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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

06 / 09 Textos do Centenário


Kardec
e a aristocracia intelecto-moral
por   Ismael Gomes Braga
in Reformador (FEB) Abril 1957

     Ao comemorarmos o primeiro Centenário da Codificação Kardequiana, muito natural é nos determos no primeiro livro de Allan Kardec sobre a Doutrina, pois que justamente este é que completa cem anos;  os outros vieram depois e ainda não são seculares neste momento; mas, por outro lado, ficaria deformada a Codificação mesma se não passasse do primeiro e não chegasse ao último dos livros do Mestre.

     Vamos, pois, neste número comemorativo de Reformador, colher e registrar pensamentos instrutivos que nos legou o Codificador no último de seus livros, Obras Póstumas, que encerra igualmente preciosos ensinamentos.

     Escolhemos para este breve estudo o sábio capítulo “As Aristocracias”, porque, escoados quase cem anos de distância, já o podemos hoje ler sob a Luz de outros acontecimentos da História que confirmam os ensinos lógicos do Mestre. Mas antes de chegarmos propriamente ao nosso estudo, vamos transcrever palavras de uma mensagem anterior à publicação de “O Livro dos Espíritos”:

     Foi recebida em 30 de Abril de 1856, e se acha no pequeno capítulo “Primeira revelação de minha missão”. Diz:

     “Cada um no posto que lhe foi preparado, porque se precisará de tudo, pois que tudo será destruído, pelo menos temporariamente.. Não haverá mais religião, e será necessário haver uma, porém verdadeira, grande, bela e digna do Criador...Os primeiros alicerces dela já estão assentados... Tu, Rivail, tens nisso tua missão.”

     Em 1856 seria difícil, senão mesmo impossível fantasiar-se tudo que ocorreu nestes quarenta anos mais recentes no sentido do arrasamento de tudo, na destruição da religião em territórios imensos; nas ligações políticas da Igreja; na expansão do materialismo e da irreligiosidade de nossos dias. Vejamos agora as predições de Allan Kardec sobre o futuro advento da aristocracia intelecto-moral.

     Passa ele em revista a formação das aristocracias que tem governado o mundo. Primeiramente era o domínio do pai de família, o patriarcado, o governo dos mais velhos e mais experientes.  Mas surgiram as primeiras lutas com tribos vizinhas e os mais velhos não eram o mais aptos para a guerra. O poder passou para os mais valentes; surgiu o domínio dos guerreiros ou militares que pela força se apoderavam das coisas e dos homens vencidos, reduzindo-os à escravidão; dividiu-se a sociedade humana entre senhores e escravos ou vassalos.

     A fim de dar estabilidade aos seus privilégios, os senhores criaram leis de proteção de seus próprios interesses, e nessas leis estabeleceram a herança de seus direitos pelos filhos. Para dar mais força a suas leis, atribuíram a si poder divino; surgiu a fidalguia apoiada pela casta sacerdotal. O homem nascia para senhor de outros homens ou para escravo de outros homens, por predestinação divina (!?).

     A classe dos senhores era ociosa e foi-se degenerando pela falta de esforços, enquanto a classe inferior, obrigada a trabalhar e ganhar meios de subsistência para si mesma e ainda para seus senhores, foi desenvolvendo inteligência, energia, progredindo, enfim, e nisso se manifestava o dedo da Providência. A fidalguia foi ficando com seus títulos, e a plebe foi-se apoderando dos bens.

    Chegaram os títulos a nada valerem de positivo, porque o dinheiro com que se adquiriam as coisas necessárias à vida passara insensivelmente para outra classe que foi emergindo da plebe: surgiu o capitalismo, o predomínio do dinheiro, e chegou a uma quase onipotência.

     Os esforços para ganhar dinheiro, para se tornar mais apto na luta pela vida, exigiram o desenvolvimento sempre crescente da inteligência. Chegamos então à aristocracia intelectual, ensina Kardec, porque o homem simples da rua pode galgar todas as posições sociais, desde que possua inteligência e cultura para tanto.

