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sábado, 9 de janeiro de 2021

Além do inconsciente

 


“Além do Inconsciente”

por Hermínio C. Miranda

Reformador (FEB) Janeiro 1969

               A pesquisa psíquica parece, às vezes, o ramo enjeitado da ciência. O interesse dos cientistas pelos fenômenos de natureza espiritual tem sido, na melhor das hipóteses, espasmódico, quase sempre desconfiado, meio tímido e, não raras vezes, eivado de manifesta má vontade e de ideias preconcebidas de difícil modificação ou remoção. Outra coisa curiosa: está sempre começando, como se os estudos anteriores fossem totalmente desprovidos de fé pública e tidos mesmo como conduzidos sob condições de insegurança ou precariedade. Pouco tem adiantado o depoimento de homens como William Barratt, Crookes, Lodge, Conan Doyle, Aksakof; Flammarion, Geley, Bozzano, Morselli, Osty, Zõllner e tantos outros. Cada cientista, que retoma o assunto, deseja fazer tudo de novo, sob novas técnicas, novas condições de segurança, com a ajuda de novos aparelhos que as outras ciências, mais felizes, vão descobrindo ou aperfeiçoando. Vejam, por exemplo, a eletrônica. Não faz muitos anos, essa palavra, nem figurava nos dicionários; hoje, literalmente domina a vida da sociedade civilizada. Os computadores, que ainda há 15 anos engatinhavam, - tive a satisfação de os ver quase no nascedouro, em andanças pelos Estados Unidos –são hoje um poderoso instrumento de trabalho e de pesquisa, cujas possibilidades se projetam no imprevisível e cujos recursos ninguém sabe onde vão parar.

            No que toca ao mecanismo do espírito humano, porém, continuam os cientistas a tatear em plena luz do dia, como se estivessem mergulhados na escuridão. Bom seria que um grupo de pesquisadores mais corajosos e de desinibidos, despreocupados de críticas e de ideias preconcebidas, partissem logo da hipóteses da existência do espírito para os estudos subsequentes, a fim de que, paralelamente ao fabuloso desenvolvimento do ramo estritamente materialista da ciência, fosse possível vitalizar o ramo espiritual. É pois, com grande alegria que saudamos o aparecimento de um estudo sério como esse do Dr. Jayme Cerviño, que, sob o título de “Além do Inconsciente”, acaba de publicar a Federação Espírita Brasileira.

            O Dr. Cervino é um médico ainda jovem, profundo conhecedor da nobre ciência que escolheu e que não se limita, como tantos colegas seus, a encarar o homem como um simples mecanismo cibernético produzido no campo da biologia. Ele acha que o homem tem alma e, mais do que isso, não receia proclamar o seu pensamento, e não apenas isso - ele se propõe à tarefa de conciliar as teorias e doutrinas sobre a psique humana, eliminando, naturalmente, tudo aquilo que o conhecimento atual já considerou superado. Não obstante, não hesita ele em declarar-se desassombradamente disposto a readmitir a ridicularizada doutrina fluídista de Mesmer.”Das quatro principais teorias da hipnose - diz ele, à. página 57 -. fluidista (Mesmer), patológica (Charcot), psicológica (Bernheim), reflexológica (Pavlov) – a patológica está definitivamente superada, a psicológica e a  reflexológica não se excluem e a fluidista parece ressurgir numa forma atualizada (energia não física ou psíquica de Rhine. 

            Já à página 25 escrevera sobre a validade do fluidismo, que parece reemergir de algumas experiências modernas de Rhine. “Os mesmeristas - diz ele - admitiam um fluido, a se irradiar do corpo humano, que seria o agente dos fenômenos hipnóticos, ditos outrora magnéticos. A hipótese fluidista foi abandonada pela ciência, mas os experimentos de Rhine e sua escola sobre a percepção extra-sensorial e a psicocinesia (ação direta da mente sobre a matéria), que implicam na existência de uma energia “não-física” (psíquica), estabelecem, possivelmente, um substratum para a sugestão e, dentro de certo limites, reabilitam Mesmer e os magnetizadores do passado.”

