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terça-feira, 8 de janeiro de 2013

10. 'Guia Prático do Espírita'



10
 ’Guia Prático
 do Espírita’

por  Miguel Vives y Vives

3ª Edição

 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
1926


A TENTAÇÃO: SUAS MODALIDADES E MODO DE COMBATÊ-LAS


            Assim como é muito difícil encontrar na Terra um ser que goze sempre no seu físico, e em todas as ocasiões, de saúde perfeita, muito mais o é encontrar um ser verdadeiramente equilibrado na sua parte moral; ninguém é perfeito neste mundo, e assim como a atmosfera e o modo de ser no mundo material tem relação muito direta com o nosso organismo e nos predispõe a certas enfermidades, assim os elementos espirituais, que nos rodeiam, influem por tal forma no nosso modo de ser moral, que aproveitam a causa mais insignificante para desenvolver em nós sofrimentos morais ou um mal-estar interior, com o fim de mortificar-nos
ou deter-nos na vida do progresso; e isso porque os elementos espirituais, que constantemente nos rodeiam, se infiltram e penetram em nós como os elementos atmosféricos; criam ao redor de nós micróbios e outros bacilos que desenvolvem enfermidades, quando o modo de ser do nosso estado físico se não opõe ao seu desenvolvimento. Assim, pois, devemos estar mais prevenidos para afugentar as influências espirituais do que os miasmas materiais, e assim como, por mais precauções que tomemos, não poderemos afastar de todo as influências do frio e do calor e outras mudanças bruscas, assim tão pouco, por mais precauções que tomemos, não poderemos evitar de todo a tentação; o que podemos fazer é não cair naquilo a que ela nos induza; e nisto deve consistir o nosso método; nisto devemos por toda a nossa atenção e o nosso cuidado, ainda que isso nos custe sacrifício. Que fazemos nós com os elementos atmosféricos? No inverno abrigamo-nos e no verão desabrigamo-nos e procuramos lugares frescos para que não sintamos tanto os rigores do tempo, e, se ainda assim os temos de sofrer, conformamo-nos e não lhes damos importância; sofrermos resignados, procuramos resistir o mais possível e dizemos: isto é frio ou calor, há de passar, e acabamos por não fazer caso; pois o mesmo devemos fazer na tentação, porque é um mal inerente a todos; porque não, há ente encarnado que o não sofra, porque, quase diríamos, é uma condição inevitável e, quase me atreveria a afirmar, necessária ao nosso progresso.

            Entenda-se, porém, que a tentação não tem sempre, e em todos, o mesmo caráter e as mesmos formas; como os graus de virtude e de defeitos são múltiplos, vários e infinitos, também são muitas as variedades de tentação. Nem sempre o espírito, que nos tenta, se vale de incitar desejos e pensamentos maus no nosso entendimento; mas também, às vezes, penetra em nós e, de dentro da nossa consciência, nos faz sentir desejos que é uma necessidade satisfazer; desejos estes que, como sensualidade, podem pertencer á ordem física, tais são as distrações, os divertimentos, os vícios, etc., como desejos de vingança ou de critica, de amor desmedido ou de repugnância a determinadas pessoas.

