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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

3. 'O Cristianismo do Cristo e o dos seus Vigários'



3

 “O Cristianismo do Cristo
e o dos seus Vigários...
           
Autor: Padre Alta (Doutor pela Sorbonne)
Tradução de Guillon Ribeiro
1921
Ed. Federação Espírita Brasileira
Direitos cedidos pela Editores Vigot Frères, Paris


            Tendo dito da obra o que se nos afigurou necessário e conveniente e o que nos foi possível para, de antemão, lhe realçarmos a importância e o valor, aos olhos dos que dela venham a inteirar-se pela sua tradução no nosso idioma, não houvéramos, contudo, realizado o nosso empenho, se não ensejássemos aos leitores saber algo do Autor, a cuja destacada personalidade fizemos, em começo, as referências que nos pareceram justas e merecidas.

            Tomando a única direção que se nos deparava como capaz de levar-nos à obtenção de alguns dados exatos acerca do Padre Alta, mais uma vez recorremos à bondade sempre solicita com que o nosso ilustre confrade Gabriel Gobron costuma atender ao que lhe é pedido em nome da Federação, que se desvanece da estima e do apreço em que ele a tem.

            Respondendo-nos, declarou esse eminente amigo ser muito difícil conseguirem-se informações copiosas e precisas a respeito de Alta, porquanto, desde que passara a residir em Paris, teve uma vida de beneditino completamente apagada, parecendo que o título, que possuía, de "doutor da Sorbonne", não lhe fora conferido a termo de curso ali feito, mas em virtude da apresentação ou publicação de algum dos seus mais notáveis trabalhos.

            Adiantou-nos, porém, que nos seus últimos anos de existência, que se findou há quatro ou cinco, o ilustrado sacerdote estava quase inteiramente cego, como o verificou Luís Traffeli, professor em Roma, quando, visitando-o em Paris, teria, por essa razão, deixado de lhe oferecer as obras de sua autoria, entre outras a que tem por título: "Nous, Citoyens du Royaume de Satan", ("Nós, Cidadãos do Reino de Satanás").

            Informou-nos mais Gobron, com relação às obras do Padre Alta, que elas constam, na sua maioria, de "novas traduções" feitas sobre os textos originais e com aproveitamento das descobertas da exegese e da linguística moderna, adiantando: Na sua tradução de S. Paulo, este esposa a doutrina da reencarnação, o que, aliás, os ingleses mostram por outra maneira, estabelecendo que as palavras eterno e eternidade não existem na Bíblia.

            Ainda segundo o mesmo ilustre informante nosso, "Plotino" foi a última obra que Alta traduziu, consumindo muitos anos nesse considerável trabalho.

            Disse-nos assim o nosso eminente amigo o que sabia do autor de "O Cristianismo do Cristo e o dos Seus Vigários", mas, interessado, como sempre se revela, em satisfazer, de modo tão completo quanto possível, ao que lhe solicita a Federação, pelo que já se há constituído credor de todo o nosso reconhecimento, lembrou-se de recorrer a uma pessoa que conhecera de perto o Padre Alta, Mlle. Brasseaud, residente em Rochefort, onde dirige a publicação de uma revista intitulada "Anais do Espiritismo", o que denuncia a natureza de suas crenças atuais.

            Em resposta a Gobron, escreveu ela longa carta, com boa cópia das informações que desejávamos e cujos tópicos principais passamos a transcrever:

            "De acordo com seus desejos e, sobretudo, com as minhas possibilidades, porquanto, tendo muito defeituosa a vista, me acho impossibilitada de fazer bem qualquer trabalho de escrita, vou, para lhe ser agradável e mau grado à minha incapacidade, tentar reviver a lembrança que me prende ao Padre Alta, cujo verdadeiro nome é Mélinge e que nasceu em Saintonge.

            "Nomeado pelo seu bispo, foi, durante algum tempo, capelão de um pensionato de moças, em Rochefort. Pouco mais tarde, deram-lhe também o serviço religioso de outra capela denominada "Bon Secours", onde alcançou os mais brilhantes êxitos oratórios.

            "Nessa época, isto é, por volta de 1884, a nossa cidade de Rochefort era um porto de mar muito atraente. Frequentavam-no, em grande número, oficiais de Marinha, doutores e outras muitas pessoas de destaque. Tínhamos, pois, ali, constantemente, um escol de intelectuais espiritualistas, constituído de homens de valor, que acorriam a ouvir, com grande satisfação, o Padre Alta. As fisionomias se tornavam radiantes, nos que o escutavam a discorrer sobre as mais sérias questões, sobre as mais graves mesmo, poderia eu dizer, porquanto muitas vezes lhe acontecia demolir de um só golpe os velhos prejuízos católicos, mostrando a inanidade dos dogmas e profligando, em linguagem sóbria, mas severa, o proceder dos exploradores da credulidade humana. 

            "Eu assistia a essas conferencias e procurava sempre, à saída do templo, colher as reflexões que muitos externavam e que eram, acredite, invariavelmente favoráveis ao orador.              

            "O mesmo, porém, não se dava nas outras paróquias da cidade, onde os devotos e os curas bradavam: escândalo! anátema!

            "Entrementes, um desses curas, mais atilado do que os colegas e cuidando; especialmente, dos seus interesses, pediu a Alta que fosse pregar na sua igreja paroquial. Isto deve ter ocorrido em 1887 ou 1888. Ele aceitou e ninguém pode imaginar que multidão o foi ouvir. Havia gente a se comprimir por toda parte, até nos recintos batismais e nos parapeitos das grandes janelas. Nunca em minha vida observei tão grande afluência de povo.

