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domingo, 27 de janeiro de 2013

20. 'O Cristianismo do Cristo e o dos seus vigários'


20
 “O Cristianismo do Cristo
e o dos seus Vigários...
           
Autor: Padre Alta (Doutor pela Sorbonne)
Tradução de Guillon Ribeiro
1921
Ed. Federação Espírita Brasileira
Direitos cedidos pela Editores Vigot Frères, Paris



Neste ponto interromperemos a postagem do livro, face suas dimensões, e buscaremos os capítulos  ‘O Catolicismo Romano’‘A Questão Decisiva’ que se estendem das páginas 343 até a 389, quando do final do livro.

XIX

o Catolicismo Romano


            Como sabeis, minhas Senhoras e meus Senhores, a Igreja Romana comemorou, em 1913, o décimo sexto centenário do edito de Milão, pelo qual Constantino, em 313, com o seu colega Licínio, fez cessassem as perseguições aos cristãos (Do Blog: Essas comemorações se renovam neste ano de 2013) . Não creio que no decreto pontifício, nem nos discursos eclesiásticos que à porfia glorificaram "esse glorioso aniversário", uma só frase tenha ousado lembrar que o edito, tão ardentemente celebrado pela Corte Romana, fundamenta essa inovação contrária às tradições imperiais, não pela vontade dos dois Augustos, senhores do Império, mas pela doutrina de liberdade religiosa que pregavam, havia dois séculos, os Pais da Igreja: "pois, formula o documento imperial, pareceu-nos sistema muito bom e racional não recusar a qualquer de nossos súditos, seja ele cristão ou pertença a outro culto, o direito de seguir a religião que mais lhe convenha. Desta maneira, a Divindade Suprema, que cada um de nós daqui em diante cultuará livremente, poderá conceder-nos seu favores e sua benevolência" (1) .

            (1) Gaston Boissier - "O Fim do Paganismo", 2.' ed., tomo I, pág . 42

            É que, ah! depois desse Iongínquo edito do primeiro imperador cristão, o espírito religioso e o espírito político se modificaram um pouco na Igreja. Segundo a doutrina dos Césares romanos, a religião é coisa política, não filosófica, domínio de autoridade não de liberdade, e em nome dessa doutrina é que eles haviam proibido o Cristianismo, "lei de liberdade", como lhe chamavam S. Paulo e S. Tiago, e que perseguiriam tão duramente os cristãos. Enquanto a autoridade lhes foi contrária, os seguidores de Jesus Cristo se conservaram fiéis às instruções do Mestre, segundo quem somente o Espírito faz os cristãos e somente a prédica pode dar a fé, não a imposição de um lado e a obediência de outro: Fides ex auditu... Ite, praedicate. " Qui potest capere capiat! (2). E foi em nome da liberdade que eles protestaram contra a interdição, contra a excomunhão que lhes decretavam a autoridade política e a autoridade religiosa. Mas, depois da conversão de Constantino, bem depressa começou a perversão, no espírito dos administradores eclesiásticos.

            (2) Epístola aos Romanos X, 17; Evangelho segundo S. Mateus, X, 7; XIX, 12 etc.

            "O direito comum, a lei natural, escrevia Tertuliano, querem que cada um adore o deus em que crê. Não cabe a uma religião violentar outra. Uma religião tem que ser abraçada por convicção e não pela força, porquanto as oferendas à Divindade exigem o consentimento do coração ." Lactâncio, um século mais tarde, diz mais ou menos a mesma coisa: "Não é matando os inimigos da sua religião que alguém a defende: é morrendo por ela. Se julgais servir à causa da vossa religião derramando sangue em seu nome, multiplicando as torturas, muito vos enganais. Nada deve ser mais livre do que a religião" (3).

            (3) Gaston Boisssier - I, pág. 49.

            Rápida foi a mudança e a "lei de liberdade" do Novo Testamento (4) teve de pronto a substituí-la a lei levitica do Antigo Testamento, quando os humildes presbíteros nomeados outrora pelos fiéis, para o serviço da comunidade cristã, foram mudados em tribo sacerdotal, depois pontifical, com privilégios, honras, rendas, poder e autoridade religiosa maiores do que as que, em qualquer tempo, tivera o Sacerdócio Judeu, graças à proteção dos imperadores e à ambição dos pontífices.

            (4) Epístola de S. Tiago, n, 12; I Epistola aos Coríntios, X, 29, etc.