            Há seres de suficiente retidão e bons desejos em cujo entendimento e em cujo íntimo é muito difícil ao espírito das trevas penetrar; sucede, porém, amiúde que estas pessoas, muitas vezes à primeira contrariedade, soltam palavras inconvenientes e ditas em tom áspero, ou se excitam por pouca coisa; quer isto dizer que, ainda que não sentissem nem no seu entendimento nem no seu íntimo qualquer influência ou mal-estar, o espírito das trevas tinha aquele ser preparado para dar-lhe investida e fazê-lo cair e o lograria ou o logrou na primeira ocasião. Geralmente a tentação tem a raiz no entendimento, por isso é assim chamada; mas não é a ela só que o espirito das trevas recorre para nos fazer cair. Sucede, às vezes, que o ser sente a tristeza ou mau humor, frequentemente sem motivo aparente, e, se o há, é por vezes tão insignificante que o próprio indivíduo fica surpreendido de que, tão fútil motivo produza tão grande mal-estar; neste caso há antes possessão do que tentação; o espírito que causa este estado, se se lhe não resiste muito, pode até, não só roubar a tranquilidade e por o indivíduo em situação que o comprometa, mas ainda alterar lhe a saúde. Explanarei depois os meios para resistir a este estado. Por vezes, a tentação ou possessão reveste outra forma, e vem a ser apoderar-se demasiado doutra pessoa, que, sem saber porque, sente em si um afeto injustificado; esta possessão exerce-a o espírito das trevas para fazer cometer injustiças; o que tanto pode suceder no interior da família como no trato com pessoas estranhas; esta classe de possessão, como a anterior, ás vezes faz sofrer muito e é mister, muita força de vontade para contrastá-la. É então que devemos recordar as palavras do Senhor Mestre: Velai e orai é quando devemos ter o pensamento mais elevado e exercer grande espírito de justiça, para não nos afastarmos em nada e por nada do que for justo, e se com isso não pudermos afastar a possessão, não nos devemos cansar de pedir e de ter pensamentos elevados e de opor paciência e resignação a toda a prova; com isto, o ser encarnado adianta-se muito; estas penas ocultas que, às vezes, por nada no mundo, o ser comunicaria a quem quer que fosse, tem grande mérito ante Deus e fortalecem muito o espirito encarnado. Nunca devemos esquecer que na Terra não teremos jamais paz completa, e se alguma vez chegamos a senti-la, dura ela pouco; assim, pois, quando somos atormentados por estes estados, devemos ser fortes, resistir e opor-lhes paciência, serenidade e calma sem limites; ao mesmo tempo não devemos esquecer que, apesar da aflição que em dado momento nos podem ocasionar, desaparecem em momento dado e ficamos tão tranquilos como se nada houvesse sucedido, e a causa destas mudanças tão súbitas é a luta que se trava entre os espíritos que nos amam e os que nos aborrecem; por isso nunca devemos desconfiar muito neles e pedir-lhes e suplicar- confiar muito neles e pedir-lhes e suplicar-lhes a sua proteção, quando nos virmos em apuros, porque muito fazem por nós se nos pomos em condições de recebê-las ou de receber deles a influência necessária em nossas vicissitudes.

            A tentação de pensamento não nos é tão penosa como a possessão; a esta devemos combater extirpando paixões e vícios e desejos ilícitos; essa tentação todos experimentam, menos os que estão dominados pela incredulidade; aqueles, porém, que acreditamos nalguma coisa com respeito à vida futura, a conhecemos. Nesta tentação o espírito das trevas começa por sugerir o pensamento e o desejo ilícito, promover sensações e excitar desejos se se lhe oferece ocasião; nesta tentação deve-se cerrar o pensamento a toda a ideia que constitua infração da lei divina, e se, apesar da resistência, o pensamento continuar excitado, devemos nos colocar no lugar da vítima e refletir se nos agradaria que nos roubassem o que é sagrado e de grande estima para nós, e então nos colocaremos no bom caminho. Parece ocioso tratar estes assuntos entre espiritas; assim, porém, não é. Quando entramos no Espiritismo não somos seres perfeitos; muito pelo contrário; ás vezes temos grandes defeitos a combater; e como o espírito das trevas é que nos dominava enquanto permanecíamos entregues exclusivamente às coisas do mundo, não quer afastar-se de nós e aferra-se ao que havia dominado até então.

            Às vezes sucede, e este fenômeno se passa com a maioria dos que entram no Espiritismo, que no momento de conhecerem esta doutrina, sentem tão vivo desejo de ser um novo homem ou uma nova mulher, que tomam fortes resoluções, lançam fora de si desejos ilícitos e tomam grandes determinações de trilhar vida nova, e o conseguem; esta resolução dura algum tempo e eles limpam-se de todo passado, porém, certo período, a impressão do princípio vai-se extinguindo e volvem a sentir pouco a pouco os mesmos desejos e, às vezes, o espírito que dominava, antes, volta a apoderar-se da sua antiga morada e torna o espírito a cair no que era antes; se então este não se escuda na prece, no amor, na caridade e em forte desejo de se libertar, são às vezes piores as últimas coisas que as primeiras; por isso temos visto muitos que começaram e não continuaram, e, se mal estavam antes, pior ficaram depois, e a quem mais isso sucede é aos que foram muito aferrados aos interesses, isto é, ao dinheiro; esta paixão é mui difícil de desterrar e a mais custosa de corrigir; de maneira que ao egoísta ou interesseiro é muito difícil, para não dizer impossível, entrar no Espiritismo e sustentar-se nele.