            O leitor não terá dificuldade em identificar com clareza a posição do Dr. Cerviño; ele a proclama honestamente, com palavras inequívocas. “No presente trabalho (pág. 16) adotamos um critério eclético. Ousamos misturar, no mesmo frasco, Allan Kardec, Richet e Rhine com um pouco de Freud e Pavlov. Sua linguagem, com o mínimo possível de tecnicismo, é acessível ao leitor leigo inteligente sem sacrificar a precisão terminológica exigida num ensaio científico. O frasco que o autor no oferece resultou em harmoniosa conciliação entre os princípios doutrinários do Espiritismo kardequiano com as modernas correntes parapsicológicas e reflexológicas, no que tem estas de aproveitável ao contexto da sua concepção. A procedência e o pioneirismo de Kardec são francamente reconhecidos, sem nenhum conflito com a doutrina pavloviana dos reflexos condicionados; pelo contrário, apoiando-se nela.

            Algumas ideias novas são igualmente levantadas para estudo, a título de sugestão para futuras pesquisas. Por exemplo: “É possível que o Bromo, existente no organismo, tenha alguma importância na indução do transe, condição diferente do sono, mas que resulta igualmente dos processos cerebrais de inibição.” (página 55). 

            Outra. “A serotonina, substância existente no cérebro e noutras partes do organismo, talvez não seja estranha ao mecanismo do transe. Produz no eletroencefalograma alterações do tipo sono e, possivelmente, diminui a ação do sistema reticular ativador sobre o córtex.” (pág. 55).

            Ou ainda: “Talvez o “inconsciente coletivo” que Jung converteu em ente metafísico,  preternatural, seja apenas a experiência comum e primeira de nossas consciências individuais em seus múltiplos avatares...”  (página 79). Mais uma sugestão: “Outro ponto merece destaque: conforme os dados da atual parapsicologia, sugerimos uma interpretação unívoca para os efeitos intelectuais (córtex) e físicos (subcórtex). ESP e PK coexistem em todo o fenômeno mediúnico de conteúdo paranormal. Quando predomina o primeiro aspecto, o efeito é intelectual, em caso contrário, físico.” (página 102).

            Respondendo com serenidade aos que ainda pregam a desmoralizada doutrina de que o Espiritismo produz loucos, o Dr. Cerviño lembra que, ao contrário, “o que chamamos genericamente de mediumopatia, uma forma mórbida de mediunismo, muitas vezes incipiente, ... tende a normalizar-se pelo exercício ponderado e autocontratado da própria “faculdade””. (pág. 110).

            Ademais, ninguém com maior autoridade e clareza do que o próprio Kardec advertiu sobre a prática tumultuada da mediunidade. Para isso, o Dr. Cerviño cita “0 Livro dos Médiuns” onde Kardec escreveu: “Há pessoas relativamente às quais se devem evitar todas as causas de sobre excitação reflexão e o exercício da mediunidade é uma delas.”

            E mais adiante: “A mediunidade não produzirá a loucura quando esta já não exista em gérmen, porém, existindo este, o bom-senso está a dizer que se deve usar de cautela, sob todos os pontos de vista, porquanto qualquer abalo pode ser prejudicial.”