            Por isso mesmo, curiosa é a comparação dos textos de Tertuliano e de Lactâncio, por mim há pouco citados, com o tratado ‘Do erro das religiões profanas’, que Firmicus Maternus endereça aos dois filhos de Constantino, feitos imperadores. Tira ele da Bíblia o seu principal argumento: "Aquele que sacrifica aos deuses deve ser arrancado da terra que vos pertence", diz, com efeito, o Deuteronômio, no capitulo XlII. "É-vos defeso ter qualquer piedade para com ele. Teu dever é dar-lhe morte, ainda que seja teu irmão, teu filho, ou tua mulher, que dormem no teu regaço. Tal a sentença de Deus", ensina, segundo a Bíblia, o feroz teólogo romano, esquecido de que o Novo Testamento revogou o Antigo e que, pela graça do Cristo, "a lei de amor" substituiu "a lei do temor". Em vão pregaram os apóstolos: "As coisas antigas estão peremptas, tudo daqui por diante' é novo; quem quer que seja da religião de Jesus Cristo é uma nova criatura ... Fazendo conosco aliança nova, Deus perimiu a antiga; o antigo tem que desaparecer" (5).

            (5) II Epístola aos Coríntios, V, 17; Epístola aos Hebreus, VIII, 13, etc.

            Já não é "pela graça de Jesus-Cristo", é "pela graça do imperador" que o Cristianismo de então por diante existirá. Estão mortos os apóstolos; ressuscitaram pontífices e teólogos. Pouco importa a doutrina de S. Pedro e S. Paulo, ou mesmo a de Jesus Cristo sobre "o único necessário", sobre as "vãs disputas teológicas" (6). Depois de haverem obtido dos imperadores a destruição dos templos pagãos e enquanto esperavam o massacre do admirável neo-platônico Hipatia (7) por monges sórdidos e ineptos, os neo-cristãos, suprimindo o Evangelho e instituindo a Igreja Cesariana, sob o nome de Igreja Católica, não se contentaram com excomungar seus irmãos em Jesus-Cristo, por motivo de opiniões teológicas imperialmente declaradas heréticas, pois que logo obtiveram do imperador Honório, em 414, uma lei que ordenava fossem tomadas à mão armada as igrejas dos donatistas, culpados, primeiro (311), de não terem aceitado como bispo de Cartago um traidor e covarde; depois, por terem atraído para a sua resistência quase toda a África cristã (8). A mando da autoridade imperial, seus bispos foram banidos - em 330, eles tinham reunido um concílio de 270 bispos - seus bens eclesiásticos foram confiscados. "Quanto aos simples fiéis, se colonos ou servos, eram azorragados, tiravam-lhes a terça parte de seus pecúlios; aos homens livres era imposta uma pena pecuniária, que variava, conforme a condição ou os haveres de cada um, e os punham, por assim dizer, fora do direito civil, proibindo-lhes que fizessem testamento ou recebessem heranças".

            (6) Lucas, X, 42; II Epístola de S. Pedro, III,16; I Epístola aos Coríntios, XI, 16, etc.
            (7) Duchesne - "História Antiga da Igreja", tomo II, pág, 301.
            (8) Funk Hemmer - "História da Igreja", 3ª edição, tomo I, págs. 221 a 224.

            Tal era o contágio dessa tirania apresentada oficialmente, dali em diante, como sendo o Cristianismo único, (que até o ex-donatista Agostinho de Hipona se deixou por ela seduzir. Como diz Gaston Boissier, "uma razão havia para que ele fosse brando com os transviados. Não participara também ele desse transviamento? Poderia esquecer que, durante toda a sua mocidade, se conservara obstinadamente fora da ortodoxia?" Dizia aos heréticos: "Maltratem-vos os que não sabem quão penoso é encontrar-se a verdade (9) e quanto se tem de suspirar e gemer para conceber ainda que de modo imperfeito o que é Deus; persigam-vos os que nunca se hajam enganado! Eu, que partilhei dos vossos transviamentos, posso lamentar-vos, mas não me posso irritar contra vós. Ao contrário, sinto-me obrigado a vos suportar hoje, como a mim me suportaram; devo ter para convosco a mesma paciência que tiveram para comigo, quando eu, como cego e em fúria, adotava os vossos perniciosos erros" (10). Mudou, entretanto, de sentimentos e de linguagem e acabou apoiando os que queriam se empregasse a força para converter os heréticos. Ele, que começara pela heresia e que teria de acabar pelas "Retratações", que a morte infelizmente interrompeu, se tornou o grande dogmatizador teológico que todos os teólogos romanos hão cegamente acompanhado e imposto, que ainda impõem, se bem suas doutrinas, forçoso é confessá-lo, sejam, notadamente sobre a liberdade e a graça, as mesmas que a Igreja Romana foi obrigada a condenar, no século XVII, em o Neo-Augustinismo de Jansenius" (11).

