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quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Como será o futuro?

 

Como será o futuro?

 por Ismael Gomes Braga   Reformador (FEB) Novembro 1944

              Nossas limitações intelectuais não nos permitem imaginar o futuro sem o modelar no passado. Toda vez que nos interrogamos como será o futuro, nosso pensamento forma seus castelos, que, na verdade, são cópias melhoradas do passado e do presente. No passado houve grandes impérios, no presente há um grande império; por isso os movimentos políticos surgidos neste século com os seus ideais de comunismo, fascismo, nazismo, hispanidad, são modelados nos imperialismos, pretendem o domínio do mundo ou de grande parte da Terra.

            Os movimentos religiosos do passado e do presente foram organizados em normas “católicas”, isto é, com pretensões à universalidade e ao monopólio exclusivo da verdade. Cada seita religiosa, por menor que seja, dentro das limitações da inteligência humana, presume que terá de crescer até dominar o mundo todo, porque “possui” o monopólio da verdade integral que mais cedo ou mais tarde terá que vencer o “erro” e impor-se a toda a gente. Essa ilusão de posse da verdade é honesta e inspira trabalhos produtivos ao lado de funesto fanatismo. Felizmente, o Espiritismo não tem muitas ilusões nesse sentido quanto ao presente, porque os Guias e os Mestres, a partir de Allan Kardec, não cessam de advertir-nos que estamos no A B C e nunca chegaremos ao fim, à posse da Verdade integral, que é privilégio divino. Assim, sabemos que estamos recebendo somente a pequena parcela da verdade integral que, mais cedo ou mais tarde, terá de corrigir muitos erros nossos e refazer ou melhorar o que já nos parece bom e perfeito. Temos convicção de que todo o saber humano é limitado e por isso mesmo provisório.

          Não temos pretensão a uma ortodoxia imutável, como são as Igrejas grandes e pequenas, enquadradas em seus humaníssimos dogmas. Estamos certos de que a Humanidade, muito mais adiantada dos futuros milênios, merecerá a descida de Guias e Missionários muito mais elevados do que os nossos atuais Mentores, ou que estes mesmos Mentores progredirão muito mais e nos poderão fazer revelações sempre mais elevadas e sublimes, quando não tiverem por barreira todas as nossas limitações de hoje. Esse progredir constante é, a essência mesma da Terceira Revelação, sempre progressiva e só limitada pelo nosso atraso; mas este nosso atraso diminui dia a dia, ano a ano, século a século, milênio a milênio, porque somos Espíritos em constante evolução na escola eterna da vida. Se bem não possamos imaginar como será o futuro, já podemos imaginar que ele não será uma cópia fiel do passado, porque a modalidade da Revelação é outra e o meio em que ela terá que produzir seus frutos será diferente, As Revelações precedentes nasceram num só lugar, da boca de um só Missionário, de sorte que seus continuadores imediatos tinham bastante ascendente para serem os seus organizadores e orientadores. Assim se fundaram as grandes Igrejas, todas “católicas” no nome, mas realmente limitadas no tempo e no espaço.

          Ora, justamente o contrário é a Terceira Revelação, porque surge simultaneamente em toda a face do planeta, sem limitação de tempo nem de lugar. Cada dia os Espíritos nos trazem novos ensinamentos e isso no planeta todo.

          Temos necessidade de organização para aproveitamento das energias individuais em colaboração. Não são os indivíduos insulados que podem realizar as grandes obras que o Espiritismo mesmo aconselha; só a cooperação de muitos indivíduos pode realizar grandes coisas. Sentindo essa necessidade de organização, reunimo-nos em grupos, centros, associações, federações de colaboração na obra comum. Temos associações nacionais adesas a uma associação internacional, onde as leis civis não proíbem tais adesões. A Federação Espírita Internacional, em tempos de paz, reúne Congressos Espíritas Internacionais que estudam as necessidades comuns da defesa e da propaganda do Espiritismo no mundo e faz declarações de princípios aceitos pelas maiorias, jamais impostos às minorias que os não aceitem. A liberdade de crença é absoluta, porque nenhum órgão existe que possa “excomungar” alguém de Espiritismo, pois que o Espiritismo independe de novos Congressos e de todas as nossas organizações; vive nelas e fora delas. Tanto existe numa grande instituição como num lar humilde ou num indivíduo isolado em sua solidão. Não depende de nenhum organismo social.