            Aqui se pode aplicar a frase de grande transcendência de AlIan Kardec: “Sem caridade não há salvação”; assim sendo, ao espírita que está aferrado aos interesses materiais e que muito os ama, quase se lhe pode dizer que, enquanto durar este estado, não poderá compreender o Espiritismo e nele penetrar: é esta a barreira que retém a humanidade. O amor ao dinheiro é sinal evidente de falta de caridade e de amor ao próximo, e o que se encontra neste estado não realizará grandes progressos em sua alma. O ser encarnado deve buscar modos de prover as suas necessidades por forma justa e honrosa; uma vez supridas estas, não deve ter ambição nem anhelos (desejo, anseio, vontade, esperança) entusiásticos para o mais, mormente se é espírita; tudo quanto puder adquirir a mais deve procurar fazê-lo por meros completamente lícitos, e do que entesoura deve procurar que participem em grande parte os desgraçados; só assim se lhe permitirá ter algumas sobras, sem cair na responsabilidade; do contrário, se nos seus lucros não conta com os pobres, ainda que aqueles pareçam lícitos aos olhos do mundo, são uma usurpação perante Deus; e quem tal faz, se é espirita, não progride, antes retrograda; por isso aconselhamos aos espiritas que não esqueçam a frase: “Sem caridade não há salvação”, e que aqueles que estão em condições de adquirir dinheiro lhes não doam as dádivas. O espírita deve pensar que a sua felicidade não está na Terra, mas no espaço; assim, deve fazer todo o possível para enriquecer o seu espirito com virtudes e obras boas, e para isto não deve esquecer que um dos maiores inimigos que pode alimentar em si é o amor ao dinheiro, melhor direi o egoísmo. Já disse como se combate esta paixão e a tentação que ela envolve: é tornando partícipes nos nossos lucros os desgraçados; isto fará com que nossas iniciativas e nossos trabalhos redundem em bem dos que sofrem; assim, o que tal fizer, terá a satisfação de possuir alguma coisa para o seu bem-estar terrestre e o seu espirito progredirá, porque com a sua iniciativa e o seu trabalho, além de proporcionar o necessário aos pobres, fará muito bem.

            Quando realizar um negócio ou fizer um trabalho com que muito lucre, deve, pois, imediatamente, destinar uma quantia,  proporcionada aos lucros ou à soma adquirida a remediar os males ou necessidades dos que sofrem, sem dar ouvidos a pensamentos egoístas, nem de conveniência pessoal; deve tomar resolução rápida, sem o que o espírito das trevas pode acudir e desbaratar os bons desejos, tudo inutilizando.

            Quanto à tentação possessiva, que é o que se dá quando o espírito radica (criar raízes; arraigar-se) a sua influência mais na consciência do que no entendimento, há uma maneira de a conhecer e combater: é opor, no estado de consciência, um desejo de justiça muito reta; por exemplo: se se trata de uma repugnância a uma pessoa ou pessoas determinadas, deve opor se lhe espírito de caridade a toda a prova; se é um amor desmedido, deve combater-se com um espírito reto de justiça; assim, é justo que por esta pessoa sintas o que em ti se passa? Se não é justo, podes estar certo de que aquela impressão é sustentada por algum inimigo do espaço, mormente se aquele desejo ou amor desmedido pode dar lugar a fazer sentir os desejos de alguma paixão, ou, outrossim, se as atenções que se sentem por aquela pessoa podem dar lugar a alterar a harmonia no círculo da família ou das nossas relações íntimas. Já ficou dito que a tentação tem muitas maneiras de assediar os encarnados; si o espirito se escuda; porém, no verdadeiro espírito de justiça, descobrirá em seguida a causa e a combaterá; e, se só com o querer não logramos banir influências que prejudiquem a moral e o cumprimento do dever, então devemos recorrer a preces, evocar com entusiasmo e fé o nosso guia espiritual e influências de espíritos elevados, que eles acudirão, com gosto, ao nosso chamamento e verão satisfeitos os seus desejos, que sempre são que os seus irmãos na Terra progridam e se elevem; assim, por aflitiva que seja a nossa situação, nunca devemos desconfiar dos socorros do Alto, principalmente se são solicitados. É nestes casos que melhor se aplicam as palavras do Senhor: “Pedi, e dar se vos á ; chamai, e abrir se vos á; velai e orai” e, ao mesmo tempo, enquanto se sofre, deve-se opor uma resignação a toda a prova e uma paciência inalterável, que é o que mais cansa o espirito tentador; por forma que se nos estados do nosso ânimo e nas tentações da nossa mente opusermos sempre um espírito de reta justiça e uma resignação e paciência a toda a prova, oporemos barreira ao espírito das trevas, que nunca poderá induzir-nos ao erro e não nos poderá causar nem transtorno nem retrocesso algum; pelo contrário, obrando desta maneira, todos os danos que o espírito das trevas nos puder causar terão resultado contraproducente ao que o tal espirito se propuser, e vem a ser que, com os sofrimentos da tentação suportados e combatidos com espírito de reta justiça, com paciência e resignação, o ser encarnado progredirá e dará provas ao Pai que, por amor ao cumprimento da lei, sofre, resigna-se e espera, suprema maneira de obrar dos espíritos que viveram, vivem e viverão na terra.

