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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Bilhetes

 

Bilhetes

por G. Mirim (Antonio Wantuil)        Reformador (FEB) Abril 1944

             Faz sessenta anos, mais ou menos, meu caro, leitor, que os fatos se passaram (*). Minha memória, no entanto, conserva nitidamente as ocorrências havidas em minha aldeia, ao tempo em que eu frequentava a escola do “Seu Mestre”, um pobre coitado que mal, muito mal sabia ler alguma coisa que fosse além da cartilha em que aprendíamos.

            Era feliz a minha aldeia natal. Todos nos conhecíamos e não nos preocupávamos com o progresso que diziam haver em localidades limítrofes. Ninguém assinava jornal. E quando, anualmente, o arraial era visitado pelo viajante angariador de assinaturas para os jornais da Corte, todos lhe respondiam que não tinham tempo “pra estudá jorná”. Tudo se resolvia dentro das nossas acanhadas fronteiras e a contento geral, porque a mentalidade dos meus conterrâneos nada exigia, compreendia e admitia, além do que lhes era conhecido ou ensinado pelos seus super-homens.

            Como no povoado aparecera, vinte anos antes, um pirata que se fez passar por médico, para explorar, ao máximo, aquele povo ingênuo, jamais consentiram que qualquer médico se instalasse no arraial, instigados que eram, constantemente, pelo “Zé da Botica” e pelo Sô Vigário, que tiraram partido do antigo fato, deturpando-o jeitosamente, a fim de continuarem a venda das xaropadas do primeiro e o recebimento dos pagamentos das promessas feitas aos santos milagrosos do segundo.

            - Estou a ver, daqui, da mesa em que escrevo este bilhete, na intuitiva visão do preconcebido, o leitor a gargalhar maliciosamente, num tom de mofa e de escárnio, rindo-se a bom rir dos meus pobres e ignorantes conterrâneos, descritos assim, na singeleza dos seus atos simples de rudes de pobres tabaréus.

            Mas, não se ria assim, meu amigo. Veja o que se passa na sua rica Antropópolis, cidade maravilhosa, cheia de bondes, de aviões e de rádios...

            Richet, o sábio que deslumbrou o mundo com o seu talento, Crookes, o gênio que tanto concorreu para o progresso de que você está gozando; Ford, o famoso fabricante dessa máquina que diminui distâncias - o automóvel, tantos gênios, meu amigo, de cérebro mais bem desenvolvido, se rirão de você, que não quer ouvir falar em Espiritismo, de você que se deixa guiar pelos mesmos interessados de sempre, que vivem a falar de piratas que se diziam médiuns, de loucuras e de caldeiras infernais.

            O povo da minha aldeia já se não deixa, hoje, conduzir pelo Zé da Botica e pelo seu associado. E você, meu amigo, quando se livrará da ignorância em que o acorrentaram?

          (*) Do Blog: 2021 - 1944 = Cabe somar 77 anos à data da publicação deste artigo em Reformador (FEB)..


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