            (9) Uma verdade tão difícil de encontrar-se não pode ser a religião universal, a religião necessária a todos.
            (10) Contra epistolam Fundari, III, 3; Gaston Boissier, tomo I, págs , 74, 75.
            (11 ) Duchesne - "História Antiga da Igreja", tomo II, pág. 656.

            Com efeito, Santo Agostinho - 354 a 430 - se acha colocado na curva do caminho, nessa mudança de rumo que fez passasse a Igreja do sistema cristão ao sistema cesariano. Tinham-no suportado, confessa ele, quando era donatista, porque a tradição evangélica ainda resistia vitoriosamente à tendência jurídica e porque os próprios bispos se lembravam da parábola em que Jesus mandou que deixassem crescer juntos o joio e o bom grão, até ao Juízo derradeiro, porque os servidores do Pai Celestial poderiam muito bem enganar-se e arrancar o trigo, crentes de que arrancavam o joio (12). - Eles tinham, assim na África como em Roma, bastante bom senso para se não acreditarem infalíveis e para sentirem que a inteligência é negócio de inteligência, a ciência negócio de ciência, e que nem a autoridade, nem a obediência tem que fazer no domínio do conhecimento. Mas, os bispos, tornados cesarianos logo que César se tornou cristão, persuadiram o imperador convertido de que também devia converter o Império e "não só convertê-lo, como fazer da nova religião o que fora feito da antiga, uma instituição universal e oficial, uma religião de Estado" (13). Infelizmente, os cristãos, desde muito tempo, haviam introduzido na Igreja questões de partidos ou de pessoas e querelas teológicas e pequenas igrejas se tinham separado das igrejas principais. Constantino, informado das divisões interiores do Cristianismo, decidiu, desde o primeiro momento, que seus favores só seriam dispensados à grande Igreja, cuja sede era a capital mesma do Império e essa foi a que ele reconheceu como autêntica, porque lhe agradava encontrar nela o poder religioso já constituído de forma administrativa. "Mas, afora os privilégios, os heréticos isto é, os cristãos não submissos à autoridade administrativa - tinham tido, a principio, como todos os cristãos, o direito de restabelecer suas igrejas e de efetuar de novo suas reuniões" (14).

            (13) Veja-se: ‘Christus’, edição de 1913, páginas 920 e 921.
            (14) Duchesne – ‘História Antiga da Igreja’, págs. 650, 148, 157   

            Depois do concílio de Niceia, Constantino, que oficialmente o presidira, deu ciência a todo o Império das decisões conciliares e tomou a peito reconduzir à uni-
dade as igrejas dissidentes (15). "Estava absolutamente decidido a não transigir, no tocante ao concílio: era o seu concílio, ao qual ele assistira e, até, dirigira um pouco", confessa de modo discreto o historiador romano; "manteve, pois, resolutamente a sua decisão" (16). Ário e os bispos que se lhe conservaram fiéis foram exilados, inclusive o próprio bispo de Niceia, sendo condenados ao fogo seus escritos. Mais alguns séculos de progresso eclesiástico tiveram de passar, para que se chegasse a queimar, não apenas os escritos, mas também os homens declarados heréticos.

            (15) Idem, idem (14)
            (16) Idem, idem (15)

            Algum tempo depois, o episcopado ortodoxo sofreu e protestou, quando sobrevieram imperadores heréticos, que entenderam de impor o gênero de ortodoxia que adotavam. Clamaram então os Donatas: "Que vem fazer o imperador nas coisas da Igreja?" "Quando, todavia, as coisas iam bem, observa Monsenhor Duchesne, ninguém se escandalizava por intervir o imperador. Que interviesse no bom sentido, era tudo o que lhe pediam" (17).

            (17) Duchesne – ‘História Antiga da Igreja’, tomo II, pág. 657. 

