Caridade
Espírito Amidah
pg. 277 Ano 1933 Reformador (FEB)
Que a paz de Deus esteja com todos. Que Jesus a todos abençoe. Bendito, mil vezes bendito, seja Aquele que permite nos reunamos, ainda agora, para o estudo da Verdade. Vamos, pois, estudar juntos uma velha lição, já repetidamente dada em todos os cantos da Terra, através de todas as religiões, e, no entanto, ainda tão mal conhecida pela humanidade, pelos núcleos religiosos, mesmo pelos estudantes da nova revelação.
Refiro-me à Caridade. Palavra nenhuma tem sido mais proferida do que essa. Na ideia que ela encerra, se têm inspirado artistas de todos os gêneros, poetas, pintores, escultores, bem como os pregadores das doutrinas religiosas. Entretanto, o sentido exato dessas sílabas ainda não foi perfeitamente apreendido.
Para a maioria (refiro-me, é claro, às religiões que nasceram da doutrina cristã), Caridade significa a dação da esmola; significa a assistência, mais ou menos espetaculosa, aos necessitados de todas as classes. Sob a invocação da Caridade, levam-se a efeito muitas obras que, afinal, mais não exprimem do que filantropia, nas quais é quase nula a percentagem do sentimento da verdadeira Caridade. Sob os auspícios de todos os credos, erguem-se, por toda parte, “casas de caridade”, instituições de caridade, hospitais de caridade. Porém, se uma análise sincera, desapaixonada, se fizer dessas instituições, chegar-se-á à conclusão, por certo dolorosa, de que a Caridade ficou quase na tabuleta da porta.
Caridade! A verdadeira Caridade não é nada disso que por aí se faz com esse nome. Quando muito, tais instituições e associações representam obediência instintiva ao princípio de solidariedade humana. De Caridade, porém, da lídima Caridade, na significação luminosa do vocábulo, pouco, pouquíssimo, elas produzem. Há também os que, em grande número, crêem, sinceramente, praticar a Caridade, porque dão, como esmola, as sobras da sua fartura. Há os que se dizem caridosos porque, de fato, atendem às necessidades alheias, mas imprimindo ao ato vaidosa divulgação, por meio de anúncio espetaculoso.
Entretanto, quão diversa de tudo isso, quão linda é, quanto eleva e dignifica a alma a prática da verdadeira Caridade! A que se reduz esta, se os que dirigem e mantêm as instituições, que se dizem de caridade, destinadas a acolher órfãos, a amparar cegos, a cuidar dos enfermos, enfim, a diminuir o sofrimento alheio, revelam nos seus atos a preocupação de ostentar valor individual, de conquistar a fama dos bondosos, ou mal dissimulam a ambição de comprar, pela prática do bem, a tranquilidade na outra vida? De que serve, a quem quer que seja, distribuir largamente, publicamente, as sobras de sua riqueza, se no seu coração não há o sentimento real da Bondade, a lhe inspirar a distribuição da esmola? Que vale, como demonstração de caridade, que, mesmo os que obedecem a uma orientação religiosa, dividam o pouco que possuam com os que têm menos do que eles, se, após a dádiva, se lamentam do sacrifício feito?
Nada disso, meus amigos, nada disso é Caridade. Caridade é dar, mas dar com a alma, com o coração, com sentimento vivo, não só com a moeda fria, não só o leito para o enfermo, não só o berço para o órfão, não só o pão para o faminto; é dar, com isso, um pouco de si mesmo; é ter palavras de alento e conforto, repassadas de amor, plenas de doçura, de sinceridade, de verdade, que são quase sempre a maior esmola que se pode oferecer aos que sofrem.
Caridade é tirar do próprio alimento, dos próprios recursos escassos, do conforto mínimo de que se goze, alguma coisa e dá-la com prazer, com satisfação interior, ainda que, como não raro acontece, o que receba possua mais do que aquele que dê. Esse que engana, que explora, que ilude, ao mesmo tempo que contrai pesada dívida para com a justiça divina, presta assinalado serviço à vítima de sua hipocrisia, porque faz ressaltar, aos olhos de deus, os nobres sentimentos que esta última aninha em sua alma.
Caridade! Praticar a Caridade é não ter pena de se despojar dos mínimos bens, em benefício dos que sofrem; mas, isso, com alegria íntima, com a doce sensação do dever cumprido, com a consoladora certeza de haver obedecido à vontade de deus. Muitas vezes, mais vale, para o sofredor, como para o que atende, uma palavra, um gesto, em pensamento. Bem poucos, no entanto, são os que compreendem assim a bondade, a caridade, como raros são os que compreendem que não precisam de caridade somente os pobrezinhos, os necessitados de tudo quanto o dinheiro pode proporcionar.
Ninguém há, por mais poderoso que seja na Terra, por mais avultadas que sejam as suas riquezas, que não tenha na vida vários momentos em que precise da esmola de um coração verdadeiramente bondoso. E quase nunca a esses esta esmola é feita, ou porque nenhum coração assim lhe aparece, ou porque os que existam não se atrevam a dá-la.
Em nome de Deus e de Jesus, o nosso divino Mestre, eu vos peço que procureis não perder ocasião propícia para serdes verdadeiramente caridosos. Que cada um olhe sempre em torno de si, lá fora, no tumultuar da vida, e jamais deixe escapar qualquer ensejo de ser útil, de ser caridoso, de ser Cristão.
Paz, em nome do Senhor.
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