Dramas do Além
por Hermínio C Miranda
Reformador (FEB) Fevereiro 1970
No seu livro “God bless the Devil”, Luís J. Rodrigues alude aos terríveis dramas que se desenrolam no mundo espiritual em trágicas estórias verídicas que nem a imaginação do romancista seria capaz de criar na ficção. A literatura espirita tem oferecido algumas dessas estórias, nas quais, presos por terríveis compromissos, tanto Espíritos atravessam varias encarnações sucessivas atormentando-se mutualmente até que se convençam de que a paz interior é alcançada através do amor e não do ódio e da vingança.
Às vezes nos é permitida a oportunidade de levantar uma ponta do véu que encobre um ou outro desses dramas, certamente para instrução nossa; para que compreendamos bem que o nosso futuro aqui na Terra ou no mundo espiritual depende do que fizermos no presente.
Não podemos fugir às nossas responsabilidades nem às consequências dos nossos atos.
A ‘Revista Espírita” de Novembro de 1862 traz um caso desses. Havia nos subterrâneos da Torre de São Miguel, em Bordéus, alguns cadáveres mumificados que pareciam estar naquela condição havia pelo menos dois séculos. Um deles chamava particularmente a atenção de todos. Era o de um homem e as contorções e o desespero que se imobilizaram no seu cadáver indicava o gênero de morte que o acometeu: fora enterrado vivo e sofrera a agonia do tumulo fechado sob a terra.
Em 9 de Agosto de 1862, os dirigentes do Centro Espírita Saint-Jean d’Angely procuram saber, dos orientadores desencarnados, se poderiam evocar o Espírito que animara aquele corpo retorcido. Ante a resposta afirmativa, foi feira a evocação, manifestando-se em Espirito que declarou chamar-se Guillaume Remone. Fora realmente enterrado vivo, em 1612, e estava preparando-se para renascer. Confessou-se autor da morte da esposa, por sufocação, no leito em que dormiam. O crime não fora punido pela lei humana, porque a morte da mulher foi dada como natural. Razão do crime: ciúme, pois o marido assassino surpreendera a companheira em falta. Falando sobre o transe da morte, diz o Espírito que, naquele momento, nada pensara. “Morri enraivecido, batendo nas paredes do caixão e querendo viver a todo custo”. Durante 15 a 18 dias ficara preso ao corpo físico. Depois de desprendido, viu-se “cercado de uma porção de Espíritos, como eu, cheios de dor, não ousando levantar para Deus o coração ainda ligado à Terra e desesperançado de receber perdão”. Fora um homem pobre, honesto e bem reputado pelos vizinhos, mas se deixara cegar pela paixão. No mundo espiritual revia o Espírito da esposa e, por mais que pretendesse fugir dela, estavam sempre face a face, torturando-se mutuamente.
Procurou-se, a seguir, trazer á reunião o Espírito da senhora Remone. Embora já encarnada, foi possível a sua manifestação enquanto seu corpo físico dormia. Vivia, então, uma nova existência, na cidade de Havana, em Cuba. Estava com 11 anos de idade e pertencia a uma família abastada que os Espíritos não permitiram fosse identificada. Lembrava-se da sua dramática vida na França. Também teria sua provação, pois fora culpada e da sua culpa nascera o assassínio. Na existência cubana, passaria pela aflição de perder a fortuna da família e ter uma paixão ilegítima e sem esperança “junto à miséria e a duros trabalhos”. Amaria um sacerdote ‘Sem esperança de correspondência.”
Por fim, compareceu também o Espírito do homem que arrastara a Sra. Remone ao adultério e o Sr. Remone ao assassínio. Era ainda um folgazão irresponsável, ao qual jamais ocorrera a ideia de repesar e reparar suas antigas faltas. Sabia que sua amante havia sido assassinada?
- Eu era um pouco egoísta e me ocupava mais de mim que dos outros. Quando soube de sua morte, chorei sinceramente, mas não procurei a causa.
Sua atividade no mundo espiritual se resumia em divertir-se pregando peças aos descuidados. Se nome: Jacques Noulin.
Sensibilizara-se, no entanto, ante os conselhos e sugestões do dirigente dos trabalhos, e, após uns dias de ausência e meditação, manifestou-se outra vez, com novas disposições e com a honesta intenção de regenerar-se. Confessou que, a despeito da fanfarronada, não se sentia feliz.
- Eu era muito infeliz. vejo-o agora. Mas eu me sentia feliz como todos aqueles que não olham para cima. Não pensava no futuro; era, quando na Terra, um ser despreocupado, não me dando ao trabalho de pensar seriamente. Como deploro a cegueira que me fez perder um tempo precioso!
Sabemos que muita gente acha simplesmente fantásticas, quando não ridículas, essas estórias. Não importa, pois também sabemos que nos restará o argumento final e irrespondível: todos nós morremos um dia. Para os que estudaram os ensinamentos dos Espíritos, o mundo póstumo não será um território desconhecido – será como um país que aprendemos a amar sem conhecer, de tanto ouvir falar nele e conversar com seus habitantes. Para aquele que não crê nem na sobrevivência do seu próprio Espírito ou que está envolvido em fantasias, a surpresa será grande e a readaptação lenta, penosa e difícil, pois é duro enfrentar uma realidade que nem por um momento jamais admitimos possível.
(Extraído do “Diário de Notícias”, de 2/3/1969.
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