            Entretanto, também aÍ um progresso se tinha de realizar, para chegar-se ao estabelecimento do Cesarismo espiritual e o simplório lrineu de Lião, numa discussão puramente eclesiástica, o indicara de antemão, declarando que, para cessarem as divisões, era necessário que todas as igrejas se unissem em torno da Igreja de Roma, que, pela sua posição no centro politico do Império, estava designada naturalmente para centro eclesiástico (18). Esse texto de lrineu é o primeiro testemunho que os teólogos romanos invocam a favor da ancianidade do primado universal da Igreja de Roma. Peço perdão a esses Senhores, mas, ou eles ignoram o latim, ou fingem não compreender.

            (18) O texto é citado por Kraus, “História da Igreja”, I, pág. 180, nota 2.

            O texto não diz que toda a Igreja, totam Ecclesiam, como se falasse de um corpo já unificado, mas "toda igreja, todas as igrejas", omnem ecclesiam". Não diz: "toda a Igreja depende da Igreja de Roma", porém que: "todas as igrejas façam unidade em torno da igreja romana, se quiserem que cessem as discussões", Ainda nesse ponto, ele profetizava mal, porquanto a supremacia que Roma reivindicava produziu, em vez da união de todas as igrejas, a separação das Orientais, primeiro, depois, entre os cristãos do Ocidente, divisões igualmente consideráveis e obstinadas.

            "Fazer remontar a primazia cristã aos primeiros séculos do Cristianismo é, pelo menos, desconhecer as leis e as condições do desenvolvimento cristão" (19), confessam hoje, discretamente, os historiadores ortodoxos e confessam "forçados pela ciência crítica, que, notadamente, em S. Cipriano, testemunha incontestável da doutrina contrária, os partidários do primado romano interpolaram textos a favor da tese que sustentavam (20). Digamos, por desencargo deles, que não citam a carta em que S. Firmiliano, metropolitano da Capadócia, escrevendo, no ano 256, a S. Cipriano, qualifica de "tolo", stultus, o papa romano Estêvão, o primeiro a intitular-se "sucessor de S. Pedro", atribuindo sentido exclusivo a essa qualificação (21). São Gaudêncio, pelo ano de 396, ainda honra com esse título o bispo de Milão, Santo Ambrósio, porque, na opinião daqueles tempos, a cadeira de São Pedro estava
por toda parte, na Igreja, e todo bispo era tido como sucessor de S. Pedro, do mesmo modo que todo bispo era chamado "papa", isto é, "pai", datando apenas do século VIII o sentido exclusivo atribuído hoje a esse título.

            (19) Kraus, I, 180. Devera dizer: do desenvolvimento eclesiástico, para ser absolutamente exato.
            (20) Idem, I, 181, linha 3 e nota 2.
            (21) Migné - "Patrologia Latina", tomo III, colunas 1201 a 1226.

            Até então, o bispo de Roma, eleito como os outros, pelos cristãos da sua cidade episcopal, pagava uma soma bastante elevada ao imperador de Constantinopla, do qual se reconhecia, tributário, como claramente o atestam o requerimento do papa Agaton, pedindo, em 680, por intermédio dos seus legados ao VI Concílio Ecumênico, convocado para aquela capital, pelo imperador Constantino Pogonato, uma diminuição do foro anual, e a resposta imperial, especificando que o eleito do povo romano para o episcopado não seria ordenado, antes que o imperador aprovasse a eleição, "de acordo com o costume antigo". Quando a invasão dos bárbaros subtraiu o Ocidente ao imperador de Constantinopla, o privilégio daquela confirmação foi transferida para os imperadores do Ocidente, pelos próprios papas. Somente Gregório VII - 1073 a 1085 - conseguiu libertar-se desse privilégio, como conseguiu, ou quase, que todos os bispos se curvassem à sua dominação única.

            A partir desse sétimo Gregório romano, foi-se a doutrina proclamada por S. Gregório I - 590 a 604 - contra o patriarca bizantino João, o Jejuador, de que "o título de bispo universal é contrário aos direitos de todos os bispos" (22). Já Teodoro I - 687 - pouco satisfeito com o titulo de "Servo dos servos de Deus", que Gregório I humildemente tomara, adotou o de "Soberano Pontífice", que os outros bispos até ali tinham usado com os de "papa" e "vigário do Cristo", indistintamente, para se destacarem dos padres de segunda ordem (23). Gregório VII quis comandar não só os bispos, como os reis e o imperador. Os escândalos e os crimes dos 32 papas que se haviam sucedido no trono pontifical, durante 107 anos, de 896 a 1003, e as revoluções, as incessantes guerras a que, ainda por mais tempo, deu causa a nomeação do bispo de Roma pela aristocracia e pela populaça romanas, justificam evidentemente a indomável energia de que usou Gregório VII, para conquistar a independência e regularizar o funcionamento da autoridade espiritual, mau grado mesmo aos reis e aos imperadores.