            Com esta maneira de proceder, o espírito encarnado na Terra não evitará todos os males e sofrimentos, que nos podem causar os espíritos atrasados, que pululam ao redor de nós; triunfará, porém, de todas as suas arremetidas, e os sofrimentos que lhe causarem lhe servirão para progredir muito.

            Se procedermos da maneira que deixo dito, podemos repetir as palavras de um grande escritor antigo : “Quando se resiste à tentação, é se a formiga do Leão; mas quando o ser se entrega a ela, é-se o Leão da formiga; sigamos, pois, sendo sempre o Leão, e a tentação a formiga, e assim não teremos que teme-la”; mas, pelo contrário, seremos senhores de nós mesmos pensando, sentindo e querendo ou desejando unicamente o que o dever nos impuser; assim evitaremos muitas angústias na vida e nos prepararemos para morrer mais tarde no reino de Deus.

            Sem embargo, nunca devemos esquecer, enquanto nos couber estar na Terra, que havemos de ser contrariados em tudo; a humanidade está muito atrasada e mal se encontra uma pessoa que saiba cumprir todos os seus deveres, e como é indispensável viver em relação com muitas, já na família, já no seio da amizade, nunca nos hão de faltar contrariedades; por isso, enquanto estivermos na Terra, é necessário vivermos alerta, escudarmo-nos com amor, admiração e adoração ao Pai, por toda a nossa esperança na grandeza da sua obra, que é a casa onde haveremos de viver eternamente; é indispensável seguirmos a lei divina proclamada pelo Senhor e Mestre e pô-la em prática tendo grande amor e fé na palavra do Senhor e, se algum dia as angústias da vida nos perseguirem, não esqueçamos as suas palavras: “Bem aventurados os que sofrem, que deles será o reino de Deus”, e procuremos que a confiança nas suas promessas nos dê valor e força para suportar tudo, considerando que a existência terrena não é mais que um sopro, um período curtíssimo da nossa
existência universal, e que por dia e noite que passarmos de sofrimento na Terra, se soubermos conformar e soubermos imitar os Mártires e os justos, teremos mil anos de repouso e de felicidade.

            Ânimo, meus irmãos, vós que sofreis; não deixeis que o corpo se faça em pedaços ou sucumba à dor; mantende o espírito forte na prática da submissão e do valor e permanecei enamorados de Deus, do grande Senhor, e do cumprimento da sua lei, e não esqueçais que a recompensa superará a todos os vossos desejos e esperanças. Assim vo-lo afirma o vosso irmão
                                                     
                                                  Miguel Vives                    


            NOTA. - Por último aconselho que o irmão que for assaltado pela tentação, busque a outro irmão a quem considere digno e de confiança e lhe abra o seu coração, explicando-lhe tudo e pedindo-lhe auxilio; pondero, porém, que as pessoas que forem consultadas e chamadas em auxílio das almas enfermas, que bem podem ser os presidentes de reuniões e centros, deverão ser caladas como um túmulo, prudentes, misericordiosas, caritativas, afáveis no falar e proceder, capazes de toda a abnegação, dotadas de intenso amor ao Pai e submissão ao Senhor e Mestre e à sua Lei, a toda a prova; deve considerar, o que for consultado, que exerce o dever de guia espiritual, que pode fazer grande bem ao ser que o consulta, se souber dirigi-lo com retidão, mansidão e caridade. É muito necessário que haja entre os espíritas irmãos experimentados na prática da virtude, da caridade, de amor ao próximo e da adoração ao Pai e veneração ao Senhor, para que esses irmãos tenham suficiente luz a fim de, em caso de necessidade, poderem ajudar a seus irmãos e darem lhes a
mão na intrincada senda da vida. Bem aventurado o que se esforça para chegar a tal estado: esse não verá trevas e merecerá a confiança dos do Alto e dos da Terra. É assim que, depois desta morada terrestre, se chega a penetrar no reino de Deus.




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