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domingo, 7 de março de 2021

Princípio e fim

     

Princípio e fim

por José Pereira de Lima    Reformador (FEB) Dezembro 1929

 

         Além do Incognoscível inda existe

        O que nome não tem

        Esse Causa sem cansa, que subsiste

        Numa interrogação de tudo além.

             Na paz e na serenidade duma noite de luar eu penso profundamente em todos esses vastos problemas de que o homem pretende arrancar o segredo: o princípio e o fim de tudo que nos rodeia, como de nós próprios.

            Circunscritos na relatividade em que vivemos pouco além podemos ir, limitados sempre pela nossa própria limitação. Sabemos que vivemos, unicamente, mas como começamos, donde viemos, para onde vamos e até onde podemos chegar, isso é que nos é impossível descobrir e compreender.

            Deus como eu o entendo, ou melhor, como me é impossível conceber toma para mim tais proporções que não pode ser compreendido, estudado nem analisado para que digamos: Sucede assim porque é da vontade de Deus.

            Ignoramos porque ele quer esconder sob o véu do mistério aquilo que não podemos perceber. Muito mesquinho, muito pequeno é um Deus assim, que se preocupa com o destino dos homens como qualquer governador com os seus súditos!.. Baixar Deus a esta condição é torná-lo pouco mais que homem, e, para mim, isso não pode ser, porque então eu tinha tantas probabilidades de chegar até ele que não me seria impossível subjugá-lo um dia.

            Não! Não pode ser! Deus é o Infinito, Deus é tudo que está para além ainda dos mais evoluídos espíritos. Deus é tudo e é nada porque todos os mundos, todas as humanidades são parte dele, e Ele está fora deles, para além de quanto existe.

            Eis como eu procuro explicar a mim próprio aquilo que não entendo e, desde que me vejo nessa impossibilidade devo eu desistir de atingi-lo, devo eu deixar de preocupar-me com o meu princípio e o meu fim, se porventura eu tive ou terei algum deles? Não! Nunca. Entendo e entendi sempre que todos os meus esforços devem seguir sempre a diretriz única que eu acho dever dar à minha vida: Compreender o Incognoscível, abranger o Infinito.

            - Utopia! Ninguém! Dirão. Mas que me importa a opinião que formem a meu respeito? Nada, menos que nada.

            Sinto que é assim porque reconheço em mim alguma coisa de grande, tão grande que é infinito, alguma coisa tão elevada que é divina. E porque isto é um fato o meu dever será caminhar sempre até atingir, dentro e fora do meu próprio ser, tudo o que em mim há de força de vontade e de poder que ignoro. Não me preocupar com o princípio e o fim desta vida que sinto vibrar tão intensamente, seria vegetar, seria tentar o impossível - a morte, e realizar a infame - a estagnação!

            Porque desconheço essas duas incógnitas não me devo preocupar com elas? Porque hoje me é impossível compreendê-las e atingi-las não devo pensar nisso e sim lembrar-me só do presente? Por caso nenhum eu faria tal pois se vivo no presente é porque sou resultado do passado e, pela mesma razão devo pensar no futuro por muito que ele me seja inacessível e misterioso.

            Procurando um exemplo, ainda que pequeno, eu quero dar uma ideia da minha opinião sobre este ponto.

            Alguém pensou um dia ser engenheiro, por exemplo, e vamos imaginar que esse fim lhe era tão desconhecido como para mim é o fim da minha própria existência. Porém, querendo chegar lá e não poupando tempo nem esforço, começava por estudar o necessário para ir, lenta e gradativamente até a realização do que projetara. É verdade que enquanto estudasse determinada ciência, não podia, quase, preocupar-se com mais nada para a ficar sabendo bem, mas é também verdade que por muito enfronhado que estivesse no seu estudo isso não o coibiria de sonhar antecipadamente com a realização do seu veemente desejo, quer dizer, trabalhar no presente e podia pensar no que o resultado deste trabalho lhe daria no futuro. Assim os conhecimentos adquiridos não eram mais nem menos do que a soma de todo o seu trabalho no passado.

            Para melhor pintar o meu modo de ser acrescentarei outra modalidade do meu pensamento para ver se consigo explicar aquilo que desejo atingir ainda que, presentemente, isso seja inatingível:

            Nesta vida e no plano em que ora estou procuro ver o melhor possível em harmonia com as leis naturais, que, no fundo, desconheço. Pois bem. Os conhecimentos que possuo são o somatório de toda a peregrinação que tenho vindo de fazer até hoje, a qual ignoro absolutamente, (o principio) e os novos que vou adquirindo são os esforços, os passos,

que vou dando na misteriosa senda que me há de levar ao conhecimento absoluto, (fim). Assim, tal qual como um caminhante que foi posto adormecido no meio de uma infinita estrada, eu, além de me preocupar com o terreno que piso, tenho o dever, que cumpro, de pensar onde ela começa e onde terminará, porque, do princípio vim e para o fim vou. Pensar só no momento presente acho que é proceder egoisticamente do mesmo modo que um náufrago que só se preocupa com a salvação da sua vida fugindo no único barco que existe e deixando os outros soçobrar. Não, não é possível ser este procedimento nobre nem exemplificado. Devemos pensar igualmente nos que deixamos atrás e naqueles que nos passaram à frente caminhando desassombradamente (de maneira resoluta e perseverante) para o terreno que se propuseram.

            Porque se ignora deixar de pensar? Nunca! Um homem que tem que subir uma interminável corda, tem, sem dúvida, que empregar o seu esforço e atenção na parte onde se encontra mas não faz tudo isso senão com uma única intenção: chegar ao fim da ascensão que se propôs. Igualmente eu, num plano inferior, pouco importa qual, a minha constante preocupação é chegar a saber, a compreender donde vim e para onde vou, inda que apalpe bem o terreno, que presentemente sou obrigado a pisar. É assim porque o homem começou para chegar a alguma coisa ou para jamais parar. Este tema é tão vasto que sobre ele apenas se podem bordar hipóteses. Em qualquer dos casos o homem é um mistério com destino misterioso, vivendo e debatendo-se numa eternidade ignorada e igualmente misteriosa.

Lisboa 22-8-1929.


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