            (22) Kraus, tomo I, pág. 347,
            (23) Funk Hemmer, tomo I, pág. 269.

            No futuro, porém, não menos do que no passado, a santidade e o gênio não se mostraram inseparáveis da soberania pontifícia. Era fatal o declive por onde os papas, desde Inocêncio III - 1198 a 1216 - seriam arrastados à ambição e à realização da autocracia absoluta.

            Foi persistente a resolução e habilmente conduzida a realização. O papa Bonifácio VIII - 1294 a 1303 - juntou uma segunda coroa à de que os seus predecessores haviam ornado a tiara que usavam, imitando os sumo-sacerdotes judeus. Benedito XII - 1334 a 1342 - acrescentou uma terceira e, assim, desde o século XIV, estava completa a declaração da tríplice autoridade que os pontífices romanos se atribuíam, para igualarem, não à santidade, ah!' não, mas à potestade divina. "Não à santidade", disse eu. É que as pretensões não geram o mérito e o poder não é a virtude.

            Mesmo durante esse período triunfal a que se chama a "Idade Média", além de que muitos papas não foram santos, os mais virtuosos, apesar da sua boa vontade, não lograram impedir que a Corte Romana fosse exatamente o oposto de um Colégio Apostólico e de um Sacro Colégio, como piedosamente ela se intitula. E foi, sobretudo, Roma, que maculou aquela cristandade mesma dos séculos XII e XIII, que as Histórias da Igreja glorificam, como de maravilhosa floração de todas as virtudes e de todas as instituições cristãs.

            Pelos resultados é que se julgam as instituições: "é pelos frutos que se julga de uma árvore", disse Jesus-Cristo. Porventura os frutos da árvore pontifical, os resultados da organização cesariana em Roma dão testemunho de que as mudanças introduzidas pelo papado na obra de Jesus-Cristo são obra do Espírito-Santo? Querer atribuir A inspiração divina as ideias e os atos da autoridade pontifícia é pretensão que não logra êxito em nossa época. Verdadeiramente, bom é que, por honra de Deus, não se seja obrigado a dar-lhe a paternidade da instituição da Inquisição, do Diretório dos Inquisidores que o Papado não se descuidou de fazer fosse reeditado em Roma, nos anos de 1578, 1587 e 1597, e que, desde Alexandre IV - 1254 a 1261 – até ao XVIII século, multiplicaram por toda a Europa torturas e fogueiras, fazendo tantos mártires quantos anteriormente haviam feito os perseguidores pagãos dos séculos II e III, Não! os chefes da Igreja, como os outros homens, conservam a sua liberdade, debaixo das sugestões e inspirações divinas. Nas palavras e nas obras dos papas, como nos dizeres e atos dos pregadores ou dos ministros do Evangelho, a, razão tem o dever, que não apenas o direito, de discernir e de julgar, como o recomendava S. Paulo no começo do Cristianismo: Omnia probate; quod bonum est tenete! "Experimentai tudo, apreciai tudo, para unicamente guardardes o que for bom" (24). "Separai-vos, apartai-vos de tudo o que tenha aparência de mal", continua o apóstolo, falando aos seus cristãos de ontem, apenas instruídos nos rudimentos do Cristianismo.

            (24) I Epístola aos Tessalonicenses, V, 21.

            A corte romana, depois, entendendo sem dúvida, e com razão, que os cristãos, após séculos e séculos de Cristianismo, mais capazes já eram de julgar do bem e do mal, tomou suas precauções e, por meio da Inquisição e do Índex, proibiu, até mesmo ao santo de Fogazzaro, se achasse que nem tudo é absolutamente perfeito, nem no passado, nem no presente, quanto, sobretudo, “ao santíssimo e infalível papado latino".


            Assim pois, como, segundo o preconceito que os interessados habilmente criaram, só um ímpio ou um orgulhoso pode deixar de admirar tudo em a "nossa Santa Madre Igreja", não apelarei para o meu próprio juízo, nem, ainda menos, para as asserções de algum inimigo da Igreja, mas para um grande doutor da Idade Média, que Roma declarou santo, para o ilustre e virtuoso sábio S. Bernardo.





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