            O comentário do Dr. Cerviño é este: “Há mais de um século, o sistematizador do Espiritismo referia-se à monomania espírita, que na linguagem psiquiátrica da época correspondia ao que hoje se denomina delírio espírita. “A classificação proposta pelo autor para as diversas formas de mediunidade consta do quadro que reproduz à página 125, no qual resume, com rara felicidade, a nosso ver, a metodologia parapsicológica, a reflexológica e a essencialmente espírita. Por exemplo: a mediunidade psicofônica (palavra espírita que a ciência moderna está aceitando) estaria classificada como efeito intelectual (médiuns do 2º sistema) do grupo parapsicológico psi-gama ou ESP, que, por sua vez, se enquadra como mediunidade de expressão cortical, ou de efeitos psíquicos. Classificação simétrica, nos efeitos físicos (expressão subcortical), é proposta para as mediunidades do grupo psi-kappa. Inúmeras são as contribuições do autor para situar melhor o fenômeno mediúnico no esquema da moderna ciência da natureza humana. Não que tenha ele ilusões de que o problema esteja perfeitamente equacionado; ao contrário:  “Evidentemente - diz ele à pág. 113 - não podemos ter qualquer ilusão no que tange aos fatos mediúnicos.

            Estamos longe de conhecer as leis fundamentais que vigem nesse setor de pesquisas. Os estudiosos ainda não concordaram sequer sobre os fenômenos que existem realmente e os que resultam de observações mais ou menos apressadas e inidôneas.

            Para ampliar o campo de pesquisa e fornecer novos “approachs” aos problemas envolvidos, ele oferece as suas sugestões e monta o seu esquema classificador complementando, onde necessário, as pesquisas já feitas. Propõe, assim, um terceiro tipo de “atividade nervosa superior”, somando-se aos dois admitidos por Pavlov. Descobre, depois, que os três tipos “coincidem” com a teoria das “almas parciais” de Platão (razão, sentimento e instinto) e ainda com os três aspectos da alma imaginados por Aristóteles: alma intelectiva (segundo sistema de Pavlov), alma sensitiva (primeiro sistema) e alma vegetativa (sistema subcortical-hipotálamo).

            É difícil, porém, senão impraticável, dar, numa breve noticia como esta, a ideia exata de todo o conteúdo e importância de um livro tão denso de ideias como este. Às vezes, desejaríamos que o autor tivesse tido oportunidade de expandir mais alguns conceitos que apresenta de forma meramente esquemática, para economizar tempo e espaço. Deve ter tido suas razões para Isso, É provável que um trabalho de detalhamento de toda a sua concepção científica acarretasse uma certa diluição, um pouco de perda da visão do conjunto que a sua obra nos oferece de maneira tão acessível e apaixonante. Sua linguagem é, ao mesmo tempo singela e agradável, sem artificialismos de fácil efeito literário - é o falar do cientista: preciso, sem, no entanto, cair na secura dos relatórios. Não é, porém, obra que se leia como um romance, porque exige atenção concentrada e meditação progressiva.. Sem ser um livro difícil, é “maciço como um marfim”, na feliz expressão do meu caro Eng. Hernani Guimarães Andrade, ao se referir à “Teoria do Conhecimento” de Jahannes Hessen.  

            A palavra final é a seguinte:Além do inconsciente existe um mundo novo. O próprio

Freud percebeu-o, mas intimidou-se ante “a maré negra do ocultismo”» (Jung) e encastelou-se na teoria do sexo. Mas não há terreno interdito à pesquisa. Enquanto a tecnologia das ciências físicas vence a gravitação terrestre e invade o espaço sideral, os pioneiros do espírito, de Kardec a Rhine, superam o próprio espaço-tempo e devassam, além, além das complexidades subliminais, a realidade maior, a “grande esperança” de todos nós.”

            A nossa grande esperança, no momento, é a de que o Dr. Jayme Cerviño continue a aprofundar o seu pensamento e as suas pesquisas e não se intimide jamais diante do que Freud atirou fora por que tinha o rótulo de ocultismo.

            A área científica do Espiritismo fica a dever um grande favor ao Dr. Jayme Cerviño e este, por sua vez, assume, com o seu livro, um compromisso moral de nos trazer outras contribuições, tão sérias como esta.

            Excelente livro para ler, meditar e presentear amigos médicos.


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