apóstolos, afirmando sempre a sobrevivência... Em todos esses fenômenos paranormais, o
verbete Imortalidade superou o aniquilamento do ser, reafirmando a indestrutibilidade
do Espírito à decomposição dos tecidos carnais ...
**
Não há morte,
ninguém se equivoque.
Só há Vida, onde
quer que se detenha o pensamento.
Da decomposição
pestilencial da matéria surgem multiplicadas, complexas formas de vida.
Morre a lagarta
em histólise de desagregação para surgir a borboleta em histogênese admirável
...
Morre a semente
para libertar a planta ...
Morre o sêmen
para formar o corpo ...
Morre o corpo
para que se liberte o Espírito que dele se utiliza como de um veículo em romagem
purificadora.
Sem dúvida, a morte
constitui dor inominável quando arrebata o 'ser querido, retirando-o da
convivência e da ternura dos que o amam ... Possivelmente, é a dor moto
continuo de maior duração, graças ao apego e valor que se atribuem aos grilhões
carnais.
A ausência do
corpo não impede, porém, a presença do ser, desagregado na forma, não, todavia,
aniquilado na essência. Ninguém sobreviverá sine
die enquanto no ergástulo fisiológico.
Indispensável
considerar que a vida orgânica iniciada no ovo se dilui quando cessa a
circulação sanguínea por falta de oxigenação; todavia, a causa que aglutinou as moléculas e
as transformou prossegue, agora livre, continuando os rumos que deve vencer.
Ninguém é genitor ou filho, esposo ou
amigo afeiçoados por caprichos do acaso. Quando se rompem as argamassas não se
destroem os vínculos superiores que os precederam ao berço e os sucederão ao
túmulo.
Imperioso considerar, mediante reflexão
continuada, a problemática da morte, a fim de que a surpresa, decorrente da imantação
ao corpo físico não se transforme em rebeldia inútil ou exacerbação dissolvente.
Os seres amados recebem, onde se encontram
vivos após a morte, os dardos da revolta negativa para eles como as lembranças
afáveis do amor.
O pensamento é força vital gravitando
no Universo.
Imã poderoso mantém sua própria força
e atrai as ondas semelhantes que nele se fixam ou às quais se liga.
Assim, recorda os teus mortos com alegria
e ternura, mesmo que isto te pareça paradoxal.
A morte não visita apenas o teu lar.
Passa por todas as portas invariavelmente. Se amas, conforme dizes, atesta-o com
nobreza e não por meio da insensatez.
Uma memória que inspira desesperação,
realmente não foi útil nem nobre.
Somente o amor verdadeiro inspira ânimo
e confiança, alegria e esperança.
Coloca-te no lugar de quem partiu e considera
a forma como te sentirias se foras a causa do infortúnio da pessoa que, dizendo
amar-te, pensa em fugir, em vingar-se, em abandonar a vida ...
Refletirás melhor e transformarás a dor
em flores de alegria, guardando a certeza de que o amanhã fará o teu reencontro
com quem amas.
A vida sempre devolve conforme recebe.
Irisa o o céu da tua saudade com a luz da oração pelos teus amados imortais. E começa
a preparar-te para a vilegiatura que te alcançará logo mais... Rompe as algemas
da paixão, quebra as peias do egoísmo, organiza o programa de liberação das mágoas,
reflete nas dores e, quando chegar o teu momento, que nenhuma retentiva te
prenda na retaguarda ...
Vivendo está-se desencarnando a pouco
e pouco. O golpe final resulta de todos esses pequemos morreres, que lançam a alma
na realidade da consciência livre e indestrutível.
Desencarnar é desembaraçar-se da carne.
Morrer, literalmente, significa
cessar de viver.
Do ponto de vista espiritual, porém,
morte é vida e vida no corpo pode afigurar-se como morte transitória da liberdade
e da plenitude da lucidez.
Vive, pois, de tal forma que, advindo
a morte ou desencarnação, estejas livre e
prossigas
feliz.
Joanna de
Ângelis
(Página
psicografada pelo médium Divaldo P.
Franco,
na sessão
pública do Centro Espírita “Caminho da Redenção”,
na noite de 02-03-1974,
em Salvador, Bahia.)
Após,
publicada em ‘Reformador’
(FEB) em Nov-Dez 1974.
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