‘Ide e Pregai...’
por Newton Boechat
(3ª Ed. FEB 1989)
Apresentação
Em pleno século XX os jornais do mundo inteiro, durante a semana em que escrevo estas palavras, concentram sua atenção em acontecimento de profundo impacto emocional: católicos e protestantes, inflamados por velhas rivalidades, ensangüentaram as ruas de Belfast, na Irlanda, transformando-as num verdadeiro campo de batalha medieval. Nas últimas refregas morreram várias crianças, adolescentes, policiais, militares britânicos, sacerdotes e pastores. Gente diretamente envolvida nos conflitos e gente neutra, alheia à desconcórdia, mas que é atingia pelas balas perdidas dos contendores.
Já em 1922 os conflitos religiosos na Irlanda haviam chocado a Humanidade toda, logo após a separação entre a República da Irlanda (o Eire) e os seis condados de maioria protestante que passaram a constituir a Irlanda do Norte (o Ulster). Naquele ano morreram quase 250 pessoas e mais de mil ficaram feridas! Em 1956 e 1962, novamente recrudesceram as escaramuças entre a minoria católica e a maioria protestante. Agora, o caos se repete. Belfast vê seus filhos se digladiarem e se trucidarem, em nome do Cristo, por amor de Deus!
Mas essa disceptação é ainda bem mais velha do que a secessão de 1922. Suas origens remontam ao século XVI, quando a Reforma iniciava o seu proselitismo e em Paris chegou a acontecer uma hórrida Noite de São Bartolomeu! No século seguinte, o predomínio protestante, em Belfast, já era incontestável, e os pastores larguearam a sua pregação, e se multiplicaram por todos os quadrantes do país. Entre eles, ali estava o nosso Newton Boechat. Não sei se pregou a matança (perdoe-me se lhe faço mau juízo), não sei se assovelou os ódios ou se, ao contrário, apelou para o desarme e o amor. Sei, sim, que viveu toda aquela incompreensão religiosa, respirando os miasmas pesados da baderna doutrinária. Deve, no mínimo, ter-se desgostado amargamente, que no fundo todos sentimos a natureza íntima do Bem, impondo-nos o sofrimento do remorso ou da incapacidade de impedirmos o mal.
O pastor está de volta. Sabe de cor capítulos inteiros das Sagradas Escrituras. É um computador bíblico, programado no passado, e capaz de dar-nos imediatamente, o versículo exato da passagem evangélica que ao acaso lhe suscitemos. Mas essa memorização – todos o sabemos – não lhe bastaria no hoje, como não lhe bastou no ontem. Por isso mesmo o nosso Newton Boechat retorna e, valendo-se do acervo acumulado, dá-lhe agora uma nova conotação espiritual, a recordar, talvez, a afirmativa de Paulo, de que “a letra mata, o espírito vivifica”.
À exemplo do inesquecível Vianna de Carvalho, já percorreu todo o Brasil. Leva uma nova mensagem: a da revelação Espírita. E mais agora, consciente de que o livro ainda é o melhor recurso de comunicação para perpetuar uma idéia, empenha-se na divulgação da Doutrina que abraçou, através desta obra, agasalhada pela FEB. Aí tem, leitor amigo, nosso Newton Boechat em letra de forma. Um “pot-pourri” de seu pensamento, respigado de algumas palestras que fez e que se acham gravadas, bem como de artiguetes inseridos num ou noutro órgão da imprensa espírita. Mas aí tem também não mais o pastor de Belfast, o pregador apenas preocupado com a textolatria que emaranha e desemboca, quase sempre, no absurdo ou na contradição. O tributo espírita está consciente da absoluta fragilidade das razões teológicas que reacenderam as lutas religiosas da Irlanda e deplora seus irmãos, ficados no caminho, enceguecidos por um pretenso amor que faz a guerra e se desfigura “sponte sua”...
Belfast estua em chamas. O pastor venceu o atavismo que poderia excitar o homem velho e não se empolga mais senão com os métodos da Nova Revelação, que lhe mostrou novo e suave meato. O espírita de hoje sabe que essas labaredas – e tantas outras, mais ou menos concretas, alimentadas em muitas outras cidades – só se apagarão definitivamente quando a Doutrina Espírita, que é o verdadeiro Evangelho do Cristo, espraiar-se por toda a Humanidade e iluminar o coração da Terra. Para isso ele continua na tribuna religiosa. Por isso, resolveu também escrever. Todos nós, que já lhe ouvimos as lições, vamos lê-lo agora, mas com o pensamento voltado em prece para Belfast, onde a palavra de Kardec ainda não chegou...
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