            "Mas, alguns adversários seus, provavelmente padres também, escreveram ao bispo, pedindo pusesse termo às prédicas de Alta, que resistiu e continuou, pouco tendo faltado para que os aplausos que lhe dispensavam se transformassem em aclamações. Sentia ele, no entanto, e me disse que em breve estaria proscrito.

            "Efetivamente, foi o que, afinal, sucedeu, após inúmeros vexames e injustiças. O bispo veio aqui a Rochefort e, na paróquia principal, diante do arcipreste (título dos vigários de certas igrejas, que lhes confere preeminência sobre os outros vigários)   e de outros eclesiásticos, o intimou a deixar imediatamente a sua capelania (assistência religiosa e social) e o mandou para a campanha.

            "Ele a princípio se negou a obedecer, protestando que não estava a pregar o erro, pois que se apoiava sempre em textos sagrados, tomados ao grego e ao hebreu, línguas que conhecia a fundo. Não se importou com isso o bispo. Por fim, disse ele ao prelado: Irei, mas depois de obter as satisfações que me prometeis.
           
            "Um ano depois, abandonava a diocese, indo para Paris, onde, passado algum tempo, foi nomeado capelão da Casa da Legião de Honra de Ecouen (1). Também daí teve de retirar-se, em consequência de excesso de preconceitos, da parte da respectiva diretoria, que não o compreendera. Para reconfortá-lo, ficavam-lhe apenas seus livros e o estudo.

            (1) Instituição fundada por Napoleão, para asilo dos órfãos de oficiais pobres. É um estabelecimento de educação, a 20 ou 25 quilômetros de Paris.

            "Eis aí o que sei desse homem todo bondade e tolerância levadas ao extremo. Era exclusivamente com bondade e tolerância que respondia à injustiça e à felonia e Deus sabe quanto o fez sofrer a crítica mentirosa que o alvejava.

            "Todavia, não devemos querer mal aos que, com relação a ele, não tiveram o senso da Verdade e da Realidade. Devemos, ao contrário, perdoar-lhes. Que bela natureza a sua! Sempre pronto ao perdão e tão simples no viver! 

            "Desde o dia em que saiu de Ecouen, cessaram as nossas relações, que não procurei manter, temendo aborrecê-lo, Informei-me, porém, e vim a saber que ele vivia muito precariamente, quase que só das generosidades de um amigo que lhe provia às necessidades mais prementes.

             "Nunca foi ambicioso, do ponto de vista terreno. Sua única ambição era o estudo. Aprender constantemente, dizia, porque nada mais somos do que grandes ignorantes.

            "É natural perguntem, como se explica que uma inteligência medíocre, qual a minha, haja podido aproximar-se daquele gênio. Nada mais vejo, nesse fato, do que um desígnio da Providência, de quem bendigo por me haver conduzido até junto de tão nobre inteligência.

            "Este o breve apanhado que posso apresentar acerca da personalidade do Padre Alta. Não sei se satisfará...

            "Admiro os espíritas brasileiros pela sua fé esclarecida e pela estima que votam a essa grande alma que foi o Padre Alta.

            "Queira perdoar a incorreção desta carta, que escrevi mecanicamente, mal enxergando as letras ao traçá-las e sem poder reler o que escrevo. Minha vista se enfraquece cada vez mais. Queira também apresentar as minhas felicitações e saudações fraternais aos nossos irmãos do Brasil.”

            Embora deficiente como retrato biográfico, a carta que se acaba de ler contém informações bastantes para que, diante da excelente obra que é "O Cristianismo do Cristo e o dos Seus Vigários" e depois de colhidos os valiosos ensinamentos que ela encerra em profusão, não nos achamos sem poder avaliar a elevação espiritual e intelectual do seu autor que, por dar desassombrado e eloquente testemunho da Verdade, incorreu nas iras do sectarismo sempre implacável e mereceu ser proscrito do seio dos que a abominam, por amor do erro com que alimentam suas almas e pretendem que todas as outras se alimentem. A essa proscrição, juntando mais uma prova da sua firmeza de ânimo e da inquebrantabilidade da sua têmpera de lutador que não cedia às arremetidas contra as suas convicções sinceras, alude ele próprio, dizendo num dos derradeiros períodos do seu admirável trabalho de sustentação e defesa do vero Cristianismo:

            "Passou, felizmente! o tempo em que o Santo Padre lnocêncio XI podia reduzir à fome o douto Baluze, para impedí-Io de dar à publicidade os verdadeiros textos dos Concílios e dos Pais da Igreja, alterados em Roma, a favor da autocracia pontifical. Já não podeis fazer mais do que adornar com o cognome de "modernista" e privar amavelmente das suas funções eclesiásticas o padre que teve a audácia de verificar por si mesmo o ensino dos teólogos romanos e que se julga obrigado, em consciência, a expor o resultado de suas verificações, resultado que conduziria, não, certamente, à supressão, mas a uma modificação séria da Igreja ensinadora, para pô-la de acordo com os reclamos da verdadeira ciência e do verdadeiro Cristianismo."

            Com este tópico que, além de comprovar a proscrição a que nos referimos, revela claramente o espírito com que foi concebida e executada a presente obra, bem como dos altos fins que com ela colimou o Autor, fins, que, quase poderíamos dizer, se identificam aos do Espiritismo, encerramos estas páginas prefaciais, juntando-lhes apenas os mais vivos e sinceros agradecimentos aos bondosos irmãos e confrades G. Gobron e J. Brasseaud, que tão eficientemente nos ajudaram a escrevê-las, o que fizemos sem preocupações literárias, mas tão só com a de também servirmos à Verdade, na medida dos nossos parcos recursos intelectuais.

O TRADUTOR.


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