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sábado, 9 de maio de 2020

Não há efeito sem causa



Não há efeito sem causa
por Souza do Prado  
Reformador (FEB) Agosto 1943

            - Coitados! Imagine Você, que infelicidade! Morreu, ontem, um estivador, que eu conhecia, e deixou a mulher e dois filhinhos, um de seis, e outro de oito anos, na mais extrema miséria.

            Quem assim falava era o Loureiro, que acabava de chegar da rua, do serviço de cobrança, dirigindo-se ao guarda-livros, o Silva, que havia algum tempo ingressara no Espiritismo.

            - Ora, meu amigo - respondeu este último - não se aflija; ninguém faz falta, neste mundo. Nós só pagaremos o que devermos; e não me consta que seja crime dos filhos o fato de lhes morrerem os pais.

            - Não entendo!

            - É fácil de entender. Ha uma lei de causa e efeito, segundo a qual nada pode suceder sem uma causa determinada. De acordo com essa lei é que nós reencarnamos, para pagar as faltas cometidas em encarnações anteriores; e, pois, nada do que nos sucede neste mundo é obra do acaso ou da fatalidade, mas sim a consequência dos atos que tivermos praticado no passado. Não poderemos, portanto, sofrer, seja o que for, senão em consequência dos nossos próprios atos. Essas duas crianças, a que você se referiu, nada sofrerão, pois, pelo fato de lhes ter morrido o pai. Se praticaram faltas graves, terão que as pagar, e paga-las iam com o pai vivo ou morto; se as não praticaram, não irão sofrer somente pelo fato de o pai ter morrido.

            - Coisas... muito bonitas em teoria. Mas... o pior é que, na prática, não adiantam nada.

            - Não é bem isso, Loureiro. Você conhece, certamente, muitas crianças, órfãs de pai, a quem nada falta; e muitas outras que, com os pais vivos, se fartam de passar fome e privações de toda a espécie. Porque será que isso sucede?

            - Bom; eu não sei porque isso sucede. O que sei é que esses dois meninos, embora pobremente, iam vivendo; e, agora, que o pai lhes faltou, irão passar muita fome.

            - Pode ser que isso suceda, meu caro Loureiro. Não digo o contrário; somente afirmo que, se suceder, não será devido ao fato de o pai lhes ter morrido. A previdência dos homens nada vale, meu amigo. Por isso, diz a sabedoria popular que o homem põe e Deus dispõe. Você não conhece nenhum caso de pessoas, que pagaram prêmios de seguros, anos seguidos, sem que nada lhes tenha sucedido; mas que, tendo-se, atrasado, um dia, no pagamento do prêmio do seguro, a casa ardesse precisamente nesse momento? Não conhece? Pois, conheço eu. Já tive conhecimento de três casos desses. Eram pessoas que tinham que passar por essa provação e... passaram, a despeito de todas as previdências humanas.

            - Mas, Silva, isso é fatalismo! ...

            - Não; não é a certeza de que pagaremos tudo o que devermos, e de que não pagaremos nada que não devamos. O que temos a fazer é, naturalmente, lutar por todos os meios honestos para fugir ás provações; mas, se, a despeito disso, as não pudermos evitar, resignemo-nos, lembrando-nos de que estamos pagando o que fizemos e não o que qualquer outra pessoa faça ou tenha feito.

            Nesse momento, abriu-se a porta do escritório e o chefe da casa, o Sr. Maurice, entrando, dirigiu-se aos dois, que assim conversavam, perguntando-lhes:

            - Vocês, por acaso, conhecerão uma mulher honesta, que saiba cozinhar umas coisas simples - o trivial - e que quisesse ir para minha casa, para ficar tomando conta da minha garotinha, quando tenho que sair com minha mulher?

            - Conheço - informou imediatamente o Silva. Conheço uma, mas tem dois filhos ainda pequenos.

            - Tanto melhor - disse o Sr. Maurice. Eu me encarregarei da educação dos filhos e, assim, ela será mais dedicada.  

            - Então, o Silva, com a alma vibrando de emoção, voltou-se para o seu companheiro de trabalho, dizendo-lhe:

            - Loureiro, mande, amanhã mesmo à casa do Sr. Maurice, aquela senhora, viúva do seu amigo estivador...

*

            Oito dias depois, o Loureiro estava plenamente convencido de que o Silva tinha razão. O seu amigo estivador, morrendo, nada contribuíra para o sofrimento dos filhos. Até se tivesse contribuído, seria para o contrário. Daí em diante, os dois pequenos só andavam de automóvel; tinham brinquedos dos melhores e foram educados no Liceu Francês!           

            É claro que o Loureiro, embora impressionado com o caso, não deixava de afirmar que tudo aquilo sucedera por acaso... É natural. O pior cego é o que não quer ver.

            Nesta história, tudo é verdadeiro, até os nomes dos personagens.


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