           Não temos receio, portanto, que as nossas associações venham a unir-se numa Igreja com os seus sacerdotes, doutores da lei, mestres autorizados por diplomas humanos, ou outras coisas pertencentes ao passado. Nossas associações são a simples reunião de voluntários para trabalho comum, voluntários que têm a liberdade de abandoná-las quando lhes aprouver, quando mudarem de ideia, sem força alguma que os possa compelir a entrar ou a retê-los depois que houverem entrado. Nessa adesão espontânea, nessa aproximação livre de homens conscientes e que se reservam sempre o direito de mudar de convicção, está a grande diferença entre o Espiritismo e as Igrejas; porque nestas últimas não é consultado o futuro crente; é posto na Igreja pelos pais e nela instruído como a única verdadeira, desde a mais tenra idade, antes de poder decidir por si mesmo.

           Não há perigo, portanto, de que o Espiritismo venha a transformar-se numa Igreja pelo modelo das existentes. O mais provável é que as nossas instituições se conservem livres e independentes umas das outras, ou somente adesas umas às outras, formando federações das que tenham identidade de programas e obra em comum a realizar. Parece-nos até possível, ou pelo menos concebível, que as atuais instituições venham a desaparecer no seu aspecto de associações somente espíritas, quando a propaganda houver atingido todo o povo e não mais seja necessária, e venham a ser substituídas por organismos com finalidades mais limitadas e melhor definidas. Por exemplo: associações de assistência médica, de assistência econômica, de educação popular, de pregadores de doutrina, de editores de livros, etc., etc., sem a necessidade de lutas de religião e propaganda, como hoje temos que fizer pelo fato de trabalharmos por uma ideia nova e ainda pouco conhecida.

          Pela quantidade de provas que o Espiritismo vai acumulando, parece fora de dúvida que no futuro todos o aceitem em princípio e a propaganda se torne desnecessária. Ora, todas as nossas instituições hoje são de propaganda, e, por isso mesmo, tornar-se-ão desnecessárias se um dia a ideia for aceita por todos os homens, como certos princípios científicos universalmente demonstrados.

           A aceitação do Espiritismo por toda a gente, não seria o fim, seria o começo da sua grande Missão; mas o trabalho para o futuro teria que se distribuir por especialidades e ramos de atividade, já com rótulos diferentes e especiais, e não como instituições de seita.

           Por muito difícil que nos seja vislumbrar o futuro do Espiritismo, parece-nos que dentro do nevoeiro que o envolve já se esboçam seus traços principais caracterizados pelo universalismo e pela liberdade incerceável que escapará a todas as tentativas humanas de pô-la a serviço de uma classe, de uma Igreja, de um partido humano. Parece fora de dúvida que ele jamais conferirá poderes a alguém ou a alguma organização para falar e negociar em seu nome; para fazer acordos ou concordatas com Governos ou partidos, como tem sido a infeliz sorte das Igrejas que se tornaram muito mundanas desde que se organizaram e constituíram chefes autorizados a negociar em seu nome.

         Todas as tentativas que têm sido feitas de impor uma organização ao Espiritismo, em moldes mundanos, têm falhado, felizmente, e ele continua livre e altivo em sua sublime missão. Não têm faltado os que, de boa-fé, o tenham pretendido encarcerar, pear, algemar, na suposição de torná-lo “coeso e forte” perante o mundo. É o mesmo ideal de Judas, que desejava, em muito boa fé, fazer de Jesus um chefe político, um rei, um ditador que tomasse as rédeas do poder e conduzisse o povo à vitória política.

             A sublimidade do Espiritismo está justamente em não conferir a ninguém o direito de fazer conchavos políticos em seu nome. Assim foi até agora, e, pela natureza da Revelação, assim será sempre. Se um dia alguma organização surgir com tais poderes, os Espíritos e a maioria dos espíritas não a reconhecerão como legítima; ela será, tão somente, uma falsificação do ideal espírita.

          Respondemos, agora, à nossa Interrogação inicial: “Como será o futuro?" Será de liberdade religiosa completa; todas as formas de tirania terão de cair; só o amor sincero conduzirá os homens e os aproximará uns dos outros; a única autoridade religiosa reconhecida será a dos melhores e não dos eleitos ou nomeados por processos políticos, por prestígio social, por fortuna, nem mesmo dos mais Inteligentes que, por vezes, não são os melhores.

           O futuro será muito belo!


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