Quem dizeis vós
que Eu sou?
À pergunta que nos serve de epígrafe,
dirigida por Jesus aos seus discípulos, Pedro, iluminado pelas luzes do Alto,
assim responde: Tu és o Cristo, filho do Deus Vivo.
A despeito, porém, dessa clara e
concisa revelação, a cristandade, mal conduzida e orientada, faz da individualidade
do Mestre tema de controvérsias e, pior do que isso, pedra de tropeço e pomo de
discórdias.
Assim é que os credos estruturados
nos dogmas afirmam que Jesus é o próprio Deus criador, por isso que não é um
homem como os demais. Outros, descambam pelo extremo oposto, dizendo que Jesus,
não sendo Deus, logo é homem, na acepção comum a todos os filhos da carne e do
sangue.
Quer nos parecer que nenhum desses
enunciados se conforma com a realidade. Não sendo homem, logo é Deus. Não sendo
Deus, logo é homem - são falsas premissas que conduzem
naturalmente a falsa conclusão. Entre Deus e o homem não existirá, acaso, uma
série hierárquica de seres, como existe entre o homem e o verme? Entre essas
duas séries, qual será a maior? A que vai do verme ao homem é imensurável. A
que vai do homem a Deus é
infinita. Como, pois, estabelecer o ilogismo: Não é Deus, logo é homem; não é
homem, logo é Deus? Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Mais uma vez se
verifica o acerto do adágio: In media stat virtus. "Virtus",
no caso em apreço, equivale a "Veritas".
A cadeia da evolução é semelhante à
escada de Jacó, cujas extremidades se apoiavam, respectivamente, na Terra e no
espaço infinito. Os elos dessa corrente são como as areias do mar e as estrelas
do céu. Os animais se humanizam, os homens se divinizam. Vós sois deuses, rezam
as Escrituras. A marcha é contínua e progressiva. "Vede os lírios do
campo; não tecem nem fiam, mas, vestem-se com mais pompa que os áulicos de
Salomão." Vede as aves do céu. Elas não semeiam nem ceifam, não ajuntam em
celeiros; no entanto, vivem com alegria de viver, por isso que nada Ihes falta.
Toda a infinita criação está contida no pensamento amorável do Pai celestial
que tudo previu e proveu. Os reinos da natureza se entrelaçam e
se conjugam deslizando, suave e docemente, para a frente e para o alto.
Jesus, portanto, não é Deus nem é
homem. É filho do Deus Vivo, conforme foi revelado através da mediunidade do
velho pescador da Galiléia. Mas, objetarão: filhos de Deus são todos os homens.
Perdão. Os mortais, por enquanto, são filhos da carne e do sangue, sujeitos às
contingências do nascimento e da morte. "Quando, porém, forem julgados dignos
de alcançar a ressurreição dentre os mortos, não mais poderão morrer,
tornando-se iguais aos anjos e filhos de Deus, por serem filhos da
ressurreição."
A filiação de Jesus é divina como a
nossa também o é, com a diferença de que a do Senhor é exclusivamente divina,
enquanto que a nossa ainda é mista, isto é, somos filhos de Deus e filhos da
carne, por isso que desta ainda não logramos a derradeira e definitiva
ressurreição. A nossa esfera de atividades está dentro do ciclo correspondente
ao aforismo de Kardec: nascer, viver, morrer, renascer ainda, progredir sempre:
tal é a lei. "Vós sois daqui, eu não
sou daqui. Sou o pão que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente.
Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto,
viverá. Crês isto?"
Como sabemos que Jesus é super-homem
no rigoroso sentido da expressão? Não é só pela revelação, como também pelo
testemunho que ele deu mediante as obras que praticou diretamente em sua
passagem pelo mundo, obras essas que continua executando, indiretamente, através
dos mártires da fé, dos apóstolos da justiça e da liberdade e, finalmente, de
todos os que se batem pelo advento do reino de Deus na Terra.
por Vinícius (Pedro de Camargo)
in ‘Reformador’ (FEB) Agosto 1934
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