     Estamos governados pela aristocracia intelectual, sem importar saber o título que a política dê aos regimes. Chamem-se eles monarquias, democracias, fascismo, comunismo, teocracia ou qualquer outro nome, sempre há uma classe dos mais inteligentes governando as massas.

     Mas a inteligência pode ser destituída de moral, frisa Kardec, e produzir as coisas mais detestáveis. Realmente assim é: mas a inteligência mesma descobre a necessidade da moral para criar felicidade, percebe que a só conquista do poder político não significa posse da felicidade.

     Assim, a inteligência tende a moralizar-se e criar essa futura força a que ele chama aristocracia intelecto-moral, que terá de governar as massas no porvir e será o sinal do advento do reinado do bem na Terra.

     A inteligência e o poder por esta conquistado deixam o coração vazio; produzem no fim o desencantamento por tudo. Verifica o homem que todos os bens adquiridos são materiais e muito passageiros. A força política e riqueza não o abrigam contra a enfermidade e a morte dos seres amados, contra o envelhecimento, a moléstia, e a sua própria morte.  Então ele anseia por uma coisa muito maior e mais bela do que tudo que obteve: sente ânsia de vida eterna, de juventude indestrutível, de amor sincero e imperecível. É chegado o momento em que só o Espiritismo lhe dá a chave da felicidade.

     Interroga, pesquisa, indaga e vem a verificar que a obra divina é muito mais bela do que ele poderia imaginar; que ele próprio é parte bela dessa obra divina, conquanto seja produto em elaboração, ainda bem longe do acabamento para o qual se acha numa das secções da oficina eterna que diviniza os seres mais rudes.

     Começa a compreender a lei de causa e efeito e estuda a teratologia para descobrir as causas remotas de tantas anomalias. Lê as primeiras letras do livro da Natureza. Aberto sob seus olhos; passa as páginas pesadas da paleontologia, sempre embevecido pelas milagrosas transformações para o melhor, o mais belo; abre uma página da botânica e vê na semente, com o mistério da vida oculto em seu pequeno ventre, uma árvore imensa e bela. Abre outras páginas e vai encontrando na zoologia os mesmos mistérios da renovação da vida em eterna evolução.

     Ouve o mavioso sabiá e lembra-se de que um dia este cantor já foi simples lagarto mudo e triste, arrastando-se penosamente por entre as pedras, depois foi arqueoptérix e hoje é bela ave.

    Contempla a borboleta saltitante e leve no ar e recorda-se que há poucas semanas ela era uma lagarta rastejante.

     Começa a encontrar Deus dentro e fora de si, na Natureza toda, e a perceber quão pequenas e desprezíveis eram as coisas que tanto o seduziam na infância espiritual.

     Descobre suas próprias limitações, mas sabe que elas serão vencidas pelo esforço, pelo estudo, pelo trabalho, pelo amor. Já entrou na vida eterna. Já tem consciência de habitar numa estrela do céu infinito e ter Deus em seu próprio coração.
     Como bem afirmou Kardec, “a vulgarização universal do Espiritismo dará em resultado, necessariamente, uma elevação sensível do nível moral da atualidade”, sendo, por isso mesmo, um dos mais fortes precursores da aristocracia do futuro – a aristocracia intelecto-moral, que só se levantará e governará o mundo, após este passar por muitos erros e muitas dores.

     Nesse porvir, ainda longe, a Doutrina Espírita triunfará afinal em todas as consciências.

     E só então os resíduos das aristocracias do passado terão que desaparecer totalmente. Cada uma delas deixou elementos mais ou menos fortes ligando o passado ao presente; os antigos patriarcas ainda são os senadores de hoje; os guerreiros estão transformados na casta militar com muitos privilégios; os fidalgos ainda pretendem direitos hereditários, prerrogativas de família. As teocracias nos legaram os cleros político-religiosos de hoje; a aristocracia do dinheiro ou plutocracia ainda nos governa com o máximo despotismo. Mas todas essas aristocracias têm que ceder o campo à aristocracia intelecto-moral, tão fatalmente como depois das trevas da noite terá que vir a alvorada, porque o progresso é lei divina e fatal.


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